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O desenvolvimento do psiquismo
2 e o ensino escolar
“A educação não apenas influi em alguns processos de desen-
volvimento, mas reestrutura as funções do comportamento em
toda sua amplitude. (VIGOTSKI, 2004, p.99)
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ções naturais, como discutido no pri- O desenvolvimento do psiquismo:
meiro capítulo de fundamentação teó- processos psíquicos elementares e
rica dessa proposta. superiores
Para Vigotski, o desenvolvimento
infantil não pode ser explicado a partir É a vida em sociedade que cria as
de leis naturais universais. O elemen- condições para a apropriação da cul-
to decisivo para explicar o desenvol- tura, processo que forma no homem
vimento psíquico infantil é a relação funções e capacidades que não se de-
criança-sociedade. As condições histó- senvolveriam natural ou espontanea-
ricas concretas, o lugar que a criança mente. Vigotski se preocupou em elu-
ocupa no sistema de relações sociais e cidar os mecanismos responsáveis pela
suas condições de vida e educação são formação de novas capacidades e fun-
determinantes do percurso a ser per- ções psíquicas não naturais. Para com-
corrido pelo desenvolvimento psíquico. preendermos suas proposições a esse
Isso significa que o desenvolvimento é respeito, nos debruçaremos sobre sua
um fenômeno historicamente situado análise do processo de formação das
e culturalmente determinado, ou seja, funções psíquicas.
um processo histórico-cultural. Podemos entender por função psí-
Quando nasce um bebê, temos ali quica uma capacidade ou propriedade
um “candidato à humanização”, um re- de ação de que dispõe nosso psiquis-
presentante da espécie homo sapiens. mo no processo de captação da reali-
Como se processará o desenvolvimento dade objetiva. Somos capazes de cap-
do psiquismo desse bebê? Quais qua- tar sensorialmente sons e imagens e
lidades esse psiquismo conquistará? perceber mudanças no ambiente: sen-
Não é possível responder essa questão sação e percepção são dois exemplos
a priori. Isso porque o desenvolvimen- de funções psíquicas. Somos capazes,
to do psiquismo humano depende... também, de fixar nossos sentidos em
depende das mediações que lhe serão um determinado estímulo do meio e
oportunizadas, depende das oportuni- registrá-lo em nosso psiquismo: aten-
dades de apropriação da cultura huma- ção e memória são também exemplos
na que lhe serão (ou não) garantidas. de funções psicológicas. Constituem,
Isso porque o que move o desenvolvi- ainda, funções psíquicas (ou processos
mento psicológico “é a vida em socie- funcionais) a linguagem, o pensamen-
dade (...)” (MESQUITA, 2010, p. 74). to, a imaginação, e as emoções e senti-
mentos (MARTINS, 2013).
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ação dependerão da força do estímulo, trar em uma história ou outra ativida-
ou seja, do quanto aquele estímulo si- de qualquer a despeito de elementos
naliza o atendimento de necessidades distrativos do ambiente: os estímulos
naturalmente importantes para aquela podem até continuar provocando dis-
espécie animal ou fruto de processos de trações, mas ela aprende a redirecionar
condicionamento ou aprendizagem. A sua atenção para a atividade. O mesmo
visão (ou mesmo o barulho) da coleira vale para a memória. Temos mecanis-
costuma despertar imediatamente a mos naturais de memorização, me-
atenção nos cachorros, assim como sons diante os quais determinados estímulos
que possam sinalizar algum perigo. Isso são “retidos” em nosso psiquismo, a
também acontece conosco: determina- depender da força dos estímulos. Mas
dos estímulos chamam nossa atenção, historicamente, nós, humanos, desen-
de forma involuntária. O alarme de um volvemos a capacidade de dirigir nossa
carro que dispara, por exemplo, chama memória de modo intencional, isto é,
imediatamente a atenção das pessoas. criamos mecanismos culturais de me-
Temos uma predisposição natural para morização (que incluem, por exemplo,
atentar para estímulos de cores fortes e o estabelecimento de associações entre
vibrantes, assim como para objetos em estímulos). Somos capazes, portanto,
movimento. Mas além dessa modalidade de nos propormos a memorizar algo,
de atenção involuntária, que constitui dirigindo conscientemente nossa pró-
uma função psíquica natural/ elementar, pria memória, a despeito da força ou
nós, humanos, desenvolvemos mecanis- fraqueza do estímulo.
mos para dirigir de modo intencional e Esses exemplos ilustram o que, para
consciente nosso próprio processo de Vigotski, constitui o traço essencial dos
atenção. processos psíquicos superiores, exclusi-
Até a fase pré-escolar, a atenção da vamente humanos: o autodomínio da
criança tem um funcionamento essen- conduta. Segundo a teoria vigotskiana,
cialmente elementar. De certa forma, nos tornamos capazes de dominar nos-
podemos dizer que a criança é “refém” so próprio comportamento mediante
da estimulação do meio: por isso elas se a internalização dos signos da cultura.
dispersam com tamanha facilidade! Os Em outras palavras, o autodomínio da
processos educativos proporcionam à conduta se realiza por intermédio do
criança a oportunidade de se apropriar signo. Vejamos, então, o que Vigotski
de mecanismos para dominar a própria entende por signo.
atenção. Mediante esse processo, ela Os signos são meios auxiliares para
vai se tornando capaz de se concen- a solução de tarefas psicológicas. Imagi-
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Figura 1: Signos da cultura. Fonte: Elaborado pela autora
O signo pode ser um gesto, uma imagem, um som, um objeto, uma forma,
uma posição etc. Mas o principal sistema de signos de que dispomos é a lingua-
gem. A palavra é o signo por excelência.
A criação e o emprego de signos constituem, para Vigotski, o traço essencial
e distintivo das formas superiores de conduta humana, pois a mediação do signo
permite que se rompa a relação direta e imediata com o ambiente, característica
do psiquismo animal. A relação do homem com o entorno passa a ser mediada
pelos signos da cultura.
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ra utiliza com as crianças, mas nesse caso para dirigir nossa própria conduta, não
mais dependendo de instruções externas, mas recorrendo à auto-instrução, no
plano interno do nosso psiquismo. Na medida em que internalizamos os signos da
cultura, vamos desenvolvendo mecanismos para dominar nossos próprios proces-
sos psíquicos.
internalização
interpsíquico intrapsíquico
inter = ‘entre’ intra = ‘dentro’
na relação com o como conquista da
outro/ educador individualidade da criança
Figura 2: Lei genética geral do desenvolvimento psíquico. Fonte: Elaborado pela autora.
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professor o que estão fazendo: “prô, eu tô pintando com a tinta amarela... ago-
ra eu tô misturando com a verde”. É importante perceber que não se trata de
processos distintos, pois nesse caso agir e falar constituem uma unidade: a partir
de um determinado momento do desenvolvimento, a fala passa a acompanhar e
dirigir a ação, como veremos a seguir. Isso representa um importante salto qua-
litativo no desenvolvimento da criança na direção da tomada de consciência e
controle da própria conduta, pois a linguagem, como sistema de signos, promove
uma profunda reorganização de todos os processos mentais.
internalização
interpsíquico intrapsíquico
Figura 3: Lei genética geral do desenvolvimento psíquico em seu duplo movimento. Fonte:
Elaborado pela autora.
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que a criança pequena possa ter pleno controle sobre sua própria con-
duta1. Conforme Mukhina (1996), nos primeiros anos de vida a criança
responde de forma imediata aos estímulos do ambiente: “a criança na
primeira infância age sem refletir, movida por desejos e sentimentos
de cada momento concreto. Esses desejos e sentimentos são provoca-
dos pelo imediato, pelo que está a sua volta; por isso seu comporta-
mento depende das circunstâncias externas. (MUKHINA, 1996, p. 143).
Ao mesmo tempo, não podemos esperar que a criança supere
naturalmente esse funcionamento psíquico elementar, pois, como
vimos, a gênese do autodomínio da conduta é social e seu ponto
de partida é o interpsíquico. Assim, é fundamental percebermos o
quanto as premissas para o desenvolvimento dos processos psíquicos
superiores já podem (e devem!) ir sendo construídas com a criança
pequena. Como explica Pasqualini (2006, p.132): “o ensino junto à
criança de 0 a 6 anos deve constituir uma primeira etapa do proces-
so de superação das relações naturais e imediatas do sujeito com o
mundo (funções elementares) que ascenderão a processos superiores
mediante a apropriação de instrumentos culturais”. O controle cons-
ciente do comportamento começa a se formar na idade pré-escolar:
“nessa idade, as ações volitivas coexistem com as ações não premedi-
tadas ou impulsivas, resultantes de sentimentos ou desejos circuns-
tanciais” (MUKHINA, 1996, p.220). Esse desenvolvimento dependerá
das relações sociais que se estabelecem com a criança.
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podia manipular. Com a ajuda da lin- situação em que são emitidas, do gesto
guagem, que designa objetos, passa a que as acompanha, ou mesmo da ento-
se relacionar com o que não percebe di- nação, as palavras designam diferentes
retamente e que antes não entrava em fenômenos e objetos. Não é possível
sua experiência.” (LURIA, 1987, p. 32). compreender o que a criança pretende
Com isso, o homem ganha a possibi- comunicar com a palavra senão em re-
lidade de operar mentalmente com os ferência ao contexto. Isso significa que
objetos mesmo em sua ausência, pois inicialmente existe uma dependência
se torna capaz de evocar mentalmente essencial do significado da palavra em
imagens, objetos e ações independente- relação ao chamado contexto simpráxi-
mente da presença real desses objetos. co em que ela é emitida.
Em outras palavras, passamos a cons- Na sequência, a criança começa a
truir representações dos objetos e fe- adquirir a morfologia elementar da
nômenos. Na vida cotidiana, isso pode palavra. Com isso, o significado de
parecer banal, mas significa uma revolu- cada palavra se reduz, pois ela passa
ção do ponto de vista do psiquismo! a designar um objeto determinado. A
palavra torna-se, assim, independente
de seu contexto simpráxico, ou seja,
A criança inicialmente percebe o supera-se o entrelaçamento da pala-
mundo de forma sincrética (fusão vra com a situação prática.
desordenada de elementos). Isso faz com que a criança sinta a ne-
Portanto, o fato de ir se tornando cessidade de ampliação do vocabulário,
capaz de nomear os diferentes ou seja, ela sente necessidade de adqui-
rir novas palavras que possam designar
elementos de uma situação visual
mais objetos, e também as qualidades,
é extremamente importante, pois
ações, relações. Segundo Luria (1987),
a palavra destaca e diferencia é esse processo que explica o surpre-
um objeto do outro, superando endente salto no desenvolvimento do
a conexão sincrética e tornando vocabulário da criança que se observa
possível estabelecer relações entre por volta de 1 ano e meio: “até esse
tais objetos. período, a quantidade de palavras re-
gistradas no vocabulário da criança é
de 12 a 15 e, neste momento, sua quan-
As primeiras palavras aprendidas tidade sobre subitamente para 60, 80,
pela criança, nos dizeres de Luria (1987), 150, 200.” (p. 31). A palavra converte-se
são difusas e amorfas. Dependendo da em um signo autônomo que designa
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um objeto, ação ou qualidade (e poste- pela influência dos estímulos do entor-
riormente uma relação) e, dessa forma, no (as características dos objetos). Veja-
torna-se um elemento do complexo sis- mos um experimento realizado por Lu-
tema de códigos da língua. ria com bebês que retrata bem esse fato:
Assim, podemos entender o desen-
O experimento consiste no seguinte:
volvimento da linguagem na primeira
colocam-se diante da criança uma sé-
infância como a história da emancipa-
rie de brinquedos, um peixinho, um
ção da palavra do terreno da prática, no
pintinho, um gatinho, uma pequena
transcorrer da qual a palavra ganha au-
xícara, etc. Todos estes objetos são
tonomia em relação à situação concreta.
bem conhecidos para a criança. O ex-
Em síntese, para Luria (1987, p. 33):
perimentador diz: ‘pega o peixinho’,
(...) com a aparição da linguagem mas este objeto está colocado um
como sistema de códigos que desig- pouco mais distante do que a xícara
nam objetos, ações, qualidades e re- ou é menos brilhante que o pintinho
lações, o homem adquire algo assim ou o gatinho. (...) A criança fixa o
como uma nova dimensão da consci- olhar sobre o objeto nomeado, diri-
ência, nele se formam imagens subje- ge-se a ele, mas no caminho encontra
tivas do mundo objetivo que são diri- outros objetos e pega não o nomeado
gíveis, ou seja, representações que o pelo adulto, mas aquele que provo-
homem pode manipular, inclusive na cou sua reação de orientação imedia-
ausência de percepções imediatas. Isto ta. (LURIA, 1987, p. 97).
consiste na principal conquista que o
A criança se dirige ao objeto no-
homem obtém com a linguagem.
meado, “o peixinho”, mas no caminho
Além da função designadora, a pa- se depara com “uma pequena xícara”,
lavra, como signo, exerce a função de a qual chama sua atenção: isso é sufi-
regulação da conduta, possibilitando o ciente para que a instrução verbal seja
autodomínio do comportamento. Se- “esquecida”. Isso significa que a influ-
gundo Luria (1987), a primeira etapa ência visual dos objetos ainda tem pre-
do desenvolvimento da função regu- valência sobre a palavra. O resultado
ladora da linguagem da criança é a ca- do experimento é diferente se o expe-
pacidade de se subordinar à instrução rimentador, além da instrução verbal,
verbal do adulto. realizar com o objeto uma série de
A princípio, embora a criança se sub- ações: apontá-lo com o dedo, levan-
meta à indicação verbal do adulto, seu tá-lo, balançá-lo. Nesse caso, o objeto
comportamento é facilmente alterado denominado pela palavra é reforçado
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assim como dos olhos e das mãos. linguagem egocêntrica precede
Essa unidade de percepção, fala e a socialização da linguagem e do
ação, que, em última instância, provo-
pensamento. Vigotski defende
ca a internalização do campo visual,
uma interpretação inversa: a
constitui o objeto central de qualquer
análise da origem das formas caracte-
linguagem primordial da criança
risticamente humanas de comporta- é puramente social, sendo a
mento (VYGOTSKY, 1994, p. 34-35, linguagem egocêntrica uma forma
grifo nosso). transitória da linguagem exterior
A princípio, a criança age e em se- para a linguagem interior.
guida fala. Suas palavras são a parte
final da solução prática do problema. Na etapa seguinte desse proces-
Nessa etapa, a criança ainda não é ca- so de desenvolvimento, por volta dos
paz de diferenciar verbalmente o que 4-5 anos, a criança passa a apresentar
fez antes e o que fez depois. Em uma a ação simultânea da linguagem e do
situação experimental em que deve pensamento. Surge o pensamento du-
escolher um objeto dentre vários, por rante a ação. A linguagem se faz ego-
exemplo, ela primeiro escolhe e depois cêntrica. É o momento em que a crian-
explica porque escolheu um ou outro ça recorre às auto-instruções, ou seja,
objeto. O mesmo ocorre no desenho: a emite comandos verbais para si mesma:
criança de menor idade desenha e so- diz “vou subir no banquinho” e sobe,
mente ao terminar é capaz de falar so- em seguida diz “agora vou pegar a bo-
bre o que desenhou. neca”, e pega. No desenho, a criança
começa a falar sobre o que está dese-
nhando, por partes. A princípio, essas
Vigotski diverge da análise de
relações são pouco firmes.
Piaget quanto à natureza e função
Por fim, a criança começa a ser capaz
da fala egocêntrica na criança. de planejar verbalmente a ação, e so-
Para Piaget, a fala egocêntrica mente depois a executa. A criança fala
existe como expressão ou reflexo sobre o que vai desenhar antes, e só en-
do caráter egocêntrico do tão desenha. Essa capacidade começa a
pensamento da criança, enquanto se formar na transição para a idade esco-
lar. Com isso, torna-se possível o plane-
na teoria vigotskiana constitui
jamento de atividades, sua realização e
um instrumento do pensamento
a comparação de seus resultados com as
realista da criança. Para Piaget, a finalidades propostas (MARTINS, 2007).
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A fala externa vai deixando de ser superiores, a criança vai tomando cons-
necessária na medida em que a criança ciência dessas ideias e assumindo o con-
avança no processo de internalização trole voluntário sobre o movimento de
da linguagem, ou seja, na medida em seu pensamento.
que esta se transforma em um processo As primeiras ideias estão funda-
interno intrapsíquico de autorregula- mentalmente vinculadas às experiên-
ção da conduta: a linguagem externa cias afetivas da criança na sua relação
da criança interioriza-se. Assim, alcan- com o entorno e a sua percepção sen-
ça-se a subordinação da ação não mais sorial. A princípio, é o afeto que desem-
à linguagem do adulto, mas sim à pró- penha o papel principal na formação
pria linguagem (interna) da criança. do significado da palavra para a crian-
É desta forma, segundo Luria (1987), ça. Assim, tomando a palavra cachor-
que se forma na criança a ação volun- ro como exemplo, temos que ela pode
tária consciente. Como explica Vigotski significar algo assustador para a crian-
(2001), são as estruturas da linguagem, ça, caso ela já tenha sido mordida por
ao serem apropriadas pela criança e esse animal, ou algo agradável, caso
converterem-se em linguagem interna, sua família tenha um cachorro com o
que constituirão as estruturas básicas qual brinca e se diverte, por exemplo:
de seu pensamento. “a palavra cachorro possui um sentido
afetivo e neste consiste a essência da
O desenvolvimento do pensamen- palavra” (LURIA, 1987, p. 52).
to na criança Num momento seguinte do processo
de desenvolvimento do pensamento, as
Uma ideia fundamental no pen- imagens práticas advindas da experiên-
samento vigotskiano é que os signi- cia concreta da criança estarão por trás
ficados das palavras se desenvolvem. do significado da palavra: “ao cachorro
Quando a criança aprende uma pala- se pode dar de comer, o cachorro vigia a
vra, o processo de apropriação de seu casa, o cachorro briga com o gato” (LU-
significado não está terminado, mas RIA, 1987, p. 52).
apenas começando! Isso equivale a di- Com o desenvolvimento do pensa-
zer que as ideias que a criança elabora mento na idade pré-escolar, portanto,
sobre o mundo se desenvolvem. as imagens captadas pelos sentidos
Não só as ideias infantis se desen- são transformadas em uma expressão
volvem, mas seu movimento vai se tor- verbal mentalizada. As representações
nando cada vez mais complexo. Com o formadas pela criança referem-se àqui-
desenvolvimento das funções psíquicas lo que pode ser observado e constatado
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pela percepção. Já não encontramos mais, aqui, a percepção imediata do mundo
externo, mas uma percepção mediada pelas palavras que nomeiam os diferentes
objetos e atribuem a eles significado. No entanto, ainda há, notadamente, uma
primazia do plano concreto das imagens. Esse tipo de pensamento, predominante
na idade pré-escolar, pode ser chamado, de acordo com o psicólogo Vasili Davidov,
de pensamento empírico (MARTINS, 2007). Seu desenvolvimento implica o intenso
contato prático da criança com a realidade social, que promove uma maior comple-
xidade e solidez das ideias que a criança elabora sobre o mundo. Isso significa que a
escola de educação infantil deve promover a ampliação do contato da criança com
a realidade social, para além dos estreitos limites da vida cotidiana.
O pensamento empírico opera com base em representações sensoriais. Dife-
rentemente dele, teremos posteriormente o desenvolvimento do pensamento
teórico, que opera por meio de conceitos. O pensamento da criança na primeira
infância e idade pré-escolar ainda não opera com conceitos, o que só será plena-
mente possível na adolescência – se forem garantidas as necessárias condições
educativas para esse desenvolvimento.
A principal diferença entre o pensamento empírico e o pensamento por con-
ceitos é o sistema. Quando o significado da palavra passa a estar inserido em um
sistema de categorias hierarquicamente subordinadas, estamos falando propria-
mente de pensamento conceitual. Assim, para o estudante em idade escolar, o
cachorro é um animal que se inclui em uma hierarquia de conceitos subordinados
entre si. Podemos observar como se dá esse desenvolvimento na figura “Esque-
ma da composição dos campos semânticos na ontogênese” elaborada por Luria
(1987, p.53) e reproduzida abaixo, retratando a estrutura do significado da pala-
vra ‘cachorro’ na idade pré-escolar e na idade escolar:
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(criança)
(A) Morde
animal vegetal
basset ovelheiro
“Roy” “Chiquinho”
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há espaço na educação infantil para trabalharmos com conceitos
científicos? O professor deve centrar seu trabalho exclusivamente
em conceitos práticos, cotidianos, espontâneos?
“Não se trata de transmitir à criança pré-escolar conhecimen-
tos vinculados exclusivamente a seu cotidiano, adiando o trabalho
com o conhecimento científico para a idade escolar.” (PASQUALI-
NI, 2010, p. 27). É fundamental que o professor insira nas atividades
pedagógicas o conhecimento científico, enriquecendo a experiência
pessoal da criança, introduzindo em suas vivências cotidianas na es-
cola o conhecimento científico, possibilitando assim a formação de
conceitos prático-espontâneos ricos em conteúdo, mesmo porque
as noções formadas na educação infantil atuarão como mediadores
na apropriação dos conceitos científicos na sequência da escolariza-
ção da criança:
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Ainda em relação ao desenvolvimento do pensamento na criança, cabe desta-
car propriedades do pensamento teórico cujas bases podem (e devem!) ser inten-
cionalmente formadas pelo professor de educação infantil.
Quando discutimos o desenvolvimento do pensamento, falamos do tipo de
ideias que a criança vai formando sobre o mundo, que expressam e orientam a
relação da criança com a realidade. Em linhas gerais, podemos dizer que o pensa-
mento teórico é capaz de captar o movimento da realidade e suas contradições,
indo além da aparência empírica dos fenômenos e revelando a possibilidade de
sua transformação ativa pelo homem. As ações educativas junto à infância devem
se orientar por esses princípios, os quais se expressam tanto na forma quanto no
conteúdo das atividades propostas pelo professor. É preciso combater a formação
de uma relação fatalista e passiva da criança com a realidade e, portanto, de uma
compreensão estática e acrítica do real: “o pensamento teórico tem a possibi-
lidade de refletir a realidade não apenas como ela existe imediatamente, mas
também como ela poderia e deveria ser para atender as necessidades dos seres
humanos.” (ABRANTES, 2011, p. 57)
87
pressupondo uma determinada relação entre os processos de ensino
e desenvolvimento infantil. O ensino é, por nós, compreendido como
fonte de desenvolvimento, uma vez que a formação de novas capa-
cidades no psiquismo depende das mediações que serão oportuniza-
das à criança.
Vigotski dedicou-se a analisar as relações entre ensino, aprendi-
zagem e desenvolvimento, tomando como ponto de partida uma
revisão crítica das formulações teóricas existentes a sua época. De
acordo com o autor, a explicação mais difundida para a relação en-
tre aprendizagem e desenvolvimento considera esses dois processos
como independentes entre si. O desenvolvimento é visto como um
processo de maturação sujeitos às leis naturais; a aprendizagem, por
sua vez, “aproveita” as oportunidades criadas pelo processo de de-
senvolvimento. Nessa concepção, que foi objeto de crítica por parte
de Vigotski, considera-se que é o desenvolvimento que determina o
que as crianças estão aptas ou não a aprender, ou seja, a aprendiza-
gem depende do desenvolvimento: para essa teoria, o desenvolvi-
mento cria as potencialidades e a aprendizagem as realiza.
Piaget pode ser considerado um representante dessa concepção,
na medida em que considerava que o indicador do nível do pensa-
mento infantil não é o que a criança sabe ou o que ela é capaz de
apreender, mas a maneira como essa criança pensa em um campo
onde ela não tem nenhum conhecimento. Vigotski esclarece que é
por essa razão que Piaget, em suas pesquisas, evita fazer perguntas
à criança sobre temas a respeito dos quais ela já possa ter adquirido
algum conhecimento. Na visão do pesquisador suíço, se fizéssemos
3
Podemos notar, portanto, que esse tipo de pergunta à criança, estaríamos obtendo não resultados
embora Vigotski considerasse do pensamento, mas resultados do conhecimento. Piaget eviden-
Piaget um eminente pesquisa- temente não desconsidera a transmissão dos conteúdos da cultura
dor cujas contribuições para a
(aprendizagem/ conhecimento), mas elege como seu objeto de aná-
psicologia da infância são ines-
timáveis, não compartilhava de lise o desenvolvimento espontâneo do pensamento da criança, ou
sua concepção de desenvolvi- seja, as tendências do pensamento da criança em sua forma pura,
mento infantil e da forma como independente dos conhecimentos a ela transmitidos3.
esse pesquisador abordou as
Adotando-se essa concepção, seria possível uma diferenciação
relações entre aprendizagem
e desenvolvimento (e entre co-
entre o que é produto do desenvolvimento e o que é produto do
nhecimento e pensamento). ensino. Certas habilidades do pensamento (forma do pensamento)
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internalização
interpsíquico intrapsíquico
ensino-aprendizagem desenvolvimento
89
Contudo, para o autor, essa depen- análise de Vigotskii (2001), o psicólogo
dência da aprendizagem em relação ao ou professor que avalia o estado do de-
desenvolvimento não é principal, mas senvolvimento da criança não deve le-
subordinada. Se é verdade que a apren- var em conta somente as funções já de-
dizagem depende do desenvolvimen- senvolvidas, mas também aquelas em
to, mais importante é compreender a processo de desenvolvimento.
relação inversa: o desenvolvimento de- Para identificar as funções psíqui-
pende do processo de ensino-aprendi- cas que estão iniciando seu ciclo de
zagem. O ensino, como processo que se desenvolvimento, Vigotski defendia
realiza no plano interpsíquico, produz ser necessário um novo procedimento
desenvolvimento, ou seja, engendra de avaliação. O professor deve aten-
conquistas no plano intrapsíquico. tar não apenas ao que a criança já é
É no contexto das análises sobre a re- capaz de realizar com autonomia, ou
lação entre aprendizagem e desenvolvi- seja, não basta avaliar o desempenho
mento que Vigotski formula o conceito independente da criança. Tem funda-
de zona de desenvolvimento próximo. mental importância como indicador de
Essa talvez seja a proposição mais co- seu desenvolvimento o desempenho
nhecida de Vigotski. Mas Chaiklin (2011) da criança em colaboração com um par
assevera que o significado desse concei- mais desenvolvimento. A avaliação do
to é mais bem elaborado e consistente desenvolvimento deve envolver, por-
do que tem sido comumente difundi- tanto, a intervenção do adulto, a quem
do. É preciso que avancemos no enten- cabe mediar a solução da tarefa, ofere-
dimento da zona de desenvolvimento cendo auxílio à criança na resolução de
próximo como conceito científico. problemas que ela ainda não é capaz
Na obra vigotskiana, o conceito de de resolver sozinha.
ZDP vincula-se ao problema da avalia- Ao enfrentar sozinha uma deter-
ção do desenvolvimento intelectual. minada tarefa, a criança se utiliza de
Para o autor, a psicologia tradicional suas funções e capacidades psíquicas já
limitava-se a estabelecer o nível de formadas, aquilo que já se consolidou
desenvolvimento intelectual atual da como uma conquista de seu psiquismo.
criança, por meio de testes que verifica- A ajuda do adulto, por sua vez, é capaz
vam os problemas que a criança era ca- de mobilizar funções psíquicas que ain-
paz de resolver sozinha. Seria um movi- da não estão formadas na criança, mas
mento semelhante a se avaliar um jar- que já começam a despontar, ou seja,
dim considerando apenas o que já flo- funções que estão iniciando seu ciclo de
resceu, sem atentar para os brotos. Na desenvolvimento: são justamente essas
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formado no psiquismo da criança em termos de suas capacidades e funções psíquicas e aquilo
que está em vias de formação, ou seja, o próximo desenvolvimento. A mediação do adulto, por
meio de demonstrações, oferecimento de modelos, perguntas sugestivas, indicação do início da
solução, etc., cria condições para que aquilo que hoje se encontra na zona de desenvolvimento
próximo possa se consolidar como conquista do desenvolvimento real intrapsíquico da criança:
A investigação demonstra sem margem de dúvida que aquilo que está situado na zona de desen-
volvimento potencial [próximo] numa primeira fase realiza-se e passa ao nível do desenvolvimento
atual em uma segunda fase. Noutros termos, o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração
conseguirá fazer amanhã sozinha. (VIGOTSKI, 2001, p. 331)
Vale notar, como explica Prestes (2010, p. 173), que a característica essencial da zona de
desenvolvimento próximo ou iminente, conforme tradução proposta pela autora, é a das
possibilidades de desenvolvimento, “(...) pois se a criança não tiver a possibilidade de con-
tar com a colaboração de outra pessoa em determinados períodos de sua vida, poderá não
amadurecer certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso não garante, por si
só, o seu amadurecimento”. A mediação qualificada de um par mais desenvolvido se mostra,
portanto, fundamental.
ATENÇÃO:
Zona de desenvolvimento próximo é um conceito que se refere às possibilidades de
desenvolvimento psíquico da criança. Nesse sentido, Chaiklin (2011) salienta que o conceito
não diz respeito à aprendizagem, mas ao desenvolvimento. O ensino que incide sobre a zona
de desenvolvimento próximo não é aquele que simplesmente apresenta à criança novas
informações ou conhecimentos que ela desconhecia anteriormente. Nem toda aprendizagem
provoca desenvolvimento! O que Vigotski tenta nos dizer é justamente que determinadas
aprendizagens apenas exercitam aquilo que já está formado na criança. Somente agimos
sobre a zona de desenvolvimento próximo, provocando desenvolvimento psíquico, quando
transmitimos à criança conhecimentos cuja complexidade demanda capacidades e processos
de pensamento ainda não formados em seu psiquismo. Para isso, precisamos estruturar,
organizar e mediar sua atividade, de forma que, ao se relacionar com o conteúdo de ensino e
dele se apropriar, novas capacidades e funções psíquicas possam se formar.
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Os fins seriam resultados parciais ou intermediários da atividade. Eles
obedecem ao motivo, pelo qual foram estipulados.
Assim, o significado de uma ação específica (cozinhar o alimento,
por ex.) não se encerra em si mesmo. Não cozinhamos o alimento
apenas para torná-lo próprio para nosso consumo, mas porque te-
mos fome! Em outras palavras, o significado da ação aparece em suas
ligações com os motivos da atividade na qual se insere, o que implica
a necessária participação da consciência.
Para compreender a estrutura da atividade humana, precisamos
introduzir ainda o conceito de operação. As operações referem-se ao
como se efetivam as ações, ou seja, o conceito de operação pode ser
definido como a maneira de se executar uma ação, maneira essa que
depende das condições nas quais a ação é realizada. Estamos aqui
nos referindo, por exemplo, às diferenças entre lavar a roupa na má-
quina de lavar, no tanque ou na beira de um rio: podemos dizer que
a finalidade é a mesma, qual seja, ter roupas limpas para vestir, mas
as condições nas quais a ação se realiza são notadamente diferentes,
exigindo, portanto, operações bastante distintas.
Logo, as operações constituem o conteúdo prático e indispensável
da ação, seus componentes operacionais, determinados pelas condi-
ções em que esta ação se desenrola. Conforme exemplo apresentado
por Leontiev (1978), a ação de atirar requer inúmeras operações, den-
tre elas colocar-se em determinada posição, segurar e apontar a arma,
determinar corretamente a mira, reter a respiração, efetuar o disparo.
Como explica Pasqualini (2006) a partir da teorização de Leontiev,
as operações muitas vezes formam-se inicialmente como processos
que visam um fim, isto é, como ações. Isso pode ser facilmente visua-
lizado na aprendizagem de uma nova habilidade: para o aprendiz de
tiro ao alvo, colocar-se na posição correta é a princípio um fim cons-
4
Vale lembrar que o significa- ciente. Tendo dominado esta ação, seu resultado se torna meio de
do da ação de atirar não pode execução de outra: segurar e apontar a arma, cujo resultado, por sua
ser compreendido senão em
vez, se tornará meio de execução da ação de puxar o gatilho com a in-
referência à atividade na qual
essa ação está inserida: prática
tensidade adequada. O que inicialmente eram ações independentes
esportiva de tiro ao alvo, treina- se converte em operações que realizam uma única ação, ou seja, me-
mento, atividade profissional de ras condições para a ação de acertar o alvo, todas elas subordinadas
um policial, etc. a esse único fim4. Processo semelhante ocorre quando aprendemos
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Fundamentos Teóricos
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operações. À medida que a criança é nando-se a outro sistema de atividade”
convidada a explorar as possibilidades (PASQUALINI, 2006, p. 93-4). Essa com-
do desenho, o ato de desenhar vai se preensão é fundamental para nós, edu-
revestindo de intencionalidade, tor- cadores, pois trabalhamos justamente
nando-se objeto de atenção consciente visando a complexificação estrutural e
da criança, ou seja, vai se convertendo ampliação da riqueza de conteúdos da
em uma ação. O desenho passa a se atividade de nossos alunos por meio da
orientar por uma determinada finali- apropriação das objetivações da cultura.
dade, o que significa que a criança vai Dissemos anteriormente que a ativi-
se tornando capaz de orientar cons- dade em sua forma desenvolvida pode
cientemente sua conduta. O mesmo se ser definida como cadeia de ações arti-
dá quando um determinado movimen- culadas por um determinado motivo.
to que a criança realiza sem perceber, Essa é uma observação importante. A
como parte de uma ação qualquer, se complexidade estrutural que descreve-
converte em um passo de dança: o mo- mos acima ainda não está presente na
vimento torna-se objeto da atenção conduta da criança pequenina: não é di-
consciente da criança e ela passa a bus- fícil perceber que ainda não estão garan-
car intencionalmente sua realização. tidas intervinculações entre ações e me-
Quando isso ocorre, a relação da crian- diações conscientes entre motivos e fins.
ça com o próprio movimento já não é Como explicam Eidt e Martins
mais a mesma, fazendo-a avançar na (2010), a infância marca o início da
direção do autodomínio da conduta. constituição da atividade, que tem a
Esses exemplos nos ajudam a perce- possibilidade de se complexificar e en-
ber que a estrutura da atividade não é riquecer; desse modo, podemos dizer
estática, ao contrário: está em perma- que a atividade constitui, para a crian-
nente movimento: “(...) a atividade é ça pequena, uma meta do processo de
um sistema altamente dinâmico, carac- desenvolvimento humano. Embora fa-
terizado por transformações ocorrendo lemos em atividade do bebê, atividade
constantemente” (LEONTIEV, 1980, p. da criança pré-escolar, é preciso ter cla-
57). Assim, “no processo de desenvolvi- reza de que a criança pequena começa
mento humano, ações automatizam-se a alçar o processo de desenvolvimento
e convertem-se em operações, opera- mediante operações.
ções complexificam-se e convertem-se A capacidade de estabelecer fina-
em ações, ações complexificam-se e lidades para suas ações não surge es-
convertem-se em atividade e ativida- pontânea ou naturalmente na criança,
des convertem-se em ações, subordi- mas precisa ser conquistada por ela,
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Fundamentos Teóricos
sendo que essa conquista depende fun- Quando o professor propõe uma
damentalmente das condições de edu- determinada atividade para seus alu-
cação que lhe são proporcionadas. O nos, essa atividade demanda das crian-
mesmo pode ser afirmado em relação ças o exercício de determinadas capaci-
à capacidade de estabelecer intervin- dades. Por exemplo: a tarefa de recon-
culações entre as ações. Inicialmente, tar uma história exige que a criança se
esse processo precisa ser garantido no concentre na história que está sendo
plano interpsíquico, ou seja, na depen- contada, se esforce para compreender
dência das intervenções e mediações o que está sendo narrado e memorize
do professor. É fundamental que o pro- o conteúdo para ser capaz de reprodu-
fessor, ao propor determinada ativida- zi-lo. Essa ação coloca em movimento a
de pedagógica, construa com a criança atenção (concentrar-se na história), o
finalidades para suas ações, finalidades pensamento (compreender a narrativa)
essas que a criança não apenas compre- e a memória (registrar para posterior
enda mas sinta-se inclinada ou motiva- reprodução) da criança, isso sem falar
da a perseguir, isto é, que mobilizem na própria linguagem. Já a tarefa de es-
a criança afetiva e cognitivamente. palhamento na pintura a dedo exige da
Como veremos no capítulo dedicado criança coordenação motora e tomada
à periodização do desenvolvimento, de consciência sobre os próprios movi-
as chamadas atividades produtivas de- mentos, desenvolvendo, ainda, a per-
sempenham um importante papel na cepção da criança, pois demanda ob-
formação da capacidade de planeja- servação e análise do espaço da folha e
mento das ações. sua ocupação, resultando em replane-
Finalizando nossa incursão pelo jamento e reorganização da ação.
conceito de atividade, em que analisa- Ao demandar determinadas capaci-
mos sua estrutura e desenvolvimento, dades e funções psíquicas, a atividade
vale pontuar a estreita relação exis- faz com que essas funções se desen-
tente entre a atividade da criança e o volvam. Mas é preciso ter clareza que
desenvolvimento de suas funções psí- nem toda atividade promove desen-
quicas. Como postula Martins (2013), volvimento. As funções só avançam se
as funções psíquicas superiores não se a atividade requerer seu desempenho
desenvolvem em atividades que não as na zona de desenvolvimento próxi-
requeiram! Isso porque o desenvolvi- mo. Por isso é tão importante que o
mento dessas funções encontram-se na professor planeje cuidadosamente as
dependência dos processos concretos atividades, com propósitos, objetivos
em que estão envolvidas. e procedimentos claramente definidos
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e combinados com as crianças. É preci- compreensão pelo professor do concei-
so que o desenvolvimento das funções to de atividade, uma vez que ele será o
psíquicas seja intencionalmente busca- eixo para analisar os períodos ou fases
do pela criança como condição para a do desenvolvimento psíquico infantil
realização da ação: se compreende a na perspectiva histórico-cultural. Como
finalidade da ação e se sente afetiva- veremos no próximo capítulo, cada
mente inclinada/motivada a alcançá-la, novo período do desenvolvimento será
a criança esforça-se por avançar em sua marcado pela emergência e consolida-
capacidade de memorização ou con- ção de uma nova atividade que guia-
centração, por exemplo. rá o desenvolvimento do psiquismo. A
Por fim, se o desenvolvimento das transição a um novo período do desen-
funções psíquicas superiores depende volvimento equivale, assim, à transição
da atividade, esse mesmo desenvolvi- a um novo tipo principal de atividade
mento torna possível um desempenho da criança, o que pode ser ilustrado
melhor da atividade correspondente, pelo jogo de papéis, que é um exemplo
como evidencia Leontiev (2001, p.78): de atividade que se torna dominan-
te na idade pré-escolar. No interior de
(...) uma distinção apurada entre to-
um determinado período, assistimos à
nalidades de cor, por exemplo, é
reconstrução das ações e operações da
frequentemente o resultado da exe-
criança, que cria condições para a mu-
cução de uma atividade tal como o
dança de atividade-guia (salto qualita-
bordado, mas essa distinção, por sua
tivo) que caracterizará a transição a um
vez, facilita uma escolha mais apurada
das cores para o bordado, isto é, torna
possível uma execução mais aprimo-
rada dessa atividade.
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Fundamentos Teóricos
novo período.
Referências
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nin. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus Araraquara, 2006.
PRESTES, Z. R. Quando não é quase a mesma coisa: análise de traduções de L.S. Vigot-
ski no Brasil, repercussões no campo educacional. Tese de doutorado. Faculdade de
Educação, Universidade de Brasília. 2010
VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras escogidas, tomo III. Madri: Visor, 1995.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.