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Esta perda de sentido é acompanhada pela tendência em rejeitar o
Absoluto e em afirmar o relativismo em todos os domínios: ciências
humanas, meios de comunicação social, política, arte, literatura, teatro, etc.
Entendido como Deus, como Homem (Kant considerava que o
homem é o lugar que determina o sentido de tudo) ou como Razão, o
Absoluto tem vindo a ser rejeitado, dando lugar à afirmação do relativismo
que se opõe ao universalismo dos valores.
As próprias ciências humanas tentam mostrar-nos que os valores são
apenas o resultado, num dado momento histórico, das relações de força e
de cooperação entre os diferentes grupos constitutivos da sociedade. As
suas propostas, dominadas por uma antropologia utilitarista, vão no sentido
de o homem, nas suas acções, procurar, em primeiro lugar, o prazer, pondo
de lado a questão do Bem.
No que se refere aos meios de comunicação social, estes veiculam
uma imagem publicitária do humano, através dos valores ou contra-valores
que apresentam, apostando no culto da imagem e na glorificação do
espectacular e do imediato.
A política, que quis assumir-se como promotora de valores, ficou,
apenas, ao nível da cidadania e do civismo, apregoando, hoje, como fonte
de legitimação, o consenso que começa, todavia, a ser percebido como
mera retórica.
Passando para a literatura, para a arte figurativa, para o cinema e para
o teatro, o que domina é, como refere J. Ratzinger, uma visão negativa do
Homem.
E, a uma sociedade que não é gerida pelos pilares modernos, que já
não sabe que modelos permanecem, partilhando das características da pós-
modernidade, resta-lhe, apenas, gerir o pluralismo (o que supõe gerir a
laicidade e gerir a democracia): a laicidade que desabrocha numa
racionalidade inquieta e crítica que mantém aberto o espaço do pluralismo
secularizado, contrário ao endoutrinamento; a democracia que, com a sua
preocupação em torno da vontade geral, viabiliza o relativismo de valores.
Mesmo quando, através dos media, se fala em valores democráticos, tal não
significa senão um discurso vazio; todos os valores se relativizam.
Refira-se que, hoje, o relativismo tende a ser vivido em conexão com
os anseios de auto-realização pessoal e de autenticidade, fundando-se no
respeito pelo outro. Defende-se que cada um tem os seus valores e que é
impossível argumentar em relação aos mesmos, não se devendo julgar os
valores do outro; a cada um pertence a eleição da sua vida, tendo cada um
direito a desenvolver a sua própria vida, fundada no sentido que cada um
dá àquilo que tem ou não tem valor.
Encontramo-nos perante uma sociedade marcada não pela busca da
certeza, na qual os valores parecem assegurados, mas perante uma
sociedade votada à gestão da incerteza, na qual os valores se apresentam
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como relativos. Trata-se de uma relativização difusa dos valores que
conduz a uma banalização das orientações e das decisões a tomar, uma vez
que tudo é provisório e passageiro.
Esta situação, visível no âmbito sexual, na violência, na concepção
da auto-realização, na concepção da justiça, etc., vem-se, porém, tornando
problemática.
Não podemos, contudo, esquecer que, como refere O. Fullat, a par da
hermenêutica da pós-modernidade, continuam, ainda, a adoptar-se outras
hermenêuticas: a hermenêutica da pré-modernidade na qual tudo gira à
volta do Absoluto, entendido como Deus Encarnado, e a da modernidade,
em que acaba por prevalecer a ideia de que o Absoluto é o Homem e, a
seguir, a Razão.
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A cultura apresenta-se, assim, como uma região intermédia que vai
da natureza (aquilo que, na realidade, se apresenta como geral) até aos
valores, constituindo uma realidade referida a valores, sem se confundirem
com a ideologia que apenas joga com elementos apriorísticos, subjectivos e
arbitrários. A cultura, tratando de valores ligados aos fenómenos, não os
inventa, apenas os recolhe, devendo revestir-se de um interesse geral, ser
reconhecidos e aceites pela comunidade.
Os valores não existem antes de ser praticados. Assim, é preciso que
alguém, culturalmente, comece a vivê-los. Paul Ricoeur salienta que os
valores, mesmo vividos por poucas pessoas, se propagam através do
conceito de identificação, no sentido de terem a mesma qualidade humana.
Contudo, os valores não são somente reais quando se encontram
realizados através da actividade de certos homens; eles são-no também
porque eles, à sua maneira, integram factos que se impõem ao homem para
o dirigir antes de qualquer realização. Daí o interesse na descoberta dos
verdadeiros valores para a existência.
Os valores são o objecto de uma preferência subjectiva, não
egocêntrica, mas em vista de um fim considerado digno de ser prosseguido.
Os valores dão, assim, sentido à vida; a perda dos valores é uma perda de
sentido.
Como refere L. Lavelle, em Traité des valeurs, aquilo que é próprio
de um valor é que ele não é nem dado como um objecto, nem pensado
como um conceito; ele é querido e é porque é querido que pode ser
contestado. É neste sentido que a teoria dos valores procura, precisamente,
algo que pode ser querido absolutamente, isto é, por todo o lado e sempre,
revestindo, contudo, sempre, aqui e agora, formas particulares.
O valor supõe uma vontade livre, isto é, uma vontade que se pode
determinar a ela própria sobre um objecto da sua escolha. Lá onde reside o
valor verdadeiro, a aspiração da vontade, longe de ser limitada pela posse
de um objecto, encontra uma satisfação que a enche e que alimenta,
indefinidamente, o seu próprio movimento; em vez de o suspender,
descobre o infinito no finito.
Para Adela Cortina, é a região ôntica e natural do homem que o leva
não só a conhecer, mas também a saber que conhece; não só a possuir-se
(pela sua liberdade), mas também a poder entregar-se ao outro (sem estar
obrigado a isso); não só a viver dentro de si, mas também a entregar-se
abertamente à comunhão com os demais. Isto significa que o homem é
capaz, pela sua própria natureza, de aderir a valores, de possuir a sua
liberdade, de ser considerado como um ser moral, de tal modo que é
conduzido para o bem por si mesmo e não por outros.
Michel Renaud afirma que, estando relacionados com o agir, o agir
do indivíduo ou do grupo, agir consciente ou agir transformado em hábito
social, os valores são afectados pelo carácter contingente do agir, ficando
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na dependência do agir que os actua, que lhes confere uma existência real.
Princípios fundadores e reguladores da essência do juízo e das acções dos
membros de uma comunidade, os valores são ideais que motivam o agir de
tal ou tal maneira mais do que de outra; são o que “vale” a pena viver,
aprender, trabalhar, arriscar, sofrer, etc.; são referências que orientam as
convicções e os comportamentos. O valor refere-se à motivação do agir, ao
passo que o seu conteúdo implica a presença implícita de um princípio de
hierarquização. Tal como a existência se vive numa multiplicidade de
dimensões, assim há, também, uma pluralidade de campos de valores que é
vivida, não à maneira de uma justaposição, mas a partir de um princípio de
hierarquização unificadora. Há um valor porque existe um princípio de
preferência e de hierarquização, sendo o Bem aquilo que constitui o
respeito pela própria hierarquização dos valores do agir.
Quanto ao sistema de valores, este é a expressão daquilo que nós
somos e da nossa relação com a vida. Situados numa perspectiva
ontológica, sendo a Vida o valor dos valores, um sistema de valores não é
outra coisa senão a configuração conceptual da maneira como nós
representamos o que para nós tem sentido.
Assim, para Michel Henry, o verdadeiro nome da crise de valores,
que atravessa a nossa civilização, chama-se “doença da vida”. E, quando
esta doença atinge uma civilização, esta orienta-se para a barbárie. Esta
doença desenvolve-se em práticas marcadas pela projecção na evasão, na
fuga de si.
A sociedade moderna actual é fundamentalmente uma sociedade
pluralista, isto é, constitui-se a partir de um confronto permanente entre
diferentes cosmovisões; não tem um único sistema de valores.
Fruto, sobretudo da globalização, existe, no interior de cada
sociedade, um pluralismo inter-cultural que convive, contudo, com uma
tendência de homogeneização das sociedades relativamente ao domínio de
certos valores (consumo, direitos humanos, etc.).
Michel Renaud chama a atenção para o facto de não nos devermos
espantar com o fluxo e o refluxo dos valores, como se isso fosse uma
descoberta dramática dos nossos tempos. É que, apesar do carácter
eventualmente absoluto do seu conteúdo, os valores não têm uma
existência universal, uma vez que são afectados pelo carácter contingente
do agir e da cultura em que o agir se insere; ficam na dependência do agir
que os actua e lhes confere uma existência real. Os valores são universais
(em compreensão), a priori, contendo algo de absoluto; e são históricos,
culturalmente situados, perecíveis, relativos e mutáveis.
Contudo, este seu carácter mutável não apaga, salienta Michel
Renaud, aquilo que, no valor, se encontra como proposta de conteúdo
absoluto, pertencendo ao ser humano descobrir, de modo culturalmente
situado, o que na acção supera a acção.
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3. Origem dos valores
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Michel Renaud, referindo-se ao “círculo hermenêutico”, salienta o
facto de, no primeiro momento, o valor implicar uma escolha, uma opção,
uma decisão em seu favor. Nesta decisão, existe algo de a priori, uma vez
que não é possível deduzir tal opção de modo inteiramente racional (pois
pode situar-se ao nível da vivência).
À medida que o valor se exprime no agir e ganha força, numa
existência concreta, torna-se objecto de reflexão. Esta reside, então, na
compreensão do modelo existencial que se perfila por detrás do valor ou,
mais exactamente, no tipo de figura vivida que o valor inspirou à
existência.
A inovação existencial do valor tematizou-se conceptualmente e o
valor passou a existir no conjunto das propostas de sentido que, desde
então, se propõem a todas as formas semelhantes do agir. Neste sentido,
quem inventa os valores são os primeiros que os vivem. Só depois são
codificados; daí a nossa responsabilidade perante eles.
Conclusão
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nos direitos humanos, na violência, na falta de ética nas instituições e na
política.
Estamos, assim, vivendo as consequências da desconstrução de
valores, operada no século XX, que se saldou num relativismo de valores,
conduzindo a uma profunda transformação das condições da vida humana,
lançada numa crise de sentido sem precedentes na história.
3. É que a dignidade humana, como valor máximo, enquanto atributo
que se predica, universalmente, de todo o ser humano, independentemente
das suas características físicas e das suas manifestações individuais, não
pode ser relativizada, sem ir contra o próprio fundamento de uma “ética
mínima”.
Apesar da dificuldade em defini-la, a dignidade humana não é algo
que se tem, mas algo que se “predica” do ser. A dignidade humana, embora
ligada à vulnerabilidade humana, é a força intrínseca dessa vulnerabilidade,
constituindo o seu carácter inviolável.
Deste modo, nos valores, deve descobrir-se a sua relação à realidade,
descobrir-se quais são os verdadeiros valores da existência. Mas, para isso,
não é suficiente o conhecimento teórico de tipo científico; é necessário que
o homem se ultrapasse a si próprio e se dirija para o Transcendente
fundamental que é o Absoluto.
Neste sentido, e sabendo que podemos encontrar esta problemática
nos pensadores contemporâneos, nomeadamente, em Max Scheler, Jean-
Paul Sartre, E. Lévinas e Paul Ricoeur, João Paulo II, em Memória e
Identidade, considera que há, na Humanidade, uma aspiração pela
Redenção, confirmando-se, assim, a necessidade de um Redentor para a
salvação do homem. Na resposta aos desafios, presentes na sociedade de
hoje, é urgente ter-se isto em consideração.