Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
JOHN CORDELL
MAIO DE 2007
A afirmação de Norse, ainda que importante, pode ser discutida. Um dos maiores
desafios para a conservação reside nas áreas costeiras: o que governos, organizações
internacionais, ONGs e comunidades locais podem fazer para reconhecer e perpetuar a unidade
básica ada diversidade biológica e cultural em zonas costeiras tropicais. A interface terra-mar é
o local em que as pressões desenvolvimentistas são as mais intensas e problemáticas,
ameaçando comunidades humanas habitats marinhos e costeiros bem como seus recursos
naturais. É na zona costeira onde mais se sente a perda diversidade marinha e cultural que
poderiam formar o pilar do desenvolvimento sustentável da pesca artesanal.
1
em termos de história cultural: A região Nordeste do Brasil, Norte da Austrália e Oeste da
Oceania.
“Porque esse confuso assunto cultural não desaparece de uma vez” título originalmente
proposto para este trabalho afim de mostrar o quanto é mal representada e entendida a
diversidade de “ outras visões culturais” e dos seus valores nos processos de estabelecer as
agendas e prioridades nos processos de criação de áreas protegidas marinhas.
2
deslocamento de muitas comunidades de pescadores empobrecidas ou leva-las numa pobreza
ainda maior.
Com poucas exceções (Agardy, 2003, 2005) a maioria dos planejadores guiados só pela
ciência planejam desenvolver “princípios universais” para criar e manejar grandes áreas
protegidas marinhas sem se disporem a considerar as diversas culturas dessas áreas ou a
considerar esquemas alternativos e experiências fundadas em sistemas não-ocidentais de
conhecimento. Em consequência, enquanto valores culturais e práticas de pescadores
tradicionais foram atestados em inúmeros estudos etnográficos podendo contribuir para o
desenvolvimento sustentável e a biodiversidade (ver Baines, 1995; Hviding e Baines, 1993;
Cordell 1991b) sistemas culturais e territoriais pré-existentes, costumes e tradições de manejo
usados por comunidades de pescadores são raramente levados em consideração no
planejamento das áreas de proteção marinhas modernas.
Depois de um curto namoro com “ cultura e ecologia” e os enfoques das ciências sociais
voltadas para a conservação da natureza nos meados dos anos 1990 (ver o projeto da WWF
intitulado Áreas Selvagens e Necessidades Humanas, 1996) as grandes Ongs e seus poderosos
financiadores internacionais esperavam que as noções de cultura saíssem dos radares. No
momento em que os enfoques de conservação marinha foram transferidos para enfrentar
ameaças ás eco-regiões, ecossistemas e áreas prioritárias a nível global, houve pouco lugar para
as culturas humanas e critérios sócio-culturais no processo de identificação e manejo dessas
áreas protegidas marinha a nível local Heranças culturais e meio-ambiente, institucionalmente e
administrativamente continuam, em grande parte a viver em compartimentos separados com
jurisdições distintas
Por definição, a proteção da herança cultural está relacionada com mudança cultural e
história, mas os esforços de preservação e legislação tendem a focalizar a terra e a paisagem
terrestre e se limita a salvar estruturas e a cultura material de lugares específicos. Com exceção
dos sítios arqueológicos existe relativamente pouca preocupação com a herança cultural
relacionada com ambientes marinhos, em particular com as expressões e significados da cultura
intangível dos povos tradicionais marítimos Na maioria das vezes as autoridades responsáveis
pela proteção da herança cultural, conservacionistas e pesquisadores (incluindo os
antropólogos) continuam desatentos em relação à extensão, significado, variabilidade e a
persistência das conexões socioculturais com o mar, com o litoral dos países tropicais (como
3
uma dimensão fundamental no processo de criação das identidades nacionais e locais) e os
impactos destas relações ecológicas para a sustentabilidade dos recursos marinhos.
a) de conservação de base comunitária (apoiado pela UICN, WWF e outros, ver Finley e
Palmer, 2003)
4
interdisciplinares para a consideração dos idealizadores de áreas protegidas marítimas.: usos
não-econômicos dos espaços marítimos: praticas rituais e espirituais associadas a lugares
sagrados no mar e tabus alimentares associados a determinadas espécies de peixes (Mc Niven e
Feldman, 2003; Colding e Folk, 2001): identidade sociocultural de longa duração baseada em
afinidade com o mar (Begossi, 2006; Chapin e Threleld 2001); identificação de pontos de
compatibilidade e articulação entre conservação de base cientifica, e a documentação de
práticas de apropriação do espaço marítimo e demandas territoriais de pescadores artesanais.
Em Life and Death num recife de corais (1971) o capitão Jacques-Yves Cousteau, o
famoso campeão da conservação marinha escreveu:
“Falei muitas vezes sobre o declínio dos corais. Esse declínio, se continuar, vai marcar
o fim de uma das grandes belezas da criação e o fim de uma grande esperança- de conhecer
formas de vida até agora desconhecidas na terra...Se nossos netos não tiverem a oportunidade
de ver corais vivos, isso vai ser um grande vergonha para o nosso tempo. Temos uma
obrigação moral para com nossos descendentes. Não podemos passar para eles uma herança
de oceanos vazios e corais mortos”
5
marinha podem ser conseguidos num esquema unificado visando promover justiça social.
Iniciado em 1994, apesar das dificuldades, esse sistema está se tornando realidade. As Resex
Marinhas estão fundadas em ideologias culturalmente construídas sobre relações ecológicas
humanas com o mar que encorajam participação comunitária e equidade (ver Teixeira de
Andrade-Downs, 2006;Pinto da Silva, 2004). A sessão abaixo retoma algumas questões sobre o
papel da cultura em comunidades pesqueiras artesanais no Brasil. Essa história ajuda a lançar
uma luz sobre essa experiência no Brasil. Um caso semelhante está ocorrendo no NE da
Austrália e em outros lugares da Oceania e em outros países. Um caso comparativo de
tendência de áreas protegidas marinhas no Estreito de Torres, na Austrália indica que a cultura,
a resistência e a justiça social estão abrindo novas oportunidades para valorizar a herança
cultural na conservação marinha. A perspectiva que emerge deste breve estudo comparativo
ilustra que comunidades de pescadores tradicionais e não tradicionais podem e estão
encontrando novas aplicações valiosas de seus conhecimentos no manejo de áreas protegidas
marinhas contemporâneas e para pescas sustentáveis.
Pode ser útil retroceder no tempo, para as décadas de 1960 e 1970, quando começaram
os primeiros trabalhos antropológicos sobre as comunidades litorâneas (Cordell) pescadores
artesanais. Deve-se perguntar se e até que ponto ideias que motivaram os trabalhos nos limites
da ecologia humana, sociedades de pescadores e antropologia de décadas atrás ficaram na
memória ou se ainda tem alguma validade no presente e no futuro.
6
Trabalhos de campo sobre os impactos sociais e ambientais de programas para aumentar
as capturas pela introdução de rede de náilon nos comunidades tradicionais de pescadores na
Bahia (Cordell, 1972) trouxeram inúmeras surpresas e descobertas. Ao estudar como os
pesqueiros eram classificados, onde os mestres de pesca decidiam pescar e como conflitos
surgiram nos locais de pesca entre os que passaram a operar com redes de náilon e os que
usavam as tradicionais redes de cerco observou-se um intrincado padrão de posses desses
pesqueiros reconhecidos localmente que se estendiam pelos manguezais e áreas estuarinas. Na
época, na falta de um termo melhor eu chamei esse sistema reconhecido pela comunidade
/9mas desconhecido pelas autoridades) e que regulava o acesso aos pesqueiros de tenência do
mar.(Cordell, 1973;1974).
7
urbana). A pobreza crescente e o rápido aumento dos moradores das favelas peri-urbanas em
particular eram considerados o resultado direto das rupturas e perdas culturais; levando a uma
fragmentação social e distúrbios sociais. Cordell, 1989; Lobo (1982) e Diegues (1995) entre
outros contestaram essas noções.
8
poluição gerada pelas plantações de açúcar em Queensland. A mistura volátil de procura por
justiça social com a necessidade de conservação marinha propiciou condições favoráveis para
inovações, especialmente em novas formas de áreas protegidas marinhas que possibilitariam
uma recuperação das pescas sem a remoção de grupos nativos moradores de áreas distantes.
Esses eventos levaram a uma aliança politica sem precedentes entre os Blacks and Greens, a
uma fusão da herança cultural, a direitos de comunidades nativas e iniciativas inovadoras na
forma de áreas nativas de proteção ambiental marinha, apoiadas pelo Governo (Cordell, 1991 a
1991 b)
Ainda que menos célebre que os Recifes da Great Barrier, o Estreito de Torres tem uma
bio-geografia distinta incluindo muitas ilhas remotas desabitadas, recifes e importantes pescas
de significação cultural e comercial. As sociedades nativas do Estreito de Torres ocupam e
usam a terra e recursos do mar sob sistema de posse consuetudinária e seus recifes e grande
parte do fundo do mar são cobertos por sítios sagrados
9
Da parte das instituições de manejo marinho, isso representa uma importante mudança
filosófica na forma com que a “herança cultural” é representada e priorizada dentro da estrutura
de planejamento da conservação e suas ações na região.
O Estreito de Torres é um lugar onde o mar sempre inspirou a imaginação cultural dos
habitantes da região. Seres ancestrais cruzavam o Estreito e suas jornadas míticas são
amplamente celebradas em cantos, estórias e lendas.
Um tema recorrente nas etnografias das sociedades Melanésias e Aborígenes tem a ver
com a origem das conexões espirituais dos povos com o mundo natural através dos atos
fundadores de seres primordiais ao longo dos caminhos dos sonhos, uma cadeia de de lugares
sagrados interligados, locais de canto e de narrativas. A maioria desses lugares se localizam em
áreas nativas remotas que estão fora do alcance e relativamente inacessíveis às pessoas de fora
deles. Esses lugares tendem a ser objeto de restrições comportamentais e de conhecimento e em
alguns casos podem ser cuidados por um grupo social específico ou por indivíduos escolhidos
para tal( Cordell, 1991 ª).
Muitos sítios culturais e lugares de história são pontos de referencia para traçar jornadas
e feitos dos ancestrais míticos, incluindo suas viagens sob as águas e travessias marítimas.
Esses saberes reforçam o sentido de identidade das comunidades, o significado da história e do
tempo, a coordenação das atividades de caça e pesca e o sentimento dos ilhéus de pertencerem
a uma ilha específica e área de mar, mesmo quando vivem na Austrália continental.
10
A ocorrência muito difundida dos nomes dos lugares sagrados e de estórias no mar com
significados espirituais não se encaixam facilmente nas classificações científicas ou
classificações de herança cultural clássica ou dos recursos naturais. Mais ainda, os costumes
relacionados com a tenência e regulamentos aplicados para o cuidado e uso de tais lugares
tendem a ser muito distintos dos usados pela legislação europeia para a definição de
propriedade e direitos de pesca dos nativos.
O mapeamento social e cultural dessas paisagens não europeias pode ajudar a apreender
e preservar o espírito Melanésio e Aborígene e a geografia totêmica do lugar onde se ancora a
identidade cultural. Numa perspectiva comparativa, a experiência do Estreito de Torres ilustra
alguns os princípios estudados nos trabalhos recentes sobre a biodiversidade terrestre e
marítima do Brasil (ver Diegues, 2003; Begossi 2006) . As comunidades tradicionais de
pescadores artesanais, ao longo da costa, apresentam uma grande diversidade cultural, com
identidades territoriais especificas, baseadas em grande tradição pesqueira e buscam novos usos
e aplicação para seus conhecimentos etno-biológicos, indicando assim um caminho novo para a
manutenção e uso da biodiversidade marinha.
11
Hoje, na Austrália, os Aborígenes têm assento no conselho da Autoridade Marinha do
Parque Marinho, no programa de guarda-parques e no sistema de co-manejo para propor quotas
para a pesca artesanal e comercial. Os ilhéus ganharam os usos das denominações de suas ilhas
e seus corais e tomada de decisão e força política para bloquear a construção de um oleoduto
que colocaria em risco vários lugares sagrados (Cordell, 1999). Poucos Australianos pensaram
que era incoerente que os mesmos “ negros” que podiam caçar crocodilos no parque nacional
também gostavam de comer no Mac Donald. Os ilhéus do Estreito de Torres estavam
comprando grande cartuchos de frango frito no Kentucky de Colonel Sanders, saindo dos
supermercados da cidade de Cairns um dos principais centros turísticos de Queensland para
suas celebrações culturais. Os governos do Commonwealth e de Queensland foram persuadidos
a aceitar as versões dos aborígenes do que são suas “ tradições”, notadamente sua longa historia
de envolvimento comercial na região ( na pesca do pepino do mar e lagosta) deveriam ser vistas
como parte integrante de suas tradições culturais. Até o Greenpeace estava aceitando a ideia de
que caçar peixe-boi com barcos de alumínio e motor, em vez das canoas tradicionais era
aceitável (desde que se usasse arpão e não armas de fogo)
Como na Oceania, ao passar dos anos, no Brasil, as imagens dos pecadores artesanais e
a avaliação dos valores representados em sua herança cultural foi se modificando e se movendo
em novas direções- em formas que pareciam inconcebíveis no “presente etnográfico” das
décadas de 1960 e 1970 (Diegues,2000, Begossi, 2001). Os manguezais que simbolizavam a
marginalidade social, áreas de refúgio dos mais pobres entre os pobres e paraísos para os
quilombolas, descendentes dos escravos hoje são habitas valiosos para a implantação de
lucrativas fazendas para criação do camarão. A mercantilização da cultura no Nordeste era
representada pelas jangadas mostrando o logos de cartões de crédito em suas velas. Em 2006
foi estabelecida a SEAP-Secretaria da Pesca, com um departamento específico responsável pela
pesca artesanal. Mais do isso foi estabelecido um Centro de Populações Tradicionais, ligado ao
IBAMA que implantou um sistema de áreas marinhas protegidas de uso sustentável, chamado
de reservas extrativistas marinhas. Nessas reservas, os pescadores passaram a fazer parte do
Conselho Deliberativo onde decisões tomadas por representantes de pescadores poderiam fazer
parte das regras que regem essa reserva. A persistência dos conhecimentos desses pescadores
testemunha a adaptabilidade da pesca artesanal. Begossi, confirmou em pesquisa de campo a
12
continuidade do uso de diversos pontos de pesca longo do tempo já mencionados por
pesquisadores décadas atrás (2006).
Para muitos pescadores artesanais, a opção de participar de uma reserva extrativista que
confere a eles o uso prioritário dos recursos pesqueiros num território legalmente instituído dá
ao segmento dos mais pobres o sentimento de possuir alguma coisa mesmo que, na maioria dos
casos, suas casas no continente não estão asseguradas uma vez que somente a parte costeira-
marítima é coberta pela reserva extrativista marinha. Se a nova reserva vai assegurar mais
direitos aos pescadores, ainda é cedo para afirmar.
13
empoderamento das comunidades criando um caminho para a saída da pobreza e criar as bases
para um manejo sustentável dos recursos pesqueiros.
14
Uma coisa parece certa: as comunidades de pescadores e as agências regulatórias, como
nunca no Brasil, na Oceania e em muitas áreas costeiras no mundo estão sendo desafiadas a
trabalhar e juntas e a tomar posicionamentos formais nos temas de impactos de grandes
projetos, de herança cultural, e criar definições operacionais mais realistas sobre o significado
de conceitos como costume e tradição.
15
que acontecerá com a cultura na tendência de aumentar a quantidade das áreas de conservação
marinha no mundo? Será que a importância da cultura vai se perder nessas mudanças?
16
Parece razoável pensar que o enraizamento cultural e comunitario em uma área
protegida marinha poderia refletir e influenciar o apoio local, influenciando coisas como”
efetividade no manejo”, performance ecológica e impactos da conservação. Pode-se pensar que
uma área protegida marinha que incorpora saberes e práticas das comunidades locais, levando
em conta a diversidade cultural e biológica terá mais chance de funcionar que aquela baseada
exclusivamente na ciência moderna e imposta por entidades oficiais de fora da região. No
entanto, será que os sistemas baseados na cultura, percepções ambientais e crenças que tem sua
própria lógica e validade (nunca pensada para promover o desenvolvimento sustentável e a
conservação biológica isoladamente) serão obrigados a passar o teste de validade da ciência
ocidental e da conservação clássica para serem considerados válidos e dignos de seres
preservados? Ou não deveriam os próprios portadores e mantenedores da cultura nativa serem
os árbitros da validade e da tradicionalidade da própria cultura?
17
Bibliografia:
18
19
20
21
22
23