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Eduardo Guilherme Reiner

Direito sociais como limites materiais ao Poder Constituinte


de Reforma da Constituição de 1988.

Blumenau - Santa Catarina


ii

2009
Eduardo Guilherme Reiner

Direito sociais como limites materiais ao Poder Constituinte


de Reforma da Constituição de 1988.

Monografia apresentada ao Curso de


Especialização Telepresencial e Virtual em
Direito Constitucional, na modalidade Formação
para o Magistério Superior, como requisito
parcial à obtenção do grau de especialista em
Direito Constitucional.

Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL


Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - REDE LFG

Orientador: Prof.ª Patrícia Fontanella.

Blumenau (Santa Catarina)


iii

2009
iv

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho,
isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Rede de Ensino Luiz Flávio
Gomes, as Coordenações do Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em
Direito Constitucional, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer
reflexo acerca da monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso


de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Blumenau 12/08/2009

Eduardo Guilherme Reiner


v

Eduardo Guilherme Reiner

Direito sociais como limites materiais ao Poder Constituinte


de Reforma da Constituição de 1988.

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Especialista em


Direito Constitucional, na modalidade Formação para o Magistério Superior, e
aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação em
Direito Constitucional da Universidade do Sul de Santa Catarina, em convênio com a
Rede Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG e com o Instituto Brasiliense de Direito
Público – IDP.

Blumenau 12/08/2009
vi

DEDICATÓRIA

Dedico essa iniciativa a todos aqueles a todos aqueles que de alguma forma
contribuem para construir um Brasil e um mundo melhor, com mais justiça e respeito
aos direitos fundamentais; em especial aos Auditores Fiscais do Trabalho, que
apesar da falta de recursos, realizam um lindo trabalho.
vii

AGRADECIMENTOS

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização


deste trabalho, especialmente minha fiel companheira Michelli das tardes de
sábado e domingo.
Agradeço a Professora e orientadora pelo acompanhamento, revisão do
estudo e críticas que propiciaram a correta elaboração desse trabalho e um
grande aprendizado.
viii

“Quando tínhamos todas as respostas,


mudaram as perguntas.”
Sabedoria Popular citada no livro “Em Palavras
Andantes” 1994, do escritor uruguaio Eduardo
Galeano que reproduz uma frase anônima gravada
em uma parede em Quito (Equador).
ix

RESUMO

Essa monografia tratará dos limites impostos ao poder constituinte de


reforma, com foco principal nas limitações decorrentes dos direitos fundamentais
como cláusulas pétreas, posteriormente serão analisados alguns aspectos dos
direitos fundamentais e a presença desses na Constituição de 1988. Com base
nesses dados mostraremos a inserção dos direitos sociais como cláusulas pétreas
na nossa atual Carta Magna. Por fim, será tratado da atual e relevante discussão a
respeito do princípio do não retrocesso em matérias sociais.

Palavras-chave:

Limites ao poder de reforma, cláusulas pétreas, direitos fundamentais, direitos


sociais, dignidade da pessoa humana, principio do não retrocesso em direitos
sociais.
x

ABSTRACT

This monograph treats the limits of the constituent power of reform, with main
focus on the limitations arising from the fundamental rights clauses as Petras then
are analyzed some aspects of these fundamental rights and presence in the 1988
Constitution. Based on these data show the insertion of social clauses as Petras our
current Magna Carta. Finally, it will be treated as current and relevant discussion on
the principle of non regression in social matters.

Key words:

Limits the power of reform, terms petras, fundamental rights, social rights, human
dignity, principle of non regression in social rights.
xi

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01
CAPÍTULO 1
Reformas da Constituição 04

1.1. Poder Constituinte Originário


1.2. Poder Constituinte Reformador
1.2.1 Limites a reforma constitucional
CAPÍTULO 2 15
Direitos fundamentais

2.1 Direitos de primeira dimensão


2.2 Direitos de segunda dimensão
2.3 Direitos de terceira dimensão
CAPÍTULO 3 23
Direitos fundamentais na Constituição de 1988 e a primazia da dignidade
da pessoa humana
CAPITULO 4 29
Os Direitos sociais como limites materiais ao poder constituinte de
reforma da Constituição de 1988.

4.1 Cláusulas pétreas


4.1.1 Surgimento
4.1.2 Função
4. 2 Abrangência do Art. 60 § 4º IV
CAPITULO 5 40
Princípio da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais
CONCLUSÃO 52
REFERÊNCIAS 53
1

Introdução.

Temas sempre recorrentes nos noticiários, nas mesas redondas, nos livros,
na política; são a defesa do Estado mínimo e a chamada flexibilização dos direitos
trabalhistas. Num Brasil inserido em uma economia mundial globalizada e também,
atualmente, em uma crise global, não são poucos os que defendem os temas
citados como soluções para o desenvolvimento do país.
Daí decorre a justificativa e importância desse estudo: nesse contexto que a
defesa dos direitos sociais ganham corpo, pois tais conquistas alcançadas pela
população brasileira na Carta Magna estariam ameaçadas por reformas através de
emendas de um congresso nacional ,que em um período excepcional, desse ouvido
aos defensores da diminuição do estado social e da retirada de direitos sociais.
O aprofundamento em assuntos desse quilate é de vital relevância para a
nação e traz consigo diversas reflexões. Como o direito da dignidade humana dos
trabalhadores brasileiros, que não podem ver seus direitos e garantias serem
suprimidas em nome de maior retorno econômico aos empregadores, vedando essa
possível prática através da aceitação como cláusulas pétreas os direitos
fundamentais num sentido amplo.
Também vem a baila defender a importância de um Estado social pra
construção de uma sociedade verdadeiramente livre e com o mínimo de igualdade
de condições, promovendo a emancipação do homem.
O objetivo do presente trabalho é traçar as limitações materiais impostas pelo
Poder Constituinte à reforma constitucional relacionados aos direitos fundamentais.
Tais limitações, chamadas cláusulas pétreas, decorrem da imperiosa manutenção
da identidade constitucional. Os limites materiais refletem aquilo que constitui a alma
do Estado, conforme o desenho que lhe deu a Carta Cidadã de 1988. Quando o
constituinte afastou da competência reformadora por proposta de emenda tendente
os direitos e garantias individuai - em virtude do disposto no artigo 60, §4°, IV, da
Constituição - excluiu também alterações que eliminem ou restrinjam algum de seus
elementos essenciais.
Objetivamos apontar que esse dispositivo deve ser interpretado de maneira
ampla, de forma que a limitação é aplicável não só ao artigo 5º, mas a todos direitos
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fundamentais, incluindo direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais, sempre


com foco no principio da dignidade da pessoa humana.
Outro objetivo é aprofundar a discussão quanto do principio da proibição do
retrocesso em matéria de direitos sociais e demonstrar sua significação no
progresso constante na construção de um sistema mais justo e que não gere
insegurança jurídica e nem social a quem acreditou no Estado social democrático de
Direito inaugurado por nossa Lei Fundamental.
Cabe lembrar a importância da defesa dos direitos sociais na construção de
verdadeira democracia em nosso país, que devem ser defendidos e protegidos com
a vedação de sua abolição - que, conjuntamente com a efetiva concretização no
individuo em sua dimensão cidadã, tornam possíveis alcançar os objetivos previstos
no artigo 3º da Constituição.
Nesse trabalho o método escolhido é o qualitativo, foi uma pesquisa
basicamente documental, com base em livros e meios eletrônicos; dada ênfase a
analise doutrinaria, porém sem esquecer os aspectos jurisprudenciais.
Após pesquisa bibliográfica foi feito fichário bibliográfico e de leitura. Com
esses dados realizou-se uma interpretação e análise crítica, o próximo passo tratou-
se da elaboração de fichário das minhas sínteses pessoais e fixação de plano
definitivo.
Então, deu-se lugar a elaboração propriamente dita do trabalho, que após
correções e revisões se tornou o presente trabalho.
O capítulo primeiro tratará da reforma constitucional, trazendo definições de
poder constituinte originário e derivado ou reformador, com as limitações impostas a
esse último pelo primeiro.
O seguinte capítulo abordará o tema dos direitos fundamentais, separados de
forma didática em três gerações ou dimensões, que servirá de base para posterior
aprofundamento – principalmente referente aos direitos sociais ou de terceira
dimensão.
No terceiro capítulo ficam evidenciados os direitos fundamentais na
Constituição de 1988, tendo como pano de fundo o princípio matriz da dignidade da
pessoa humana.
Já o capitulo quarto traz o tema propriamente dito desse estudo que é a
análise das cláusulas pétreas, que a luz dos capítulos anteriores demanda uma
3

interpretação abrangente dos dispositivos da nossa Casta Magna, de modo a definir


os direitos sociais como limites materiais ao poder derivado.
O quinto e último capítulo abrange o polêmico, avançado, relevante e atual
princípio da proibição do retrocesso em matéria de direitos sociais, com a visão de
diferentes autores na busca de sua efetivação.
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1. A Reforma da Constituição.

A expressão reforma é genérica e engloba a emenda e a revisão. A


Constituição vigente tem como sistema permanente de mudança formal a emenda,
agora única, já que a revisão constitucional, prevista no art.3º do ato das disposições
constitucionais transitórias, já ocorreu e não é possível outra nos termos ali
previstos. Agora qualquer mudança no texto da constituição deve ocorrer por meio
de emendas, conforme o procedimento previsto no art.60.
A rigidez e supremacia da Constituição estão diretamente ligadas a um
processo mais dificultoso para a emenda constitucional do que um simples projeto
de lei. Cada nação prevê um processo diferente e impõe restrições para a mudança.
Para prosseguimento do trabalho é imperioso fazer a distinção entre poder
que cria a Constituição ,ou seja, o poder constituinte originário e aquele que a
modifica, o poder constituinte reformador.

1.1. Poder Constituinte Originário.

A manifestação da vontade de determinadas pessoas reunidas numa


sociedade faz-se através do poder constituinte, que faz nascer assim uma nova
ordem jurídica, política econômica. O titular desse poder é o povo diretamente, mas
esse de forma indireta elege representantes que editam uma nova constituição e
implantam um novo Estado, a nossa atual Constituição foi promulgada em 1988 por
uma assembléia constituinte composta por representantes eleitos pelo povo.
O poder constituinte originário é o momento maior de ruptura da ordem
constitucional, onde o poder de fato que se instala, forte o suficiente para romper
com a ordem estabelecida, é capaz de construir uma nova ordem sem nenhum tipo
de limite jurídico positivo na ordem com a qual está rompendo. Se entendermos o
Direito como sendo sinônimo de lei positiva, posto pelo Estado, o poder constituinte
originário será apenas um poder de fato. E é justamente neste ponto que reside sua
força. Surge a partir de então um novo estado, pois a cada nova Constituição cria-se
um novo estado, conforme análise elucidativa de TEMER (2001, p. 33):
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Ressalta-se a idéia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha
ela de movimento revolucionário ou de assembléia popular. O Estado brasileiro de
1988 não é o de 1969, nem o de 1946, de 1937, de 1934, de 1981, ou de 1824.
Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém,
juridicamente. A cada manifestação constituinte, editora de atos constitucionais
como a Constituição, atos Institucionais e até decretos (veja-se o DC. 1, de
15.11.1889, que proclamou a república e instituiu a federação como forma de
Estado), nasce o Estado. Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte.
Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento com a ordem
jurídica anterior, de edição normativa em desconformidade intencional com o texto
em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, tem-se novo Estado.

O poder constituinte originário é um poder de fato e não de direito, haja vista


que inaugura nova ordem jurídica. É considerado inicial, pois antes dele não há
nada, a ordem jurídica anterior é globalmente revogada e surge uma nova, dessa
forma é um poder fora da ordem jurídica, assim pode criar métodos próprios, essa
excepcionalidade surge de momentos históricos que demandam uma nova
constituição, é revolucionário, haja ou não violência. Esse aspecto inicial é analisado
por BASTOS (2004, p.86):

O Poder Constituinte só é exercido em ocasiões excepcionais. Mutações


constitucionais muito profundas marcadas por convulsões sociais, crises
econômicas ou políticas muito graves, ou mesmo por ocasião da formação
originária de um Estado, não são absorvíveis pela ordem jurídica vigente. Nesses
momentos, a inexistência de uma Constituição (no caso de um Estado novo) ou a
imprestabilidade das normas constitucionais vigentes para manter a situação sob a
regulação faz eclodir ou emergir este Poder Constituinte que, do estado de
virtualidade ou latência, passa a um momento de operacionalização do qual
surgirão as novas normas constitucionais.

Esse poder originário também é ilimitado, pode tratar da matéria que for e
como achar melhor, é absolutamente livre para expressar a vontade popular que ele
representa, como não existe ordem jurídica anterior não existem limitações matérias
e nem formais e dessa forma é também incondicionado. BRANCO (2008,p 2) define
resumidamente e perfeitamente essa característica:

Em suma, o poder constituinte originário não está submetido a limitações sobre a


forma como se expressa, nem sobre o direito que instituirá. Não se trata de um
poder que tenha fundamento em alguma regra de direito interno preexistente. Há o
exercício do poder constituinte originário quando o seu titular, ou alguém em seu
nome, logra adotar decisões, globalmente aceitas pelos jurisdicionados, sobre o
modo de existir da comunidade política.
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A liberdade na criação de uma nova Constituição não é absoluta. Ela deve


respeitar os direitos e valores entendidos como importantes para aquela nação, o
poder constituinte emana sempre do povo, sendo ele o titular deve a carta magna
refletir os valores sociais e individuais que esse selecionou conforme sua
experiência, sem que não de se falar em constituição legítima se ela não espelhar a
vontade popular. Importante salientar que o direito não se encontra apenas no texto
positivado, ou na decisão judicial, mas latente na idéia de justiça dialeticamente
compartilhada em processos democráticos de transformação social, e será esta
compreensão justa, em uma sociedade, em um determinado momento histórico, que
legitimará o Direito, sua compreensão democrática e sua transformação
democrática, inclusive as rupturas constitucionais. Nesse sentido colabora BRANCO
(2008, p.3):

Se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser


entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam
essa mesma nação e que motivam as suas ações. Por isso, um grupo que se
arrogue a condição de representante do poder constituinte originário, se se dispuser
a redigir uma Constituição que hostilize esses valores dominantes, não haverá de
obter o acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu
empreendimento revolucionário e não será reconhecido como poder constituinte
originário. Afinal, só é dado falar em atuação do poder constituinte originário se o
grupo que diz representá-lo colher a anuência do povo, ou seja, se vir ratificada a
sua invocada representação popular.

O poder constituinte originário só será legitimo se sustentado por amplo


processo democrático que ultrapasse a mera representação parlamentar e penetre
nos diversos segmentos da complexa sociedade nacional. Podemos concluir que
este poder de fato será também de Direito, se efetivamente democrático,
entendendo-se democrático, como um processo de diálogo amplo que envolva o
debate dos mais variados interesses e valores da sociedade nacional. O fundamento
da Constituição é a vontade social, como soma das vontades individuais
manifestadas na representação política da nação, conforme argumenta TEIXEIRA
(1991, p. 200)

(...)apóia-se, em última instância, em algo superior e anterior a todo direito


estabelecido, sobre um ‘fenômeno real de existência política’. A base, o fundamento
último de um sistema de normas jurídicas não é, portanto, em última análise, algo
normativo, mas algo real: a vontade social, que dá integração à comunidade
política, imprimindo-lhe certas diretivas. Esta ‘vontade social’ não é aquela entidade
misteriosa, metafísica, do romantismo político, mas um simples processo resultante
7

de um equilíbrio das vontades individuais existentes no interior do Estado. Esta


vontade social, manifestando-se sobre a existência política da Nação, sobre o modo
desta existência, sobre a organização jurídica da Nação, que a transformará em
Estado, é o Poder Constituinte.

Mas de nada adianta ter uma Constituição legítima, se ela puder ser
contrariada por leis infraconstitucionais , daí decorre a importância da Constituição
como o topo do ordenamento, sua supremacia sobre as demais emanações
legislativas. Assim infere-se que todas as normas integrantes do ordenamento
jurídico devem guardar consonância com as regras preconizadas pela Carta Magna.
Tais definições levam à conclusão de que existe de um sistema escalonado das
normas jurídicas, no qual o vértice é representado pela Constituição. Não é por outra
razão que se diz ser a Constituição o fundamento de validade de todas as outras
normas, que por sua vez devem ser interpretadas de acordo com os princípios nela
estabelecidos e com ela se harmonizar. Sistema esse preconizado por KELSEN
(2000, p. 247):

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo


plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de
diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da
conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi
produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja
produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar
finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética,
nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a
unidade desta interconexão criadora. Se começarmos levando em conta apenas a
ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito positivo
mais elevado.

As normas constitucionais são a que possuem máxima eficácia, atuando


como padrão jurídico fundamental, que se impõe ao Estado, aos governantes e aos
governados; as normas constitucionais condicionam todo o sistema jurídico na
promoção dos valores fundamentais de um dado Estado democrático.
A Lei Maior representa, portanto, verdadeiro fundamento de validade das
demais normas, que só possuem eficácia e aplicabilidade se respeitarem os limites
impostos pela Constituição. Inaceitável seria, para o Estado Constitucional, a
vigência de regramentos que se contrapusessem aos ditames supralegais. Daí
decorre o controle de constitucionalidade das normas jurídicas.
8

Quando o legislador infraconstitucional se propõe a elaborar normas, estas


deverão se adequar a forma e ao conteúdo imposto pela constituição, afinal estas
devem complementar a constituição e jamais contestar ou tentar alterar aquela que
lhe proporcionou a existência, devendo-se observar a relação de subordinação
existente entre o poder constituinte e os poderes constituídos. Pois sendo a
constituição rígida, as suas normas possuem um processo especial para a sua
modificação, o qual é bem mais “trabalhoso” em relação à legislação ordinária.
Existe uma relação intima entre o controle de constitucionalidade e a rigidez
da constituição, a tal ponto que onde não houver o controle constitucional, jamais a
constituição será realmente rígida, pois ele evitará que entre na esfera jurídica
qualquer tipo de norma, que desrespeite os princípios constitucionais.
Não só as leis ordinárias que sofrem controle de constitucionalidade, mas
também emendas cosntitucionais que não respeitem os requisitos para reformar a
Carta Magna ou que verse sofre viole máteria potegida por cláusula de
intangibilidade terão o vicio da inconstitucionalidade analisados pelo poder judiciário,
como adeverte SILVA (2001, p.68):
Toda a modificação constitucional, feita com desrespeito do procedimento especial
estabelecido (iniciativa, votação, quorum, etc) ou de preceito que não possa ser
objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material,
conforme o caso, e assim ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo
Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias.

Nesse diapasão MENDES(1990, p. 98) assinala: "as cláusulas pétreas são


formulações jurídicas destinadas a evitar a destruição ou a radical alteração da
ordem constitucional. Constituem, pois, normas de controle (Kontrollnorm;
Kontrollmasstab), que permitem aferir a compatibilidade da revisão constitucional.”
Assim, além de um processo mais dificultoso para modificação da constituição, dela
também decorre certos limites para a reforma ,como as cláusulas pétreas , dois
quais trataremos com maior porfundidade posteriormente.

1.2. Poder Constituinte Derivado.

Conhecido também como poder constituinte reformador é instituído pelo


originário, que prevê quem e como será realizada a reforma do texto original. É um
poder fundamental para perpetuação da constituição, pois sem um mecanismo para
atualização frente as modificações do mundo fático a mesma se tornaria obsoleta e
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poderia levar a uma ruptura abrupta com a ordem, conforme lembra TEMER (2001,
p.34):
As Constituições se pretendem eternas, mas não imodificáveis. Daí a competência
atribuída a um dos órgãos do poder para a modificação constitucional, com vistas a
adaptar preceitos da ordem jurídica a novas realidades fáticas.
A constituição não pode ser tão rígida que leve a revoluções, deve-se evitar que o
poder constituinte originário tenha que se manifestar, às vezes para mudanças
meramente pontuais, o que reduz os riscos de quebra contínua da ordem
constitucional por revoluções, no seu sentido jurídico.

O poder reformador tem por características ser limitado, condicionado e


relativo. Significa dizer que o poder constituinte originário, ao criar o poder
constituinte derivado para modificar o texto originário da Constituição, estabelece
certas limitações, certos limites que deverão ser observados no exercício dessa
tarefa. Logo, o poder constituinte derivado está sujeito à observância das limitações
impostas pelo poder constituinte originário. É também denominado secundário, de
segundo grau, de reforma, ou de emenda.
A Constituição de 1988, deu ao Congresso Nacional o poder de emendá-la,
mas que atua em segundo grau, de modo indireto, pois outorgou competência a um
órgão constituído para, em seu lugar, inserir na Constituição as modificações
necessárias. É, na verdade, uma questão pratica haja vista a complexidade de se
instaurar uma assembléia constituinte toda vez que necessite modificar a
Lei Fundamental. AFONSO DA SILVA(2001, p.65) in verbis:

A Constituição, como se vê, conferiu ao Congresso Nacional a competência para


emendá-la. Deu-se, assim, esse poder a um órgão constituído. Por isso se lhe dá a
denominação de ‘poder constituinte instituído’ ou ‘constituído’. Por outro lado, como
esse seu poder não lhe pertence por natureza, primariamente, mas, ao contrário,
deriva de outro (isto é, do poder constituinte originário), é que também se lhe
reserva o nome de ‘poder constituinte derivado’, embora pareça mais acertado falar
em ‘competência constituinte derivada’ ou ‘constituinte de segundo grau’. Trata-se
de um problema de técnica constitucional, já que seria muito complicado ter que
convocar o constituinte originário todas as vezes em que fosse necessário emendar
a Constituição. Por isso, o próprio poder constituinte originário, ao estabelecer a
Constituição, instituiu um poder constituinte reformador, ou poder de reforma
constitucional, ou poder de emenda constitucional.
No fundo, contudo, o agente ou sujeito da reforma é o poder constituinte originário,
que, por esse método, atua em segundo grau, de modo indireto, pela outorga de
competência a um órgão constituído para, em seu lugar, inserir na Constituição as
modificações requeridas.
10

São características da reforma constitucional previstas no art. 60 da CF


de1988: procedimento rígido, permante e vinculado. O procedimento exige a
discussão e votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
devendo ser aprovada, em ambos os turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros. Procedimento permanente, ao contrário da revisão
constitucional (procedimento único), o processo de reforma é perene, isto é,
enquanto vigente a atual Constituição o seu texto poderá ser modificado por meio de
reforma, segundo o procedimento estabelecido no art. 60 da CF/ 88.
Além da União, os Estados-membros também estão vinculados, o
procedimento de reforma, previsto no art. 60 da CF/ 88, é de observância obrigatória
por parte dos Estados-membros, no tocante à modificação de suas constituições;
Assim, os Estados-membros, ao estabelecerem o procedimento de reforma de suas
constituições, deverão observar as regras estabelecidas pelo art. 60, para
modificação da Constituição Federal, inclusive no tocante à deliberação para
aprovação, que deverá ser, necessariamente, de três quintos.
Ao poder constituinte reformador foi dado mais é do que uma competência
instituída, na Constituição, para a produção de normas constitucionais derivadas, de
acordo e dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição. A ordem jurídica
necessita acompanhar os fatos sociais que são dinâmicos e evolutivos, e adaptar-se
às novas contingências. Disso deriva as cláusulas pétreas: que são uma forma de
limitar essas mudanças de forma a não desfigurar os valores essenciais da do texto
original, de proteger a constituição de um impulso de irracionalidade da sociedade.

1.2.1 Limites a reforma constitucional.

A da Constituição precisa ser preservada, evitando-se a descaracterização


dos preceitos nela contidos, o espírito da dela deve ser mantido. Tanto isto é
verdadeiro, que o legislador constituinte estabeleceu vedações para o poder
reformador, protegendo sua obra e evitando a desvirtuação e o esvaziamento do
conteúdo constitucional pelo legislador ordinário. Como explica AFONSO DA SILVA
(2002, p.284):

(...)a função limitadora da Constituição tem precisamente o escopo de impedir o


surgimento de realidades políticas contrapostas aos direitos do povo. Os limites
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constitucionais ao poder têm por fundamento não a limitação pela limitação, mas a
limitação para que vigorem os direitos fundamentais.

O poder de reforma da constituição é limitado de diversos modos, restringe a


sua liberdade de reformar ao exigir quorum qualificado e procedimentos dificultosos,
que decorrem da rigidez de nossa constituição. Também podemos enquadrar como
limitações formais: a definição de rol de legitimados para apresentar projetos de
emenda constitucional e a que está prevista no § 5º do art. 60, que estabelece que
“a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada
não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.
Para além restrições apresentadas anteriormente, podemos considerar outras
três limitações ao poder de reforma: circunstanciais, temporais e materiais.
Conforme entendimento de FERREIRA FILHO (1999 ,p.29): “as limitações postas
pelo poder originário ao instituído podem ser distribuídas por três tipos diversos: um
que compreende as restrições temporais; outro, restrições circunstanciais; terceiro,
vedações materiais”

1.2.1.1 Limitações circunstanciais.

Nas limitações circunstanciais a Constituição estabelece certos períodos de


anormalidade da vida política do Estado durante os quais o seu texto não poderá ser
modificado. O constituinte está atento ao fato que a reforma constitucional é matéria
de grande relevância e, por isso, não pode ocorrer em instantes de conturbação
social (TEMER, 2001, p.36).
O Constituinte exige serenidade, equilíbrio, a fim de que a produção
constitucional derive do bom senso e de apurada meditação, o texto constitucional
deve ser modificado em períodos de normalidade da vida do Estado, e não em
períodos excepcionais, nos quais, em tese, o legislador constituinte derivado poderá
não estar no gozo de plena imparcialidade. (TEMER, 2001, p.36).
A Constituição estabelece expressamente limitações circunstancias, isto é,
três circunstâncias excepcionais que impedem modificação do seu texto: estado de
sítio, estado de defesa e intervenção federal (CF, art. 60, § 1º). Durante essas
excepcionalidades ficam afastadas a normalidade e a serenidade, gerando
12

preocupação e instabilidade na condução dos negócios do governo, daí a proibição


nessas circunstâncias.

1.2.1.2 Limitações temporais:

As limitações temporais ocorrem quando a Constituição estabelece um prazo


durante o qual o seu texto não poderá ser modificado. Ao estabelecer limitações
temporais, o poder constituinte originário assegura um período de absoluta
imutabilidade do texto original. Temos como exemplos as constituições francesas do
século XX, que interditavam o poder de reforma por determinado espaço de tempo
(BONAVIDES,2000, p.176)
Na Constituição Federal de 1988 não há limitações temporais, vale dizer, o
legislador constituinte originário não impôs à atuação do legislador constituinte
derivado limitações de ordem temporal.
Significa dizer que não houve, na vigência da atual Constituição, nenhum
período durante o qual ela não pudesse ser modificada. Desde a data de sua
promulgação o texto constitucional sempre pôde ser modificado, desde que
obedecido o procedimento de reforma constitucional, previsto no art. 60 da CF.
Embora a revisão constitucional tenha sido estabelecida para ocorrer somente
cinco anos após a promulgação da Constituição, essa não era uma limitação
temporal, pois durante esse período o texto constitucional poderia ser modificado,
desde que pelo procedimento rígido de reforma constitucional, estabelecido no art.
60 da Constituição Federal (SILVA, 2001, p.66).
No Brasil não temos o histórico de limitações temporais, inclusive a vigente
desde a data da promulgação, o seu texto sempre pôde ser modificado, desde que
pelo procedimento rígido de reforma constitucional, previsto no art. 60 da CF/ 88.

1.2.1.3 Limitações materiais

Temos limitações materiais quando a Constituição estabelece certas


matérias, certos conteúdos que não poderão ser abolidos por meio de emenda, isto
é, por obra do poder constituinte derivado. O legislador constituinte resolve, para
manter a integridade/ unidade de sua obra, estabelecer um núcleo essencial que
não poderá ser afastado, suprimido, por ação do poder constituinte derivado. Os
13

limites materiais nas palavras de SARLET (2004, p.380): “objetivam assegurar a


permanência de determinados conteúdos da Constituição tidos como essenciais, ao
menos de acordo com o entendimento do Constituinte”.
Certamente, uma imutabilidade permanente acarretaria riscos à ordem
constitucional. É evidente a evolução econômica, social e cultural. A Carta Magna
deve acompanhar, mas garantindo certos conteúdos essenciais contra os interesses
políticos e particulares que por algum motivo poderá ser majoritário no Congresso
Nacional durante algum período, como retrata SARLET (2004, 382):

Com efeito, se a imutabilidade da Constituição acarreta risco de uma ruptura da


ordem constitucional, em virtude do inevitável aprofundamento do descompasso em
relação à realidade social, econômica, política e cultural, a garantia de certos
conteúdos essenciais protege a Constituição contra os casuísmos da política e do
absolutismo das maiorias(mesmo qualificadas) parlamentares.

Divide se as limitações materiais em dois grupos: explícitas ou expressas,


quando constam expressamente do texto da Constituição;ou implícitas ou tácitas,
quando não constam expressamente do texto da Constituição.
No Brasil, temos tanto limitações materiais expressas ou explícitas, como
limitações materiais implícitas ou tácitas.
As limitações materiais explícitas estão previstas no § 4º do art. 60, que
estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais”.
Essas matérias expressamente apontadas são denominadas cláusulas
pétreas expressas e representam o núcleo insuscetível de abolição da Constituição.
O poder reformador é limitado aos valores-base em que fora sedimentado, conforme
lembra Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 224): "Não mais é possível pensar a
Constituição - e mais ainda as suas cláusulas constitucionais intangíveis - sem levar
em conta suas qualidades intrínsecas, seu valor ético."
Em nome da unidade da Constituição, o constituinte estabeleceu vedações a
certas modificações com vistas a não desvirtuar o espírito constitucional e os valores
maiores pregados pela carta magna, certas matérias não podem ser restringidas ou
abolidas sob pena de descaracterização da vontade originária.
Nesse trabalho daremos especial atenção ao que vem a ser “os direitos e
garantias individuais” que foram petrificados pelo constituinte originário. Tal
14

dispositivo deve ser interpretado à luz do principio maior da constituição que é o


principio da dignidade da pessoa humana, e para efetivar esse princípio é
necessário proteger as diversas esferas de manifestação.
Ora em nome do espírito da constituição, de uma interpretação sistemática e
da dignidade da pessoa humana, deve ser descartada a interpretação restritiva do
inciso IV §4º art.60 em que somente são cláusulas pétreas os direitos fundamentais
de primeira dimensão. Essa conclusão compartilhamos com o mestre BONAVIDES
(2000, p593.):

Faz-se mister, em primeiro lugar, perante as reflexões expedidas, rejeitar, por


anacrônica, obsoleta, regressiva e incompatível com o espírito da Constituição e a
sistemática de sua unidade, alvorada em principio, toda interpretação pertinente a
inalterabilidade, por via de emenda, dos direitos e garantias individuais com base
unicamente nos valores e princípios que outrora regiam, legitimavam, e norteavam
os conceitos da velha corrente liberal. Já não é possível confinar a formulação
material e concreta da liberdade ao usufruto das classes privilegiadas e sua ordem
egocêntrica de interesses.

Desse tema trataremos especificamente no capítulo 4, agora tratemos das


limitações implícitas.
As limitações materiais implícitas ou tácitas não constam expressamente do
texto da Constituição Federal de 1988. Se não constam do texto da Constituição, a
idéia desenvolvida pela doutrina foi que além daquelas matérias apontadas
expressamente na Constituição como insuscetíveis de abolição, há outras que
também não poderão ser suprimidas por obra do poder constituinte derivado, sob
pena de fraude completa à obra do poder constituinte originário. Segundo
BONAVIDES (2000, p.178)o poder reformador é circunscrito a limitações tácitas
decorrentes dos princípios e do espírito da Constituição.
Segundo a doutrina dominante, essas limitações implícitas seriam as
seguintes: a titularidade do poder constituinte originário; a titularidade do poder
constituinte derivado; e o próprio procedimento de revisão constitucional (ADCT, art.
3º) e de reforma constitucional (CF, art. 60).
Sabe-se que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, vale dizer,
somente o povo tem o poder de decidir o momento e como elaborar uma nova
Constituição. Então, seria flagrantemente inconstitucional a aprovação, pelo
Congresso Nacional, de uma emenda à Constituição que retirasse essa soberania
15

do povo e outorgasse a um órgão constituído o poder de elaborar a nova


Constituição brasileira
Ora, a competência para modificar a Constituição Federal de 1988 foi fixada
pelo poder constituinte originário e qualquer tentativa de alterar essa competência
será inválida, por esbarrar numa limitação material implícita ou tácita.
Em 1988, ao elaborar a Constituição Federal e prever o procedimento para
sua modificação, o legislador constituinte originário impôs certas limitações ao poder
constituinte derivadas na execução dessa tarefa, prescrevendo dois procedimentos
para tal modificação – um de revisão (ADCT, art. 3º) e outro de reforma (CF, art.
60),esses procedimentos contêm certas limitações que deverão, obrigatoriamente,
ser observadas pelo poder constituinte derivado, sob pena de invalidade da
modificação efetivada;
Esta, portanto, a razão do surgimento dessa limitação material implícita: se o
poder constituinte derivado pudesse, por ato próprio, modificar as regras para sua
atuação no tocante à modificação da Constituição, estaria ele fraudando a obra do
poder constituinte originário; teríamos, nesse caso, a criatura (poder constituinte
derivado) modificando a obra do criador (poder constituinte originário); não pode o
destinatário das limitações afastá-las, por ato próprio, sob pena de absoluta desvalia
destas.
Enquanto tiver vida a vigente Constituição, o seu texto somente poderá ser
modificado de acordo com os procedimentos e requisitos estabelecidos no art. 60 da
Constituição Federal (haja vista que o procedimento de revisão já se esgotou);
qualquer tentativa de prejudicá-lo, de modificá-lo substancialmente, ou de criar outro
procedimento qualquer, será flagrantemente inconstitucional, por esbarrar numa
limitação material implícita.

2. Direitos fundamentais.

A defesa dos direitos sociais como cláusulas pétreas perpassa por um


aprofundamento do estudo dos direitos fundamentais, nos quais aqueles estão
contidos.
16

Sendo postos como direitos fundamentais, fica clara a imprescindibilidade


desses direitos à condição humana e ao convívio social, valores que formam o
núcleo do Estado constitucional democrático, conforme aduz SARLET (2004: p. 70):

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação


constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico),
integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada
parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o
núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa,
revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam
necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período
que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para
fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.

Os direitos fundamentais possuem duas dimensões: uma subjetiva e outra


objetiva. Essa última, forma a base do ordenamento jurídico de um Estado
Democrático de Direito e que permeia toda a sociedade, tendo os direitos
fundamentais uma eficácia irradiante, assim retrata os valores primordiais dos
indivíduos numa determinada época. Seguindo esse raciocínio seria inconcebível
que somente o Estado fosse obrigado a cumprir os valores previstos nos direitos
fundamentais, os particulares também devem respeito aos mesmos em suas
relações, é a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
É amplamente difundida na doutrina a teoria das três gerações ou dimensões
de direitos fundamentais, há quem defenda uma quarta geração de direitos
fundamentais para incorporar os direitos advindos das inovações do mundo
moderno, contudo prevalece a idéia de que tais direitos nada mais são que os
antigos direitos fundamentais em nova roupagem, conforme lembra BRANCO (2002,
p. 8):
Pode ocorrer, ainda, que alguns chamados novos direitos sejam apenas os antigos
adaptados às novas exigências do momento. Assim, por exemplo, a garantia contra
certas manipulações genéticas nada mais expressa do que o clássico direito à vida
confrontado com os avanços da ciência e da técnica.

Grosso modo: os da primeira dimensão são tipicamente liberais, burgueses e


de oposição ao Estado; os de segunda dimensão têm como norte a igualdade e
chamam o Estado a fornecer as mesmas oportunidades a todos, implementando
direitos sociais; os de terceira dimensão focam a fraternidade e a solidariedade, em
busca da defesa da espécie humana no planeta; já os de quarta dimensão seriam
17

relacionados à globalização, à tecnologia, etc., mas que podem ser distribuídos nas
demais categorias.

Cabe destacar que não existe uma separação estanque entre as três
gerações de diretos fundamentais, por seu caráter histórico eles estão
constantemente sofrendo novas conformações e estão sempre interligados, com
inevitáveis colisões, mas que devem ponderadas sempre com base no principio da
dignidade da pessoa humana. Nessa linha, Flávia Piovesan (2000, p. 54-55)
explicita a essencialidade do princípio da dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da
Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das
suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como
cânone constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos,
conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Nesse diapasão, observa-se que uma geração de direitos não exclui outra,
mas sim ocorre uma reinterpretação dos direitos postos com base na evolução
histórica, encontrando-se novos sentidos; é o que defende BRANCO (2002, p. 8):

Não se deve incorrer no equívoco de supor que uma geração haja suplantado a
outra. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da
geração seguinte. Apenas, pode ocorrer de o seu significado ter que se adaptar às
novidades constitucionais. Desse modo, o direito à livre circulação ou tantos outros
direitos a liberdade não guardam, hoje, o mesmo conteúdo que apresentavam
antes que surgissem direitos de segunda geração, com as suas reivindicações de
justiça social, e antes que surgissem direitos de terceira geração, como o da
proteção ao meio ambiente. Os novos direitos não podem ser desprezados quando
se trata de definir aqueles direitos tradicionais.
A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter
cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar
todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada
geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão.

Todos os direitos fundamentais devem ser vistos de forma integral, para


serem válidos e eficazes é necessário manter a indivisibilidade e interdependência
desses, numa visão universal dos direitos dos homens ESPIEL (1986, pp. 16-7) nos
ensina:

Só o reconhecimento integral de todos esses direitos pode assegurar a existência


real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos,
18

sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias


formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a
efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos
econômicos, sociais e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação.
Essa idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto
ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos humanos, que de certa forma
está implícita na Carta das Nações Unidas, se compila, amplia e sistematiza em
1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente
nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembléia Geral em
1966, e em vigência desde 1976; na Proclamação de Teerã, de 1968; e na
Resolução da Assembléia Geral, adotada em 16 de dezembro de 1977, sobre os
critérios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e das liberdades
fundamentais (Resolução n. 32/130).

Temos um sistema aberto: direitos vão sendo descobertos e formulados, para


posteriormente serem efetivados; com isso criar-se-á um processo ao qual sempre
estará em evolução, conforme a oportuna definição de BONAVIDES (2000, p.524)
“um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da
liberdade que devem ser exploradas.”
Essa constante evolução do sistema deve-se ao fato dos direitos
fundamentais serem históricos, pois nascem em certos contextos, sempre do conflito
dos privilégios postos e da ambição de novas liberdade; BOBBIO(1992, p. 5)
defende essa posição:

(...)do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender, fortalecido por
novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam,
são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas
por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de
modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

O ser humano é o fundamento da República e limite maior ao exercício dos


poderes, CANOTILHO (1998, p. 221) ressalta a importância da dignidade da pessoa
humana albergada no ordenamento:

Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição,


escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da
pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou
metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como
limite e fundamento do domínio político da República.

Para além da teorização e classificação dos direitos fundamentais, se esse


não possuírem efetividade toda essa reflexão será inócua, SARLET (2004, p. 68)
reflete brilhantemente sobre o assunto:
19

A despeito destes e de todos os demais aspectos que aqui poderiam ser versados
e por mais que se possa aderir a boa parte das críticas colacionadas no que diz
especialmente com a supervalorização histórica (dimensional) dos direitos
fundamentais, cremos que o mais importante segue sendo a adoção de uma
postura ativa e responsável de todos, governantes e governados, no que concerne
à afirmação e à efetivação dos direitos fundamentais de todas as dimensões, numa
ambiência necessariamente heterogênea e multicultural, pois apenas assim estar-
se-á dando passos indispensáveis à afirmação de um direito constitucional
genuinamente “altruísta” e “fraterno”.

BARROSO (2001, p. 120) defende a teoria da máxima aplicabilidade das


normas constitucionais, única forma de dotar a Constituição de caráter normativo
real e de fornecer ao cidadão, seu destinatário final, uma proteção efetiva. E não
parece legítimo que se defenda que os direitos fundamentais são apenas
enunciados sem força normativa, presos ao acaso da boa vontade do legislador.

A seguir serão expostas as características de cada geração.

2.1 Direitos de primeira dimensão

Os chamados direito fundamentais de primeira geração surgem em um


momento histórico marcado por revoluções burguesas, em que se busca maior
liberdade e o fim de privilégios vinculados a terra e ao nome. Nesse período os
Estado nacionais são governados por soberanos déspotas e autoritários, que limitam
as atividades dos burgueses.
Com esse quadro marcado pela insegurança que um Estado absolutista
proporciona ao capitalismo, a principal característica desse primeiro momento dos
direitos fundamentais é a busca por liberdade, liberdade essa que tem como
principal alvo o Estado. Assim busca-se a não intervenção do Estado na autonomia
da vontade os indivíduos e também na economia, somente deve existir o Estado-
Polícia, que não deve atuar e promover senão para garantir a propriedade privada.
Desde a Revolução de 1789 as declarações de direitos são um dos traços do
Constitucionalismo, "a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das
Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de
1776, que serviu de modelo para as demais na América do Norte embora a mais
20

conhecida e influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em


1789 pela Revolução Francesa."(FERREIRA FILHO, 1999, p. 281)
É interessante a leitura do fruto da revolução francesa: A Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão citada por COMPARATO (2003, p. 154):

Art. 1. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em


direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.
(...)
Art. 16. Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a
separação dos poderes determinada, não tem constituição.

Importante observar que essa igualdade prevista pela declaração de 1789 é


meramente formal, tratando de forma igual desiguais, a busca pela igualdade
material surge posteriormente com o ideário socialista.
São direitos com traços profundamente individualistas e subjetivos, conforme
alude o mestre BONAVIDES (2000, p.517):

Os direitos de primeira geração ou diretos da liberdade têm por titular o individuo,


são oponíveis ao Estado, traduzem como faculdades ou atributos da pessoa e
ostentam uma subjetividade que seu traço característico; enfim, são direitos de
resistência ou de oposição.

Sempre tendo em vista o caráter histórico dos direitos fundamentais, os de


primeira dimensão serviram àquele contexto e já demonstrou um grande avanço ao
frear o Estado em sua sanha autoritária contra as liberdades individuais.

2.2 Direitos de segunda dimensão

Num segundo momento após a consolidação do capitalismo o mundo vive o


problema da desigualdade social, havendo um grande abismo entre ricos e pobres.
Esses últimos insatisfeitos com sua condição miserável são protagonistas de
revoluções e revoltas (muitas influenciadas pelas teorias socialistas), o que coloca
em risco a própria existência do Estado.
Esse contexto de crise social, faz com que o Estado passe de mera polícia
para Estado-Provedor, é necessário que o Estado atue na sociedade para atenuar
essas desigualdades. Então, esse é o norte dos direito de segunda geração:
21

promover a igualdade real entre os membros da sociedade. Todos os indivíduos


devem partir de um ponto comum, com as mesmas ferramentas para que possam
gozar dos direitos de primeira geração, deve ser garantida a dignidade aos homens.
Como salienta LUÑO (1993, p. 215) os direitos sociais surgem do
reconhecimento de que "liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre
e pluralista, mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não-
liberdade de muitos", o que condiz com a idéia de mínimo existencial garantido
através da intervenção positiva do Estado.
Esses direitos chamados sociais dominam o século XX provenientes da
reflexão antiliberal e se fixam na idéia de igualdade material. “Nasceram abraçados
ao principio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a
desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.” (BONAVIDES, 2000,
p.518)
Não existe uma distância ou conflito entre os direitos de primeira e segunda
geração, o homem igualmente é o foco em ambos; o que existe é uma
complementaridade, onde esses ajudam na efetivação daqueles, bem lembrado por
LAFER (1988, p127-128):

A primeira geração de direitos viu-se igualmente complementada historicamente


pelo legado do socialismo, vale dizer, pelas reivindicações dos desprivilegiados a
um direito de participar do “bem-estar social”, entendido como bens que os homens,
através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo. (...) Tais direitos –
como ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado. (...) O
titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira
geração, o homem na sua individualidade.

O autor aduz ainda que:

Daí a complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos de


primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições
para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao
pleno uso das capacidades humanas. Por isso, s direitos de crédito, denominados
direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como direitos que
tornam reais direitos formais: procuram garantir a todos o acesso aos meios de vida
e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em
relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de
trabalho.

Essa categoria de direitos engloba os direitos sociais, os econômicos e os


culturais, quer em sua perspectiva individual, quer em sua perspectiva coletiva. Não
22

se confundem, contudo, com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira geração.


Eles outorgam aos indivíduos direitos a prestações sociais estatais, como
assistência social, saúde, educação, trabalho, etc. Além disso, trouxeram as
liberdade sociais, como a liberdade de sindicalização, do direito de greve, direitos
fundamentais dos trabalhadores, especificamente sobre esses últimos. SILVA (2001,
p.468) afirma que o “núcleo central dos direitos sociais é constituído pelo direito do
trabalho (conjunto de direitos dos trabalhadores) e pelo direito de seguridade social”.
Em torno dela, diz o autor, gravitam outros direitos sociais, como o direito à saúde, o
direito à previdência social, assistência social, à educação, ao meio ambiente sadio.
A despeito da previsão constitucional, a principal garantida dos direitos sociais
é sua eficácia e aplicabilidade. Uma visão meramente programática dos direitos
sociais retira-lhe sua razão de ser, como alude SILVA (2001, p.467):

A normatividade constitucional dos direitos sociais principiou na constituição de


1934. Inicialmente se tratava de normatividade essencialmente programática. A
tendência é a de conferir a ela maior eficácia. E nessa configuração crescente da
eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais reconhecedoras de direitos
sociais é que se manifesta sua principal garantia. Assim, quando a Constituição diz
que são diz que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais os expressamente
indicados no art. 7º, e quando diz que saúde ou a educação é direito de todos, e
indica mecanismos, políticas, para a satisfação desses direitos, está preordenando
situações jurídicas objetivas com vistas à aplicação desses direitos.

Surgido num novo momento histórico, os direitos de segunda geração


complementam os de primeira, em busca de um sociedade mais justa e equânime,
agora além da igualdade formal, busca-se uma igualdade material, e nesse quesito
a atuação direta do Estado e toda a sociedade são fundamentais para a eficácia e
aplicabilidade desses direitos sociais.
2.3 Direitos de terceira dimensão

Com o aumento da complexidade das relações na sociedade o direito se


deparou com direitos que não podem sem individualizados, mas que são
fundamentais para a vida digna do homem. Bens coletivos como o meio ambiente,
que quando lesados afetam a todos, dessa forma o Estado deve proteger esses
direitos difusos. A característica principal desses direitos é a solidariedade entre os
homens e entre as nações, uma vez que é necessário a preocupação com o outro
para a coexistência.
23

Os direitos de terceira geração têm como primeiro destinatário o gênero


humano, tem como características a fraternidade entre os homens e a
universalidade e de difícil delimitação de seus efeitos. BONAVIDES, (2000, p.523),
aduz:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira


geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se
destinam especificamente á proteção dos interesses de um individuo, de um grupo
ou de um determinado Estado.

Eles se caracterizam por não poderem ser divididos pelos atores isolados,
pertencem a todos ao mesmo tempo, não podendo ser concedidos a um ou a outro
indivíduo de forma separada. Pode-se afirmar que tais direitos constituem uma
verdadeira condição para que a vida possa continuar nesse planeta. Não se trata
mais de direitos de alguns menos favorecidos frente aos detentores do poder, como
observado nas primeiras gerações, e, sim, de direitos inerentes a todos, sem os
quais a vida não poderá prosseguir no mundo.
São direitos fundamentais da terceira geração os de solidariedade ou de
fraternidade, que demandam em face de sua implicação universal, notoriamente
transindividual, exigindo esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial
para sua efetivação. Foca-se o ser humano relacional, em conjunção com o próximo,
sem fronteiras físicas ou econômicas. O direito à paz, a autodeterminação dos
povos, ao desenvolvimento econômico dos países, à preservação do ambiente, do
patrimônio comum da humanidade e o direito à comunicação integram o rol desses
novos direitos.

3. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 e a primazia da


dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais surgiram juntamente com a aparição dos Estados


Constitucionais, pois ambos estão historicamente ligados. A historia do
constitucionalismo nos mostra que o seu sentido se processa quando há proteção
dos direitos básicos do ser humano, que num primeiro momento era de oposição ao
Estado absolutista, após a revolução francesa seus princípios humanitários
norteadores influenciaram o desenvolvimento nas demais nações.
24

Historicamente, os direitos fundamentais constitucionalizados, num primeiro


momento foram marcadamente individualistas ( de primeira geração) somente de
oposição ao Estado, evitando interferências arbitrarias contra as liberdades.
Contudo, ainda era muito pouco: a revolução industrial acentuou as disparidades
entre ricos e pobres, o que fez crescer as tensões sociais e a eminência de
revoluções populares. Nesse contexto o Estado foi chamado a agir para manter o
status quo, sendo implementados direitos sociais como barreiras defensivas do
indivíduo perante a dominação econômica de outros indivíduos. Apesar desse
avanço as primeiras constituições engajadas com o princípio da igualdade material
eram sem eficácia prática, como meras pretensões políticas; brilhantemente relatado
por BONAVIDES (2000, p. 208):

A queda do grau de juridicidade das Constituições nessa fase de anárquica e


conturbada doutrina se reflete em programaticidade, postulados abstratos, teses
doutrinárias; tudo isso ingressa coposamente no texto das Constituições. O novo
caráter da Constituição lembra de certo modo o período correspondente a fins do
século XVIII, de normatividade mínima e programacidade máxima. E o lembra,
como estamos vendo, precisamente pelo fato de que deixa de ser em primeiro lugar
jurídico para se tornar preponderantemente político.

Uma constituição sem efetividade e sob o pretexto de efetivar os direitos


sociais o Estado comete grandes arbitrariedades. A conseqüência direta destas
políticas foi o surgimento das ditaduras, como o nazismo, e a eclosão da Segunda
Guerra Mundial.
Após o fim da Segunda Grande Guerra, foi superado o mero positivismo, viu-
se ser necessária uma reformulação nas estruturas do constitucionalismo, com o
intuito de evitar que barbaridades, como o Holocausto. As constituições foram
fortalecidas e aparece o conceito de Estado Democrático de Direito, pautado pelos
limites ao Estado e pelo poder popular que o exerce através de seus representantes
eleitos. A essa fase, BONAVIDES(2000, p. 237-238) chama de pós-positivismo:

A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes


momentos constituintes das últimas décadas deste século. As novas Constituições
promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em
pedestal normativos sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos
sistemas constitucionais.
25

Assim, os direitos fundamentais foram sendo incorporados nas constituições e


em nossas vidas, sendo um resultado dinâmico, dialético e – sobretudo- histórico,
como lembra BULOS(2001. p.69)sobre o assunto:

Por isso é que eles são, além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis,
intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto
histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em
decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade,
fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo
masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do
homem, nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das
necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato
social cambiante.

Processo esse ainda recente que está longe de acabar, estando em


constante evolução,assim como a evolução do homem e suas organizações sociais,
acrescenta SILVA (2001,p.153):

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos


nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas
possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa
na conquista de novos direitos. Mais que conquista, o reconhecimento desses
direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se
perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários.

No Brasil, a nossa primeira Constituição, a de 1824, estava conectada à


realidade do princípio da constitucionalização dos direitos fundamentais de primeira
geração trouxe um rol de direitos que consagrava uma ótica liberal e um capítulo
especial sobre as declarações de Direitos, de cunho eletista e não para toda a
poulacao. A Constituição de 1891 tem como principal novidade transformar o Brasil
em uma república federativa, contudo, na matéria de direitos fundamentais pouco
avançou; como as demais constituições do século XIX, oferecia a segurança da
legalidade, com a garantia de todos perante a lei. Diante da falta de dar respostas ao
novo contexto que surgia, para além desse modelo liberal apareceram, constituições
com viés social, tal como a Mexicana de 1917 e a de Weimar, em 1919, que previam
um elenco de direitos econômicos, sociais e culturais.
Sob essa influência foi promulgado em julho de 1934 uma nova Constituição,
que se tornou um marcou uma grande mudança no Direito Constitucional brasileiro
pelas normas que inseriu no capítulo da ordem econômica e social. Houve avanços,
26

mas a eficácia e a juridicidade desses direitos sociais ficaram prejudicados, sendo


meros postulados constitucionais abstratos, ainda mais vivendo o Brasil a ditadura
do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Posteriormente, as constituições de 1937,de 1946 e de 1967 não trouxeram
avanços em matéria de direitos fundamentais, inclusive com grande retrocesso a
partir do golpe militar de 1964, que inaugurou 20 anos de Chumbo em território
nacional, em que as garantias foram todas suprimidas.
Após 1984 passamos por um período do de transição até a implementação da
democracia com eleições em 1989, nesse período foi promulgada a Constituição de
1988.
Como podemos observar os direitos fundamentais em nosso ordenamento
jurídico não é uma inovação da Constituição de 1988, eles já estavam previstos em
constituições brasileiras anteriores, mas nessa última ocorreram grandes avanços
nessa matéria, seja na maior abrangência de direitos, seja nos mecanismos para dar
efetivação a eles.
Mas engana-se quem pensa que essa foi uma tarefa fácil, a Assembléia
Constituinte enfrentou muitos empecilhos, como os conservadores do chamado
“Centrão”; todavia, apesar dos obstáculos a nova carta incorporou significativos
avanços no campo dos direitos humanos, tanto os individuais como os difusos e
coletivos, trazendo, também, diversos remédios constitucionais para garantir a
eficácia desses direitos. Previu, também, os direitos sociais, que reconheceram os
direitos dos cidadãos de terem uma atividade positiva do Estado, entre eles, o
seguro desemprego a proteção contra a dispensa imotivada, adicional de horas
extras, piso salarial, salário mínimo.
Os Direitos Fundamentais trazidos na Carta Magna Brasileira visam a
construção de uma sociedade voltada para a construção de uma sociedade justa e
de preocupação fundamental com a efetivação de um Estado Democrático de
Direito. Essa sintonia traz o preâmbulo da Constituição de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
27

controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO


DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Versam tais valores sobre a impossibilidade de haver Estado Democrático de


Direito sem direitos fundamentais, como também sobre a inexistência de direitos
fundamentais sem democracia, onde devem ser garantidos pelo princípio da
liberdade, não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais,
corolários do princípio da igualdade, imprescindíveis para a efetividade da dignidade
da pessoa humana.
Logo em seguida, temos no art. 3º, I- “construir uma sociedade justa e
solidária” e mais a frente, inciso III- “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais, e por fim, no último inciso do mesmo artigo,
inciso IV, completa: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, encaixando-se a
mensagem que o caput traz como objetivos fundamentais da Republica Federativa
do Brasil. Como algo indispensável para construir uma sociedade sob os parâmetros
da racionalização positiva, ou seja, elementos indispensáveis para que exista
materialmente o respeito à vida, a educação, a dignidade da pessoa humana, a paz
social, a intimidade, a igualdade, a imagem e tantos outros aspectos essenciais
trazidos pelo Texto Maior de uma forma explícita.
A Constituição de 1988, promulgada como cidadã, faz jus a esse apelido
quando de forma inovadora criou o Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais;
e o subdividiu em cinco capítulos, a saber: Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos(artigo 5); Dos Direitos Sociais(artigos 6 ao 11); Da Nacionalidade(artigos
12 e 13); Dos Direitos Políticos(artigos 14 ao 16); Dos Partidos Políticos(artigo 17).
Traz ainda O Título VIII – Da Ordem Social foi dividido em 8 Capítulos:
Capítulo I - Disposição Geral (artigo 193); Capítulo II – Da Seguridade social (artigos
194 a 204); Capítulo III – Da educação e do desporto (artigo 205 a 217); Capítulo IV
– Da ciência e da tecnologia (artigos 218 e 219); Capítulo V – Da comunicação
social (artigos 220 a 224); Capítulo VI – Do meio ambiente (artigo 225); Capítulo VII
– Da família, da criança, do adolescente e do idoso (artigos 226 a 230) e Capítulo
VIII – Dos índios (artigos 231 e 232).
Há discussão se todos os direitos elencados no Título II seriam cláusulas
pétreas, uma vez que o inciso IV do §4º do artigo 60 se refere a “direitos e garantias
28

individuais”. Tal capítulo foi uma novidade da atual constituição, que unificou e deu
maior relevância aos direitos sociais, no mesmo patamar que os direitos individuais.
Ademais, há outros direitos dispersos na Constituição que também podem ser
considerados cláusulas pétreas. A nossa Constituição incorporou todas as gerações
de direitos fundamentais, direitos esses que vão muito além dos previstos no art.
5º(embora ai já encontremos diversos avanços na proteção do homem), tanto os de
primeira, segunda e terceira gerações estão espalhados por todo o texto
constitucional, sempre o texto deve ser lido de forma sistemática.
Os direitos sociais são direcionado ao Estado, visando ações concretas desse
pra melhoria das condições de vida da população, de acordo com SILVA(2002, p.
199)são:

(...)prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que


possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a
realizar a igualização de situações desiguais. Valem como pressupostos de gozo
dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias
ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Importante conceito dos direitos fundamentais é a cidadania, pois entendido


como a pessoas integrantes da construção estatal esta umbilicalmente ligada a
soberania popular e a dignidade da pessoa humana , conforme os ensinamentos de
SILVA(2002, p.160):

A cidadania, como princípio básico de Estado brasileiro, deve ser


compreendida num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos.
Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento dos indivíduos como
pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º). Significa aí, também, que o
funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo
conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com
os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana
(art.1º,III), com os objetivos da educação (art.205), como base e meta essencial do
regime democrático.
29

4. Os Direitos sociais como limites materiais ao poder constituinte de


reforma da Constituição de 1988.

4.1 Cláusulas pétreas.

4.1.1 Surgimento

As limitações materiais ao poder de reforma da constituição ou as chamadas


cláusulas pétreas têm sua origem vinculada ao do constitucionalismo, o primeiro
registro da verificação delas está na Constituição americana de 1789. No art. IV, nº
3, ela garantiu a forma republicana de governo e, no art. V, vedou a supressão, a
cada estado membro, do direito de voto no Senado em igualdade com outros
estados. Com base no estudo de MIRANDA (1988, p. 152) verifica se a previsão de
cláusulas pétreas continuou, a Constituição da Noruega de 1814, França de 1884 ,
Brasil de 1891 e Portugal de 1911. No século XX, o elenco dos limites materiais
explícitos vem se tornando cada vez mais longo, desde a Lei Fundamental da
Alemanha em 1949 até a Constituição portuguesa de 1976 que, inicialmente no art.
290 e hoje no art. 288, contém uma enumeração bastante exaustiva de limites
materiais de revisão, exercendo essa última grande influência na nossa atual Carta
Magna.
Após experiências autoritárias com ruptura da ordem vigente como nas
ditaduras que marcaram o século XX - exemplo típico do alemão e italiano pré-
segunda guerra mundial - e ainda buscando em outros casos seguir um modelo
ideológico programático após a mesma guerra, houve um aumento dos limites
matérias petrificados nos textos constitucionais, evidenciou-se que não bastava
limitar o legislador, mas para sobrevivência daquelas cartas era necessário proteger
seus princípios vitais contra o poder reformador.
Na Constituição brasileira de 1891, a primeira após a proclamação da
República, determina-se que "não poderão ser admitidos como objeto de
deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-
federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado". Com esse
mesmo objetivo, as Constituições de 1934, 1946, 1967 e a Emenda Constitucional nº
1 de 1969 também continham cláusulas pétreas que visavam a manutenção da
federação e da república no Brasil
30

Na Constituição de 1988 houve um aumento substancial do rol de limitações


materiais explícitas em relação às constituições anteriores que apenas previam a
república e o federalismo. O acréscimo se justifica pela reação ao autoritarismo
vivenciado em períodos anteriores e pelo caráter social e compromissário da Carta
cidadã.
Essas cláusulas têm relação com o contexto histórico em que a Carta é
elaborada. A Constituição portuguesa de 1976 explica tal abrangência, essa lei
fundamental foi produzida logo após a Revolução dos Cravos, que acabou com o
regime salazarista que havia no país, e tinha a preocupação - explicitada na Carta -
de assegurar a transição ao socialismo. Mutatis mutantis o Brasil, que promulgou
sua Constituição durante o processo de redemocratização do país, após o fim do
regime militar, a Carta brasileira também teria herdado o caráter programático de
sua congênere lusa, em vez de se restringir a princípios fundamentais.

4.1.2 Função

A rigidez constitucional ajuda a conferir maior estabilidade e segurança às


constituições, vedando que se altere o que foi estatuído sob intenso debate na
Assembléia Constituinte, mediante a aprovação de uma lei ordinária numa sessão
simples do Congresso Nacional. Complementando a rigidez constitucional temos
certas matérias que nem mesmo pelo processo mais dificultoso de emendas
constitucionais podem ser abolidas, nesse sentido CANOTILHO (1991, p. 289):

A Constituição não só não pode ser infringida por qualquer outra norma, como
também não pode ser livremente alterada. Por isso, além de acrescentar ao
princípio da primazia, a rigidez constitucional reforça-o, pois o poder legislativo não
só tem de respeitar a Constituição, como também não pode alterá-la, livremente e
em qualquer momento

Cláusulas pétreas representam o núcleo intangível de uma Constituição,


gravado com uma cláusula de eternidade, a fim de conferir uma força especial,
frente às eventuais reformas, aos princípios de maior importância na manutenção da
decisão política fundamental, base de determinada Constituição. Traduz um esforço
do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando que
eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou, ainda,
impliquem em profundas mudanças
31

A idéia de que certas matérias podem ser subtraídas do âmbito de incidência


do poder de reforma constitucional, encontra fundamento na necessidade de
preservar o arquétipo constitucional, esboçado a partir de uma decisão política da
coletividade, mantendo a estrutura básica definida pelo constituinte originário, e
traduzida em determinados princípios e institutos. Não é o poder constituinte que dá
fundamento às limitações materiais da constituição, mas sim a decisão política
positivada em uma determinada constituição através do poder constituinte originário;
isto é, trata-se de um fundamento político.
Se o poder derivado não fosse limitado pelo originário, não mais haveria
reformas constitucionais e sim a elaboração de uma nova Constituição com novo
poder constituinte originário. BRANCO (2008B, p. 4) afirma que a identidade da
Constituição dever ser mantida, in verbis:

Seria um desvio de poder que o poder revisional enfrentasse a lógica da


Constituição que o previu, que se desgarrasse do núcleo essencial dos princípios
que a inspiraram e lhe dão unidade. Afinal, o propósito do poder de revisão não é o
de criar uma nova Constituição, mas o de ajustá-la, mantendo a sua identidade, às
novas conjunturas.

A Constituição de 1988 marcou a volta da democracia ao país, depois de um


duro regime militar, buscou romper com um passado antidemocrático, marcado pela
tortura, pelo medo e pela negação das liberdades constitucionais, também garantiu
uma ampla gama de direitos das três gerações na tentativa de criação de um projeto
emancipatório para a comunidade; nesse contexto que temos as atuais cláusulas
pétreas conforme lembra SCHIER(2009, p.1):

No sistema brasileiro, em vista de peculiaridades históricas antes referidas, é


absolutamente compreensível e admissível a previsão de cláusulas pétreas. A
tutela dos direitos fundamentais mediante o gravame da intangibilidade, na
experiência constitucional de 1988, aparece mais como uma tentativa de afirmação
e reforço da democracia do que como um desafio ao princípio democrático.
Expressa, antes, uma certa e fundada desconfiança em relação aos poderes
constituídos. Ademais, razões de ordem política, cultural e social têm justificado o
reconhecimento da existência de uma crise de legitimidade do Poder Legislativo,
que se expressa através da "crise de representatividade”.

Seguindo essa linha de raciocínio, não há uma crise com o sistema


democrático pela imposição de cláusulas pétreas, pois essas, inclusive, mantém
uma institucional ao manter Standards mínimos, protegendo as minorias e o sistema
32

constitucional de crises pontuais, o mesmo autor (SCHIER, 2009, p.1) retrata esse
pensamento:

Logo, em princípio, não tem sido compreendido como afronta à democracia o


controle judicial da atividade legislativa, mesmo quando esta é manifestada
mediante reforma constitucional. O risco de ruptura constitucional eventualmente
imposta pela existência das cláusulas pétreas, também parece afastada no caso do
Brasil. E isto se confirma pois não foram poucos os momentos de crise política,
econômica e social que a sociedade brasileira atravessou nesses últimos vinte
anos, tendo os direitos fundamentais, protegidos com o grau de intangibilidade, se
prestado mais para criar um ambiente de estabilidade do que de instabilidade.

Mais adiante SCHIER (2009, p.1)) desconstruí a crítica de que o alargamento


do rol de direitos fundamentais provoque uma paralisia dos poderes constituídos e o
que levaria a um maior risco de rompimento com a ordem constitucional :

Finalmente, nem mesmo a eventual crítica da extensão muito alargada do rol de


direitos fundamentais tem se mostrado, no sistema brasileiro, como fator de
engessamento das decisões majoritárias. Embora na Constituição de 1988 o rol de
direitos fundamentais seja, realmente, muito amplo, a dicção normativa da tutela
das cláusulas pétreas não chega a impedir qualquer tipo de afetação dos direitos
fundamentais. (...).E, neste campo, o pensamento jurídico brasileiro tem
compreendido que a proteção constitucional dos direitos fundamentais mediante
cláusulas pétreas não veda toda e qualquer intervenção restritiva ordinária neste
sítio. As chamadas restrições de direitos fundamentais são, por certo, admitidas,
desde que a limitação respeite o chamado "núcleo essencial do direito restringido".
Assim, esta adequada interpretação do sentido e extensão da tutela dos direitos
fundamentais como cláusulas de intangibilidade tem possibilitado – ou pode
possibilitar – um calibramento do sistema, evitando o possível engessamento
temido pelos opositores das cláusulas pétreas.

Por derradeiro, cabe ressaltar que o objetivo precípuo das cláusulas de


intangibilidade é a de impedir a destruição dos elementos essências da Lei
Fundamental, Constituindo os os direitos fundamentais valores basilares de um
Estado social e democrático de direito, sua abolição acabaria por redundar na
própria destruição da identidade da nossa ordem constitucional; porém é preciso
salientar que apenas uma efetiva e tendencial abolição das decisões fundamentais
tomadas pelo constituinte se encontra vedada, não se vislumbrando qualquer
obstáculo à sua eventual adaptação às necessidades de novas relações e situações
do mundo moderno.

4.2 Abrangência do Art. 60 § 4º IV


33

A Constituição Federal de 1988 no artigo 60 traz as limitações que o poder


constituinte originário impõe ao poder constituinte de reforma, limita o quando impõe
procedimentos especiais para uma emenda constitucional, quando veda emendas
na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sitio, essa
é chamada de limitação circunstancial. Há ainda os limites materiais ao poder de
reforma constitucional, que são divididos em implícitos e explícitos; os últimos estão
no §4º do artigo 60, a saber:

Art. 60...
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Assim, a nossa Constituição estabelece certas matérias e conteúdos que não


poderão ser abolidos e nem restringidas por meio de emenda, isto é, por obra do
poder constituinte derivado. São essas as chamadas cláusulas pétreas.
A grande questão que se coloca é o que afinal está abrangido pelo inciso IV
§4º art.60. A locução “individuais” se mostra bastante infeliz, pois da abertura para
uma interpretação restritiva literal dessa proteção constitucional, pode-se
argumentar que somente os direitos fundamentais previstos no art. 5º estariam
protegidos por clausula pétrea. Para quem assim entende, o constituinte limitou a
matéria da competência reformadora aos direitos individuais, a leitura deve ser feita
com vistas para o dispositivo do artigo 5º, restritivamente, não havendo, portanto, a
proteção de todos os direitos e garantias fundamentais contra a supressão via
emenda constitucional, estando excluídos os direitos coletivos e sociais.
Entre os defensores de uma posição estrita do dispositivo constitucional, está
MARTINS (2002, p.71-72) que aponta somente constituem cláusulas pétreas
“...direitos e garantias individuais” que, para ele, “...são as liberdades clássicas
contra a opressão do Estado”. Segundo o autor, tal conclusão decorre, em primeiro
lugar, da letra do dispositivo constitucional, e, em segundo lugar, da organização
sistemática da Constituição. Explica que, a Constituição de 1988 sistematizou e
nominou de direitos individuais e coletivos os contidos no Capítulo I (que contém o
artigo 5°); e após, no Capítulo II, tratou do que chamou de direitos sociais; seguido
34

da nacionalidade, no Capítulo III; dos direitos políticos, no Capítulo IV; e dos


partidos políticos, no Capítulo V. Por isso, quando, no artigo 60, § 4º, IV, menciona
especificamente direitos e garantias individuais, está, para o autor, tratando somente
dos direitos arrolados no artigo 5°.
MARTINS (2002,p.71-72), ainda, sublinha que se o constituinte quisesse
referir-se aos Direitos e Garantias Fundamentais, que é o Título II da Constituição,
teria sido explícito nesse sentido, usando a expressão “direitos e garantias
fundamentais” O autor, porém, não exclui dessa interpretação literal os direitos
coletivos contidos no artigo 5° da Constituição. Com isso, duas questões ficam sem
resposta: se estava se referindo apenas ao artigo 5°, o constituinte não utilizou
expressamente direitos e garantias individuais e coletivos? Outra questão: se
pretendia, então, excluir também os direitos coletivos, porque o autor defende que
todos os direitos contidos no rol do artigo 5° são cláusulas pétreas? Essas questões
comprometem a coerência da tese do autor, reforçando a necessidade de uma
interpretação sistemática e engajada da constituição para determinar quais são as
cláusulas pétreas.
Esse tipo de interpretação comprimida é produto de um constitucionalismo
não adaptado com o advento de novos direitos, que demandam de proteção assim
como aquele de cunho individual, em brilhante raciocínio, BONAVIDES (2000,
p.590), aduz:
A interpretação comprimida e restritiva do sobredito § 4º só é factível, pois,
mediante conceitos jurídicos de aplicação rigorosa que estampam a face de um
constitucionalismo desde muito abalado e controvertido em suas fronteiras
materiais, bem como nas suas antiga bases de sustentação e legitimidade; seria,
por conseqüência, um constitucionalismo inconformado com o advento de novos
direitos que penetram a consciência juridica de nosso e nos impõe outorgar-lhes p
mesmo grau de reconhecimento, em tremos de aplicabilidade, já conferido aos que
formam o tecido das construções subjetivas onde se teve sempre por meta
estruturar a normatividade constitucional dos direitos e garantias individuais.

Restringir as cláusulas de inalterabilidade é uma postura anacrônica e


incompatível com o espírito da constituição, demonstra filiação a uma ultrapassada
corrente liberal, destinada a manter privilégios de uma pequena elite, nesse sentido
BONAVIDES (2000, p.590):

Faz-se mister, em primeiro lugar, perante as reflexões expendidas, rejeitar, por


anacrônica, obsoleta, regressiva e incompatível como o espírito da Constituição e a
sistemática de sua unidade, arvorada em principio, toda interpretação pertinente à
35

inalterabilidade, por via de emenda, dos diretos e garantias individuais com base
unicamente nos valores e principios que outrora regiam, legitimavam e norteavam
os conceitos da velha corrente liberal. Já não é possível confinar a formulação
material e concreta da liberdade ai usufruto das classes privilegiadas e sua ordem
egocêntrica de interesses.

Coloca-se, portanto, fora de seu tempo e da realidade vigente que nos


circunda a doutrina hermenêutica que encara aqueles direitos e garantias tão
somente pelo prisma do passado, segundo um quadro de idéias apartado por inteiro
do sentimento constitucional de nossa época.

SARLET (2004, p.393-394) em seu raciocínio desmonta os argumentos de


quem defende que os direitos sociais não poderiam ser integrados as cláusulas
pétreas, lembrando que nossa Carta Magna não traça qualquer diferença entre
direitos de liberdade e direitos sociais, também muitos desses últimos podem ser
considerados direitos de defesa e que ,ainda, restringir a proteção ao art. 5º excluiria
os direitos políticos e de nacionalidade. Transcrevo:

No direito pátrio, há quem sustente que os direitos sociais não podem em hipótese
alguma, ser considerados como integrando as “cláusulas pétreas” da Constituição,
isso pelo fato de não poderem (ao menos na condição de direitos de prestação) ser
equiparados aos direitos de liberdade do art.5º. para além disso, argumenta-se que,
se o Constituinte efetivamente tivesse tido a intenção de gravar os direitos sociais
com a cláusula da intangibilidade, ele o teria feito, ou nominando expressamente
esta categoria de direitos no art.60, §, inc. IV, ou referindo-se de forma genérica a
todos os direitos e garantias fundamentais, mas não apenas aos direitos e garantias
individuais. Tal concepção e todas aquelas que lhe podem ser equiparadas
esbarram, contudo, nos seguintes argumentos: a) a Constituição brasileira não
traça qualquer diferença entre os direitos e garantias de liberdade (defesa) e dos
direitos sociais, inclusive no que diz com eventual dos primeiros sobre os segundos;
b) os partidários de uma exegese conservadora e restritiva em regra partem da
premissa de que todos os direitos sociais podem ser conceituados como direitos a
prestações materiais estatais, quando, em verdade, já se demonstrou que boa parte
dos direitos sociais são equiparáveis, no que diz com sua função precípua e
estrutura jurídica, aos direitos de defesa; c) para além disso, relembramos que uma
interpretação que limita o alcance das “cláusulas pétreas” aos direitos fundamentais
elencados no art. 5º da CF acaba por excluir também os direitos de nacionalidade e
os direitos políticos, que igualmente não foram expressamente previstos no art. 60
§4º, inc.IV, da nossa lei Fundamental.

Em nome da unidade constitucional em torno do principio da dignidade da


pessoa humana, essa interpretação deve ser descarta e em seu lugar deve ficar
uma interpretação abrangente, contemplando todos os direitos fundamentais. Uma
interpretação restritiva esbarra, em primeiro lugar, na própria natureza dos direitos
36

coletivos e sociais, que são, na realidade, dimensões dos próprios direitos


individuais. O direito coletivo trata dos direitos dos indivíduos em coletividade, e os
sociais, do indivíduo em sociedade. SARLET(2004, p. 395) defende que os todos os
direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, embora alguns de expressão
coletiva, são direitos de titularidade individual, a saber:

Para além do exposto, verifica-se que todos os direitos fundamentais consagrados


em nossa Constituição (mesmo os que não integram o Titulo II) são, na verdade e
em última análise, direitos de titularidade individual, ainda que alguns sejam de
expressão coletiva. É o individuo que tem assegurado o direito de voto, assim como
é o individuo que tem direito a saúde, assistência social, aposentadoria, etc. Até
mesmo o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado (art.225 da CF), em
que pese seu habitual enquadramento entre os direitos de terceira dimensão, pode
ser reconduzido a uma dimensão individual, pois mesmo um dano ambiental que
venha a atingir um grupo dificilmente quantificável e delimitável de pessoas
(indivíduos) gera um direito à reparação para cada prejudicado. Ainda que não se
queira compartilhar desse entendimento, não há como negar que nos encontramos
diante de uma situação de cunho notoriamente excepcional, que em hipótese
alguma afasta a regra geral da titularidade individual da absoluta maioria dos
direitos fundamentais. Os direitos e garantias individuais referidos no art. 60, §4º,
inc. IV, da nossa lei Fundamental incluem, portanto, os direitos sociais e os direitos
de nacionalidade e cidadania (direitos políticos).

A própria constituição nos dá mecanismos para interpretar de forma


abrangente: o §2° do artigo 5° estabelece que os direitos e garantias expressos na
constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados. AGRA (2000, p. 175) defende que o próprio constituinte reconheceu o
caráter exemplificativo do rol do artigo 5º, havendo, pois, “...direitos e garantias (...)
contidas em todas as partes da Constituição”. E mais adiante complementa:

(...)Os direitos fundamentais foram alçados à categoria de cláusulas pétreas nesta


Constituição. (...) Os direitos coletivos são fruto do desenvolvimento dos direitos
individuais; estes são majoritariamente de primeira geração, enquanto aqueles são
da segunda e terceira geração.

Importante ressaltar que o próprio STF já vem se pronunciando que os


direitos protegidos não se esgotam nos definidos no art. 5º, como o fez na ADI 939,
a saber, o voto de SANCHES:

Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada,


incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional,
pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição
(art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no
37

art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de


inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal
tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo,
violou os seguintes princípios e normas imutaveis (...)2. - o princípio da imunidade
tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos
outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da
C.F.).1

No julgamento dessa ADI se encontra a mais relevante discussão travada até


o momento no âmbito do STF, pois o fez explicitar o alcance do art. 60, § 4º, IV,
definindo o que devia ser entendido como direito e garantia individual, para fins de
proteção com a cláusula de intangibilidade. Apesar da votação não ter sido unânime,
foi adotada uma interpretação ampliativa, não circunscrevendo os direitos
mencionados no inciso IV aos arrolados no art. 5º da Constituição. O que implica
admitir que outras garantias do cidadão podem ser encontradas em outros artigos da
Constituição, como o caso do princípio da anterioridade tributária presente no art.
150, III, “b”, tido por vulnerado pela EC nº 3/93. E é importante observar que a
maioria dos ministros refutou, com firmeza, o argumento de que essa interpretação
lata dos direitos individuais poderia provocar um exagerado engessamento da
Constituição.
A nossa constituição incorporou direitos fundamentais de todas as gerações,
mas, independentemente de suas particularidades, todas buscam o bem estar e
emancipação do ser humano, confluindo na idéia de dignidade da pessoa humana, a
qual é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil 2. Não há distinção de
grau nem de valor entre os direitos sociais e os direitos individuais. No que tange a
liberdade, ambos são elementos do bem maior da dignidade da pessoa humana,
esse que é o maior alto valor incorporado à Constituição como fórmula universal de
um novo Estado social de direito e que deve guiar a interpretação do sistema. As
garantias sociais conferem eficácia a essa dignidade. BONAVIDES (2000, p. 595),
complementa:

1
SANCHES,Sydney. Na ADI 939-DF, RTJ 151-03/755.
2
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
38

Garantias sociais são, no melhor sentido, garantias individuais, garantias do


individuo em sua projeção moral de ente representativo do gênero humano,
compendio da personalidade, onde se congregam os componentes éticos
superiores, mediante os quais a razão qualifica o homem nos distritos da liberdade,
traçando-lhe uma circunferência de livre arbítrio que é o espaço de sua vivencia
existência.

Supressões constitucionais dos direitos fundamentais de forma direta,


mediante emenda, portanto, são vedadas. Não se admite igualmente, para se evitar
fraude à constitucional e por razões lógicas, a supressão direta de direitos
fundamentais mediante normatividade infraconstitucional. Não se admite, por
conseguinte, nem que emenda e muito menos lei infraconstitucional sequer
indiretamente venham a suprimir direitos fundamentais, ai incluídos também os
direitos sociais, conforme lição de BONAVIDES(2000, p. 595):

Tanto a lei ordinária como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou


suprimirem a essência protetora dos direitos sociais, jacente na índole, espírito e
natureza de nosso ordenamento maior, padecem irremissivelmente da eiva de
inconstitucionalidade, e como inconstitucionalidade devem ser declaradas por
juízes e tribunais, que só assim farão, qual lhe incumbe, a guarda bem sucedida e
eficaz da Constituição.

Como direitos fundamentais, os direitos sociais devem ser defendidos e


protegidos com a vedação de sua abolição, que conjuntamente com sua efetiva
concretização no individuo em dimensão objetiva tornam possíveis alcançar os
objetivos previstos no artigo 3º da Constituição 3. Sem a concretização dos direitos
sociais, jamais poderemos ter uma sociedade livres justa e solidaria, e nem mesmo
reduzir as desigualdades socais.

O principio da dignidade da pessoa humana deve servir como norte para


integração e interpretação dos demais princípios e dispositivos constitucionais, ele é
um super princípio. Para a defesa do ser humano não há como separar e qualificar
alguns direitos como mais importantes que outros, como deixar de lado da proteção
máxima a igualdade material proposta pelos direitos sociais.

3
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
39

Com a busca da eliminação das intolerâncias e exclusão social, a sociedade


moderna tenta afirmar o principio da dignidade da pessoa humana, aduz BARROSO
(2003, p. 51-53):

O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade


moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um
respeito à criação independente da crença que se professe quanto à sua origem. A
dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as
condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um
dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do
novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da
exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na
plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar

O núcleo essencial do super princípio da dignidade da pessoa humana


engloba o necessário para o mínimo para sobrevivência emancipada, como continua
BARROSO (2003, p. 51-53):

(...)é composta do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e


utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria
liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há
dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta
variação conforme a visão subjetiva de quem o elabora, mas parece haver razoável
consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há,
ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a
exigibilidade e efetivação dos direitos.

A função precípua das cláusulas de intangibilidade é a de impedir a


destruição dos elementos essências da Lei Fundamental, a nossa possui um cunho
nitidamente social, não proteger os direitos sociais significa a perda da identidade
formada pelas decisões fundamentais tomadas pelo constituinte, implicando em
frontal agressão ao principio da dignidade da pessoa humana e do nosso Estado
Democrático de Direito. Cumpre salientar que essa petrificação não é absoluta, não
vedando eventuais mudanças para adaptar-las a uma realidade complexa e em
constante mutação. O que se veda é apenas uma efetiva ou tendencial abolição das
decisões fundamentais tomadas pelo constituinte, como argumenta SARLET (2004,
p. 397):

Por derradeiro, cumpre relembrar que a função precípua das assim denominadas
“cláusulas pétreas” é a de impedir a destruição dos elementos essenciais da
40

Constituição, encontrando-se, nesse sentido, a serviço da preservação da


identidade constitucional, formada justamente pelas decisões fundamentais
tomadas pelo Constituinte. Isto se manifesta com particular agudeza no caso dos
direitos fundamentais, já que sua supressão, ainda que tendencial, fatalmente
implicaria agressão (em maior ou menor grau) ao princípio da dignidade da pessoa
humana(art. 1º, inc. III, da CF). Assim, uma interpretação restritiva da abrangência
do art.60, §4º, inc. IV, da CF não nos parece ser a melhor solução , ainda mais
quando os direitos fundamentais inequivocamente integram o cerne da nossa
ordem constitucional. Por certo, não há como negar que uma interpretação restritiva
das “cláusulas pétreas” tem por objetivo impedir uma petrificação de toda a
Constituição, o que não pode prevalecer diante de uma exegese sistemática, que
tenha sempre presente a necessidade de preservar os seus elementos essenciais,
insuscetíveis de supressão ou esvaziamento (hipóteses que se equivalem) pela
autuação do poder de reforma constitucional. Constituindo os direitos sociais(assim
como os políticos) valores basilares de um Estado social e democrático de direito,
sua abolição acabaria por redundar na própria destruição da identidade da nossa
ordem constitucional, o que por evidente, se encontra em flagrante contradição com
a finalidade precípua das “cláusulas pétreas”. Quanto ao risco de uma indesejável
galvanização da Constituição, é preciso considerar que apenas uma efetiva e
tendencial abolição das decisões fundamentais tomadas pelo constituinte se
encontra vedada, não se vislumbrando qualquer obstáculo à sua eventual
adaptação às exigência de um mundo em constante transformação.

Cabe ainda defender que assim como a dignidade de uma pessoa, os direitos
fundamentais devem ser reconhecidos de forma integral, não podem ser entendidos
e defendidos de forma separada já que sem a efetividade de gozo dos direitos
econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras
categorias formais; há uma necessária integralidade, interdependência e
indivisibilidade quanto ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos
fundamentais, portanto a proteção contra os desmandos de certos momentos
políticos deve ser a mais ampla possível., de forma a manter a integralidade do
sistema de proteção das garantias fundamentais.

5. Princípio da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais

Na condução da estabilidade dos direitos fundamentais que asseguram a


dignidade da pessoa humana como um todo e por conseqüência a efetividade da
segurança jurídica no Estado social e democrático de Direito é importante é a
efetivação do principio da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais.
Principio esse que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico constitucional e
dele decorre que quando determinado direito se incorpora ao patrimônio jurídico da
41

cidadania não pode mais ser abolido. Para melhor definir esse principio nada melhor
que recorrer a seu criador, CANOTILHO (1998, p.336):

(...)a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-
revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos
sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à
educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a
constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. (...)
O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo
essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas
legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo
inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação`
pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e
inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.

Não retroceder em direitos fundamentais já incorporados ao estatuto jurídico


do cidadão, corrobora com outro principio fundamental e que está na base das
relações sociais: a segurança jurídica; abrange em suas várias manifestações uma
proteção à pessoa contra atos de violação de seus direitos fundamentais, esta é a
confiança de que efetivamente estes direitos terão eficácia, apesar de flexibilizados
pela ingerência reformista das Constituições. Centra-se a segurança jurídica
primordialmente na proteção da pessoa e contra medidas jurídicas, legislativas e
administrativas que retrocedam as garantias sociais progressivas.
O núcleo essencial da segurança jurídica envolve as idéias de certeza e
previsibilidade. De forma explícita, não existe na CF. O preâmbulo 4 contém idéia de
segurança jurídica como um dos valores supremos de nossa sociedade. Nossa
tradição constitucional, ao contrário de outros países como a França, não confere ao
preâmbulo força normativa, mas tem força como interpretação. O caput do artigo 5º 5
refere-se ao direito à segurança, não se fala em segurança pública ou individual e a
4
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

5
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
42

interpretação dominante é que se trata de segurança jurídica. Em seu estudo


SARLET (2004B, p.5-6) traz as diversas citações da segurança (jurídica) em nosso
ordenamento constitucional e ainda retrata a previsão na Carta Magna da segurança
social, ambas como elementos nucleares da noção de Estado de Direito :

No caso da ordem jurídica brasileira, a Constituição Federal de 1988, após


mencionar a segurança como valor fundamental no seu Preâmbulo, incluiu a
segurança no seleto elenco dos direitos “invioláveis” arrolados no caput do artigo
5º, ao lado dos direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade. Muito embora
em nenhum momento tenha o nosso Constituinte referido expressamente um direito
à segurança jurídica, este (em algumas de suas manifestações mais relevantes)
acabou sendo contemplado em diversos dispositivos da Constituição, a começar
pelo princípio da legalidade e do correspondente direito de a não ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II),
passando pela expressa proteção do direito adquirido, da coisa julgada e do ato
jurídico perfeito (artigo 5º, inciso XXXVI), bem como pelo princípio da legalidade e
anterioridade em matéria penal (de acordo com o artigo 5º, inciso XXXIX, não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal) e da
irretroatividade da lei penal desfavorável (artigo 5º, inciso XL), até chegar às demais
garantias processuais (penais e civis), como é o caso da individualização e
limitação das penas (artigo 5º, incisos XLV a XLVIII), das restrições à extradição
(artigo 5º, incisos LI e LII) e das garantias do devido processo legal, do contraditório
e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV), apenas para referir algumas das
mais relevantes, limitando-nos aqui aos exemplos extraídos do artigo 5º, que, num
sentido amplo, também guardam conexão com a noção de segurança jurídica.
Assim, bastariam estas breves considerações, para demonstrar o quanto a
segurança jurídica (aqui tomada num sentido propositalmente amplo) assumiu um
lugar de destaque na atual ordem jurídico-constitucional brasileira, ao lado da
segurança social (igualmente consagrada de modo expresso no âmbito da ordem
social e ligada diretamente aos direitos fundamentais à saúde, assistência e
previdência social). Importa relembrar, neste contexto, que a segurança jurídica
(para além das manifestações específicas expressamente constantes do texto
constitucional) integra, na condição de subprincípio, também os elementos
nucleares da noção de Estado de Direito plasmada na Constituição de 1988 desta
sendo indissociável.

A idéia de certeza é antiga, à qual, nos últimos séculos se agregou a


previsibilidade. Filósofos dizem que tanto mais civilizado o povo quanto mais eu
tenho previsibilidade de como será julgado amanhã; reciprocamente, quanto maior a
previsibilidade das decisões que serão tomadas, maior o grau de civilização. O
Princípio da Segurança Jurídica se encontra intensamente relacionado ao Estado
Democrático de Direito, podendo ser considerado inerente e essencial ao mesmo,
sendo um de seus princípios basilares que lhe dão sustentação. Desta feita, urge
ressaltar que o Princípio da Segurança Jurídica possui conexão direta com os
direitos fundamentais e que os direitos fundamentais adquirem vida e inteligência
43

por meio da dignidade da pessoa; assim o núcleo essencial dos direito fundamentais
e da dignidade só estarão a salvo com um mínimo de segurança jurídica como
adverte SARLET (2004B, p.5-6):

Com efeito, a plena e descontrolada disponibilização dos direitos e dos projetos de


vida pessoais por parte da ordem jurídica acabaria por transformar os mesmos (e,
portanto, os seus titulares e autores) em simples instrumento da vontade estatal,
sendo, portanto, manifestamente incompatível mesmo com uma visão estritamente
kantiana da dignidade6. Para além disso, há que levar em conta que especialmente
o reconhecimento e a garantia de direitos fundamentais tem sido consensualmente
considerado uma exigência inarredável da dignidade da pessoa humana (assim
como da própria noção de Estado de Direito), já que os direitos fundamentais (ao
menos em princípio e com intensidade variável) constituem explicitações da
dignidade da pessoa, de tal sorte que em cada direito fundamental se faz presente
um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. 7 Portanto,
a proteção dos direitos fundamentais, pelo menos no que concerne ao seu núcleo
essencial e/ou ao seu conteúdo em dignidade 8, evidentemente apenas será
possível onde estiver assegurado um mínimo em segurança jurídica.

A falta de segurança jurídica pode tornamos reféns dos mandatário do poder,


perdendo nossa liberdade cidadã, ficando dependente e sujeito aos ventos da
política. Interessante reflexão faz FERREIRA (1996, p. 191) a respeito:

Se, feita uma opção legítima em face do direito posto, interpretado, revelado,
executado, cumprido e aplicado, pudesse, futuramente, ser ela tida por ilícita, ou
ser desfeita, não mais haveria segurança, nem, conseqüentemente liberdade, mas
dependência, sujeição e risco. O cidadão voltaria a ser súdito. Regrediríamos à
plenitude da era absolutista. Duas máximas retratam, com efeito, a filosofia e a
realidade do poder absoluto: princeps legibum ac magistrastum imperio solutus (o
soberano é imune às leis e ao poder dos juízes); quod princeps voluit legis (o
desejo do soberano tem força de lei): Nenhuma lei pelo Rei feita o obriga, senão
enquanto Ele, fundado em razão e igualdade, quiser a ela submeter seu real poder
(Livro II, Título 35, § 21, Ordenações Filipinas de 1602)”.

6
Convém não esquecer que, para Immanuel Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes, in: Os Pensadores
– Kant (II), Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp. 134 e ss., a pessoa humana
constitui um fim em si mesma e, portanto, não pode ser empregada como simples meio da vontade própria e
alheia. Assim, desde logo verifica-se que, na concepção de Kant (largamente incorporada ao pensamento
filosófico, político e jurídico contemporâneo) a coisificação e instrumentalização da pessoa humana encontra-se
desde logo vedada, ainda que – consoante oportuna lembrança de Ronald Dworkin, El domínio de la vida. Uma
discusión acerca Del aborto, la eutanásia y la libertad individual, Barcelona: Ariel,.1998, p. 310, isto não
signifique que em hipótese alguma as pessoas não possam ser colocadas em alguma situação de desvantagem.
7
Aqui vale colacionar a lição de Dominique Rousseau, les libertes individuelles et la dignité de la personne,
Paris: Montchrestien, 1998, p. 70, ao referir que os direitos fundamentais adquirem vida e inteligência por meio
da dignidade da pessoa, ao passo que esta não se realiza e torna efetiva se não pelos direitos fundamentais.
8
Convém lembrar aqui não existir uma necessária convergência entre o conteúdo em dignidade da pessoa e o
núcleo essencial dos direitos fundamentais, já que a garantia do núcleo essencial (que possui uma função
autônoma) pode ir até mesmo além da proteção assegurada pelo conteúdo em dignidade da pessoa, dependendo
do direito fundamental que estiver em causa.
44

A segurança dos direitos fundamentais pelas Constituições é condição basilar


para a promoção da dignidade da pessoa humana, pois não se trata de uma
disponibilização de direitos pelo Estado, mas de fundamentos inerentes ao ser
humano, que são garantidos pelo Estado através da segurança jurídica quando as
Constituições propõem um Estado de bem estar social. É necessário um conjunto de
prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade, que funciona
como fio condutor para a definição do núcleo essencial de mínimo existencial para
uma vida saudável. SARLET (2004B, p.29)demonstra esse raciocínio:

Que tal núcleo essencial encontra-se diretamente vinculado ao princípio da


dignidade da pessoa humana, notadamente (em se tratando de direitos sociais
prestacionais) ao conjunto de prestações materiais indispensáveis para uma vida
com dignidade, constitui uma das teses centrais aqui sustentadas, ainda que sem
qualquer pretensão de originalidade. Além disso, a noção de mínimo existencial,
compreendida, por sua vez, como abrangendo o conjunto de prestações materiais
que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade, que necessariamente só
poderá ser uma vida saudável, que corresponda a padrões qualitativos mínimos, 9
nos revela que a dignidade da pessoa atual como diretriz jurídico-material tanto
para a definição do núcleo essencial, quanto para a definição do que constitui a
garantia do mínimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bem mais
do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido,
portanto, à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um
mínimo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais 10. Em se
partindo do pressuposto que as prestações estatais básicas destinadas à garantia
de uma vida digna para cada pessoa constituem (tal como já foi lembrado) inclusive
parâmetro necessário para a justiciabilidade dos direitos sociais prestacionais, no
sentido de direitos subjetivos definitivos que prevalecem até mesmo em face de
outros princípios constitucionais (como é o caso da “reserva do possível” [e da
conexa reserva parlamentar em matéria orçamentária] e da separação dos poderes,
apenas para referir os que têm sido mais citados na doutrina, resulta evidente –
ainda mais em se cuidando de uma dimensão negativa (ou defensiva) dos direitos
sociais (e neste sentido não apenas dos direitos a prestações 11) – que este conjunto

9
Reportamo-nos aqui ao novamente ao nosso conceito de dignidade da pessoa tal como já citado neste ensaio,
destacando que uma vida digna é necessariamente uma vida saudável. De tal conceito aproxima-se a noção
recentemente sustentada por Luis Fernando Barzotto, A Democracia na Constituição, São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2003, especialmente p. 175 e ss., ao referir-se a uma “vida boa” como objetivo e fundamento do
Estado democrático de Direito na Constituição de 1988.
10
A respeito da noção de mínimo existencial, remetemos ao indispensável e pioneiro estudo de Ricardo Lobo
Torres, O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais, in: Revista de Direito Administrativo, nº 177, 1989,
p. 29 e ss., muito embora o autor – a partir de uma profunda análise especialmente da doutrina norte-americana
e germânica – esteja aparentemente a se inclinar em prol de uma noção tendencialmente liberal (embora não
necessariamente reducionista) de mínimo existencial, já que bem destaca o papel da dignidade da pessoa na
construção do conceito de mínimo existencial. Dentre as contribuições mais recentes, importa referir o já citado
estudo de Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, especialmente p. 247 e ss.
11
Registre-se aqui que, a despeito das críticas incisivas formuladas por Flávio Galdino, O Custo dos Direitos, in:
Ricardo Lobo Torres (Org), Legitimação dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 139 e ss.
(especialmente a partir da p. 173) sempre reconhecemos (embora talvez não com suficiente ênfase) a interligação
entre direitos negativos e positivos, assim como o fato de que os direitos positivos possuem uma dimensão
negativa (e a proibição de retrocesso é um dos aspectos que melhor dá conta desta circunstância). De outra parte,
convém não esquecer que ao priorizarmos o critério da eficácia jurídica (e não propriamente o da efetividade, a
45

de prestações básicas não poderá ser suprimido ou reduzido (para aquém do seu
conteúdo em dignidade da pessoa) nem mesmo mediante ressalva dos direitos
adquiridos, já que afetar o cerne material da dignidade da pessoa (na sua dupla
dimensão positiva e negativa) continuará sempre sendo uma violação injustificável
do valor (e princípio) máximo da ordem jurídica e social.

A defesa do principio da vedação do retrocesso está longe de ser pacífica,


muitas objeções são colocadas, em brilhante e conciso estudo FILETI (2008, p.39)
aponta cinco principais argumentos contrários e os rebate :

1ª) centra-se na alegação de inexistência de definição constitucional acerca do


conteúdo do objeto dos direitos fundamentais sociais. Logo, esses direitos seriam
indetermináveis sem a intervenção do legislador, cuja liberdade encontraria limites
apenas no princípio da confiança e na necessidade de justificação das medidas
reducionistas. Contudo, a aceitação dessa concepção outorgaria ao legislador o
poder de disposição do conteúdo essencial dos direitos fundamentais sociais,
ocasionando fraude à Constituição por violação à própria dignidade humana;
2ª) é a alegada equivalência entre retrocesso social e omissão legislativa. Sucede
que, embora correlatas, não há equivalência entre ambas, pois o retrocesso social
pressupõe um ato comissivo, formal, do legislador, que venha de encontro aos
preceitos constitucionais. Já a omissão, embora censurável do ponto de vista
jurídico-constitucional, não se trata de ato sujeito a refutação;
3ª) refere-se ao fato de uma norma constitucional, ao concretizar um direito social
prestacional, passar a ter força de norma constitucional, isto é, ocorre a
constitucionalização do direto legal. A tese é rebatida ao argumento de que há
possibilidade de um processo informal de modificação da Constituição por meio da
ação do legislador, que teria como justificativa a evolução da própria Lei Maior;
4ª) suposta maior força, e, portanto, maior proteção, que seria atribuída aos direitos
sociais em detrimento dos direitos de liberdade. Contrapõe-se a afirmação com a
constatação de que a Constituição brasileira não estabelece diferenciação
substancial entre os direitos fundamentais sociais e os direitos de liberdade,
conferindo a ambos a mesma proteção; e
5ª) refere-se ao caráter relativo do princípio em face da realidade fática. A
concretização legislativa dos direitos fundamentais sociais não pode dissociar-se da
realidade. Assim, o princípio da proibição de retrocesso social não é absoluto,
podendo ser, inclusive, objeto de ponderação. Dessa ponderação estará excluída,
em regra, a possibilidade de integral supressão da regulamentação
infraconstitucional de um direito fundamental social ou de uma garantia
constitucional relacionada com a manutenção desse direito. Porém, para além
desse núcleo essencial do princípio é admitida a alteração do grau de
concretização legislativa.

despeito de estar intimamente relacionado com o primeiro) acabamos sustentando – e assim seguimos
entendendo – que o fato de todos os direitos terem uma dimensão positiva (como bem enfatiza Flávio Galdino,
na esteira de Holmes e Sunstein), no sentido de que também para proteger o direito de propriedade e a liberdade
de expressão o poder público necessita disponibilizar todo um aparato judiciário, policial, etc, que implica em
investimentos de ordem econômica (aspecto que nunca negamos, pois seria negar o óbvio), não afasta a
possibilidade de qualquer Juiz (independentemente de uma dimensão positiva e economicamente relevante)
desde logo e sem qualquer intermediação do legislador, assegurar – em qualquer processo – a fruição e/ou
proteção dos direitos designados (por esta razão) de negativos ou defensivos.
46

Quando verificamos o direito comparado, nota-se que na Europa a discussão


a respeito do principio do não retrocesso encontra-se mais adiantada, destacando
Portugal, terra do arquiteto de tal princípio: Canotilho. FILETI (2008, p.37) aduz a
respeito dessa evolução portuguesa:

Nessa linha, o Tribunal Constitucional português reconheceu a existência do


princípio da proibição de retrocesso social. Em 11.04.84, o tribunal proferiu o
paradigmal Acórdão nº 39/84, que declarou a inconstitucionalidade de lei
infraconstitucional que revogara parte considerável da Lei nº 56/79, que instituíra o
Serviço Nacional de Saúde daquele país. O relator da questão, Conselheiro Vital
Moreira, rejeitou a tese de inconstitucionalidade formal e passou à análise da
inconstitucionalidade material do art. 17 do Decreto-lei nº 254/82. Entendeu o
Conselheiro que, ao instituir o SNS, a Lei nº 56/79 era um meio de realização do
direito fundamental à proteção à saúde com consagração no art. 64º da
Constituição e que, mediante o art. 17º do Decreto-lei nº 254/82, o Governo
legislara sobre direito à saúde e extinguira o SNS. Ao proferir seu voto, Vital
Moreira tratou dos direitos sociais, especialmente os de proteção à saúde, como
direitos fundamentais, observando que estes não possuem natureza semelhante a
dos direitos, liberdades e garantias, isto é, dos direitos de liberdade, dos direitos
políticos e das garantias constitucionais. Em relação aos direitos sociais, aduziu o
relator que se acentua o seu caráter positivo ao exigir prestações positivas do
Estado, sem que se negue a jusfundamentalidade desses direitos sociais. Partindo
dessas manifestações, o relator desenvolveu os argumentos da proibição de
retrocesso social, afirmando a inconstitucionalidade do debatido art. 17º do
Decreto-lei nº 254/82.

O não retrocesso ou aplicação progressiva dos direitos sociais está previsto


no Pacto de São José da Costa Rica, o qual o Brasil ratificou, prevê parâmetros
mínimos seriam elevados na medida em que os Estados-membros desse tratado
publicassem leis e estabelecem políticas públicas que defendessem níveis cada vez
mais altos de proteção.
No Brasil, elegendo o ser humano como fundamento da República e tendo
diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais de cunho social não
podemos retroceder em questões sociais. Tal princípio tem recebido cada vez maior
acolhida em nosso ordenamento conforme lembra STRECK (1999, p.31):

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja


suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito
da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito
consagrado pela nossa ordem constitucional.

Já no âmbito da jurisprudência pátria, na apreciação da ADI nº 2.065-0, o STF


lançou - na figura de alguns membros - uma postura de vanguarda sob o tema. Na
47

referida causa se debatia a extinção do Conselho Nacional de Seguridade Social e


dos Conselhos Estaduais e Municipais de Previdência Social. Apesar do STF não ter
conhecido a ação, por maioria, por entender ter havido apenas ofensa reflexa à
Constituição, destaca-se o voto do relator originário, Ministro Sepúlveda Pertence,
que admitia a inconstitucionalidade de lei que simplesmente revogava lei anterior
necessária à eficácia plena de norma constitucional e reconhecia uma vedação
genérica ao retrocesso social, ou seja, é permitida a mudança legislativa, mas deve
ser substituída por outra de igual função, a seguir parte do seu voto:

(...) Pouco importa. Certo, quando já vigente à Constituição, se editou lei integrativa
necessária à plenitude de eficácia, pode subseqüentemente o legislador, no âmbito
de sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente integrativa
do preceito constitucional programático ou de eficácia limitada: mas não pode
retroceder – sem violar a Constituição – ao momento anterior de paralisia de sua
efetividade pela ausência da complementação legislativa ordinária reclamada para
implementação efetiva de uma norma constitucional. Vale enfatizar a esclarecer o
ponto. Ao contrário do que supõem as informações governamentais, com o admitir,
em tese, a inconstitucionalidade da regra legal que a revogue, não se pretende
emprestar hierarquia constitucional à primeira lei integradora do preceito da
Constituição, de eficácia limitada. Pode, é óbvio, o legislador ordinário substituí-la
por outra, de igual função complementadora da Lei Fundamental; o que não pode é
substituir a regulamentação integradora precedente – pré ou pós-constitucional –
pelo retorno ao vazio normativo que faria retroceder a regra incompleta da
Constituição à sua quase impotência originária (...)12.

Em outra oportunidades o STF tratou do tema da proibição de retrocesso


social, como as ADIs nº 3.105-8 e 3.128-7, o MS nº 24.875-1 e, mais recentemente,
a ADI nº 3.104. Essa última foi proposta contra artigos da Emenda Constitucional nº
41, da Reforma da Previdência Social, que estabeleceram mudanças nas regras de
transição para a aposentadoria dos servidores públicos, ainda que negada,
apresentou interessante divergência de três ministros. Dentre eles o ministro Marco
Aurélio, afirmou ele que uma emenda constitucional não pode desfazer garantias e,
para ele, garantias dos servidores públicos foram menosprezadas pela EC nº 41/03,
defende que o Estado está organizado para proporcionar aos cidadãos segurança
jurídica e nesse contexto suscitou o princípio da proibição do retrocesso que, em
termos de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam
desconstituídas conquistas já alcançadas pelo cidadão.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já analisou o tema na
Apelação Cível nº 70004480182. E em julgado no TRF da 2ª região de apelação em
12
STF, ADI nº 2065-0/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. em 17/02/2000
48

mandato de segurança 44015, Processo nº 2002.02.01.028160-9. Ambos podemos


conferir a seguir:

EMENTA: CIVIL E CONSTITUCIONAL. ENSINO PARTICULAR. DESCONTO DA


MENSALIDADE. SEGUNDO FILHO. APLICAÇÃO AO ENSINO UNIVERSITÁRIO.
1. O art. 24 do DL 3.200/41 foi concebido para beneficiar famílias de prole
numerosa, garantindo o acesso de todos ao ensino. Repasse do custo às
mensalidades (art. 205 da CF). Aplicação do texto ao ensino universitário (arts. 208,
V, e 209, I, da CF). 2. O dispositivo em questão nada mais é do que uma conquista
social da época e que não foi revogado ou derrogado pela legislação ou
Constituições supervenientes, pois nenhuma destas normas mostra-se incompatível
ou regula inteiramente a matéria que tratava a lei anterior (art. 2º da LICC).
Manteve-se íntegro no tempo, obediente ao princípio da proibição de retrocesso
social defendido por J. J. Canotilho. (A.C. n.º 598193845). Apelo improvido.
(Apelação Cível Nº 70004480182, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 15/05/2003)
Ementa: TRIBUTÁRIO. ENTIDADE DE ENSINO SEM FINS LUCRATIVOS.
IMUNIDADE DO ART. 195, § 7O, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ILEGITIMIDADE
DA LEI 9732/98. - Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro
Social em face de sentença que concedeu a segurança, determinando que a
autoridade indigitada coatora se abstenha de impor à Impetrante, entidade de
assistência social, a cobrança da contribuição previdenciária com base nas
alterações perpetradas pela Lei 9732/98. - O art. 195, §7º, da Constituição Federal,
traz uma vedação à tributação que tem natureza jurídica de imunidade, sendo ainda
norma de eficácia contida, que tem a normatividade necessária a sua imediata
aplicação, podento, contudo, ser condicionada por lei. - Ocorre que as limitações
constitucionais ao poder de tributar, por força do art. 146, II, da Constituição
Federal, devem ser regulamentadas por lei complementar, e não por lei ordinária. -
Ainda que a Lei 9732/98 tivesse natureza jurídica de lei complementar, padeceria
de vício de inconstitucionalidade material, já que está restringindo imunidade
conferida pelo constituinte originário. -Em razão do princípio da proibição do
retrocesso, somente é lícito ao legislador a regulamentação do art. 195, § 7o, da
Constituição Federal, para estabelecer condições para o gozo da imunidade, jamais
no sentido de esvaziá-la. - A absoluta gratuidade das atividades das entidades
filantrópicas não é e nem poderia ser requisito essencial à fruição do benefício em
tela, a uma porque não está contido na Constituição, e a duas porque a lei
complementar (art. 14, do Código Tributário Nacional) a ele não alude. - Sendo
assim, afiguram-se ilegítimas as restrições previstas na Lei 9732/98, tendo a
Impetrante direito líquido e certo a continuar imune ao pagamento da contribuição
para a seguridade social, enquanto ostentar a qualidade de entidade beneficente de
assistência social, nos termos da redação anterior do art. 55, da Lei 8212/91, que
limita-se a repetir o previsto no art. 14, do Código Tributário Nacional, norma com
eficácia passiva de lei complementar. - Recurso do Instituto Nacional do Seguro
Social improvido e remessa necessária não conhecida. Origem: TRIBUNAL -
SEGUNDA REGIÃO, Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
– 44015, Processo: 2002.02.01.028160-9 UF: RJ Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA, Data Decisão: 30/09/2002 Documento: TRF200101955

Deve-se atentar que, como princípio, a proibição de retrocesso social não é


absoluta, sendo sempre passível de ponderação, as complexidade da sociedade
moderna demanda certa flexibilidade, essas modificações, como evolução, longe de
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trazer insegurança ao direito, corrobora com a sua real eficácia e efetividade . A


estabilidade diferencia-se da imutabilidade na medida em que esta representa algo
imodificável e perpétuo, enquanto aquela significa uma segurança no que está
posto, passível de modificação conforme alguns critérios. Como bem observado por
SARLET (2004B, p.28):

A dinâmica das relações sociais e econômicas, notadamente no que concerne às


demandas de determinada sociedade em matéria de segurança social e, por via de
conseqüência, em termos de prestações sociais asseguradas pelo poder público,
por si só já demonstra a inviabilidade de se sustentar uma vedação absoluta de
retrocesso em matéria de direitos sociais. Se somarmos estes fatores à
variabilidade e instabilidade da capacidade prestacional do Estado e da própria
sociedade (de qualquer Estado e sociedade, como deflui da experiência vivenciada
em quase todos os recantos do planeta 13) como um todo, especialmente num
contexto de crise econômica e incremento dos níveis de exclusão social (que, por
sua vez, resulta no aumento da demanda por proteção social), acompanhado de
problemas na esfera arrecadação de recursos que possam dar conta dos reclamos
na esfera da proteção social, igualmente dá conta que o reconhecimento de um
princípio da proibição de retrocesso não poderia – como suficientemente destacado
nas páginas precedentes -resultar numa vedação absoluta de qualquer medida que
tenha por objeto a promoção de ajustes, eventualmente até mesmo de alguma
redução ou flexibilização em matéria de segurança social, onde realmente
estiverem presentes os pressupostos para tanto.

Isso significa que, em determinadas situações fáticas, será admissível que


outros princípios venham a prevalecer sobre o princípio da proibição de retrocesso
social, desde que observado o núcleo essencial dele, que veda ao legislador a
supressão pura e simples da concretização de norma constitucional que permita a
fruição, pelo indivíduo, de um direito fundamental social, sem que sejam criados
mecanismos equivalentes ou compensatórios. O mesmo autor mais adiante
complementa:

13
Ilustrativa é, neste contexto, a crise relativamente aguda vivienciada, já há bom tempo mas com ritmo
crescente, pela Alemanha, onde se intensificam os clamores em prol de uma reforma geral da Lei Fundamental,
acusada, em diversos círculos (inclusive no meio acadêmico) de estar tornando ingovernável o país (v., a
respeito, a ampla e bem documentada reportagem veiculada pelo importante periódico Der Spiegel, na sua
edição de 12.05.03, que ostenta o sugestivo título Die verstaubte Verfasung, que, em bom português, significa
“A Constituição empoeirada”). Registre-se, contudo, que muito embora significativa parcela das reformas em
andamento envolva o sistema de segurança social e a problemática do ajuste fiscal e do déficit público, o que
mais tem preocupado os críticos é a inviabilidade prática de mudanças com a rapidez necessária, tendo em conta
o intrincado e paralisante sistema federativo, a repartição de competências, o intrincado sistema partidário e a
complexidade do processo legislativo, além da possibilidade de pequenos blocos partidários e representantes dos
Estados impedirem a aprovação de projetos essenciais para o saneamento do País e retomada do crescimento
econômico. Se este discurso (entre nós igualmente difundido) há de prevalecer na sua íntegra, aqui não será
questionado, mas o exemplo serve para demonstrar o quanto a questão da reforma do Estado e das instituições,
num contexto social, político e econômico altamente explosivo e influenciado pela globalização econômica,
representa um fenômeno de proporções mundiais e não pode ser simplesmente desconsiderado na seara jurídica e
jurisdicional, especialmente no âmbito da discussão em torno da proibição de retrocesso.
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Neste contexto, a primeira noção a ser resgatada é a do núcleo essencial dos


direitos fundamentais sociais que estejam sendo objeto de alguma medida
retrocessiva. Como já restou suficientemente destacado, o legislador (assim como o
poder público em geral) não pode, uma vez concretizado determinado direito social
no plano da legislação infraconstitucional, mesmo com efeitos meramente
prospectivos, voltar atrás e, mediante uma supressão ou mesmo relativização (no
sentido de uma restrição), afetar o núcleo essencial legislativamente concretizado
de determinado direito social constitucionalmente assegurado. Assim, como já
deflui do próprio texto, é em primeira linha o núcleo essencial dos direitos sociais
que vincula o poder público no âmbito de uma proteção contra o retrocesso e que,
portanto, encontra-se protegido.

Para fazer a ponderação das modificações trazida aos direitos sociais pelo
poder legiferante não há como partir de critérios abstratos e genéricos, o método
adequado é o tópico e sistemático nos diferentes caos concretos, como defende
SARLET (2001, p. 18):

Outro aspecto que merece ser destacado é o fato de que a amplitude e intensidade
da proteção outorgada pela ordem constitucional às posições jurídico-subjetivas na
esfera social, tanto no plano constitucional, quanto ao nível da legislação ordinária,
dependem de uma análise centrada nas especifidades do caso concreto, exigindo
um procedimento tópico-sistemático, já que nos parece inviável o estabelecimento
de critérios abstratos e genéricos, a não ser o próprio reconhecimento de uma
proibição meramente relativa de retrocesso.

A progressividade dos direitos sociais é, sem dúvida, um reconhecimento de


que a realização destes direitos deve se dar de forma histórica, mas nunca uma
permissão para que a história seja alheia a estes direitos. Tendo em vista o caráter
relativo e complexo das transformações sociais é natural que exista espaço para a
ponderação do princípio da proibição de retrocesso social; porém estará dela
excluída, em regra, a possibilidade de integral supressão da regulamentação
infraconstitucional de um direito social ou de uma garantia constitucional que esteja
relacionada com a manutenção de um direito social. Todavia, para além desse
núcleo essencial do princípio, pode-se admitir a alteração do grau de concretização
legislativa da norma constitucional, isto é, a substituição da disciplina legal por outra,
mantido, sempre, o núcleo essencial da norma.
Deve-se ter em mente que os direitos sociais sempre devem caminhar para
frente, o que já foi garantido incorpora ao estatuto jurídico e não pode mais ser
removido, visa a finalidade última de qualquer constituição: assegurar a dignidade da
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pessoa humana, com respeito aos direitos fundamentais e busca da eqüidade . O


princípio do não retrocesso também vincula o poder público, pois as políticas
públicas que tornem efetivos os direitos sociais não podem sofrer descontinuidade,
apenas aperfeiçoados. De nada adianta a garantia constitucional ou legal e não
haver essa efetividade nas ações governamentais, em nome da segurança social e
da busca lógica por uma sociedade mais justa e solidaria, nem mesmo programas
governamentais devem sofrer retrocessos quanto a proteção social daqueles que
necessitam.

Conclusão.

A sociedade está em constante mutação e, se o Direito não acompanhá-la,


perde sua razão de ser. Nesse diapasão é importante analisar as transformações
que os direitos fundamentais e o constitucionalismo vêm sofrendo e que ainda irão
sofrer. Os direitos fundamentais são um produto histórico e o atual ambiente social
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demanda uma proteção que vai muito além das garantias liberais previstas na
primeira fase de construção dos direitos humanos.
A Constituição de 1988, no dispositivo que expressamente trata das
limitações materiais à reforma constitucional, impede qualquer proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Esse dispositivo deve ser
interpretado de maneira ampla, de forma que a limitação é aplicável não só ao artigo
5º, mas a todos direitos fundamentais, incluindo direitos fundamentais individuais,
coletivos e sociais. É preciso respeitar o projeto para o Estado brasileiro
estabelecido pelo constituinte, mantendo o espírito e a sistemática em torno da
dignidade humana.
Com o presente trabalho demonstra-se que as oposições a petrificação dos
direitos sociais na ordem constitucional não se justificam, essa estabilidade longe de
ser um risco democrático, é um ganho a democracia, pois a mesma ganha em
legitimidade. Somente em um Estado social de Direito em que as pessoas tenham
igualdades de condições e um standard mínimo de proteção é que a democracia
pode ser exercitada em sua plenitude
A atualidade do tema ainda se potencializa quando averiguamos uma
campanha velada (em outras oportunidades nem sempre tão velada) de
desconstituição das garantias sociais e coletivas conquistadas, com os discursos de
ganhos econômicos e maior competitividade numa economia globalizada. Mas em
que tipo de valores queremos forjar o país, um - que em nome do maior lucro -
passa por cima da dignidade das pessoas? É necessário dar um basta a essa
inversão de valores! O que necessitamos é de um desenvolvimento sustentável cujo
foco principal deve ser a preservação do nosso planeta e a busca de uma vida
decente para todos.
Para além, mais que tentar defender o que já é posto, devemos contra atacar
com a difusão de novas idéias e argumentos de expandir e concretizar os direitos
fundamentais; o principio de não retroceder em direitos fundamentais positivados
vem a esse encontro, pois – com uma segurança jurídica e social - teremos no
horizonte a busca de novas conquistas e não a simples defesa do que já temos.
Daí que a grande gama de direitos fundamentais trazidas pelo constituinte de
1988, podem ser assimiladas e aplicadas na esteira da legitimidade,
operacionalidade e efetividade que a dignidade da pessoa humana exige, sempre
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com uma interpretação ampliativa e integrativa dos direitos fundamentais em prol


dos hiposuficientes.
Num mundo irracional e movido muitas vezes por interesses obscuros, o
tema do estudo deseja contribuir para criar um clima de diálogo realizador e
produtivo dos operadores do Direito na busca de profundos avanços éticos e
humanísticos no desafio de proteger e expandir os direitos fundamentais, como
remédio preventivo das barbáries que a humanidade está cansada de presenciar.
Espera-se, com esse trabalho, fomentar a discussão quanto à necessidade
ou imprescindibilidade da efetivação progressiva e sem retrocessos dos direitos
sociais, pois desta compreensão depende a autenticidade da função Estatal sob a
ótica constitucional da cidadania e da construção de uma Nação que, realmente,
almeje a inclusão de todos os seus filhos. Afinal o direito existe para a sociedade, e
não a sociedade para o direito.

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