“As coisas que não tem imperfeições são perigosas” (Do filme Razão e sentimento)
Vivemos a cultura da perfeição; o espaço social no qual nos encontramos está
cheio de convites a gastar a vida sobre o altar da perfeição. “Sobressair” é a nova fórmula do ideal de perfeição; o negócio é conseguir destacar-se; há toda uma estrutura social montada (educação, meios de comunicação, religião...) para transformar seres defeituosos e limitados em perfeitos e vencedores. A mentalidade da vitória é a nova gaiola de ouro. No entanto, ao contrário do que se pensa, o ideal de perfeição não traz, para o ser humano, uma motivação positiva, e sim um perigo para o seu real processo de humanização. Perseguir a perfeição não torna a pessoa perfeita, mas mais inadequada. De fato, os que vivem tomados pela dinâmica da perfeição, apresentam uma sensação constante de inadequação. Sentem-se pessoas “mal-feitas” e incapazes de aceitar os próprios erros. Vivem na presença de um juiz interior implacável. Descobrem-se privados de espontaneidade, de sensibilidade, extremamente esquemáticos, perfeccionistas, sob a torturante necessidade de funcionar com a máxima precisão; vivem em função de normas, programas e certezas, como se a vida se desenvolvesse em laboratório, onde nada pode falhar. Quem tende à perfeição trata a si mesmo e aos outros com aversão, pois não pode funcionar como um ser que se aceita. A perfeição predispõe a pessoa a tratar com antipatia tudo o que é imperfeito, limitado A perfeição faz do ser humano um inimigo de si mesmo.
A perfeição, ao funcionar a partir de um código de leis, exige pessoas frias e
duras no plano emocional. Tais pessoas nutrem-se de desestima, de sentimentos de culpa e de remorso todas as vezes que caem num erro ou enfrentam um fracasso. Seus atos tem necessidade de serem aprovados pelo juiz interior e aceitos pelos outros. O ideal de perfeição exerce uma espécie de controle sobre a vida, e é aí que danifica a própria raiz da existência. Tem início, então, uma grande e desgastante luta interior. Ao querer viver da forma mais perfeita, o perfeccionista se esquece de viver. Na realidade, quem tende à perfeição está fixo, estacionado, acomodado... A aventura, a ousadia, a criatividade, a novidade, a espontaneidade... são incompatíveis com a perfeição. Nunca se viu um aventureiro perfeccionista! Quem arrisca, faz experiência, busca... e pode errar!
Mas o erro não é algo estranho ao crescimento, à expansão da vida, às
experiências. Ao contrário: é a profundidade mesma da experiência. O ERRO constitui a matéria-prima da vida. Através do erro experimentamos a vida em toda a sua extensão e profundidade. O erro pode dar lugar a numerosos recursos. O erro oferece a possibilidade de limar as asperezas da nossa conduta em relação a nós mesmos e aos outros. Nesse sentido, o erro – que provém do fato de sermos limitados – tem a fun- ção de nos harmonizar com o humano. O erro nos treina no uso realista de algo que é frágil, limitado e imperfeito. “Quanto mais erras mais estás preparado” (anônimo do séc. XIII). O nosso desenvolvimento-crescimento como pessoas maduras pede uma consciência profunda de nossa realidade, de partirmos dela com o objetivo de abraçá-la em todas as suas consequências. O verdadeiro crescimento está em tirar proveito das nossas fraquezas e limites. Se o que se almeja é a maturação, em todos os níveis, esta estará distante se não fizermos um uso construtivo de nossos erros. Abraçar o limite... Aceitar as próprias limitações... é a tradução mais apropriada da expressão “aceitação de si mesmo”, que se concretiza na aceitação daquilo que somos realmente, independentemente de como somos e de como funcionamos. A perspectiva do limite re-orienta-nos para aquilo que realmente somos. Na aceitação da própria realidade limitada, aceitamos algo essencial: o próprio eu.
Texto bíblico: 1Cor. 9,19-23
Na oração: Precisamos do anjo da fragilidade.
Desvencilhe-se de resistências e preconceitos, reconheça a imperfeição em si mesmo e em todo ser criado e faça da verdade uma força despojadora que, livre, o fará enxergar o grande valor de cada gesto.