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1
O menino ambicioso
não de poder ou glória
mas de soltar a coisa
oculta no seu peito
escreve no caderno
e vagamente conta
à maneira de sonho
sem sentido nem forma
aquilo que não sabe.
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SUMÁRIO
Estilhaços .............................................................................5
Abaporu ..............................................................................19
Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q ........................................................37
Móbile ................................................................................39
Trampolim ...........................................................................45
Incerteza .............................................................................61
3
4
ESTILHAÇOS
5
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I
II
7
III
8
IV
9
VI
VII
10
VIII
11
IX
12
XI
XII
Noite. Um Deus no qual não acredito acordou mais cedo hoje pra
me atormentar. Mal acabou de tocar o sino das seis horas, e já me sinto
abater por uma angústia divina. O vampiro, o vampiro. Minha fé se
contorce sobre as minhas costelas; caio sobre o assoalho. Se fosse justo,
deus não me apertaria dessa maneira, não me entregaria essa forca,
essa faca, essa.
É preciso não sentir medo. Mas como não sentir medo, se o medo
é o que me ocupa mais a vida. Sem o medo de que seria? E sem a vida?
13
XIII
XIV
XV
14
XVI
Madrugada.
Rezo. Minha prece particular não se revela nem a mim mesmo.
Um desejo oculto de adorar a um deus me faz unir as mãos e erguê-las
aos céus, emocionado, chorando, tendo a caridade e a sabedoria de amar
um pai que abandonou o filho.
XVII
São quase seis da manhã. Devia fazer versos. Mas versar sobre o
quê neste fim de vida? Sobre o quê se pode versar hoje em dia uma alma
sensível e elevada e angustiada e infeliz e divina? Uma Alma santa pura
imaculada. Uma Alma instintiva egoísta narcisista.
Minha vida foi se acumulando sobre meus ombros e hoje me custa
andar. Não sei onde depositar essa minha existência. Esse acúmulo é tal
que não consigo diferenciar o lixo do ouro. Sou obrigado a carregar tudo
com medo de perder o que me mantém vivo. Ou então, incendiar tudo
(lixo, entulho, ouro, prata, ferro, angústia, esperança, tristeza, conflito,
fome, ressentimento, ambição, resignação, raiva, ódio, ira, fúria, cólera,
peito, consciência, sanidade, som, cheiro, cor) incendiar tudo. E apenas
um segundo me bastaria para terminar com isso.
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XVIII
16
XIX
17
18
Abaporu
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20
Os tambores ainda ressoavam o som grave, o som grave se
confundia com as eufóricas vozes roucas dos negros e vermelhos. O
completo frenesi que tinha se tornado fez com que o ritual saísse do
controle dos homens e dos deuses. Se antes não havia regras morais,
agora não havia limites físicos. Os olhares eram como faróis, guiando
cada um o próprio caminho. Confusas, as mãos tocavam um ao outro,
tocavam o próprio corpo. Os dentes rasgavam a carne daquele branco,
que era brutalmente devorado pelas bocas sedentas. O sangue azul-
avermelhado que jorrava quando alguma artéria se rompia coloria a
pele dos tribais; o sangue que tingia a tez do canibal desenhava em seu
peito o valor que encerrava; as memórias que corriam nas veias do branco
eram lentamente digeridas pelos antropofágicos. Cada pedaço era
disputado com uma ira inacreditável; e cada copo de sangue entornado
fazia com que os negros e vermelhos alucinassem. Uns caiam ébrios,
outros não suportavam e despencavam mortos, e seus corpos não eram
aproveitados no próximo banquete. Assim se seguiu a cerimônia, por
dias ficaram naquele estado de insânia, até que, em certa manhã, os
tribais olharam-se e perceberam que começaram a se devorar;
alimentavam-se uns dos outros; haviam perdido o controle, sofriam na
pele rasgada e no músculo mordido as dores da antropofagia; não mais
digeriam, não mais digeriam: apenas devoravam impetuosamente,
incontroladamente. Desejaram fugir, mas a realidade se jogava na frente
de suas pupilas dilatadas, não distinguiam mais o real do imaginário, o
conveniente do possível; foram se devorando até que não restasse mais
fome nem mais alimento nem mais quem se alimentasse. Haviam se
extinguido e precisariam ressurgir, não das suas cinzas, mas de seus
mórbidos cadáveres envenenados e vulgarizados, machucados e
maculados. Precisariam recuperar a identidade, a alma, trazê-la de volta
ao corpo arrancado e mutilado.
Mas renascerão, renascerão, basta um grito de coragem, basta
que um corpo acorde, se levante e grite. Eles se reerguerão, porém com
uma vantagem: saberão como se comportar diante de uma mesa de
banquete: da próxima vez usarão talheres, com toda a certeza , usarão
talheres.
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TAQUICARDIA
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24
UMA TEMPORADA NO INFERNO
TEMPORADA
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NAVIO
NAVIO
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nevoeiro cobria o horizonte.
Minutos mais tarde percebeu que o chão onde pisava oscilava:
havia embarcado no navio.
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FIM
Ela me olhava ainda uma última vez. Mas esse último olhar não
possuía vida. Assim como não possuía vida todos os olhares e gestos e
falas dela nestes últimos anos. “O Fim”, ela me disse, tranquilamente,
como um pai que traduz ao filho o The End no final do desenho animado.
E, como um pai (não como uma mãe, mas como um pai) ela me dizia
frases suaves, consoladoras, conselhos. E gaguejava, soluçava. Reparei
que uma lágrima escorria para dentro de sua boca, sem que ela
percebesse. Ela engoliu a lágrima e o catarro e, empenhando o revólver,
lamentou sua sorte, pediu-me perdão. E atirou. Uma bala feriu na barriga.
Caí inconsciente e, na minha inconsciência, também estava inconsciente.
Acordei, parece-me, duas semanas após, no hospital. Quanto a ela, nunca
mais tive nem mesmo busquei notícias.
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O PROFETA ESQUIZOFRÊNICO
PROFETA
29
IRACEMA
IRACEMA
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HAICAI À MODA
BRASILEIRA
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32
de todas as minhas esposas
apenas você faz sexo
como as mariposas
Gozo o estado
de estar nada mais
que parado
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No céu, invisível,
Deus passeia
Num dirigível.
Sade invade
minha sala:
que sede!
A cana no campo.
O canto do cortador:
canto doce de dor.
34
paulo leminski
A estrela cintila.
Ela explodiu
mas ainda brilha.
Desatento espero
E no meu sudoku
Coloco um zero.
Beleza I
Beleza II
35
36
q q q q q q q q q q q
q u u u u u u u u u q
q u a a a a a a a u q
q u a d d d d d a u q
q u a d r r r d a u q
q u a d r o r d a u q
q u a d r r r d a u q
q u a d d d d d a u q
q u a a a a a a a u q
q u u u u u u u u u q
q q q q q q q q q q q
37
38
MÓBILE
39
40
I
II
trinca o coração
de cristal
que com o sopro
do animal
deixa de ser puro
pra ser irracional
III
passo correndo
meu passo invento
e percorro sedento
meu todo momento
IV
quem me disse
falou mentira
quem me diria
falaria falsidade
mas quem não me falou
esse contou a verdade.
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V
VI
grito
e o giro do eco
percorre o mundo
chega ao cônsul suíço
chega ao cônsul sueco
grito
e o eco a girar
percorre janelas
sempre a procurar
a tua garagem
pra estacionar.
VII
42
VIII
IX
COUVERT ARTÍSTICO
Poema calado
Nem nasceu
Já foi censurado
XI
e por fim
como o alimento
digiro o sentimento
vomito a canção
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44
TRAMPOLIM
45
46
HIDROFOBIA
47
matar-me enquanto há vida
enquanto há pólvora e revólver
virar cinza enquanto há vento
poeira quintenssência
matar-me na minha ausência
no exato momento
do meu nascimento
e no abstrato cimento
do meu tormento.
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quem me dera fazer o poema cru
o poema nu
indecente
que fizesse as freiras desmaiarem rubras
envergonhadas e excitadas
o poema morto
fora
da sintaxe do idioma
o poema exato
inteiro
o poema
último
nada na forma de tudo
engajado recluso maldito
poema que fizesse dito
o que até agora fez-se
mudo
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Fantasmas me perseguem.
Fecho os olhos como que tentando, através do sonho, acordar
mas os fantasmas continuam a me espiar, a me perseguir, a devorar
minhas costelas.
Os fantasmas, assim como os anjos, possuem asas.
Eles flutuam ao meu redor
boiando no ar em minha órbita.
Minha visão foge a fim de me esconder
como se, cego, não houvesse mais sofrimento
como se o martírio repousasse diante das pálpebras
como se Deus preferisse a escuridão à luz
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CALEIDOSCÓPIO
ah rio
que sede é essa?
sede de cio
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DESCOBERTA DE EROS
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a pele nua
ela toda conspirava
e reunia no instante
a sensação o arrepio
como uma corrente
a emoção foi se expandindo
sendo transmitida
e cada poro suava
como numa coreografia hormonal
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Moças doces como maçãs vermelhas
estourando-se na juventude rubra e explícita
que irrompe dos contornos de seu corpo
erguido aos céus ao topo do Ser
Dispo-me.
Peça por peça vou ficando nu
E depois de nu exploro os caminhos do meu corpo.
Descubro sensações
E depois, mais além, no corpo de mulher
Experimento novos gostos e sabores
No toque, no cheiro,
Na pele da mulher deslizo minha mão
Apalpo os seios
Acaricio as partes mais macias
Arrepio-me com o soluço e com o suspiro e com o arrepio dela
E a reação dela faz mais da minha reação.
Sei o que posso, ela me ensina o que é licito e o que é intransponível.
Porque há um limite
E no limite, no cume, no clímax, apenas no limite, no cume, no clímax
do prazer
É que Eu me controlo. Se é que me controlo.
56
CASTIDADE
CASTIDADE
OS PEIXES
Os peixes nadam
por entre as algas que lhe tocam as escamas úmidas
no lago cercado por gramíneas orvalhadas.
Os peixes oiriçados
se contorcem em um frenesi de presa.
Chove. Os peixes desmaiam. O lago transborda,
invade o poço. Poço escuro
que à luz da razão seria impenetrável.
No entanto o balde cai adentrando o poço
O estrondo explode o poço
O vento suspira
suspensa a lua se esconde com frio
e se cobre com as nuvens de lã.
O sapo a busca no espelho d’água.
Enxerga apenas estrelas cadentes.
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SONETO I
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SONETO II
59
ANTI-ROMANTISMO
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INCERTEZA
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62
Ainda chegará o dia
Em que do meu rosto rebentará
A minha verdadeira face
E meu mais quente vivo
Discreto disfarce
E as ruas antes cobertas por carros e edifícios
Ficarão enfim nuas
E abertas para abraçar meus delírios e suplícios
Ainda esse dia chegará
Em que tudo o que se disse
Será apenas um eco
Um eco do que se dirá.
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VERSOS DE SANGUE E LÁGRIMA
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ÓPERA DA AMBULÂNCIA
DA
65
INCERTEZA
INCERTEZA
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saio sigo meus passos
e passo pelos meus passos dados no passado
o passado retorna a mim de maneira súbita e me derruba com um soco
sigo o passado que retorna às origens
à origem irei através de meus próprios passos
num ritmo de devaneio e consciência
oscilo no tempo
meço os minutos e descubro tamanhos e formas diferentes para as horas
descubro formas para as ações
descubro a forma do passado
e como uma sombra o sigo em direção à origem
distante peregrinação eterna
mas à origem irei seguindo socando saindo da caverna
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O PALHAÇO
68
AZUL
69
BONUS(ODE MALDITA)
MALDITA)
ó loucura
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o ócio me fez refém
rendi-me
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O tempo escorre e me inunda até a cintura;
de cima observo meus pés atolarem na eternidade.
sombra... sombra...
até tu espia-me!
O tempo escorre
o corpo transmuta-se na areia da ampulheta do ser.
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DISSOLUÇÃO D
DISSOLUÇÃO AS CORES DO CINZA
DAS
I.
Cinza
As nuvens Cinzas se banham numa coloração
Exploram as meridionais linhas
Nos observatórios oculares
2.
Amarelo
Estróina cor garbosa
Rompe o calor
Ardor se esvaindo por entre as nuvens
Liquefazendo os Amarelos
Pingam as gotas mais espessas
E nas gotas mais espessas saem esbravejando
Uma fúria de Azul
O Azul se moldando na forma de púrpura
Mas por enquanto é Azul
Azul
Azul
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3.
Deixe o desnecessário
As cores são cores
Se fazem cores
Mesmo no Branco e no Preto há a dose de cor e lirismo
No intervalo o quadro se pinta
Um quadro apenas de cores
Sem traços nem linhas nem formas
De geometria sem círculos e retângulos
A geometria das cores
4.
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5.
6.
Explosão
Derretimento
Quente calor puro
Apenas calor
Infreável inegável
Sabores Vermelho
Corres e é sentido
E derramado e lamentado
E chorado
Por vezes glorificado
Honrado emocionado
As pilastras da religião
E por que não Púrpura
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7.
Nas asas
A cor Púrpura
Voa a cor Púrpura
A Púrpura asa
A Asa Púrpura
Asa e Púrpura
Nos contornos das asas a Púrpura
Nas linhas da Púrpura os círculos
E nas suas interseções A Asa voa
Voa A Púrpura
Nas formas da Asa
8.
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9.
Branco
Pureza
Cristal lácteo
Espessa forma de sabor gosto cheiro forma
Chegas à mistura das cores
Sopa
Bebida
Álcool
Embriaguez
Chuva
Empinas soberano
O resto são cores
O Branco é mais do que cores
O Branco é Branco
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Contatos:
republicamasmorra@yahoo.com
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