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Língua Brasileira de Sinais – Libras

Lídia da Silva

Língua Brasileira de

Lídia da Silva
Sinais – Libras
Capítulo

Língua Brasileira de
Sinais – Libras

Lídia da Silva

Curitiba
2010
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Silva, Lídia da
S586l Língua brasileira de sinais – Libras/ Lídia da Silva. – Curitiba: Fael,
2010.
164 p.: il.
ISBN 85-64224-28-5
Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
1. Educação inclusiva 2. Libras. I. Título.
CDD 371.9

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

EDITORA FAEL

Gerente Editorial William Marlos da Costa


Edição Thaisa Socher
Revisão Monique Gonçalves
Silvia Milena Bernsdorf
Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin
Ilustração da Capa Cristian Crescencio
Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues
Ilustrações Dilmar Kempner Júnior
Ao Ronaldo Quirino, intérprete de Libras, que me indicou este caminho.
apresentação
apresentação
A produção de textos para a disciplina de Língua Brasileira de Sinais
– Libras, nos cursos de Pedagogia, é crucial e precisa se concretizar.

Antes do Decreto n. 5.262/2002, as entidades da comunidade sur-


da, como as associações de surdos, a Federação Nacional de Educação
e Integração de Surdos, as igrejas, etc., sempre divulgavam cursos de
Libras, visando promover a comunicação entre as pessoas, de uma ma-
neira informal e nada padronizada.

Hoje muita coisa mudou. A aprendizagem de Libras é lei em muitos


cursos, cujos alunos precisam aprofundar não apenas o conhecimento da
língua de sinais, mas conhecer o porquê de ser um direito na educação
dos surdos, a história e as lutas do povo surdo pelo reconhecimento de
sua língua. A aprendizagem da língua precisa estar dentro de um contex-
to organizado, que permita diminuir o preconceito com que, em geral, são
vistos os surdos.

A autora Lídia da Silva conseguiu abordar os mais importantes con-


teúdos necessários ao entendimento dos desafios colocados aos profes-
sores pela mudança implantada na educação dos surdos, que exige deles
uma atuação esclarecida e interessada. Os assuntos são apresentados
de uma forma clara, o que reflete muitas pesquisas recentes na área,
sem diminuir os conteúdos necessários.

Professores esclarecidos quanto à complexa realidade da criança


surda poderão trabalhar dispensando o carinho merecido a essas crian-
ças e atuar de forma a fazer avançar as condições de acolhimento na
escola e na família.
apresentação
apresentação
Esses avanços são necessários para que se concretize uma real in-
clusão na sociedade e a diminuição dos preconceitos existentes, mesmo
entre a maioria dos professores.
Marianne Rossi Stumpf*

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Oeste do Pa-


raná. É Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal
de Santa Catarina. Possui especialização em Educação Especial pelo Instituto Brasileiro
de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX). Tem experiência com educação de surdos nos
diversos níveis de ensino, em tradução da Libras, formação de intérpretes e inclusão
da pessoa com deficiência na educação e no trabalho. Atualmente, é tutora da turma
de bacharelado do curso de Letras-Libras da UFSC, no Polo da Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Desenvolve pesquisas em Linguística da Libras e aquisição da linguagem
de crianças surdas.
sumário
sumário

Prefácio.........................................................................................9

1 Status linguístico da Libras.........................................................11

2 Estrutura gramatical da Libras...................................................43

3 Implicações sociais da surdez..................................................129

Referências...............................................................................163
prefácio Capítulo

prefácio
Q uando nos deparamos com uma pessoa surda pela primei-
ra vez, algo acontece que faz desse encontro um momento único e
singular em nossas vidas. Para alguns, esse momento vai significar
o confronto com suas dificuldades e limites, que ficará apenas na
memória. Para outros, vai significar uma mudança de vida, devido a
uma tomada de decisão quanto às questões relacionadas à surdez e à
língua de sinais. Uma tomada de decisão que implica a proximidade
9
com a pessoa surda e sua língua.
No meu caso, o efeito do encontro foi o segundo. Diante de um
primeiro contato com uma pessoa surda, fui tomada pelo desejo de me
desafiar e de tentar uma aproximação com ela, ainda que isso exigisse
muito esforço e dedicação, pois o processo de aprendizagem de uma
segunda língua não é uma atividade das mais fáceis da nossa vida.
A entrada nessa nova esfera linguística me motivou a buscar
cada vez mais conhecimento sobre a Libras e suas implicações para
os sujeitos surdos, e essa busca foi determinante na minha formação
acadêmica e profissional. Hoje sou pesquisadora, usuária, tradutora
e professora de língua de sinais e me deparo todos os dias com os
desafios que uma língua espaço-visual impõe às pessoas que são fa-
lantes nativas de uma língua oral-auditiva. Porém, além dos desafios,
deparo-me também com a beleza, com a completude, com a satisfa-
ção de poder estabelecer comunicação por meio das mãos, dos olhos,
do corpo, dos sinais. Assim se constituiu minha busca, e assim espero
que se constitua a leitura deste livro aos leitores: descobertas rechea-
das de desafios e encantamentos.
prefácio
prefácio
Julgo que os principais desafios que se encontram neste texto
são de ordem gramatical, já que é uma tarefa árdua esboçar grafica-
mente os detalhes de uma língua “espacial-tridimensional”. Minha
expectativa é conseguir, minimamente, esclarecer a constituição dos
aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos da Libras,
sem esgotá-los, é claro. Até porque espero que esse desafio soe como
um convite a uma leitura mais aprofundada sobre o tema, que o leitor
possa – após receber esta introdução – percorrer caminhos mais lon-
10 gos no conhecimento da estrutura gramatical da Libras.
Além disso, acredito que o leitor será tomado de encantamento
ao se deparar com o status linguístico da Libras, no sentido de poder
empregar a característica de “língua” a essa forma de comunicação e
de não mais creditar como verdade as falácias sociais ditas sobre ela
até então. Esse encantamento pela Libras, no seu valor e nas suas
possibilidades comunicativa é que gera condições de entender as im-
plicações sociais da surdez. Com esse olhar de diferença linguística,
torna-se mais fácil conceber a ideia de uma pessoa viver apenas com
experiências visuais e, assim, construir toda sua impressão sobre o
mundo. É preciso que tenhamos esse encantamento para podermos,
de alguma forma, contribuir com as discussões sobre os surdos e sua
língua, sempre destacando que eles – os surdos – também devem ter
voz nesse processo.
A autora.*

* Lídia da Silva é Mestre em Linguística. Atua como orientadora de aprendizagem no


curso de Letras-Libras e é tradutora de Libras da Universidade Positivo.
Status linguístico
da Libras 1
N este primeiro capítulo, apresentaremos uma introdução das
ideias que serão desenvolvidas posteriormente. Vamos abordar algumas
definições preliminares e algumas discussões sobre as mudanças das ter-
minologias na área da surdez. Nesse ponto, atentaremos para a forma
de nomeação da pessoa surda e da sua língua.
Trataremos, de forma mais pormenorizada, sobre a teoria inatista de
Chomsky, pois ela embasa nossas considerações acerca dos fenômenos lin-
guísticos explanados, tais como aquisição da linguagem e estrutura grama- 11
tical das línguas naturais, portanto, da Libras. Essa teoria atesta que princí-
pios e parâmetros imperam na constituição de todas as línguas do mundo.
Por princípios, a teoria entende características iguais entre os idiomas –
predominantemente, a estrutura sintática – enquanto que os parâmetros
são as diferenças que existem entre eles – as categorias gramaticais.
Dessa forma, este texto se insere nessas discussões por acreditar que
a Libras possui os mesmos valores linguísticos que as línguas orais, por
exemplo o caso de empréstimos de outra língua – fenômeno recorrente
nos sistemas linguísticos. Há, porém, parâmetros que a distinguem das
línguas orais, como a modalidade linguística espaço-visual, as marcas
para formalidade e informalidade e outros. Assim, o texto apresenta
os universais “comprobatórios” da natureza linguística da Libras, bem
como o refutamento dos mitos sociais que até então circundavam a
concepção que se tinha sobre ela.

Definições preliminares
Atualmente, tem sido muito comum pessoas se depararem com
outros indivíduos conversando de um modo muito diferente do que
Língua Brasileira de Sinais – Libras

estão acostumadas a ver. Quando isso ocorre, em um primeiro mo-


mento, surge um sentimento de estranhamento, mas com o passar
do tempo esse sentimento se desfaz e dá lugar a uma impressão de
normalidade; aquilo vai se tornando comum. À medida que essas
pessoas vão se mostrando à sociedade, mais aceitável a sua forma de
expressão passa a ser. Porém, infelizmente, nem sempre foi assim.
Houve uma época (século XV) em que as pessoas que não podiam
ouvir eram atiradas do alto dos rochedos, pois elas não eram considera-
das humanas. Havia uma exclusão escancarada não só com essas pessoas,
mas com qualquer uma que apresentasse alguma limitação física ou sen-
sorial, sendo considerada improdutiva para a sociedade. Depois, a socie-
dade decidiu que as pessoas que não ouviam deveriam ser oralizadas. Ser
uma pessoa oralizada significa desenvolver sua fala por meio da vocali-
zação dos sons, ainda que não pudesse ouvir sua própria voz. Esse tipo
de concepção e, consequentemente, esse método de ensino chamado
oralismo, prevaleceu por muito tempo, especialmente depois da decisão
do II Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos, que aconte-
ceu em Milão, em 1880, que entendia que o método de ensino, mais
12 adequado aos surdos seria a oralização. Nesse sentido, o trabalho era de
recuperação auditiva, tratamento de reabilitação e exercícios mecânicos.
O professor era mero treinador de fonemas e o aluno deveria empreen-
der todos os esforços possíveis para realizar uma boa leitura labial.
Após esse período, a integração foi a concepção adotada. A inte-
gração é a fase que compreende a concepção e a prática da pessoa com
deficiência a partir de um esforço adaptativo apenas de sua parte, no
sentido de que ela deve se adequar aos moldes padrões, para, então, estar
integrada à sociedade. Porém, no início do ano 2000, começaram os ru-
mores de uma nova filosofia social e educacional: a inclusão. Nessa pers-
pectiva, as pessoas que não ouviam passaram a se integrar e empenhar
esforços para tornarem-se normais, mas há um duplo envolvimento: por
parte deles e por parte da sociedade.
Porém, mesmo emergindo um novo paradigma social, ainda há
contradições manifestadas nas práticas. Prova disso é a própria dificul-
dade terminológica. De fato, como devemos nos referir a tais pessoas?
Certamente, o modo como nos reportamos aos outros quer dizer algu-
ma coisa, vem impresso de significado. Não fosse assim, não existiriam
os títulos, os vocativos e os pronomes de tratamento. Normalmente, a
forma como nos dirigimos à pessoa revela o valor que damos a ela.

FAEL
Capítulo 1

No caso das pessoas que não podem ouvir, há algumas alternati-


vas de tratamento que podem denotar a consideração social a respeito
de sua condição. É o caso do termo “deficiente auditivo” ou “D.A.”.
Quando usamos esse termo para nos referirmos a uma pessoa, estamos
invocando aquilo que ela não tem, aquilo que lhe é deficiente, esta-
mos destacando o que há de ausente naquela pessoa, aliás, não estamos
vendo-a como pessoa, mas a informação que mais nos importa é sua
patologia e/ou sua condição clínica.
Com o acelerar da recepção de informações, a sociedade progrediu e
teve sua visão alterada. Foi a partir da década de 90 do século XX que se
inauguraram algumas pesquisas no país sobre a língua de sinais, e isso pro-
piciou um olhar antropológico e cultural sobre a surdez. Esse olhar para
o surdo como uma pessoa diferente acaba com a concepção de deficiente
auditivo – anteriormente impregnada nos meios sociais e educacionais –
e, consequentemente, anula a necessidade de reabilitação para integração.
De acordo com essa concepção de diferença (ao invés de deficiência), não
há necessidade de inserção das pessoas, pois todos já fazem parte da so-
ciedade, somos apenas mais uma figura no cenário da diversidade social
– racial, religiosa, sexual, financeira, política, de gênero, etc. 13

Nesse sentido, também


deixam de ser válidos termos Saiba mais
como “surdo-mudo” ou “mu- O slogan propagado, em 2007, pela
dinho”, pois, além de pejora- ­Federação Nacional de Educação e ­Integração
tivos, não estão em sintonia de Surdos afirmava: SURDO-MUDO,
com o que já é socialmente ­apague esta ideia!
aceito, a condição de não ou-
vir. Conceitualmente, falar não significa vocalizar, emitir sons, mas ex-
pressar a sua língua. Então, dizer surdo-mudo é duplamente incorreto.
Primeiro, porque existem muitos surdos que têm domínio da língua
oral e que se comunicam também com sons da voz, ainda que os fo-
nemas sejam desorganizados por falta do feedback auditivo. Depois,
porque quando o surdo está sinalizando, ele está pronunciando-se na
sua língua, está falando.
Então, segundo o Decreto n. 5.626 (BRASIL, 2005), Capítulo I, Ar-
tigo 2º, parágrafo único, os surdos são deficientes auditivos para aquelas
pessoas que os enxergam com uma visão clínico-terapêutica; surdos-mudos
para aqueles que não sabem que eles falam; e, para aqueles que os olham

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

respeitando sua diversidade linguística, são apenas: surdos. Portanto, para


nos referirmos a essas pessoas neste texto, a partir de agora, usaremos o
termo “surdo”, porque ele remete a um posicionamento político de res-
peito ao sujeito como um ser social, falante da língua de sinais, e não com
uma visão clínica ou patológica. Contrariamente, as pessoas que têm a
capacidade de ouvir são chamadas de ouvintes.

Surdo Ouvinte

14

Os surdos conversam com as mãos, por meio do estabelecimento


de uma comunicação visual. De fato, poucas são as pessoas que reco-
nhecem o que significam tantos movimentos e tantas sinalizações. É
o caso, por exemplo, de quando os surdos chegam a estabelecimentos
comerciais, a órgãos públicos ou privados e fazem este sinal:

Oi

FAEL
Capítulo 1

As pessoas não sabem o que isso significa e, na maioria das vezes,


tentam falar mais lentamente ou buscam um papel para escrever, na es-
perança de conseguir estabelecer uma comunicação. Porém, o desejável
seria que essas pessoas pudessem responder da mesma forma, ou seja,
com os sinais da Libras, conforme exposto a seguir:
Tudo bem? Qual é seu nome?

Qual é o seu sinal?1 Bom dia

15

Boa tarde Boa noite

1 Os surdos dão um sinal para cada pessoa e não as chamam pelo nome.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

No entanto, infelizmente, esses e outros tantos sinais necessários


à comunicação com surdos são desconhecidos pela população ouvinte,
e o desconhecimento não é só dos vocabulários, mas da própria no-
meação dessa modalidade linguística. E o que vem a ser modalidade
linguística? É a forma como a língua se manifesta. Há, basicamente,
três modalidades das línguas naturais: língua falada, língua escrita e
língua sinalizada.
A língua falada é conhecida por possuir uma característica oral e au-
ditiva, enquanto que a sinalizada tem a característica de ser espaço-visual.
Isso significa que o espaço (lugar a frente do corpo) é o canal de emissão
e a visão é o canal receptor da mensagem. Porém, vemos que o desco-
nhecimento sobre essa modalidade linguística é tanto que as pessoas a
chamam de “linguagem de sinais”. Há outras que a chamam de “gestos” e
há, ainda, quem pense que são “mímicas”. Posteriormente, explicaremos
por que esses dois últimos termos são inadequados, mas, por ora, vamos
pensar na oposição língua X linguagem.
A linguística é a área científica que se encarrega de conceituar essas
16 duas categorias, e a faz sob diferentes perspectivas teóricas. Há, por
exemplo, pesquisadores que são adeptos a concepções sociais e há ou-
tros que procuram abordagens mais naturalísticas para formular suas
concepções. Os que entendem que a influência do social é determi-
nante para a aquisição da língua destituem do ser humano as responsa-
bilidades pelo seu desempenho linguístico. Inscrevem-se nesse tipo de
abordagem as vertentes da linguística estrutural e funcional. Por ou-
tro lado, há pesquisadores que são adeptos aos postulados teóricos de
Chomsky (1957), do Massachusetts Institute of Techonology – MIT,
nos Estados Unidos. Para ele, o processo de adquirir a estrutura de uma
língua natural é universal, pois independe da qualidade interativa que
se estabelece com a criança, assim como independe da cultura. Essa
aquisição é possível devido ao fato de as crianças possuírem um co-
nhecimento linguístico inato que as guia por esse processo. Tais ideias
deram origem à teoria que vigora até o presente, a qual escolhemos para
construir nosso aporte conceitual. Trata-se da Teoria Gerativa.
Segundo essa teoria, as crianças já nascem equipadas com vários
aspectos relacionados à organização sintática das línguas humanas que
são geneticamente determinados. Por isso dizemos que essa teoria é de

FAEL
Capítulo 1

natureza mentalista, pois a mente humana abriga um sistema “compu-


tacional” capaz de gerar representações linguísticas. Isso se comprova,
segundo Chomsky (1957), devido à discrepância entre input e output
do falante. Em outras palavras, a criança é exposta a estímulos pobres e
limitados, porém, devido ao seu inato conhecimento linguístico, é capaz
de se desenvolver a ponto de gerar infinitos enunciados bem formados.
A criança é vista como aprendiz eficiente a despeito da pobreza de estí-
mulos. Esse argumento é comumente tratado por problema de Platão2.
Chomsky (1957) denomina esse conhecimento linguístico prede-
terminado de “Dispositivo de Aquisição de Linguagem – DAL” (em
inglês: Language Acquisition Device – LAD). O DAL, sistema armaze-
nado na mente, abriga os princípios que são comuns a todas as línguas
humanas. Esses princípios formam um conjunto de regras linguísticas
uniformes chamado de Gramática Universal – GU.
Nesse sentido, a aquisição da linguagem vai acontecer naturalmen-
te – sem que haja um aprendizado formal –, apenas pela maturação da
GU, entendida como um órgão biológico carente de iniciar seu fun-
cionamento que, no caso, fica a cargo da interação social. Esse fator é 17
preponderante no princípio do funcionamento do DAL, mas não para
determinação do seu estágio final. O estágio final são as propriedades
linguísticas alcançadas pelo adulto. A perspectiva chomskyniana de lin-
guagem está resumida no excerto a seguir, possibilitando um melhor
entendimento de que a linguagem reflete uma capacidade mental do
ser humano.
[...] pode-se dizer que o uso criativo da linguagem não se li-
mita ao estabelecimento de analogias, mas reflete a capacidade
do ser humano de fazer uso dela no seu dia a dia, observando
propriedades específicas, livre de estímulos, com coerência e de
forma apropriada a cada contexto, além da sua capacidade de
evocar os pensamentos adequados no seu interlocutor. [...] Sob
esta perspectiva, essa capacidade é uma consequência direta do
fato de sermos humanos. Como diz Descartes, somos huma-
nos ou não somos, pois não existem graus de humanidade, e
não há variação essencial entre os humanos, a não ser no nível

2 O argumento da “pobreza dos estímulos” é tratado por Chomsky (1957) como uma
atitude platonista, por isso o nome problema de Platão é extraído da questão filosófica:
como o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras, enganosas e
fragmentárias?

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

da superficialidade, isto é, nos aspectos epifenomenais3. Um


estudo da faculdade da linguagem deve propor propriedades
específicas e descobrir os mecanismos da mente que as apresen-
ta, além de dar conta destas mesmas propriedades em termos
da ciência física (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).

Assim, poderíamos dizer que a linguagem é um dispositivo que


já está acoplado na mente humana desde o nascimento e que pelos
estímulos externos para poder desenvolver a língua. A linguagem é
uma função mental superior4; sendo assim, é de natureza muito mais
individual; enquanto a língua, opostamente, não está instalada no
cérebro humano, mas está no seio da sociedade e por isso precisa ser
adquirida. Dessa forma, a Libras não pode ser chamada de “lingua-
gem de sinais”, considerando que, se assim fosse, todos seriamos sina-
lizadores, o que não acontece. Podemos concluir que a Libras deve ser
aprendida e, se será aprendida, significa que ela é externa a nós, ela é
social, portanto, é língua.
Apesar de já termos adiantado o conceito de língua, há ainda que se
colocar que, nesse modelo teórico, ela é entendida como um conjunto
18 de regras que geram uma infinidade de sentenças, sendo que cada uma
é formada por cadeias de elementos. Para o linguista adepto à corrente
gerativa, o objeto de estudo é postulado como o conhecimento incons-
ciente da língua. Segundo Kato (1997), esse conhecimento tem caráter
intencional e o uso é inconsciente devido ao uso automático da língua,
encarado como um sistema “computacional”. Essa é a concepção de
língua que adotamos. Quer dizer, língua é um conjunto de regras que
gera uma infinidade de sentenças, caracterizadas como individuais, in-
ternas (inconscientes) e intencionais (automáticas).
Posto o entendimento de que há diferença teórica no conceito de
língua e no conceito de linguagem, podemos concluir que a termino-
logia “linguagem de sinais” passa a ser cientificamente inapropriada.
A partir dessa concepção, podemos adentrar mais especificamente nas
considerações sobre a língua de sinais.

3 Epifenômenos são fenômenos adicionais que se sobrepõem a outros, mas sem modificá-los,
nem exercer sobre eles qualquer influência; são fatores sociais, econômicos, políticos, cultu-
rais, etc. (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).
4 Funções mentais superiores são sinônimo de funções psicológicas, e elas são: pensamen-
to, memória, atenção, raciocínio, percepção, inteligência, linguagem e outras.

FAEL
Capítulo 1

Língua de sinais
Iniciamos pelo significado do termo, visto que no Brasil há duas
terminologias correntes para designar a língua de sinais utilizada pela
comunidade surda brasileira: Libras (Língua Brasileira de Sinais) e LSB
(Língua de Sinais Brasileira).
A primeira foi oficializada pela Saiba mais
Federação Nacional de Educa- Há pesquisas que discutem a melhor grafia
ção e Integração de Surdos, e para a língua brasileira de sinais, se deve ser
LIBRAS (todas as letras maiúsculas), libras
é o termo presente em docu-
(todas as letras minúsculas) ou Libras (apenas
mentos legais. A LSB é a sigla a primeira letra maiúscula), já que há diferen-
utilizada por pesquisadores ça conceitual nesses diferentes registros. Leia
que publicam textos interna- mais sobre o assunto em: <http://www.fiemg.
cionais, já que todas as demais com.br/ead/pne/Terminologias.pdf>.
línguas de sinais do mundo
possuem uma sigla com três letras, dessa forma, é possível ter uma rápi-
da identificação para LSB. Como Libras é nossa opção terminológica,
reproduzimos a seguir o sinal empregado pelos surdos para nomear sua 19
própria língua:

Libras

Um dos documentos legais que contempla a sigla Libras é a Lei


Federal n. 10.436/2002 (BRASIL, 2002b), que oficializou a língua no
Brasil. A partir dessa aprovação, a Libras passou a ser aceita como língua
usual na comunidade surda. Ter uma lei que oficialize um idioma em
um país é muito importante, pois demonstra o reconhecimento social

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

sobre ele, visto que as minorias linguísticas (imigrantes, índios) relatam


experiências de segregação e preconceito, já que sua forma de expressão
não é a mesma da maioria social.
Nesse sentido, deve-se travar uma luta pelo reconhecimento lin-
guístico de tais minorias. Para que isso ocorra, há que se percorrer um
longo caminho, que vai desde agregar as pessoas até convencer políticos
a planejar ações disseminadoras. No caso da Libras, essa conquista só
foi possível mediante a congregação dos surdos em prol dessa causa e
pelo fato de muitos pesquisadores terem se empenhado para angariar
conhecimentos que comprovassem o valor linguístico dessa língua.
A Lei n. 10.436 oficializou a Libras, mas, antes disso, já existiam
pesquisadores brasileiros de língua de sinais (BRITO, 1995; FELIPE,
1998; QUADROS, 1997) discutindo e publicando suas investigações,
com o intuito de combater os mitos que havia sobre ela. Vejamos cada
um desses mitos, bem como as asseverações postuladas pelos pesquisa-
dores pioneiros no assunto.
20
Mitos sobre a Libras
A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação
concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos. As línguas de
sinais derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes.
Considerando que a pantomima e a mímica são formas artísticas
de expressão, elas não podem ser comparadas com a Libras, que é uma
língua gramaticalmente organizada. Não devemos, também, colocar a
Libras e os gestos na mesma categoria de análise, pois, apesar de am-
bos serem produções visuais, possuem naturezas muito diferentes. Os
gestos são as expressões espontâneas das pessoas, são nossas expressivi-
dades naturais. Por exemplo, quando colocamos a mão no rosto ou na
cintura, cruzamos os braços, apertamos os dedos uns contra os outros
ou passamos as mãos repetidas vezes no cabelo, estamos produzindo
gestos. Diferentemente, para produzirmos a Libras, precisamos passar
por um processo formal de aprendizagem, pois esse sistema linguístico
é abstrato e não faz parte da nossa expressividade natural – se assim
fosse, todos seríamos falantes natos da Libras.

FAEL
Capítulo 1

É verdade que a Libras é composta por sinais que representam


manualmente as formas e os movimentos dos objetos do mundo, como
os sinais a seguir reproduzidos, porém, eles não são o todo da língua,
há outros que não têm relação alguma com os objetos da realidade,
conforme podemos verificar nas ilustrações.
Essa possibilidade de o referente linguístico ter relação com os obje-
tos reais – a iconicidade – também é presente nas línguas orais, como é o
caso do português. Exemplo disso são as palavras “bem-te-vi” e “bumbo”,
nome de um pássaro e um instrumento musical, respectivamente, que
representam o som que reproduzem. O primeiro grupo de sinais é o dos
chamados icônicos, e o segundo é o dos sinais chamados arbitrários.

SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS


Passar batom Vencer

21

Passar roupa Especial

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS


Pentear o cabelo Perigoso

Escovar os dentes Vingar

22

Dormir Idade

FAEL
Capítulo 1

SINAIS ICÔNICOS SINAIS ARBITRÁRIOS


Lavar roupa Organização

Limpar o chão Sofrer

23

Varrer Opinar

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

É bom ressaltar que os sinais icônicos não são iguais no mundo todo,
pois a representação que cada falante faz da realidade é diferente, por
exemplo, o sinal de árvore no Brasil é icônico assim como o é na China.
A diferença é que aqui representamos o tronco da árvore e o balanço dos
galhos, enquanto lá se faz apenas o tronco, conforme figuras a seguir:

Árvore Árvore

24 Libras Língua de Sinais Chinesa (CSL)

Só essa informação, de que a iconicidade se realiza de acordo com


a perspectiva referencial de determinado grupo, já é um forte argumen-
to para combater o mito de que língua de sinais deriva da comunicação
gestual espontânea dos ouvintes. Se assim fosse, quando um surdo sina-
lizasse o sinal de árvore para um ouvinte, ele rapidamente identificaria
o significado, mas, como sabemos, não é isso que ocorre. Então, fica
refutada a ideia de que os sinais da Libras são extraídos da expressivida-
de natural dos ouvintes.
Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as
pessoas surdas.
Muitas pessoas pensavam que a Libras seria universal, que os sinais
eram iguais em todos os países. Contudo, essa afirmação não procede,
pois se Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais, podemos concluir
que, se no nome da língua mencionamos sua nacionalidade, é porque
existem outras línguas de sinais espalhadas por outros países, tais como:
Língua Holandesa de Sinais, Língua Francesa de Sinais, Língua Ameri-
cana de Sinais, Língua Alemã de Sinais, entre outras.

FAEL
Capítulo 1

Assim, em cada país, há


uma língua de sinais especí-
Saiba mais
fica, que reflete a cultura da Com a difusão das línguas de sinais pelos
nação e daquela comunidade países, pensou-se em sistematizar uma língua
de sinais universal chamada “gestuno”, assim
surda. E não é só pelo nome
como aconteceu com o esperanto, que era
que entendemos haver uma
uma forma de comunicação oral que reunia os
língua de sinais para cada país,
termos comuns na maioria das línguas orais.
mas, também, baseando-nos Porém, como não era usado em momentos
na teoria gerativa. Segundo naturais, o gestuno – assim como o
essa teoria, todas as línguas, esperanto – deixou de existir.
inclusive as de sinais, apresen-
tam organização sintática com
os mesmos princípios comuns à linguagem humana, que são diferentes
apenas em sua natureza e comportamento. Isso significa que as línguas
de sinais se diferenciam, como qualquer língua, na sua organização se-
mântica e discursiva para atender a aspectos culturais e ideológicos das
diferentes comunidades de surdos.
Quando a informação de que a Libras não é universal começou a
percorrer espaços sociais, muitas vezes, havia um questionamento de 25
que seria muito mais fácil para comunicação dos surdos se todos sinali-
zassem da mesma forma. Porém, se estamos entendendo que a língua de
sinais tem o mesmo valor que a língua oral, então um questionamento
como esse também perde sua validade, já que as línguas orais não são
iguais e ninguém questiona esses fenômenos. Isso porque sabem que,
devido às colonizações, houve o alastramento de determinados idiomas
em determinados lugares. O mesmo aconteceu com as línguas de si-
nais, cada uma tem sua história linguística. No caso da Libras, ela tem
sua origem na Língua Francesa de Sinais.
Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais,
que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin sem estrutura
própria, subordinado e inferior às línguas orais.
Algumas pessoas acham que a Libras é derivada das línguas orais
e é um pidgin sem estrutura própria, subordinada e inferior. Cada uma
dessas proposições pode ser considerada um mito, pois quando as ana-
lisamos, encontramos conceituação diferenciada para os termos empre-
gados. Por exemplo, por pidgin entendemos a mistura de duas línguas,
como nas expressões (1) e (2) a seguir exemplificadas. O pidgin é utiliza-
do por pessoas que estão em processo de aprendizagem e necessitam de

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

um recurso emergente de comunicação. Mesmo assim, não considera-


mos o inglês e o português como pidgin.
1. Eu love você.
2. I amo you.
Uma manifestação de pidgin sinalizada é, por exemplo, quando
uma pessoa está conversando com um surdo em Libras e na ausência
de um sinal resolve oralizar pausadamente, a fim de que o interlocutor
o entenda. Essa estrutura se caracterizará por um pidgin, pois houve a
mistura dos sinais com a voz, da oralidade com a sinalização, da Libras
com o português. Porém, não é a Libras que é um pidgin, é o seu mau
uso que pode tornar-se um.
A Libras tem uma estrutura gramatical bastante complexa, por-
tanto, alegar que ela é subordinada à língua oral, além de demonstrar
o desconhecimento da estrutura linguística, também aponta para uma
postura altamente preconceituosa. Assim como fazer comparativo de
superioridade ou inferioridade em relação à língua oral é linguistica-
mente inviável, pois as línguas são apenas diferentes entre si, têm cons-
26 tituição interna própria.
Na linguística, esse tipo de comparação inexiste, pois nenhum sis-
tema linguístico será mais complexo ou superior a outro, já que todos se
prestam ao mesmo fim: a comunicação. Nesse sentido, a única compara-
ção permitida entre as línguas e em sua realização é o conhecimento dos
parâmetros de cada sistema, e não um julgamento de valor. Da mesma
forma, como há uma conscientização sobre o cessar do preconceito lin-
guístico, isso já é assegurado no campo da linguística e já foi transmitido
à sociedade, o que falta são algumas tomadas de decisão quanto ao tema.
Sabemos que não podemos criticar uma pessoa porque ela fala porta acen-
tuando o r, como fazem os caipiras, ou ainda porque ela fala bicicreta.
Esse jeito diferente de falar compõe o idioleto de cada um. Na Libras, isso
também acontece, cada um sinaliza de um jeito. Podemos admirar uma
ou outra forma, mas nunca taxarmos como “certa” uma única forma.
A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial,
com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente
inferior ao sistema de comunicação oral.
Esse é outro apontamento que não procede às descobertas científi-
cas, mas que muitas vezes é verbalizado por desconhecedores da Libras.

FAEL
Capítulo 1

Levando em conta que um sistema de comunicação superficial é aquele


criado para atender a comunicação de máquinas, ou seja, é a linguagem
de programação, a Libras não se enquadra nessa situação.
Toda língua humana – como a língua de sinais falada pelos surdos
– atende aos critérios de criatividade, flexibilidade e versatilidade. Por-
tanto, a Libras não é superficial, é uma língua natural, que emerge no
seio da comunidade e se transforma ao longo do tempo, é dinâmica e
com conteúdo absolutamente ilimitado. É possível falar qualquer coisa
em Libras – desde de que o sinalizante tenha fluência –, pois mesmo não
havendo palavras comuns entre Libras e português, há possibilidade de
transmissão do conceito da palavra.
As línguas de sinais, por estarem organizadas espacialmente, esta-
riam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que é
responsável pelo processamento de informação espacial, enquanto
que o esquerdo, pela linguagem.
Há pessoas que dizem que as línguas de sinais, por estarem orga-
nizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério direito do
cérebro, uma vez que é responsável pelo processamento de informações 27
espaciais. Pessoas que conhecem, minimamente, o cérebro humano sa-
bem que ele é dividido em hemisfério direito e hemisfério esquerdo e
que cada um deles tem uma função diferenciada.
Ao hemisfério direito cabem as propriedades para o desenvolvimen-
to musical, artístico, emocional, visual, espacial, matemático e outros.
No hemisfério esquerdo estão algumas funções mentais, como atenção,
memória e outras, mas, especialmente, é identificada a propriedade lin-
guística. Há, nesse hemisfério, duas áreas responsáveis pelo desempenho
de uma língua: a área de Broca, que determina a expressividade da fala; e
a área de Wernicke, que determina a compreensão de uma língua.
Diante disso, há que se pensar onde se localiza a Libras, já que é
uma língua e que, por isso, basicamente, estaria no hemisfério esquerdo.
Sua modalidade é espacial e visual, características alocadas no hemisfério
direito. Nesse sentido, as considerações que se tinha até então eram de
que a Libras instalava-se no hemisfério direito, para poder dar conta dessa
modalidade. O que ocorre, na verdade, é que a função de visão do hemis-
fério direito tem uma característica funcional, serve para ver no sentido
estrito do termo, assim também como a função do espaço desse hemisfé-
rio se relaciona à questão geográfica. A partir daí, o cérebro d
­ etecta que a

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

visão e o espaço serão utilizados pela modalidade linguística e, então, rea-


liza uma transferência hemisferial. Assim, no hemisfério esquerdo, haverá
a visão e o espaço, mas com propriedades distintas, agora com função
linguística que servirá para “ouvir” e “falar” a Libras.
Essas primeiras pesquisas que se prestaram a desmistificar falsas
considerações sobre a Libras deram origem a outras. Todas elas, entre-
tanto, emergiram a partir do primeiro trabalho conhecido sobre línguas
de sinais nos Estados Unidos, de William Stokoe, em 1960. Ele foi o
primeiro pesquisador a sistematizar a estrutura gramatical de uma língua
de sinais, mas não foi o primeiro a usar essa forma de comunicação, pois
antes dele já existiam os abades franceses, que burlavam a lei do silêncio
que imperava nos mosteiros e conversavam por “códigos visuais” – um
nome bastante conhecido dessa época é o Ponce de Leon. Depois dis-
so, houve um período em que eles se dedicavam à instrução de pessoas
surdas, então começaram a usar uma língua estruturada para transmitir
conteúdos científicos e teológicos.
Assim, a comunicação espaço-visual se espalhou pela Europa e, pos-
teriormente, para América, chegando ao Brasil no século XX. Por isso, al-
28 guns sinais da Libras, da Língua Francesa de Sinais e da Língua Americana
de Sinais são parecidos. São os chamados cognatos. Assim como existem
palavras muito semelhantes no português e no inglês (baby e bebê, por
exemplo), há também algumas semelhanças de vocabulário nas línguas de
sinais do Brasil, EUA e França. Como exemplo dessa similaridade, cita-
mos os sinais de casa em Libras e na Língua Americana de Sinais:

Casa Casa

Libras Língua Americana de Sinais

FAEL
Capítulo 1

O que Stokoe e os primeiros linguistas brasileiros fizeram – além de


mostrar o falseacionismo dos mitos – foi apontar a natureza da Libras
como ela é. Fizeram isso utilizando-se da “regra geral” para validação de
que uma língua é língua, através dos universais linguísticos. Então, passou-
se a mostrar a verdade sobre esse sistema de comunicação espaço-visual.

Verdades sobre a Libras: universais linguísticos


Para uma língua ser considerada língua, ela deve passar por todos
os testes postulados pelos pesquisadores, deve responder positivamente
às questões levantadas – e a Libras preenche estes requisitos. Vejamos
cada um deles.
Onde houver seres humanos, haverá língua(s).
A primeira análise feita para atestar o status linguístico da Libras pau-
tou-se em uma simples consideração: a de que onde há seres humanos há
língua. É impossível negar que um grupo de surdos constitui-se como um
grupo de seres humanos, portanto, isso reitera a existência de uma língua.
Não há línguas primitivas – todas as línguas são igualmente com- 29
plexas e igualmente capazes de expressar qualquer ideia. O vocabu-
lário de qualquer língua pode ser expandido a fim de incluir novas
palavras para expressar novos conceitos.
Ao aproximar-se da língua usada pelo grupo de surdos, percebe-
se que, apesar de se apresentarem em uma modalidade diferente das
línguas orais, ela não pode ser considerada como uma língua primitiva,
pois todas as línguas são igualmente complexas e igualmente capazes de
expressar qualquer ideia. Assim também acontece com o vocabulário
das línguas orais e sinalizadas que, como o de qualquer língua, pode ser
expandido a fim de incluir novas palavras para expressar novos concei-
tos. No português, por exemplo, as palavras são incorporadas ao siste-
ma linguístico de um modo geral, com empréstimos linguísticos vindos
do aportuguesamento desses termos ou, ainda, por meio da inclusão de
palavras novas ao repertório individual.
Quanto aos empréstimos linguísticos da Libras, destacamos inicial-
mente o alfabeto manual. Ele é, na verdade, um recurso paliativo, usado
apenas para se referir a nomes próprios e a objetos que não tenham um
sinal conhecido na Libras. Os surdos representam por meio das mãos as

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

letras do alfabeto português, no caso do Brasil. Em outros países, essa


representação é feita de acordo com o alfabeto do idioma local. A letra
“T”, às vezes, pode ser sinalizada de um jeito no Brasil e de outro nos
Estados Unidos. Além disso, vale ressaltar que esse recurso é externo à
Libras, ele é considerado como um empréstimo da língua portuguesa,
portanto, quando a pessoa está usando o alfabeto manual, deixa de usar
a Libras e faz uma transferência de código, passa a fazer uso do portu-
guês. Por isso, devemos ter muita cautela para usá-lo. É preferível fazer
um sinal sinônimo a “escrever” a palavra a que se deseja fazer referência,
pois os surdos não se relacionam com a língua portuguesa como nós nos
relacionamos. Há toda uma dificuldade que se coloca a eles, pois são
usuários de uma língua espacial e visual, enquanto precisam aprender
uma língua oral e auditiva. Posteriormente, explicaremos com mais de-
talhes a questão de o português ser uma segunda língua para os surdos.
Figura 1 Alfabeto manual.

30 a b c ç d e

f g h i j k

l m n o p q

r s t u v w

x y z

O alfabeto manual pode ser sinalizado com qualquer uma das


mãos, desde que não alternadamente, então, se há preferência pela mão
esquerda, a palavra toda deve ser sinalizada com a esquerda, e não uma
letra com cada mão. Normalmente, escreve-se com o braço na vertical,

FAEL
Capítulo 1

bem próximo ao tronco, e as letras são feitas uma após a outra, sem
necessariamente tirar a mão do lugar.
Para os nomes de pessoas e lugares, é comum os surdos pedirem
que se escreva a palavra com o alfabeto manual, mas, na sequência, eles
criam um sinal que será usado dali para frente. Então, a digitalização da
palavra passará a ser dispensável das próximas vezes, pois a realização do
sinal vai remeter ao sentido e ao conceito. Caso seja necessário escrever
mais de uma palavra (nome completo ou palavra composta, por exem-
plo), deve-se fazer uma palavra em uma sequência rítmica e dar uma
pausa na última letra para, então, iniciar a nova série de letras que serão
feitas com o mesmo ritmo.
Além disso, há também a possibilidade de representação dos acen-
tos das palavras (^, ~, `, ´) por meio de desenho no ar com o dedo indi-
cador. O desenho no ar é feito em um ponto acima de onde se escreveu
inicialmente, e deve ser feito antes da letra que receberá o acento, por
exemplo: JOS´E. O mesmo processo ocorre com a produção dos nú-
meros da Libras, os quais estão reproduzidos a seguir:
31
Figura 2

0 1 2 3 4

5 6 7 8 9

Ainda com relação ao alfabeto manual, devemos ressaltar que dele


são extraídos os outros empréstimos linguísticos da Libras. Um emprés-
timo linguístico é uma palavra original de um idioma que passa a fazer
parte do repertório de um grupo de falantes de outro idioma. No portu-
guês, há muitos exemplos de palavras que não compunham nosso voca-
bulário e que passaram a fazer parte de nossa fala, por meio da internet,
pela globalização, ou outros motivos. Na língua portuguesa, há muitas
expressões americanas, francesas, indígenas, que são usadas pelos falantes

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

normalmente. Exemplos desses empréstimos são as palavras: stress, delete,


abajur, diet, light, shampoo, lingerie, entre outras.
Os empréstimos linguísticos na Libras ocorrem mediante o processo
de aceleração da escrita do alfabeto manual e, algumas vezes, pela supressão
de uma das letras.Veja um exemplo de empréstimo linguístico da Libras:
Bar

32 Em se tratando de termos técnicos e científicos, podemos desta-


car que são criados de acordo com a necessidade. É o caso de quando
entramos na faculdade, há uma “enxurrada” de palavras novas, as quais
não utilizávamos antes, como os termos “paradigma”, “piagetiano”, “de-
manda de mercado”, “psicanálise”, “biomorfologia”, “léxico”, “sintático”,
“pragmática”, etc. Na língua de sinais, isso ocorre da mesma maneira. Os
surdos têm a capacidade de inserir em sua língua palavras novas conforme
a necessidade. Daí surgem os novos sinais, como os expostos a seguir:
Neurose Mídia

FAEL
Capítulo 1

Ambiente virtual de aprendizagem Condicionamento

Todas as línguas mudam ao longo do tempo.


Podemos verificar que não há permanência vocabular e nem estru-
tural em nenhuma língua, o que implica dizer que as línguas mudam
ao longo do tempo. Assim como ocorreu com o vocábulo vossa mercê,
que passou para vos mice, depois para você e hoje é comumente trata-
do por cê ou vc, na língua de sinais, isso também acontece.
33
Os sinais que exigem muito “trabalho” para serem realizados sofrem
uma economia produtiva e passam a ser realizados de maneira mais sim-
plificada. É o caso, por exemplo, do sinal mulher, que era realizado com
ambas as mãos postas próximas à cabeça, em uma imitação de colocar o
chapéu. Então, descia do rosto em direção ao pescoço, onde era encer-
rado com um movimento que imitava o lançar, o amarrar. Atualmente,
esse sinal preserva apenas o trajeto do rosto ao pescoço, é sinalizado
conforme imagem a seguir, passando o polegar na bochecha.
Mulher

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

As relações entre sons e significados das línguas faladas e entre ges-


tos (sinais) e significados das línguas de sinais são, em sua maioria,
arbitrárias.
As palavras e sinais apresentam uma conexão arbitrária entre for-
ma e significado, visto que, dada a forma é possível prever o significado,
e dado o significado é possível prever a forma. Os símbolos utilizados
pelas línguas são arbitrários. Podemos constatar que não há uma rela-
ção intrínseca entre a palavra “cão” e o animal que ele simboliza.
Quadros e Karnopp (2004) apontam ainda que a característica de
arbitrariedade das línguas não se restringe à ligação entre forma e sig-
nificado, mas aplica-se também à estrutura gramatical das línguas, pois
elas diferem umas das outras. Isso pode ser constatado na dificuldade
em aprender uma língua estrangeira, pois é um sistema distinto do que
estamos habituados a usar.
Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos, como
“p”, “n”, ou “a”, os quais podem ser definidos por um conjunto
de propriedades ou traços. Toda língua falada tem uma classe de
34 vogais e uma classe de consoantes. Línguas de sinais apresentam
segmentos discretos na composição dos sinais.
As línguas orais apresentam segmentos sonoros discretos, por
exemplo, os sons de “f ”, “g”, “d”, “o” e “a” não têm um significado
expresso; porém, quando os combinamos de diferentes maneiras, pode-
mos encontrar significados. É o caso, por exemplo, das palavras “fogo”,
“dado”, “gado” e “fado”.
Em línguas sinalizadas, igualmente, encontramos segmentos dis-
cretos na composição dos sinais. Isso significa que existe uma gama de
unidades que são semelhantes, mas que cada fonema, normalmente,
não tem significado quando está isolado, ganhando-o quando é combi-
nado com outras unidades mínimas.
Tal organização de língua em duas camadas, camada de sons que se
combinam e camadas de unidades maiores, expressa a característica de
dualidade ou dupla articulação comum às línguas orais e sinalizadas.
Na figura a seguir, a configuração de mão não quer dizer nada,
mas, colocada no queixo e com a realização de um movimento reto
para baixo, ganha o significado de homem.

FAEL
Capítulo 1

Homem

Universais semânticos, como fêmea ou macho, são encontrados em


todas as línguas.
Há, ainda, outra característica encontrada em línguas orais que
se manifestam também nas línguas sinalizadas: a descontinuidade.
35
Tal fenômeno está em oposição à variação contínua, isso significa
que as palavras podem diferir de maneira mínima na forma, mas
apresentam diferença considerável no significado. É o caso das pa-
lavras “menina” e “menino”, que são escritas e faladas de maneiras
diferentes. Em Libras, os sinais de menina e menino também são
produzidos de forma diferentes.
Todas as línguas possuem formas para indicar tempo passado, ne-
gação, pergunta, comando, etc. Todas as línguas apresentam cate-
gorias gramaticais (exemplo: substantivo, verbo).
As línguas não se fixam apenas nos parâmetros fonológicos, pois
tanto línguas orais quanto sinalizadas apresentam categorias grama-
ticais (substantivo, verbo e outros), bem como universais semânticos
como a distinção fêmea/macho.
No concernente à sintaxe, sabemos que tanto as línguas orais
quanto as de sinais podem fazer referência ao passado, presente e fu-
turo, a realidades remotas ou, ainda, a coisas que não existem e que os
falantes de todas as línguas são capazes de produzir e compreender em
um conjunto infinito de sentenças.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Quadros e Karnopp (2004) apontam que essa flexibilidade e ver-


satilidade é uma característica comum a todas as línguas, pois po-
demos usar a língua para dar vazão às emoções e sentimentos, para
fazer solicitações, para fazer ameaças, promessas, ordens, perguntas
ou afirmações.
Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de
sons discretos (ou gestos) que são combinados para formar ele-
mentos significativos ou palavras, os quais, por sua vez, formam
um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas as gramáticas
contêm regras de um tipo semelhante para formação de palavras
e sentenças.
A criatividade e a produtividade são apontadas por Quadros e
Karnopp (2004) como propriedades que possibilitam a construção e
a interpretação de novos enunciados. Todos os sistemas linguísticos
têm a possibilidade de construção e compreensão de um número in-
finito de enunciados, sendo assim, os falantes têm a liberdade de agir
criativamente.
36
Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e com-
preender um conjunto infinito de sentenças. Universais sintáticos
revelam que toda língua possui meios de formar sentenças.
Assim, revela-se a criatividade que o falante tem para inventar no-
vas palavras e de ter um estilo próprio de fala. Isso ocorre com a Libras,
pois, mesmo cada país adotando uma língua de sinais própria, não é
possível estabelecer uma homogeneidade linguística por todo seu ter-
ritório nacional. Sempre que houver a reunião de um grupo de sinali-
zadores, haverá abertura para criação de novos falares ou modificação
nos falares produzidos, e todos esses novos modos serão carregados de
peculiaridades da região onde o grupo está localizado.
Esses modos distintos na fala de cada região são os chamados dia-
letos, que existem não só na Libras, mas em todas as línguas de sinais
e orais, como ocorre com o português, por exemplo, nas palavras ma-
caxeira, aipim e mandioca, que se prestam a designar a mesma coisa.
Vejamos um exemplo do regionalismo da Libras nas imagens a seguir.
Trata-se de três sinais diferentes que se referem à palavra “verde”, nas
cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, respectivamente.

FAEL
Capítulo 1

Fonte: imagens adaptadas de Strobel e Fernandes (1998).

Podemos, assim, perceber que a Libras é bastante complexa em


sua estrutura gramatical e que, por meio dela, é possível conversar
sobre diversos assuntos, inclusive utilizar-se de diferentes estilos de
fala em variadas ocasiões. Então, o modo de sinalizar é diferente se o 37
interlocutor for uma autoridade ou se forem colegas na rua, e esses
diferentes registros discursivos são manifestados por meio da velo-
cidade dos movimentos e do espaço utilizado para sinalização. Se o
surdo quer ser bastante formal em sua fala, provavelmente usará o
espaço a frente do seu corpo com certo limite. O espaço para sina-
lização se inicia acima do quadril, vai até a cabeça e não se estende
muito para os lados. Porém, se o contexto de fala é informal, ele sina-
lizará com muita expressão facial, com os braços bastante alargados
e, provavelmente, vocalizará alguns sons. Dessa forma, podemos ver
como é possível o falante de Libras transitar entre diferentes estilos
discursivos.
Quando os ouvintes veem os surdos conversando, na grande maio-
ria, têm a impressão de que eles estão brigando, pois sinalizam mui-
to rápido e têm bastante expressividade. O fato é que os surdos estão
tendo uma conversa como outra qualquer. Essa impressão equivocada
ocorre porque as pessoas não sinalizantes deixam de considerar que,
quando estamos conversando, também falamos muito rápido, fato que
ocorre da mesma forma com o surdo.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Ao articular os fonemas da nossa língua portuguesa – um após o


outro –, não nos damos conta de que são produzidos juntos, ou seja,
todas as palavras se ligam entre si na constituição da frase e do discurso.
Assim também acontece na comunicação em Libras. Os surdos sina-
lizam rapidamente um sinal após o outro, sem significar uma briga,
mas uma fala normal. Além disso, quando nós estamos em contextos
informais, também falamos muito alto e somos extravagantes. Os sur-
dos igualmente agem assim. Ampliam os movimentos dos sinais, tem
o espaço de sinalização bastante elevado e produzem muita expressão
facial. No entanto, isso não denota agressividade ou briga por parte
deles, mas o “tom” elevado da fala.
Esse dado reitera que a Libras é uma língua que, inclusive, contém
marcas de formalidade e de informalidade, pois tem tanta completude
que possibilita ao falante fazer escolhas diferenciadas de sinais, de acor-
do com os tipos de situações experimentadas.

Qualquer criança, nascida em qualquer lugar do mundo, de qual-


38
quer origem racial, geográfica, social ou econômica, for capaz de
aprender qualquer língua à qual for exposta.
Um fenômeno elucidativo sobre esse assunto é quando as crian-
ças surdas estão aprendendo a Libras. Inicialmente, elas aprendem as
unidades mínimas de maneira isolada, como fazem as crianças ou-
vintes, que começam a balbuciar “aaaaa”, depois “babababa”, até for-
mar palavras completas. Isso também ocorre com as crianças surdas.
Tomamos como exemplo uma criança que, quando está com dois
anos e em diálogo com a mãe, começa a aprender o sinal de sorrir
(conforme figura a seguir). A mãe ensina, inconscientemente, cada
um dos três parâmetros – que são a configuração de mão, a locali-
zação e o movimento –, e a criança imita corretamente a localização
e o movimento, porém, não consegue reproduzir da mesma forma a
configuração de mão. A mãe age com um input favorável, fazendo a
intervenção devida. Toca no filho e ajeita sua mão para que realize o
sinal de forma correta. A criança gosta do sinal, sorri quando a mãe a
repreende pelo mau jeito na realização do sinal, mas tem dificuldade
para fazer a configuração apresentada. Solicita à mãe, por várias ve-

FAEL
Capítulo 1

zes, para que a auxilie, até que aprende os três parâmetros e consegue
realizar com precisão o sinal de sorrir.

Esse jogo discursivo, além de mostrar a importância do adulto no


contexto de aquisição da linguagem, da qualidade do input e outros,
nos aponta para uma característica das línguas humanas, presente,
igualmente, na Libras: a regularidade. Conforme já apresentamos, as
línguas humanas – e, portanto, a Libras também – têm parâmetros de
realização que não podem ser alterados para sua efetiva comunicação.
Assim, há exigência de que os elementos fonológicos sejam adequada-
mente produzidos na realização dos sinais.

39

Da teoria para a prática


Para aderir à ideia da diversidade linguística em sala de aula, o
professor pode colar cartazes pela sala com o alfabeto manual e com
os números. Então, pode colocar algumas perguntas no quadro e pro-
mover que dois alunos participem: um pergunta e o outro responde,
utilizando as letras manuais.
Perguntas:
●● Qual é o seu nome?
●● Qual é o seu sobrenome?

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

●● Quantos anos você tem?


●● Qual é o nome da sua rua?
●● Qual é o nome do seu bairro?
●● Qual é o nome da cidade em que você mora?
●● Qual o nome da sua mãe?
●● Qual a idade da sua mãe?
●● Qual o nome do seu pai?
●● Qual a idade do seu pai?
●● Qual o nome dos seus irmãos?

Síntese
Neste capítulo, tratamos de definições preliminares relacionadas à
40
Libras e apresentamos ao leitor a fase histórica pela qual a sociedade está
passando, a chamada inclusão. Explicamos que, nessa fase, os paradig-
mas sobre a pessoa surda e sua língua passaram por reformas não só no
que se refere à terminologia – surdo e Libras –, mas na forma de rela-
cionamento com essa nova realidade. Muito mais do que saber a forma
de tratamento dessas questões, é preciso que haja um desprendimento
para aprender a se comunicar e se relacionar com os surdos. Isso pode se
dar por meio do alfabeto manual, dos empréstimos linguísticos, de um
jeito mais informal ou por meio de leituras e pesquisas linguísticas.
Nesses termos, percorremos com o leitor o mesmo percurso adota-
do no processo de valoração da Libras, pois, para que houvesse todo o
reconhecimento social e acadêmico que hoje existe quanto ao status dessa
língua, foi preciso muito esforço para desmontar os mitos que havia, assim
como foi preciso arrolar alguns pressupostos universais na análise dessa
modalidade expressiva. Atualmente, os surdos foram brindados com a ofi-
cialização da sua língua por determinação legal. Dessa forma, as pesquisas
não mais se prestam a “comprovar” que a Libras é uma língua, mas já
podem focar em conhecer o comportamento de uma língua espaço-visual
e tecer análise gramatical sobre ela, o que faremos no próximo capítulo.

FAEL
Capítulo 1

Glossário
Input
É o sinônimo para estímulo linguístico, ou seja, todas as influências
verbais que são dadas às crianças quando estão aprendendo a falar.

Output
É a forma como a criança expressa o input que recebeu, é o que ela
consegue falar.

Pidgin
É um sistema de comunicação precário. É uma língua emergencial,
porque aparece em situações extremas de barreiras à comunicação
(MCCLEARY, 2008, p. 21).

41

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Estrutura
gramatical da
Libras 2
T odo sistema linguístico é organizado em níveis de análise, sen-
do os principais: o fonológico, que se ocupa em estudar as unidades
mínimas da composição das palavras; o morfológico, que se ocupa com
as escolhas das palavras; o sintático, que se ocupa em organizar as pala-
vras na frase; o semântico, que busca a relação das palavras e o sentido
que elas têm. Neste capítulo, apresentaremos esses aspectos linguísticos
relacionados à Libras.

Aspectos fonológicos 43
É no nível fonológico que se encontram as considerações acerca dos
fonemas – conceituados como unidades mínimas do som. Nesse sentido,
não caberiam considerações fonológicas para a Libras, já que ela é uma
língua espaço-visual que não tem som. Para resolver tal impasse, Stokoe
empregou a terminologia “querema”, em vez de “fonema”, para o estudo
das unidades mínimas da língua de sinais. Porém, atualmente, os pes-
quisadores de língua de sinais abandonaram esse termo, por entender o
apontamento de Saussure (1970) quanto a isso. Para o pai da linguística,
a forma do significante refere-se a uma imagem acústica convencional,
abstraída de realizações fonéticas concretas e infinitamente variáveis, de-
finição que torna o conceito suficientemente abstrato para abranger não
apenas representações psíquicas de sons, mas também de gestos (LEITE,
2008). Assim, quando nos referirmos aos fonemas, fazemos menção às
unidades mínimas que compõem a língua.
Além dos fonemas, as línguas naturais também são compostas por
morfemas e palavras, articulações que norteiam a dupla articulação
apontada por Martinet (1978). Esse linguista diz que todas as línguas
humanas possuem dupla articulação. Por dupla articulação entende-
mos um plano de conteúdos (composto por morfemas e palavras) e um
Língua Brasileira de Sinais – Libras

plano isento de conteúdos (composto por fonemas). É bom lembrar


que ambas as articulações são restritas nas línguas naturais, mas que sua
combinação pode originar um número irrestrito de possibilidades signi-
ficativas. Como a Libras é uma língua natural, também é composta pela
dupla articulação.
Podemos constatar tal fenômeno, segundo Leite (2008), por meio
da junção das articulações dos fonemas. Limitando-nos inicialmente
à segunda articulação – fonemas –, vemos que Stokoe (1960) propôs
três componentes da estrutura interna dos sinais: configuração de mão
(CM), localização (L) e movimento (M). Isoladamente, esses parâme-
tros não têm conteúdo significativo (capaz de compor significação),
porém, quando os unimos, podemos formar conteúdos irrestritos.

Ônibus

44
Configuração de mão

Movimento

Localização

O mesmo fenômeno ocorre com os sinais avião e carro.

Carro

Movimento
Configuração de mão

Localização

FAEL
Capítulo 2

Avião

Movimento

Configuração de mão
Localização

Mesmo percebendo que, isoladamente, os parâmetros não trans-


mitem significado, analisaremos cada um deles em sua composição, a
fim de entendermos melhor a formação dos sinais. 45

Configuração de mão

O primeiro parâmetro refere-se à forma que a mão assume na rea­


lização do sinal. Algumas das configurações de mão correspondem às
letras do alfabeto manual, mas não se restringem a elas. O quadro de
Brito (1995) registra 46 configurações de mão diferentes.

Quadros e Karnopp (2004), por sua vez, apontam que essas con-
figurações de mão são representações do sistema fonético da língua,
considerando a inexistência de identificação quanto às configurações
de mão básicas e às configurações de mão variantes.

Já em Felipe (2005), conforme podemos verificar na figura a seguir,


existem 64 configurações de mão. Estas podem dar origem a sinais da
Libras se forem produzidas apenas com uma mão, com as duas mãos
realizando configurações de mão diferentes ou, ainda, com as duas mãos,
mas ambas com configurações de mão iguais.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Figura As 64 configurações de mão da Libras.

46

Fonte: adaptado de Felipe (2005).

A fim de elucidarmos as possibilidades de formação de sinal a par-


tir da configuração de mão, expomos alguns exemplos a seguir.
Configuração de mão com apenas uma mão: é o tipo de sinal
que pode ser produzido com qualquer uma das mãos, pois o seu senti-
do não será alterado.

FAEL
Capítulo 2

Aluno Professor

Lápis Caneta

47

Cola Tesoura

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Vestibular Português

ou

Ciências História

48

Uniforme Educação

FAEL
Capítulo 2

Duas configurações de mão diferentes.

Curso Pós-graduação

Mestrado Educação artística

49

Estudos sociais Intervalo

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Redação Apontador

Atendo-nos ao sinal da palavra curso, vemos que nesse tipo de


construção a primeira configuração de mão é a base que se forma em
b, e a mão ativa se forma em c. Em outros casos parecidos com esse,
outras configurações de mão poderão ser realizadas, mas a ordem de
50 predominância será mantida, ou seja, uma mão será a base e a outra
ativará o movimento.
Sobre a realização de um sinal que contém duas configurações de
mão diferentes e que realiza movimentos apenas com uma das mãos,
encontramos em Battison (1974) duas restrições, que limitam consi-
deravelmente as possibilidades articulatórias dos sinais. A primeira é
a condição de dominância e a segunda é a condição de simetria. Por
condição de dominância, o autor entende a ocorrência de sinais nos
quais uma das mãos assume o papel ativo e a outra, um papel passivo.
A mão passiva, nesse caso, serve de base, de apoio para a realização
do movimento da mão ativa. Antes de falarmos sobre a condição de
simetria, vejamos a realização de um sinal com as duas configurações
de mão iguais.
Duas configurações de mão iguais: sinais dessa natureza são for-
mados por duas configurações de mão iguais. É o caso dos sinais apre-
sentados a seguir, que se realizam com ambas as mãos moldando-se
com a mesma configuração de mão e com a realização de um movimen-
to simultâneo e simétrico.

FAEL
Capítulo 2

Sala Geografia

Caderno Régua

51

Mochila Prova

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Matemática Educação física

Química Nota

1 2
52

Dividir Multiplicar

FAEL
Capítulo 2

Retomando as restrições articulatórias de Battison (1974), temos


que, em casos de sinais como os que mostramos, em que as duas
mãos estão ativas e realizam o mesmo movimento, há a condição de
simetria estabelecida.

Locação
O segundo parâmetro refere-se ao espaço em que o sinal será reali-
zado, podendo ser no próprio corpo do sinalizador ou no espaço neutro
(espaço “vazio” à frente do corpo do sinalizador, precisamente entre a
cabeça e o quadril), conforme mostram as imagens a seguir.
Sinalização no espaço neutro:

Tartaruga Hipopótamo

53

Foca Mosca

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Urso Jacaré

Peixe Borboleta

54

Há, conforme Brito (1995), três pontos principais de locação, a


saber: cabeça, tronco e mão. Dentro desses pontos estão as subdivisões,
tais como os exemplos que seguem.
Subdivisões dos principais pontos de locação:
Macaco Boi

Sinal com locação na cabeça Sinal com locação na testa

FAEL
Capítulo 2

Galinha Rato

Sinal com locação no rosto Sinal com locação na bochecha

Papagaio Pato

55

Sinal com locação no queixo Sinal com locação na boca

Cobra Coruja

Sinal com locação no pescoço Sinal com locação nos olhos

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Porco Sapo

Sinal com locação no nariz Sinal com locação no braço

Dinossauro Zebra

56

Sinal com locação na mão Sinal com locação no tronco

Movimento
Movimento, o terceiro – e principal – parâmetro, é bastante com-
plexo, considerando sua vastidão de possibilidades. Em Strobel e Fer-
nandes (1998), vemos que os movimentos podem ser do tipo sinuoso,
semicircular, circular, retilíneo, helicoidal e angular, sendo possível pro-
duzi-los de forma unidirecional, bidirecional ou multidirecional. Além
disso, eles podem ser produzidos com diferentes tensões, velocidades e
frequências. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais produzi-
dos com diferentes tipos de movimento.

FAEL
Capítulo 2

Espelho Telhado

Movimento sinuoso Movimento sinuoso


Xícara Porta

57
2
1

Movimento semicircular Movimento semicircular

Jardim

Movimento circular

Língua Brasileira de Sinais – Libras


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Cerca

1
2

Movimento retilíneo
Liquidificador

58

Movimento helicoidal
Eletricidade

Movimento angular

FAEL
Capítulo 2

Os três parâmetros, quando associados, podem formar muitos sinais


da Libras e, às vezes, esses sinais se distinguem pela alteração apenas em um
dos parâmetros. Nesses casos, ocorre um fenômeno presente também nas
línguas orais: os pares mínimos. No português, os chamados pares míni-
mos podem ser exemplificados pelas palavras faca e vaca, em que há ape-
nas uma sutil diferença na pronúncia dos fonemas f e v. Na Libras, temos
muitos casos como esses. Citemos alguns:

Laranja/sábado Aprender

59

Cantar Comunicar

Além desses parâmetros, destacamos a orientação de mão e as ex-


pressões não manuais. A orientação de mão é a direção que a palma da
mão assume na realização do sinal. A palma da mão pode estar voltada
para cima, para baixo ou para o corpo de quem sinaliza, para fora, para

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

a esquerda e para a direita. Apresentamos a seguir alguns exemplos de


sinais produzidos com diferentes orientações para o sinal de ir.

Ir da direita para a esquerda Ir da esquerda para a direita

Ir de trás para frente Ir de frente para trás

60

As expressões não manuais, conforme Quadros e Karnopp (2004),


referem-se às expressões faciais e aos movimentos do corpo produzidos
durante a realização do sinal. Esses movimentos também podem ser reali-
zados isoladamente para marcar construções sintáticas – marcar sentenças
interrogativas; relativas; concordância; tópico e foco; referência específica;
referência pronominal; negação; advérbios; grau ou aspecto, bem como
para marcar afetividades, assim como ocorre nas línguas naturais. As ex-
pressões faciais não são recursos adicionais ou dispensáveis na Libras, mas,
sim, obrigatórias nas construções sintáticas. A seguir, temos exemplos de
sinais isolados com expressão facial, já que neste momento não abordare-
mos a construção das frases.

FAEL
Capítulo 2

Bravo Triste

Feliz Cansado

61

Bondoso Humilde

ou

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Esquisito Tímido

Calmo Inocente

62
ou

Doido Esnobe

FAEL
Capítulo 2

Vaidoso Chato

Chorão Tarado

63

Podemos perceber que a realização desses sinais fica condiciona-


da ao uso das expressões faciais, até por uma questão de coerência,
pois não seria muito lógico produzir o sinal de triste com um sorriso
no rosto ou, então, o sinal de feliz com uma expressão de cansaço
e tristeza. Certamente, nosso interlocutor questionaria nossa produ-
ção e precisaríamos definir qual a mensagem a ser transmitida: a do
rosto ou a das mãos. Isso porque há sinais produzidos apenas com a
expressão facial, com a dispensa de qualquer realização manual. Na
Libras, há dois tipos de expressões faciais: as que se prestam a marcar
argumentos gramaticais e as que são de cunho afetivo. Neste texto,
abordaremos apenas o primeiro tipo e, como exemplo, vejamos os
sinais de roubar e sexo:

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Roubar Sexo

A seguir veremos algumas considerações teóricas quanto à morfo-


logia e à sintaxe da Libras.

64
Aspectos morfológicos da Libras
Se estivermos entendendo que o nível morfológico é aquele que
compreende o trabalho de seleção das palavras, faz-se necessário, pri-
meiramente, definir o que entendemos por palavra. Segundo Sandalo
(2001, p. 183), “palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livre-
mente em várias posições sintáticas”.
Entretanto, dentro das palavras, há elementos que carregam sig-
nificado. Esses elementos, chamados de morfemas, é que são as unida-
des mínimas da morfologia (SANDALO, 2001). Na Libras, conforme
Felipe (1998), os parâmetros fonológicos também podem ser compa-
rados a morfemas, pois, às vezes, eles apresentam significado isolada-
mente. Assim como ocorre com o português, os fonemas podem ter a
natureza de um morfema, por exemplo, os fonemas /a/ e /o/ podem
ser artigos ou desinências de gênero, assim como o fonema /s/ pode
indicar o plural.
Do mesmo modo, na Libras, determinada configuração de mão,
por exemplo, pode constituir um morfema. A seguir ilustramos alguns
sinais que podem ser considerados morfemas.

FAEL
Capítulo 2

Dois meses Três meses

Quatro meses Um dia

65

Dois dias Três dias

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Uma semana Duas semanas

Três semanas

66

Vemos que, nesses sinais, as configurações de mão carregam o


significado do numeral. Nesse caso, elas constituem um morfema pre-
so, ou seja, não podem ocorrer isoladamente, mas somente com os
morfemas que indicam os meses, os dias e as semanas (QUADROS;
KARNOPP, 2004).

Em alguns sinais, no entanto, os parâmetros – isoladamente – não


constituem morfemas, mas, quando articulados juntos, resultam em
uma unidade com significado. Os sinais reproduzidos na sequência são
exemplos de que a articulação conjunta de cada um dos parâmetros é
que forma o significado.

FAEL
Capítulo 2

Ontem Hoje

Amanhã Passado

67

Futuro Ano

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Percebemos que a configuração de mão, o movimento, a loca-


ção e a orientação constituem um único morfema, nesse caso, um
morfema livre. Ainda, de acordo com Brito (1995), há na Libras
morfemas lexicais (o sinal de sentar, por exemplo) e morfemas gra-
maticais (movimento).
Dadas as primeiras definições, passemos às considerações dos pro-
cessos de formação e classificação de palavra (BRITO, 1995; FELIPE,
1998; LEITE, 2008; QUADROS; KARNOPP, 2004). Um dos pro-
cessos de formação de palavras acontece por meio da incorporação de
numeral e de negação. No caso da incorporação de numeral, a con-
figuração de mão que representa o numeral se combina com outro
morfema preso para formar um sinal, em que apenas a configuração
de mão se modifica. Como já discutimos acerca desse ponto quando
exploramos a constituição de sinais que representam morfemas, passe-
mos à discussão da incorporação da negação.
Nesse processo, um dos parâmetros do sinal é alterado, em espe-
cial o parâmetro do movimento. Em alguns casos, altera-se somente a
68
expressão facial do sinalizador. A seguir, podemos ver o contraste entre
os sinais dos verbos e a formação de palavras de negação, via alteração
de movimento e via alteração da expressão facial.

Ter Não ter

Parâmetro movimento alterado

FAEL
Capítulo 2

Saber Não saber

Parâmetro movimento alterado


Gostar Não gostar

69

Parâmetro movimento alterado


Querer Não querer

Parâmetro movimento alterado

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Poder Não poder

Parâmetro configuração de mão


alterado
Conhecer Não conhecer

70

Parâmetro expressão facial alterado


Entender Não entender

Parâmetro expressão facial alterado

FAEL
Capítulo 2

Precisar Não precisar

Parâmetro expressão facial alterado

Aceitar Não aceitar

71

Parâmetro expressão facial alterado

Além desses processos morfológicos que caracterizam a formação


de palavras, a negação também pode ser formada pela adjunção do sinal
não ao respectivo sinal, conforme os exemplos a seguir:
Não responder

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Não sofrer Não terminar

Não resolver

72

Há, ainda, outro processo morfológico que acontece pela com-


binação de dois morfemas lexicais, resultando em uma composição.
Vejamos nos exemplos a seguir que um sinal pode ser formado por dois
sinais independentes que se unem para formar uma palavra composta.

Casa + cruz = igreja Casa + estudar = escola

FAEL
Capítulo 2

Casa + pão = padaria


Casa + carne = açougue

Boi + leite = vaca Cavalo + listras = zebra

1
1

73

2 2

Mulher + cruz = enfermeira Mulher + benção = mãe

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Homem + benção = pai Espaço redondo + lavar corpo =


banheira

2 2

O mesmo processo morfológico ocorre em relação à formação de


palavras que denotem gêneros, por meio da combinação de dois morfe-
mas lexicais, um que se refere ao elemento morfológico neutro e outro
que se refere à marcação de gênero. Isso significa que, na Libras, o gê-
nero é dado pelo processo de composição morfológica.

Homem + cunhado(a) = cunhado Mulher + cunhado(a) = cunhada


74

1
2
2

Homem + sogro(a) = sogro Mulher + sogro(a) = sogra

2
1

FAEL
Capítulo 2

Homem + primo(a) = primo Mulher + primo(a) = prima

2
2

Homem + tio(a) = tio

75

Mulher + tio(a) = tia

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Homem + irmão(ã) = irmão

Mulher + irmão(ã) = irmã

76

Homem + sobrinho(a) = sobrinho Mulher + sobrinho(a) = sobrinha

FAEL
Capítulo 2

Não obstante, a formação de palavras que denotam categorias tam-


bém passa pelo processo de composição, conforme exemplos a seguir.

Maçã + vários = frutas Alface + vários = verduras

1
1

2
2

Arroz + vários = cereais Leão + vários = animais

77

Batata + vários = legumes

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Com relação à classificação das palavras, o que sabemos é que um


nome pode derivar de um verbo por meio da repetição e do encurta-
mento do movimento do verbo, como é o caso destes sinais:

Telefone Telefonar

O sinal de telefone é produzido com a configuração de mão em y


(mão fechada, dedos mínimo e polegar abertos), na locação perto da
78 orelha e com movimentos curtos, leves e repetitivos na direção do espa-
ço a frente do corpo do sinalizador. O sinal de telefonar tem a mesma
configuração de mão e a mesma locação, mas o movimento é mais alon-
gado, firme e único. Se o movimento for alongado, firme e feito mais de
uma vez, pode dar a ideia de telefonar várias vezes. Da mesma forma se
configuram estes outros sinais, que diferem sua classificação nominal ou
verbal pela alteração do parâmetro movimento:

Cadeira Sentar

FAEL
Capítulo 2

Comida Comer

Pente Pentear

79

Foto Fotografar

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Casa Morar

Bebida Beber

80

Ainda com relação aos verbos da Libras, destacamos neste mo-


mento três tipos deles: os verbos simples, os verbos manuais e os
classificadores. Esses verbos não são produzidos por processo de fle-
xão, os que se enquadram nessa categoria serão abordados na próxi-
ma seção.
A seguir, ilustramos alguns verbos simples da Libras. Consti-
tuir-se como um verbo simples significa que, independentemente
da construção da frase, os parâmetros fonológicos que compõem o
sinal serão mantidos, processo distinto do que ocorre com os verbos
vistos na seção sobre flexão.

FAEL
Capítulo 2

Quebrar Rir

Sentir Sujar

81

Trabalhar Viver

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Sonhar Gritar

ou

Trair Tentar

82

Ouvir Opinar

FAEL
Capítulo 2

Roubar Salvar/apoiar

Morrer Preocupar

83

A maioria desses verbos é produzida nas partes do corpo do sina-


lizador, pois essas partes são o lugar de localização do sinal. Ainda que
seja para se referir a outra pessoa do discurso, o verbo será produzido
do mesmo modo, na mesma localização, com a mesma configuração de
mão e com a mesma orientação.

Com relação aos verbos manuais, apontamos que são aqueles que
se configuram pela incorporação do objeto a que se referem. Eles
podem ser considerados icônicos pela representação da realidade. Al-
guns exemplos:

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Abrir (o pote) Cozinhar

Mendigar Limpar (janela)

84

Costurar Escrever

FAEL
Capítulo 2

Cortar (com tesoura) Dormir Lavar (a roupa)

Os classificadores são aqueles verbos que têm sua configuração


de mão inicial (sinal raiz) alterada por influência da semântica, do
léxico ou da sintaxe. Assim, apresentamos a seguir o sinal raiz de
alguns verbos e o sinal classificador, com o parâmetro configuração
de mão alterado. 85

Verbo cair Classificador do verbo cair (papéis)


Originalmente, esse sinal remete à Se for preciso referir-se à mesma
ideia da ação que ocorre com uma ação de cair, porém não com a ideia
pessoa. Isso é perceptível pela con- de que o sujeito seja uma pessoa,
figuração em v, que representa “as mas alguns papéis, haverá alteração
pernas” de alguém e o movimento da configuração de mão e preserva-
de ir ao chão. ção do movimento. Então, o sinal foi
classificado em sua semântica.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Verbo andar Classificador do verbo andar (de carro)


Originalmente, este sinal remete Se for necessário referir-se à mesma
à ideia da ação realizada por uma ação de andar, no entanto, não com
pessoa. Isso é perceptível pela con- a ideia de que o sujeito seja uma
figuração em v que representa “as pessoa, mas um carro, haverá alte-
pernas” de alguém e o movimento ração da configuração de mão e pre-
de ir à frente.
servação da direção. Então, o sinal
foi classificado em sua semântica.

Classificador do verbo andar (de


uma cobra)
Se é preciso referir-se à mesma ação
de andar, mas não com a ideia de
que o sujeito seja uma pessoa, e
sim uma cobra, haverá alteração da
configuração de mão, do movimento
e da localização. Então, o sinal foi
classificado em sua semântica.
Classificador do verbo andar (de um
86 gato)
Se for preciso referir-se à mesma ação
de andar, porém, não com a ideia de
que o sujeito seja uma pessoa, mas
um gato, haverá alteração da confi-
guração de mão, do movimento e da
localização. Então, o sinal foi classi-
ficado em sua semântica.
Classificador do verbo andar (de
uma galinha)
Se for necessário referir-se à mesma
ação de andar, mas não com a ideia
de que o sujeito seja uma pessoa, e
sim uma galinha, haverá alteração da
configuração de mão, do movimento
e da localização. Então, o sinal foi
classificado em sua semântica.

Apresentadas as questões preliminares dos processos morfológicos


da Libras, conheceremos os processos morfológicos mais complexos,
especialmente aqueles formados por flexão.

FAEL
Capítulo 2

Flexão
Segundo Câmara Jr. (1985), o termo “flexão” tem sua origem na
língua alemã, e os primórdios de sua utilização aconteceram na in-
dicação do desdobramento de uma palavra em outros empregos. No
português, o autor assinala que a flexão se apresenta sob o aspecto de
desinências ou sufixos flexionais. Para ele, a flexão é a formação de uma
palavra por meio de um morfema, constituindo uma ideia acessória em
que o significado base não é alterado.
Isso demonstra que a flexão é definida como um processo pelo
qual uma palavra é adaptada a um contexto, com o acréscimo de uma
desinência correspondente à função que exerça na frase, de acordo com
a natureza desta, em uma relação fechada, indicando uma modalidade
específica. Câmara Jr. (1985) associa, também, ao conceito de flexão,
a obrigatoriedade e a sistematização coerente, que são impostas pela
própria natureza da frase. É no escopo da morfologia flexional que se
destacam os processos de flexão nominal e verbal. Sendo assim, vamos
conhecer cada um deles. 87
O primeiro processo, de flexão nominal, pode ser explicitado por
meio dos pronomes. Na Libras, há pronomes pessoais, demonstrativos,
possessivos, interrogativos e indefinidos, conforme ilustrados a seguir.
●● Pronomes pessoais podem representar primeira, segunda e terceira
pessoa e podem aparecer no singular ou no plural:

SINGULAR PLURAL
1ª pessoa – eu Nós dois Nós três Nós quatro Nós grupo

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

SINGULAR PLURAL

2ª pessoa – você Vocês dois Vocês três Vocês quatro Vocês grupo

3ª pessoa – ele(a) Eles(as) dois/duas Eles(as) três Eles(as) quatro Eles(as) grupo

88

●● Os pronomes demonstrativos são iguais aos advérbios de lugar.


Sua realização sempre vem acompanhada da direção dos olhos,
que se voltam para o local referenciado.

Este(a) aqui Esse(a) aí Aquele(a) lá

FAEL
Capítulo 2

●● Pronomes possessivos:
Meu (minha) Teu (tua) Seu (sua)

●● Pronomes interrogativos: em alguns aspectos, incorporam alguns


advérbios de tempo. A realização desses pronomes sempre vem
acompanhada de expressão facial.

Que?/Quem? Porque ou por quê?

89

Onde? Quando?

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Como? Qual? Quantos(as)?

●● Pronomes indefinidos:

Ninguém Nada = sem

90

Nenhum Nada

FAEL
Capítulo 2

Já a flexão para grau é a modificação paramétrica capaz de apresen-


tar distinções para “tamanhos”. A seguir, alguns exemplos para flexão
nominal de grau, nos quais constam alterações das expressões faciais.

Casa Casinha

Bonito(a) Bonitinho(a)

91

Legal Legalzinho(a)

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Alto(a) Altão (altona)

Calor Calorão

92

Inteligente Inteligentão (inteligentona)

FAEL
Capítulo 2

Quanto à flexão verbal, temos a possibilidade de flexão para pes-


soa, número, locativo e aspecto. A seguir, apresentamos alguns exem-
plos de verbos que concordam com a pessoa do discurso. Os verbos
que se flexionam em pessoa são chamados de verbos com concordância.
Como primeiro exemplo, temos o verbo falar.

Falar

93
O verbo falar é produzido com a configuração de mão em y. A
localização inicia-se com o polegar próximo à boca do sinalizador e
movimenta-se na direção de quem receberá a fala. Isso que dizer que,
se a pessoa que será o receptor estiver à direita do emissor, a direção
do movimento será à direita. Se o receptor da fala estiver à esquerda,
o ponto inicial do movimento permanecerá sendo na boca, mas a
trajetória do movimento será à esquerda, e assim sucessivamente,
para todas as diversas localizações possíveis para o receptor. Assim, a
concordância na Libras está na sentença: eu falo para você, ou seja,
a primeira pessoa do discurso – eu – falo (verbo com concordância)
para a segunda pessoa do discurso – você. Ocorre que, em alguns
casos, a trajetória do movimento é oposta: inicia-se no objeto indo
em direção ao sujeito. Esses verbos são chamados de verbos reversos
(backward verbs). É o caso do sinal falar, anteriormente ilustrado,
ser concordado para ele(a) me falou. Nesse caso, haverá inversão do
ponto inicial do sinal que, em vez de ser na boca, será na localização
que está referenciada para o objeto (segunda pessoa do discurso).
Vamos ver a seguir a concordância do verbo falar:

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

1s
Falar2s 5

2s
Falar1s

94

2s
Falar3s

Explicando a concordância para os sinais apresentados anterior-


mente, entendemos que há um processo morfologicamente complexo

5 Mais detalhes sobre as transcrições adotadas no texto serão vistos no capítulo 3.


Adiantamos, entretanto, que as pessoas do discurso são transcritas como: 1s = 1 pessoa,
e assim sucessivamente.

FAEL
Capítulo 2

envolvido nessa realização, pois, segundo Meir (2002), é possível visua-


lizar três componentes:
●● a raiz do verbo falar.
●● um morfema direcional – o movimento da trajetória, denomina-
do DIR (directional), que marca o argumento semanticamente.
●● um afixo verbal – a orientação da mão.
O mesmo processo pode ocorrer com os seguintes verbos:
Perguntar Ver Mandar

Dar Responder Visitar 95

Mostrar Mudar Obedecer

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Mexer Paquerar Pedir

Influenciar Matar Pagar

96

Em relação à flexão para número, apontamos que pode ocorrer


com os mesmos verbos colocados anteriormente (verbos com concor-
dância) e há, nesse caso, possibilidade de indicação do singular, do
dual, do trial e do múltiplo. Assim, o sinalizador pode referir-se a, por
exemplo, perguntar para duas pessoas, dar para três pessoas, mostrar
para quatro pessoas ou ver todas as pessoas. Além disso, na Libras
existe a possibilidade de várias formas de substantivos e verbos apresen-
tarem a flexão de número, uma delas é a diferenciação entre singular e
plural, realizada por meio da repetição do sinal. Vejamos outros verbos
de concordância, dando a indicação de flexão para número e depois a
marcação diferenciada pelas palavras no singular e no plural.
A flexão de número refere-se à distinção feita para um, dois, três
ou mais referentes. A seguir, apresentamos alguns exemplos do sinal
entregar com concordância para número e outros.

FAEL
Capítulo 2

Concordância do verbo entregar:

1s
Entregar 2s

1s
Entregar 2s + 3s

97

1s
Entregar2s + 3s + 4s

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

1s
Entregar vários

98

1s
Entregar grupo6

6 Uma variação possível desse sinal é a realização do movimento com ambas as mãos, de-
notando a ideia de entregar para muitas pessoas ou entregar para um grupo grande.

FAEL
Capítulo 2

Agradecer a uma pessoa

Abandonar duas pessoas

99

Encontrar três pessoas

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Aconselhar quatro pessoas

Beijar todas as pessoas

100

A diferença da marcação do singular e do plural é que, para o


plural, faz-se a repetição da forma no singular, como no caso da marca-
ção de anos, por exemplo, em que sinalizamos ano + ano + ano. Para
árvores, usamos o sinal de árvore repetidamente, procedendo assim
com todos os outros nomes que recebem flexão de número, exceto em
casos em que houver sinal específico para marcação do plural, como em
pessoas no sentido de multidão.
Quanto à flexão de locação, temos a incorporação de locativo
na sua realização, em que é possível perceber o trajeto percorrido
desde o seu início até o local de chegada, como é o caso do verbo ir,
flexionado para a locação que está à frente do corpo do sinalizador,
conforme vemos a seguir. Os verbos que recebem essa flexão são cha-
mados de verbos espaciais.

FAEL
Capítulo 2

Ir

Outros exemplos desses verbos:

Verbo andar Ir de carro Ir de avião

101

A flexão para aspecto é marcada de duas maneiras: lexical e grama-


ticalmente. Tais marcações dão origem ao aspecto lexical e ao aspecto
gramatical, respectivamente. O aspecto lexical é aquele em que, apenas
o verbo, manifesta a duração da ação.

Sua expressividade se manifesta, por exemplo, na oposição se-


mântica verificada entre os verbos procurar e encontrar, reprodu-
zidos na sequência, pois a flexão codifica como a situação por eles
referida se estrutura.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Procurar Encontrar

Procurar é um verbo que codifica a situação como durativa, já en-


contrar codifica a situação como pontual, ou seja, como não durativa.
Por outro lado, aspecto gramatical é aquele que pode ser codificado em
perfectivo ou imperfectivo. O perfectivo é produzido com movimentos
retos e abruptos e se relaciona a eventos passados, ao passo que o im-
102 perfectivo é produzido com movimentos lentos e contínuos, e se refere
a eventos presentes. Para ilustrar o que dissemos até aqui, tomemos o
exemplo do verbo cuidar em seu padrão de movimento:

Cuidar

O sinal raiz do verbo cuidar é produzido com a mão passiva fecha-


da (configuração de mão em s), colocada à frente do corpo, sendo que
o braço fica na horizontal do tronco. A mão ativa configura-se em v e

FAEL
Capítulo 2

leva o pulso a tocar no peito da mão passiva. O movimento que gera o


contato de ambos os pulsos é curto e firme. É claro que, pelo próprio
léxico, esse verbo transmite o significado aspectual durativo, indicando
uma situação que se desenvolve ao longo do tempo. Todavia, podemos
reforçar essa indicação lexical por meio do aspecto gramatical imper-
fectivo, ou seja, podemos indicar uma situação que perdura de forma
ininterrupta, por meio do movimento representado a seguir.

Cuidar imperfectivo

103
Nesse caso, mantém-se a configuração de mão e a localização do
sinal raiz e altera-se o movimento para alongado, lento e contínuo. Isso
quer dizer que haverá o contato do pulso da mão ativa com o pulso da
mão passiva mais de uma vez e que o afastamento da mão passiva será
mais alongado em relação ao afastamento que há na produção do sinal
raiz, a retomada do contato será feita de modo mais lento.
Já com relação ao verbo passear, temos a seguinte observação:

Passear perfectivo

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Pudemos observar as mãos configuradas em b, passando alterna-


damente sobre os ombros, com movimentos retos e curtos.

Passear imperfectivo

Observamos que, para realizar o sinal com marca do imperfectivo,


104 foi utilizada a mesma configuração de mão do sinal neutro, mas o mo-
vimento foi mais alongado e contínuo.

O mesmo ocorre com o verbo esperar:

Esperar

Mãos configuradas como esperar na direção de cima para baixo,


com movimentos retos, curtos e abruptos no espaço neutro.

FAEL
Capítulo 2

Esperar imperfectivo

Mesma configuração de mão do sinal neutro, mas com movimen-


to lento, alongado e contínuo no espaço neutro.

Aspectos sintáticos da Libras


105
Neste tópico, vamos discutir um pouco sobre a sintaxe da Libras.
Sintaxe é a organização de um enunciado em torno de um verbo. Para
construir um enunciado na Libras não é preciso adicionar conjunções
e preposições (de, te, para, com, em, na) como fazemos no português,
pois as ideias são formuladas no espaço e a construção da coerência e da
coesão acontece de modo bem diferente. Assim como não é necessário
seguirmos a mesma ideia do português, até porque existem palavras do
português que não são traduzíveis para Libras, como também existem
sinais da Libras que não são traduzíveis para o português. Porém, todos
os conceitos que são transmitidos em uma língua podem ser transmi-
tidos em outra, é preciso apenas buscar termos equivalentes. Veremos
o passo a passo da construção sintática da Libras, em se tratando dos
tipos de frases, da ordem dos constituintes, da organização dos campos
de referência e da flexibilidade das categorias gramaticais.

Tipos de frases na Libras


Na Libras é possível construir sete tipos de frases, a saber: sentenças
negativas, afirmativas, interrogativas, condicionais, relativas, sentenças

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

com foco, sentenças com tópico. Elas são constituídas de um tipo dado,
especialmente pela expressão facial. Vejamos cada uma delas:
●● Sentenças negativas – são aquelas que apresentam uma ideia sendo
negada. Elas podem ser formadas pelos sinais que incorporam a ne-
gação – anteriormente apresentados –, pela expressão facial negativa
junto ao verbo ou pelos sinais a seguir, acrescidos ao final da frase.

Não Nada Nunca

106

Em Libras, diversas ações podem ser negadas de mais de uma ma-


neira. Vamos ver o caso de comer:
Eu comer não.
Eu comer nada.
Eu comer nunca.
Eu comer (expressão de negação).

●● Sentenças interrogativas – são aquelas formuladas com a inten-


ção de obter alguma informação desconhecida. A formulação do
questionamento se dá com os pronomes interrogativos – anterior-
mente dados – inseridos no início ou no fim da frase, como nos
exemplos a seguir:

O que você comer hoje? Você comer hoje o quê?


Como você trabalha? Você trabalha como?

FAEL
Capítulo 2

Onde você mora? Você mora onde?


Quem sabe? Sabe quem?
Por que isso aconteceu? Aconteceu por quê?
Para que você fez isso? Você fez para quê?
Quando você vai casar? Você vai casar quando?

Além das perguntas chamadas qu, há também as sentenças inter-


rogativas nas quais a intenção não é obter uma resposta completa,
mas simplesmente sim ou não, como:
Você quer leite?
Você gosta dele?
Você conhece a China?
●● Sentenças afirmativas – são aquelas que afirmam determinada
ação: Eu vou à festa à noite.
107
●● Sentenças condicionais – são aquelas que estabelecem uma re-
lação de condição e consequência para a realização de algo. Por
exemplo: Se você me contar, faço segredo.
●● Sentenças relativas – são aquelas que inserem uma informação
adicional que seja relativa à informação principal que está sendo
transmitida pela sentença. Em Libras, isso ocorre com a expressão
facial mantida na oração principal e modificada na relativa. Por
exemplo: Aquele homem, que fala muito, está de férias.
●● Sentenças topicalizadas – são aquelas que empregam o tópico. O
tópico anuncia o assunto a ser desenvolvido ao longo da sentença.
Por exemplo: Carro, eu gosto de Uno.
●● Sentenças focalizadas – são aquelas que usam o foco. O foco serve
para destacar ou contrastar alguma informação da sentença. Como
em: Ana chorou, não Paula chorou.
Explicitados os principais tipos de frases na Libras, vamos apro-
fundar como os elementos se organizam na oração.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Ordem dos constituintes


Em todas as línguas humanas há, pelo menos, três elementos sintá-
ticos principais, que podem se ordenar na frase de diferentes maneiras.
Esses elementos são: sujeito – é o termo que expressa o agente da ação
(que pratica ou sofre); verbo – é o termo que expressa a ação; objeto – é
o termo que qualifica ou detalha o verbo.
Quadros e Karnopp (2004) apontam que a ordem dos elementos
na sentença da Libras é, geralmente, SVO (sujeito – verbo – objeto). Elas
dizem que, além dessa ordem, são possíveis também as seguintes: OSV,
SOV e VOS, sendo estas derivadas da ordem canônica e construídas a
partir de operações sintáticas, tais como topicalização ou focalização,
conforme pesquisa de Pizzio (2006). A seguir, exemplificamos algumas
sentenças com a ordem básica da Libras:
SVO
Eu gostar laranja.
Você ter dinheiro.
108
Ele(a) saber Libras.
Essa é a ordem chamada canônica, básica, e dela derivam as outras
ordens – apontadas anteriormente –, exemplificadas a seguir:

OSV SOV VOS


Laranja ele amar. Você laranja gostar? Gostar laranja ele?
Bolo eu fazer. Eu presente comprar. Passear praia você.
TV você ver. Ele mãe visitar. Comprar casa eu.

Devemos ressaltar, ainda, que alguns elementos apontados na frase


podem ser apagados, pois na Libras, assim como em outras línguas, é
possível que ocorra o apagamento, não apenas do sujeito, mas também
do objeto. Na frase “gostar laranja”, o interlocutor identifica que há o
sujeito eu oculto.

Organização espacial
Ao estudar os pronomes, verificamos que eles são utilizados para
marcar as referências pessoais nos verbos com concordância. Em relação

FAEL
Capítulo 2

à sintaxe, precisamos lembrar que a Libras estabelece a maior parte da sua


organização sintática no espaço7, obviamente por ser essa sua natureza
linguística. Dessa forma, é preciso que o sinalizador defina pontos espe-
cíficos no espaço a cada referente abordado no discurso.
Isso pode ser feito, conforme Quadros e Karnopp (2004), de várias
maneiras, inclusive por apontação. A apontação ocorre em dois casos:
quando o referente não está presente no momento da enunciação; ou
quando ele está fisicamente no mesmo ambiente de quem fala. No pri-
meiro caso, o sinalizador vai estabelecer aleatoriamente um ponto no
espaço de sinalização para se referir ao sujeito e/ou objeto e fazer as
apontações devidas, ou seja, sempre que precisar retomar o referente.
Estando o sujeito e/ou objeto visíveis, basta que a apontação seja feita
diretamente ao referente presente. Algumas vezes, por questão de eti-
queta ou, ainda, se o sinalizador não quiser que o referente saiba que
está fazendo menção a ele, é possível usar o dedo indicador na direção
do referido, porém, com a outra mão aberta e com a palma sobre o
dedo que aponta. Assim, será uma fala às escondidas.
Conforme Quadros (1997), todo enunciado em Libras é realizado 109
no espaço de enunciação: um semicírculo virtual, cujo perímetro é usa-
do para a realização de referência a pessoas do discurso, com referentes
presentes ou não. O corpo do sinalizador deve se situar no centro do
raio do semicírculo e, nesse espaço, nas diferentes situações discursivas,
podem ocorrer mudanças quanto à direção e à localização de seu corpo.
Por exemplo, a sinalização em direção a um lócus predeterminado ou
a movimentação ocular para esse mesmo local significa uma marca de
referência a uma pessoa e/ou objeto.
É nesse espaço, então, que se desencadeiam todas as relações entre
os sujeitos, seus diálogos e suas ações. A enunciação se desenvolve com
a mudança de posição de referência. As vozes dos sujeitos, suas enun-
ciações, são marcadas segundo o lugar que cada um ocupa no espaço de
sinalização, estando o narrador no centro do raio do semicírculo e os
demais participantes da interação nas periferias, quer dizer, à esquerda
e/ou à direita do narrador.

7 As exceções dessa construção sintática no espaço são o tópico e o foco, por exemplo, que
são construídos pela expressão facial. Sobre isso, ver Pizzio (2006).

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Assim, o sinalizador estará sempre no centro do espaço e poderá


produzir os sinais na direção do referente ou, ainda, levar os olhos na-
quela direção para marcar o espaço. Porém, de acordo com Massone
(1993), o lócus referencial das pessoas do discurso não é fixo, ele se
alterna continuamente dentro do espaço sinalizador, dependendo do
contexto em que se encontra. Então, se por ora o sujeito referenciado
aparecer à esquerda do narrador – centro do semicírculo – e por ora
aparecer à direita, não haverá comprometimento da clareza de informa-
ção, até porque as alterações do lócus não ocorrem aleatoriamente, mas,
sim, de acordo com a organização interna do discurso.
Tomemos como exemplo para análise da construção sintática um
texto que trata do fato de que o prefeito Paulo Maluf e o senador Amin
foram visitar a cidade de Joinville. Na ocasião, estavam em comitiva,
em cima de uma caminhonete, e guiaram durante uma hora uma gran-
de carreata pelas ruas. O dia estava muito quente e, por isso, os polí-
ticos suavam bastante, enquanto acenavam para todos. No comício,
as lideranças locais falaram primeiro, seguidos de Maluf e de Amim.
Maluf foi sucinto em seu discurso e quando Amim – o careca – tomou
110 a palavra, disse que discursaria tão rápido quanto havia feito seu ami-
go. Porém, sua fala perdurou muito tempo, o que fez com que Maluf
comentasse com os políticos que estavam à sua volta: “– Imagine se ele
não fosse careca!”.
Considerando que esse texto se caracteriza como uma narrativa,
ao começar a sinalizar, a pessoa assume o papel de narrador e a produ-
ção dos seus sinais será no espaço neutro, bem ao meio do círculo de
sinalização. Quando esse narrador deixa de contar os episódios gerais e
passa a dar voz a algum personagem em específico, o sinalizador aponta
para um lugar a sua direita ou esquerda para marcação do espaço a ser
ocupado pelo referido sujeito. Esse espaço será fixo enquanto houver
ação ou fala dessa mesma pessoa.
Outra forma de o sinalizador construir a voz do personagem é por
meio do processo chamado anafórico. Esse processo é a incorporação
do personagem e a elaboração do discurso direto. Nesse sentido, se
houver um diálogo entre dois personagens, o sinalizador toma primei-
ramente o lado direito, por exemplo, sinaliza a fala dessa pessoa na di-
reção de onde está a outra, ou seja, com seu corpo voltado à esquerda.
Então, quando for a vez do personagem que está à esquerda falar, o

FAEL
Capítulo 2

sinalizador se coloca à esquerda, mas com uma inclinação de tronco à


direta – como se estivesse olhando para quem fala – e sinaliza.
Além de organizar o espaço de sinalização para marcar o lugar de
quem fala, o sinalizador precisa destinar um lugar específico para outras
referências, por exemplo, a carreata e a comitiva. É interessante observar
que, na Libras, os verbos direcionais – como é o caso de andar – ins-
tauram uma necessidade eminente de movimento, marcando a direção
de origem e destino da ação expressa pelo verbo direcional. No caso em
análise, a comitiva vai andar de um ponto definido pelo sinalizador até
o outro no espaço, entretanto esse espaço não pode invadir o espaço
anteriormente definido para os personagens já apresentados.
No entanto, quando há necessidade de alocação de outros sujeitos
no mesmo espaço que está sendo ocupado por objetos, há facilmente
uma desconstrução desse primeiro espaço. Nesse caso, o espaço da co-
mitiva se desfaz e dá lugar à presença de um grupo de políticos e asses-
sores. É interessante notar que há prevalência do sujeito em relação ao
objeto nas enunciações, ou seja, quando é preciso lançar mão de mais
de uma construção espacial, se faz priorizando as pessoas do discurso e 111
não as coisas e objetos nele envolvidos.
Durante a tomada de voz de cada um dos personagens discur-
sivos, há a necessidade de se fazer uma organização sequencial. Para
tanto, pontua-se – com os números não quantitativos – a ordem de
fala. Nesse momento, há a construção das enunciações de cada um,
utilizando-se da direção do olhar como um recurso identificador do
sujeito. Assim, enquanto Amin fala ao público, a sinalização é proje-
tada para frente. Quando Amin fala ao prefeito, a sinalização é feita
na direção do espaço marcado para esse personagem e o último mo-
vimento de ombros, bem como a direção do olhar é para um terceiro
espaço – do grupo de políticos.
Dessa feita, destacamos que, na Libras, há a possibilidade de fazer
a diferenciação das vozes ao longo do discurso mediante movimento
de ombros e incorporação do personagem, pelo contato ideário com o
interlocutor colocado no espaço referenciado a ele e, ainda, por meio de
uma marcação sinalizada, expressa pelas duas mãos passando da direita
para esquerda, como se estivesse limpando a fala dita até então e dando
lugar a uma nova enunciação.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Agora que já conhecemos os tipos de frases, a ordem dos consti-


tuintes e a forma de organização dos elementos no espaço, passemos à
exemplificação. Para tanto, relacionamos a seguir alguns adjetivos da
Libras, para depois os colocarmos em frases comparativas.
Barulhento Bobo Bondoso

Confuso Chorão Bruto

112

Corajoso Infantil Engraçado

FAEL
Capítulo 2

Fofoqueiro Famoso Egoísta

Pensando em uma construção frasal temos: João é mais bobo do


que Maria. Em Libras, temos de destinar um espaço de sinalização, por
exemplo, à esquerda, para escrevermos com o alfabeto manual “João”.
Imediatamente, destinamos outro espaço de sinalização, oposto ao pri-
meiro, para escrevermos o nome Maria. Em um segundo momento, há
um apontamento para o espaço em que foi colocado o primeiro persona-
gem, com a intenção de dizer ele. Então, fazemos o sinal de mais8 bobo e,
113
na sequência, colocamos o marcador do que (conforme a figura a seguir)
na direção do espaço do João para o espaço da Maria. Contrariamente,
se o marcador comparativo for sinalizado da direção do espaço da Maria
para o espaço em que se encontra João, haverá inversão da informação.
A mesma forma de construção frasal ocorrerá na utilização de qualquer
adjetivo ou para suscitar qualquer tipo de comparação.

Do que

8 Há muitos sinais que podem significar mais. Na seção destinada à semântica, explica-
remos cada um deles.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Flexibilidade da Libras
A Libras é uma língua flexível, e isso pode ser demonstrado pela
“junção” de categorias gramaticais em sua expressão e composição. Para
ilustrar a flexibilidade da Libras, escolhemos tratar da temporalidade,
pois tal nos permite entender essa característica. Tanto aspecto quanto
tempo são noções que se referem à temporalidade dos eventos, porém,
sob diferentes perspectivas.
A conceituação mais básica de tempo é que ele é uma categoria
gramatical dêitica, que expressa o momento em que ações verbais acon-
tecem e, por isso, pode definir a existência de três tempos linguísticos:
presente, passado e futuro. Sobre questões como essas e outras peculiari-
dades teóricas da conceituação da categoria tempo, há uma vasta litera-
tura, na qual encontramos diferentes abordagens e discussões dos auto-
res. É o caso, por exemplo, de Benveniste (1989), que diz que o tempo
linguístico é aquele que realiza o tempo do homem, instaurando-o em
um discurso, levando em consideração o momento da fala como ponto
de referência para situar os acontecimentos. Para esse autor, o tempo
114 linguístico é singular por ser organicamente ligado ao exercício da fala,
ao fato de se definir e de se organizar como função do discurso. Cada
vez que um locutor emprega a forma gramatical do presente, ele situa
o acontecimento como contemporâneo à instância do discurso que o
menciona. Nesse sentido, todo discurso instaura um agora que equivale
ao momento da enunciação, o qual transcorre no tempo presente lin-
guístico, em que existe uma concomitância entre o evento narrado e o
momento da narração; e um agora em que acontece a não concomitân-
cia, a qual se divide em anterioridade e posterioridade ao agora.
Podemos citar, também, autores mais recentes, como Fiorin, que
postulam três momentos relevantes na constituição do tempo: momen-
to da enunciação (ME), momento de referência (MR) e momento do
acontecimento (MA). Fiorin (2002) afirma que a temporalidade ins-
taurada pela língua refere-se também às relações de sucessividade entre
estados e transformações, representadas no próprio discurso. Com isso,
o autor aponta para a existência de dois sistemas temporais: o enun-
ciativo, relacionado diretamente ao momento da enunciação (ME) e
organizado em função do presente que já está implícito na enunciação;
e o enuncivo, ordenado em função de momentos de referência (MR)
instalados no enunciado.

FAEL
Capítulo 2

Há de se destacar, entretanto, que Reichenbach (1947) tem sido


o grande marco teórico e que suas postulações servem de base a outros
estudos acerca do tempo. Esse autor analisa a lógica da manifestação
temporal e realiza uma interpretação linguística da categoria tempo
com base em três conceitos: momento de fala, momento do evento,
momento de referência. Tal representação tem por objetivo organizar
as manifestações temporais das línguas naturais, para então localizar os
acontecimentos no eixo temporal.
Dessa forma, em relação ao momento da fala, o momento do
acontecimento pode se nortear de modo anterior, simultâneo e pos-
terior, dando a representação de passado, presente e futuro. Por meio
do momento de referência – em relação ao qual o momento do acon-
tecimento também se norteia em termos de anterioridade, simultanei-
dade e posterioridade – podemos obter codificações mais complexas,
uma vez que o próprio momento de referência se norteia em relação ao
momento de fala. Os três conceitos de tempo dados por Reichenbach
(1947) podem ser aplicados a quaisquer línguas, porém, sua expres-
sividade se dará por expedientes linguísticos distintos. Nesse sentido,
115
passaremos à demonstração de algumas possibilidades de expressão do
tempo na Libras.
Na Libras, assim como em outras línguas, o tempo pode ser ex-
presso por operadores temporais específicos na sentença: passado, pre-
sente, futuro. Por exemplo, para o tempo passado, conforme figura a
seguir, existe um marcador temporal específico, que é formulado com
a configuração de mão no espaço próximo ao ombro e com movimento
dos dedos para trás.
Passado

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

É interessante observar que esse sinal não segue as antigas relações


de que sinais produzidos para trás do ombro estão no passado, pois,
para denotar a ideia de posterioridade ao momento da fala, é preciso
também que o sinal seja produzido para baixo. Nesse caso, o operador
temporal específico obedece ao critério “para trás e para baixo9” para,
então, remeter ao referido tempo linguístico: passado.
O presente é definido pelo marcador temporal agora/hoje, que é sina-
lizado com ambas as mãos abertas, dedos juntos, palmas voltadas para cima
e com um movimento simultâneo de aproximar e afastar as mãos, de modo
que os dedos mínimos quase se tocam e paralelamente se distanciam.
Agora/hoje/presente

116

O futuro é sinalizado com o marcador temporal de futuro. Con-


forme vemos na figura a seguir, o sinal é produzido com a configuração
de mão em f, sendo que o seu posicionamento inicial é no espaço neu-
tro na altura do rosto e o movimento produzido é de afastar a mão em
direção diagonal à frente, de modo que fique longe do rosto:
Futuro

9 Se não for produzido dessa forma, ou seja, se o sinalizador fizer os movimentos para cima
e/ou para frente, haverá um fenômeno agramatical.

FAEL
Capítulo 2

Esses três sinais são os principais marcadores dos conhecidos tem-


pos linguísticos: passado, presente e futuro. Porém, como a língua é
um sistema dinâmico e flexível, sua temporalidade vai além dos esta-
belecimentos tradicionais de tempo e se ocupa, também, da marcação
interna aos eventos. Isso significa que, dependendo da posição em que
os sinais de passado e futuro estejam na frase, eles podem demonstrar
intervalos que ocorrem no passado. Nesse sentido, haverá denotações
de “posteriormente” ou “antes disso”, referindo-se a situações já ocorri-
das, conforme podemos ver nos exemplos a seguir.
●● “Eu ano 2000 casar futuro nascer filho 2003.”
O sinal destacado demonstra o intervalo que ocorreu no pas-
sado, sua leitura, portanto, é de posteriormente.
Tradução: “Eu me casei em 2000 e posteriormente nasceu
meu filho”.
●● “Eu ano 2000 casar passado 3-anos namorar.”
A palavra em destaque demonstra intervalo que ocorreu no
passado, sua leitura, portanto, é de antes disso.
Tradução: “Eu me casei em 2000, antes disso, namorei três anos”.
117
Sabemos que a Libras possui uma morfologia flexional que empre-
ga variação no movimento do sinal e que, com isso, é capaz de expressar
conceitos diferentes do sinal raiz. Assim, se o sinal de passado sofrer
ampliação dos movimentos dos dedos para o braço e houver um afasta-
mento do cotovelo, além do reforço na expressão facial, será denotado
passado distante. Tal variação pode acontecer em níveis distintos e ca-
racterizar uma gradação temporal, ou seja, é possível que a diminuição
do movimento somente para a ponta dos dedos, com uma aproximação
do cotovelo ao tronco do sinalizador e, também, com uma expressão
facial reduzida, gere o sinal de passado recente.
Passado recente

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Passado distante

Quando ocorrem flexões morfológicas via alteração do movimen-


to do sinal presente, temos a variação para imediatamente/já/neste
instante. Sua realização se dá com o aproximar das mãos e com movi-
mentos mais rápidos, curtos e abruptos. Se o movimento é “neutro” e
mais repetido, a leitura é de agora/hoje/presente/atualmente.
118
Imediatamente

Essa mesma flexão morfológica, por meio de alteração de movi-


mento, funciona para o sinal de futuro, conforme vemos nas imagens a
seguir. O sinal de futuro, sendo ampliado com alongamento do braço
para frente e a expressão facial com reforço no olhar ao longe, caracteri-
za-se por futuro distante. Se ocorrer a diminuição do alcance do braço
e uma expressão facial menos intensa, obtém-se o futuro próximo.

FAEL
Capítulo 2

Futuro próximo Futuro distante

Além desses três sinais principais – passado, presente e futuro –, há


outros que podem expressar a categoria tempo. São os sinais adverbiais:
ontem, antes, depois, sempre, nunca, anteontem, amanhã, semana
passada, próxima semana. Quando esses itens lexicais aparecem na
frase, normalmente, são inseridos no início da narrativa e servem para 119
“conjugar” o tempo de toda a sentença. Assim sendo, o pressuposto
da temporalidade marcada inicialmente é mantida até que apareça ou-
tro marcador temporal. Esses advérbios geralmente vêm no começo
da frase, mas também podem aparecer no final. Com fim elucidativo,
seguem as imagens de ontem e anteontem:

Ontem Anteontem

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Além de o tempo, na Libras, ser marcado por operadores tem-


porais, por flexão e por advérbios, ele também conta com expressões
quantizadas para sua realização. Em uma sentença como “Ana estudar
até quarta série”, vemos que o emprego do sinal quarta série é um
quantificador que expressa o tempo de estudo, ele serve como um limi-
tador. No entanto, a expressão da categoria tempo na Libras não conta
apenas com léxicos específicos para sua realização, pois muitas vezes é
preciso recorrer a aspectos pragmáticos para a interpretação temporal.
Finau (2004) apresenta a teoria da análise pressuposicional para justi-
ficar a leitura temporal de sentenças que não contenham operadores
temporais específicos, advérbios ou quantificadores.
Tal teoria postula que, mesmo não havendo marcas temporais ex-
plícitas (operadores ou flexões) no discurso do falante, é possível perce-
ber o tempo, principalmente pelo conhecimento compartilhado entre
os interlocutores. A leitura de tempo durante o ato conversacional ou
discursivo pode ser estabelecida por pressupostos da pragmática genera-
lizada, o common ground (conhecimento compartilhado pelos falantes).
120 Isso implica conhecimentos de mundo que os interlocutores compar-
tilham e que possibilitam uma flexão semântica para os verbos e as
devidas distinções temporais, conforme observado no exemplo: “Na-
morar, conversar, futuro casar”. Tradução: “Namoraram, conversaram
e no futuro casaram”.
A análise subsequente, do exemplo colocado por Finau (2004), é
de que a referência temporal é dada de modo implícito, provavelmente,
pela sequência discursiva para a narrativa. Nas palavras da autora:
O locutor pode se valer da suposição de que seu interlocutor
tenha como familiar, em um dos seus mundos possíveis, que
é preciso namorar, conversar, para depois se casar. Esse co-
nhecimento compartilhado hipotético auxilia a interpretação
temporal dos eventos (FINAU, 2004, p. 140).

Quer dizer, o falante escolhe significados restritos à sua língua que


podem ser presumíveis pela inferência do outro e, assim, acontece a res-
trição temporal. Finau (2004) coloca que há, nessa teoria, três princípios
norteadores de escolhas de seleção linguísticas que o falante opera. Esses
princípios, chamados também de heurísticas, compõem uma organiza-
ção interpretativa dos enunciados. Para Levinson (apud FINAU, 2004),

FAEL
Capítulo 2

as determinações temporais dadas a partir de implicaturas conversacio-


nais generalizadas são:

●● O que não é dito não é.


Essa heurística propõe um contraste na restrição da seleção
do que é dito e do que não é dito. Então, se há ausência de
determinado fator temporal, esse elemento ausente não po-
derá ser o escolhido para a interpretação da estrutura frasal.
Se não foi dito, não deve estar presente na interpretação tem-
poral. Assim, Finau (2004) aplica essa heurística para Libras
e diz que, se a sentença não apresentar o sinal futuro, ela não
pode ser interpretada estando no futuro.

●● Aquilo que é simplesmente descrito é um exemplo este-


reotipado.
Esse é o princípio que trata das ampliações interpretativas fei-
tas pelo interlocutor, ou seja, se recebe uma descrição míni-
ma, ele traz à tona, na conversação, todo seu conhecimento de 121
mundo e tem, dessa forma, uma interpretação maximizada.
Em Finau (2004), vemos que, de acordo com os estereótipos
dados, no caso da Libras podem ser os sinais futuro, passado,
hoje/agora.

●● Aquilo que é dito de uma maneira anormal não é normal.


Essa é a heurística que viabiliza a interpretação aspectualizada
para marcadores que sofrem alteração morfológica. Isso quer
dizer que, se um sinal foi flexionado por meio de alteração
no parâmetro movimento, ele revela “algo a mais” do que sua
lexicalidade permite expressar. É o caso do sinal passado, que,
quando flexionado, tem um significado a mais no enunciado,
pois não foi dito de uma forma normal.

São as heurísticas de Levinson (apud FINAU, 2004) que, apli-


cadas ao estudo da temporalidade na Libras, permitem multiplicar o
conteúdo informacional de qualquer sentença, considerando a concor-
dância implícita entre os interlocutores. Para Finau (2004), esses três
princípios norteiam o status da interpretação do tempo das sentenças.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Aspectos semânticos da Libras


Todos os itens lexicais de uma língua possuem um sentido se-
mântico. No português, por exemplo, temos diferentes palavras que
são capazes de representar, basicamente, a mesma ideia. É o caso, por
exemplo, das palavras casa, moradia, lar, abrigo, residência, sobrado,
apartamento e cabana. Apesar de terem suas especificidades, todas elas
representam a ideia de lugar em que se mora. Logo, trata-se de uma
família de ideias. Por outro lado, há palavras que não têm essa possibi-
lidade dúbia de expressão, tendo seu significado restrito a determinado
contexto que, se empregado em outro, pode caracterizar uma comuni-
cação truncada. Poderíamos citar como exemplo os casos de desenten-
dimentos de detalhes, como no discurso a seguir reproduzido:
Esposa: – Amor, que horas você volta?
Marido: – Ah... daqui a pouquinho eu to aqui.
Quatro horas depois...
122 Esposa: – Ué! Você não falou que voltava logo?
Marido: – Mas eu não vim logo?
Esposa: – Não, você demorou.
Marido: – Não demorei.
Esposa: – Demorou sim. Você disse que daqui a pouquinho estava
de volta, eu pensei que fosse demorar uns vinte minutinhos...
O “problema” no discurso mostrado aconteceu devido a uma dis-
cordância quanto ao entendimento, quanto ao significado, quanto à
semântica da expressão “daqui a pouquinho”. Especialmente por estar
no diminutivo, essa expressão ganha um sentido de pouco tempo, de
brevidade no espaço temporal e, de fato, para quem está à espera de al-
guém, quatro horas é muito tempo. Podemos, assim, inferir que pouco
tempo se aproxima de uma quantidade determinada de minutos e não
chega a completar o ciclo de uma hora do relógio. É claro que, nesse
caso, estamos descartando o significado de tempo para cada um dos
envolvidos no processo, estamos apenas brincando com uma situação
que é recorrente no nosso cotidiano.

FAEL
Capítulo 2

Esse mesmo fenômeno acontece na Libras. Há sinais que, se pro-


duzidos em determinados contextos, tornam-se mais adequados do
que em outros, pois – mesmo sendo entendidos – podem gerar cer-
to “estranhamento” ao interlocutor. Essa relação entre significado e
significante (sinal) da Libras não é análoga à relação de significado e
significante (palavras) da língua portuguesa.
A palavra especial é usada no português para definir algo ou al-
guém como muito peculiar, privativo, singular, exclusivo, fora do co-
mum, excelente, notável. Já na Libras, esse sinal não é muito usual em
contextos relacionados às pessoas. Assim, em uma frase como “Você é
muito especial para mim” ou “Esta criança tem necessidades especiais”,
deve haver a sinalização de outro item lexical que equivalha a esse ter-
mo do português, como: importante, no caso da primeira sentença, e
coisas próprias, no caso da segunda.
O sinal de especial é empregado na Libras em contexto de defini-
ção bela sobre algo ou alguém, de beleza que se destaca tal qual o brilho
em meio à escuridão, que se ressalta sobre os olhos. Quando um surdo
123
usa o sinal de especial para alguém, ele não está querendo dizer que essa
pessoa é importante em sua vida, mas está querendo destacar qualidades
que se deslumbram para ele, quer dar ênfase a uma vivacidade notória.
Isso significa que especial, na Libras, tem uma conotação mais “concre-
ta” do que em português, está mais relacionada às coisas que se vê.

Especial

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Esse tipo de especificidade de uso ocorre também com o sinal


de educação, que não tem correspondência com a palavra na língua
portuguesa. Há expressões como “educação especial” ou “educação de
surdos” que, se sinalizadas como a seguir, podem não se adequar se-
manticamente, pois em Libras a melhor forma de representar essa ideia
seria o uso do sinal de ensino, já que educação tem um cunho mais
comportamental para os surdos.

Educação Ensino

124
Algo semelhante se dá com o sinal de famoso. Em Libras, seu
emprego não está relacionado só ao fato de uma pessoa ser muito co-
nhecida, mas também a uma grande habilidade que ela possua. Há a
possibilidade da seguinte construção na Libras: “Ele Libras famoso”.

Famoso

Essa frase está invocando a informação de que a referida pessoa é


muito fluente, muito proficiente na sinalização, que é muito habilidoso
na área da Libras. Em português, não há o emprego desse termo para
definição do conceito.

FAEL
Capítulo 2

Há inúmeros sinais dessa natureza para serem detalhados, mas


encerramos por aqui nossas exemplificações e passamos ao estudo
da polissemia.

Polissemia
Vamos pensar na polissemia em Libras de duas maneiras: a versão
que o português impõe aos sinais da Libras e a versão que os sinais da
Libras impõe ao português. Começando pela primeira maneira, vamos
pegar uma mesma palavra e ver as várias possibilidades de sinalização,
dependendo do contexto de realização. A palavra mais pode ser sinali-
zada das seguintes formas se os contextos de realização implicarem nas
informações correspondentes:

Sinal para marcar a ação de somar,


numericamente falando, operações Sinal para marcar a ação de
matemáticas. comparação em relação a algo, no
sentido de “maior”.
Exemplo: 2 + 2.

125

Sinal para marcar a ação de jun- Sinal para marcar a ação de “mais
tar, aproximar, acrescentar. uma vez”, de repetição.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Sinal para marcar Sinal para marcar a ação de Sinal para marcar
a necessidade de comparação absoluta, como a necessidade de
continuidade no se houvesse um destaque aumentar o som.
percurso. de maioridade, daquele que
está acima de todos.

126 Em relação à segunda maneira, faremos o contrário, ou seja,


pegaremos um sinal da Libras e averiguaremos as possibilidades de
tradução para o português. Agora temos um único sinal que pode
denotar várias palavras no português: ocupado. Esse sinal também
pode significar ocupado, não posso, sentido de advertido.

Ocupado

FAEL
Capítulo 2

Da teoria para a prática


Para trabalhar, minimamente, com a estrutura gramatical da Li-
bras, o professor pode realizar algumas brincadeiras em sala de aula,
como as seguintes:
1. Entregar as 64 configurações de mão aos alunos e pedir que, a
partir delas, pesquisem cinco sinais que se realizem da mesma
forma.
2. Colocar a expressão “Vendo vozes” no quadro e verificar quem
consegue melhor interpretação semântica para ela.
3. Pedir aos alunos para sinalizarem a frase “Fui de São Paulo
a Curitiba”, para verificar se entenderam que os verbos de
movimento se realizam com concordância com o local e que
deixam a marca do seu trajeto. Conferir se sabem separar os
espaços para cada elemento, se São Paulo ficará em um espa-
ço, Curitiba em outro espaço, e se realizam o sinal de avião
fazendo o percurso do espaço de São Paulo a Curitiba.
127

Síntese
Neste capítulo, debruçamo-nos sobre a gramática da Libras e ana-
lisamos, detalhadamente, para cada um dos seus níveis de análise lin-
guística, a fim de proporcionar ao leitor um conhecimento das “partes”
da língua.
No nível fonológico, observamos que a Libras apresenta três pa-
râmetros principais: localização, configuração de mão e movimento.
Quanto à localização, observamos sua realização no espaço neutro e no
corpo. Quanto à configuração, vimos as possibilidades de formação de
sinais a partir de apenas uma mão, de duas mãos com formas diferentes
ou, ainda, de duas mãos com formas iguais. Quanto aos movimentos,
conhecemos suas seis possibilidades principais. Ainda com relação ao
nível fonológico, destacamos a existência de pares mínimos e de pa-
râmetros secundários para realização dos sinais: orientação da mão e
expressão facial.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Na análise morfológica, evidenciamos as possibilidades de forma-


ção de sinais a partir de morfemas presos e livres e discutimos questões
pertinentes à formação e à classificação de palavras, tipos de verbos e os
dois tipos de flexão: nominal e verbal.
Na parte sintática, vimos a questão dos tipos de frase, ordem dos
constituintes, organização espacial e flexibilidade da sentença da Libras.
Finalizamos o capítulo com uma pequena abordagem quanto à semân-
tica implicada nos sinais da Libras.

128

FAEL
Implicações
sociais da surdez 3
N este capítulo, apresentaremos um panorama geral sobre as
relações sociais que são estabelecidas a partir da experiência da surdez.
Nesse sentido, abordaremos as configurações dos relacionamentos pes-
soais (casamento e filhos), as relações de amizade (associação de surdos,
Feneis) e cultura (cinema, arte). Disso tudo, destacaremos a subjetivi-
dade inerente, ou seja, olharemos para o que é impregnado no surdo
a partir de tais vivências: sua identidade e cultura. Com relação à es-
colaridade da pessoa surda, partimos da premissa de que Libras é sua 129
primeira língua e, portanto, deve fazer parte da instrução recebida, em
qualquer espaço que for. Partindo disso, entendemos que a necessidade
de saber o português, por parte do surdo, é urgente, podendo ser sa-
nada com métodos específicos de segunda língua, sendo que, para tal
enfoque, destacam-se os processos de leitura e escrita.

As relações sociais do surdo


Analisando sob a perspectiva de que a surdez está inserida e cons-
tituída em ambiente e mundo visual, é possível refletir sobre o modo
como as pessoas surdas conseguem interagir com a sociedade e garantir
sua participação ativa. Por meio da Libras, podemos pensar que elas se
inserem e retêm conteúdos visuais sob a forma de expressão. Diante
disso, a vida de uma pessoa surda tem peculiaridades distintas em re-
lação à vida de uma pessoa ouvinte. Ter peculiaridades diferentes não
significa, necessariamente, ser melhor ou pior, mas, sim, ser. É desse
modo que a pessoa surda precisa ser vista na sua relação com a socieda-
de, a surdez como característica que compõe a própria diversidade e a
individualização do ser humano em sua constituição.
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Pensando por esse viés, podemos perceber como ocorre, para o


surdo, um ritual que em nossa sociedade é muito comum: a questão
da união conjugal. Para a maioria dos surdos, poder celebrar essa união
tem um significado muito relevante, pois permite ter contato, diálogo e
participação com o outro. Isso porque, muitas vezes, seus pais não têm
participação ativa em suas vidas, devido à barreira da comunicação, cul-
minando em um viver bastante comprometido e problemático. Frente
à convivência em família, acaba sendo natural que ocorra uma comuni-
cação em que haja gestos e falas oriundas desse contexto, formalizando
a relação. E no que tange à transmissão de conteúdos concernentes a
valores, princípios e comportamentos de vida, acaba por ser deficitária,
devido à comunicação que, do mesmo modo, fica assim caracterizada.
O significado da união com o outro representa algo diferente, pois vai
em direção oposta a tudo que aprendeu e viveu. O que antes era com-
prometido e problemático, por não haver clareza na comunicação, a
partir desse momento, torna-se algo natural, porque o surdo se une a
quem conhece a língua de sinais, independente de ser ou não surda.

130 Como fruto dessa comunhão, acabam por vir os filhos, e como a
surdez não é hereditária, eles poderão ser ouvintes (havendo exceções
em que pais surdos concebem filhos da mesma natureza). Uma situação
que pode acontecer é uma adequação em relação aos pais surdos e filhos
ouvintes, em que o filho acaba por não ser estimulado e não desenvolve
a audição e a fala. Isso é compartilhado mundialmente por essas pessoas
e, devido à grande quantidade de filhos que se inclui nessa categoria,
criou-se uma organização in-
Saiba mais ternacional destinada a discutir
Os casamentos de surdos (com pessoa surda ou questões conflitantes, pois inte-
ouvinte), normalmente, são acompanhados de ragir simultaneamente em cultu-
tradução, já que o celebrante (pastor, padre, ras diferentes não é algo simples,
juiz) não consegue estabelecer uma comuni- exige empenho e reformulação
cação com os noivos, tão pouco consegue ex-
daquilo que se apreendeu. Essa
pressar os votos na língua oral. O profissional
intérprete deve se colocar em frente aos noi-
organização, destinada também
vos, ao lado do celebrante. Caso haja surdos às pessoas que possuem uma re-
na plateia, a presença de mais um intérprete alidade semelhante quanto a ser
é recomendada. O traje do profissional deve filho de pais surdos, caracteriza-
ser o mais discreto possível para não ofuscar o se pelo nome de Coda (children
glamour que envolve o casal. of deaf adults).

FAEL
Capítulo 3

A maioria das pessoas que participa dessa organização tem a au-


dição preservada, no sentido biológico, mas frente ao contato com
surdos ou suas comunidades, com a convivência constante e indireta
em viagens, passeios, consultas, compras, acabam por praticar e, como
consequência, aprender a língua de sinais. Somente quando essas pes-
soas vão para a escola é que se inicia o processo de aprendizagem do
português. Com isso, elas desenvolvem habilidades que são específicas
do surdo, criando assim uma identidade como a deles. Para Perlin
(2004), as identidades surdas são construídas mediante as possíveis
representações da cultura surda, pois esta vai ser moldada de acordo
com o grau de receptividade cultural assumida pelo sujeito. Um exem-
plo bem comum é que, para eles, o normal é ser surdo. Pensar em ser
ouvinte é algo bem estranho, consideram a tranquilidade da comu-
nicação em Libras algo bem acessível, enquanto o português, nada
muito comum. Quando acontece um diálogo de filhos ouvintes de
pais surdos, eles se utilizam de alguns sinais no meio da conversa, pois
entendem que, dessa forma, conseguem se expressar com maior clareza
em relação ao português.
131
Os Codas procuram desenvolver o olhar como meio de referência,
assim como os surdos fazem, pois, para ambos, a profundidade no con-
tato visual desenvolve sua subjetividade e possibilita impressões acerca
do olhar. Os filhos entendem que a possibilidade de ver as coisas, ver
tudo que há no mundo, é algo muito bom e, por conta desse sentido es-
timulado, mesmo sendo ouvintes, conseguem não ouvir quando estão
em um ambiente com alta sonorização (volume alto de TV ou rádio).
Eles conseguem ficar insensíveis a tudo isso, o que, para os ouvintes
“normais” – ouvintes de pais ouvintes –, seria uma tarefa bem difícil.
Outro exemplo disso é quando querem se comunicar e batem o pé no
chão. Por meio da vibração, é possível estabelecer contato com a outra
pessoa que, porventura, está no quarto ao lado e, ambos surdos e Co-
das, conseguem reagir bem ao estímulo recebido.
Os surdos têm uma forte potencialidade para sentirem as vibra-
ções do ambiente e, por isso, é comum que adolescentes e jovens sur-
dos frequentem as festas e dancem por muito tempo. Eles conseguem
acompanhar os ritmos musicais somente pelo que seu corpo sente. A
vibração é tão poderosa no corpo como o som é no ouvido.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Saiba mais Isso significa que o Coda


No Brasil, há uma banda conhecida como tem um ouvido seletivo, capaz
Surdodum, que trabalha com Olodum para de não processar alguns sons
surdos, um ritmo musical que acentua a em sua mente. Por outro lado,
vibração dos instrumentos. Saiba mais em: seus olhos possuem uma sensi-
<http://www.clubedochoro.com.br/index2. bilidade muito grande, dando
php?option=com_content&do_pdf=1&id=75>.
a eles a possibilidade de aten-
Há, também, outros ritmos que os surdos
dançam, como os que tocam nas raves. Já tarem a tudo, pois ver significa
existem festas especiais para surdos. Sobre muito para eles. Não muito
esse assunto acesse: <http://super.abril.com.br/ diferente dos surdos, quando
superarquivo/2004/conteudo_333010.shtml>. os Codas utilizam estratégias
para não conversar, fecham os
olhos ou desviam o olhar, fato que ocorre independente da pessoa ter
ou não surdez.
Pensar no processo de construção da identidade surda da pessoa
que é ouvinte não seria algo tão complexo se somente houvesse co-
munidades que partilham do mesmo sentimento. Porém, a realidade
132 não é bem assim. Essas crianças que falam Libras desde a infância e
que enxergam a surdez como constituição cultural, social e política irão
precisar de um ambiente com características diferentes dessas, no caso,
a escola. Para Skliar (2001), a escola deve ver o sujeito como instrumen-
to/meio de produção de sentidos e aplicar seus diversos mecanismos de
atuação para impor saberes, culturas, valores e identidades.
Nesse ambiente dotado de pessoas que, certamente, desconhecem
a Libras e as questões que envolvem a surdez, as crianças acabam sendo
concebidas como deficientes e, devido a tal visão, os membros da escola
estabelecem relações pouco íntimas com os alunos e seus pais. Comu-
mente, os pais do Coda não recebem convites para eventos escolares ou
quando o filho não apresenta bom rendimento escolar, devido à difi-
culdade quanto à comunicação, pois nessas situações não há ninguém
com capacidade para estabelecer a interação entre eles.
Diante desse afastamento, a escola estabelece um abismo que a
separa dos pais do aluno Coda. Nesse ambiente, os pais se tornam seres
estranhos e, com isso, o prejuízo torna-se presente e generalizado. A
escola não consegue atribuir a esses pais a real condição de pais, mas,
sim, de surdos, cabendo à criança a responsabilidade deles, porque ela

FAEL
Capítulo 3

ouve. Dessa forma, a criança sente-se ausente de seu mundo, não con-
seguindo estabelecer laços com a escola por causa das limitações im-
postas quanto à comunicação, não podendo utilizar a língua de sinais e
recebendo cobranças que dizem respeito a adultos e não a ela.
Outra dificuldade enfrentada pelo Coda que possui identidade
cultural surda é a de que, quando seus pais necessitam de interação
social, socilitam-no pela condição auditiva que possui. Frente a uma
gama de informações advindas da televisão, os pais pedem à criança
que interprete aquilo que está sendo transmitido. Da mesma forma
acontece com ligações telefônicas, os pais exigem a tradução daquilo
que está sendo falado, ou em consultas médicas, em que os pais pedem
que tudo seja minuciosamente relatado em sinais, para que possam en-
tender. Tais circunstâncias exigem da criança esforços psicológicos para
mediar uma comunicação que não condiz com sua idade. Entretanto,
sabe-se que a criança Coda tem seu processo cognitivo e de aprendiza-
gem preservados, independentemente do ambiente em que esteja, em
casa ou na escola.
133
Reflita
Reflita
No meio da comunidade surda, especialmente entre os intérpretes,
é muito comum que o fato de ser Coda seja um diferencial, um sta-
tus. Isso porque se julga que, se é filho de surdo, será um excelente si-
nalizador, e isso procede, considerando que tais pessoas aprendem a
Libras como os surdos – como primeira língua. Mas daí pensar que
essas pessoas são, automaticamente, bons intérpretes, não significa
depreciar todo um trabalho estruturado de técnicas tradutórias? Até
porque, no Brasil, existem excelentes intérpretes que não são filhos de
surdos e que conseguiram, por meio de estudos e pesquisa, um bom
desenvolvimento linguístico e técnico. É claro que, se os Codas deseja-
rem se profissionalizar, eles terão “vantagem” em detrimento aos de-
mais ouvintes, pois já têm a língua adquirida, além de serem peritos e
mestres no quesito identidade e cultura surda. Porém, a automatização
é complicada, pois, conforme discutimos no texto, a convivência com
pais surdos – em alguns casos – gera algumas consequências sociais

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

não muito boas para a criança, fato que pode levar ao desenvolvimento
truncado e à falta de domínio do português, e tais quesitos são muito
exigidos do intérprete.
Reflita
Reflita
Esse é um caso muito específico de pais surdos com filhos ouvin-
tes. Em se tratando de uma situação paralela, em que pais surdos têm
filhos surdos, os problemas que os Codas enfrentam quanto à família
talvez não existissem, pois os estímulos seriam aceitos de forma natural
e o processo de desenvolvimento da criança seria semelhante ao de uma
criança ouvinte com pais ouvintes.
Skliar (2001) aponta que, dentro da relação entre pais surdos e
filhos surdos, todas as intervenções ocorrem na língua de sinais. Pais e
filhos se utilizam dela para propor a ação de uma atividade, compar-
tilhar ou estar em desacordo com propostas e para estabelecer a ativi-
dade com objetivo de organizar algum aspecto da ação. Sendo assim, é
134 possível pensar que a aquisição da linguagem, em seu processo, ocorre
do mesmo modo em crianças surdas e ouvintes. Em relação aos Codas,
o processo de aquisição da língua é idêntico ao de uma criança surda
filha de pais surdos, diferenciando-se apenas se o pai ou a mãe forem
ouvintes, pois, nesse caso, o processo se dará de modo bilíngue, em que
a criança aprenderá duas línguas ao mesmo tempo.
De acordo com Grolla (2006), a criança adquire uma língua natu-
ral sem que seja preciso passar por treinamentos intensivos ou estímulos
linguísticos. O simples contato com a língua possibilitará à criança de-
senvolver sua expressividade linguística – os itens lexicais e a estrutura
gramatical que ela já possui de forma inata. Tal processo irá ocorrer de
maneira mais facilitada mesmo na ausência de uma fala dirigida a ela. A
universalidade da aquisição da linguagem explica que, independente da
língua ou do desenvolvimento das habilidades motoras, como amarrar
sapatos ou desenhar formas geométricas, ocorrerá uma apropriação de
enunciados diversos. Para a autora, no caso das crianças estarem no
mesmo ambiente físico, por mais que os inputs oferecidos sejam dife-
rentes quanto à forma, a língua adquirida será a mesma; além disso, diz
que a aquisição da linguagem ocorre em um período curto de tempo.

FAEL
Capítulo 3

A criança aprende uma língua, em média, até os quatro anos, pois


nessa idade dificilmente comete erros sintáticos, já que sabe as regras
para formação de sentenças e domina as estruturas do idioma. Passada
essa fase, no decorrer da vida, o aprendizado com relação à língua se dará
mediante a inserção de novas palavras realizadas pelos falantes e, como
consequência, a dinâmica da língua. Diante da aquisição da linguagem
em que consta a universalidade, a uniformidade e a rapidez, o processo
de desenvolvimento linguístico e os estágios internos que ocorrem nas
crianças surdas podem ser comparados aos das crianças ouvintes.
Indiferente de sua condição auditiva, toda criança apresenta com-
portamentos semelhantes ao chorar e emitir sons sem qualquer signi-
ficado. Os bebês têm muita sensibilidade, são capazes de perceber as
propriedades fonológicas da sua língua. Com relação aos ouvintes, estes
conseguem perceber aos quatro dias de idade diferentes tipos de língua,
mediante a entonação e o ritmo. Na sequência, acontece o balbucio
oral e, quando chegam próximo aos seis meses, conseguem produzir
um número muito grande de sílabas e as repetem de forma exaustiva.
No caso dos surdos, começam a balbuciar por volta dos oito meses, 135
com pouca diferenciação nas sílabas executadas, devido ao retorno au-
ditivo estar ausente. Já com a emissão de sons, tanto a criança surda
quanto a ouvinte apresentam o balbucio manual.
Meier (2000) aponta que os ouvintes produzem movimentos com
as mãos e conseguem retorno confirmativo de seus pais, assim como
os surdos, que antes de começarem a aprender sinais fazem balbucios
com as mãos. Quadros (1997) reivindica que a descoberta pela estru-
tura fonológica da língua, seja sinalizada ou falada, e as semelhanças
na sistematização do balbucio das crianças surdas e ouvintes indicam
que no ser humano decorre uma capacidade linguística que suporta a
aquisição da linguagem, independente da modalidade da língua: oral-
auditiva ou espaço-visual.
Segundo Emmorey (2002), as crianças surdas, quando chegam aos
oito meses, começam a produzir os primeiros sinais e, nesse processo,
alguns deles são descartados, pois são avaliados como gestos e não como
sinais lexicais, portanto, não se encaixam no repertório atualizado. É o
caso da apontação. Isso ocorre nas enunciações, de crianças surdas e ou-
vintes no período de balbucio, que não serão aproveitadas pelos surdos

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

para pronominar. De maneira sucessiva, quando a estrutura gramatical


tiver sofrido maturação, ocorrerá sua reorganização e aceitação, pois a
criança entenderá que a apontação sofreu modificação e se tornou ele-
mento gramatical. Por certo tempo, as crianças ouvintes continuam no
balbucio e somente depois partem para a palavra, diferentemente das
surdas, que têm essa vivência aos oito meses.
Grolla (2006) acrescenta que, quando as crianças atingem um
ano de idade, a habilidade de identificação de línguas estrangeiras
diminui e concede espaço ao refinamento para sua língua natural.
Então, elas começam a elaborar enunciados com apenas uma pala-
vra – com significado de sentença completa – e conseguem assimilar
pequenas imposições.
Esse início antecipado de elaboração de sinais e o lento processo
do estágio de uma palavra dita (falada) ocorre pelo desenvolvimento de
mecanismos de emissão e recepção linguística, ou seja, a coordenação
motora das mãos evolui de forma mais acelerada do que a coordenação
para o trato vocal e a articulação para a fala. Da mesma forma, os sons
136 exercem maior dificuldade perceptiva aos ouvidos do que os movimen-
tos espaciais aos olhos.
Emmorey (2002) verificou, em pesquisa com crianças ouvintes
adquirindo, simultaneamente, o inglês falado e a língua de sinais ame-
ricana, que a sinalização foi a primeira a ser adquirida. Posteriormente,
as crianças vivenciam o período das primeiras combinações, pois, nesse
momento, conseguem aprender um grande número de palavras dife-
rentes a cada dia, aumentando seu repertório e elaborando falas pausa-
das entre uma e outra palavra.
Conforme Grolla (2006), com um ano e seis meses de idade, as
crianças ouvintes fazem relação semântica – de ordem lexical como
a organização de classes prototípicas – para escolha das palavras, e a
construção das frases se dá na ordem canônica, apresentando erros
naquilo que equivale à conjugação de passado, pronominalização e
outros, que são os indicativos de que ela entendeu a regra e está se
superando. Em Quadros (1997), percebemos que as crianças surdas,
nesse estágio, apresentam dificuldades para entender os pronomes e,
por isso, em diversos momentos, apontam para o interlocutor se refe-
rindo a elas mesmas, ou vice-versa.

FAEL
Capítulo 3

A pronominalização na língua de sinais é produzida por meio de


apontação, sendo assim, a relação significado e significante não fica evi-
dente para a criança surda que está desenvolvendo a linguagem. Nesse
momento, destacamos que a aquisição possui uma universalidade, pois,
indiferente da modalidade, as crianças ouvintes utilizam o “eu” para de-
monstrar ou apontar outra pessoa, sendo verdadeiro, também, o inverso.
Tanto crianças surdas quanto ouvintes, aos três anos de idade, vi-
venciam uma propagação vocabular muito grande, produzindo frases
complexas, como orações relativas e coordenadas, mas pelo nível elevado
de dificuldade gramatical, continuam o curso da aquisição cometendo
pequenos equívocos. Quadros (1997) diz que a criança surda: não adota
pronomes para referentes ausentes ou o faz incorretamente; não cria cor-
respondência entre a pessoa e o ponto estabelecido no espaço; estabelece
mais de um referente em um mesmo ponto; comete um excesso de gene-
ralização para concordância de verbos simples semelhante à gramática dos
adultos, em que a sequência de concordâncias se dará do mesmo modo.
137
No Brasil, uma escola de referência no quesito ensino da língua de sinais
a bebês surdos é a Escola Rio Branco, em São Paulo. Nela, entram crianças
em tenra idade, que recebem todo um trabalho de treino visual com adul-
tos surdos, pois as crianças surdas precisam lançar os olhos para o objeto
que está nas mãos de quem fala e para seu rosto. É um processo diferente
da criança ouvinte, pois esta é capaz de olhar para o brinquedo que está
nas mãos do adulto e ouvi-lo ao mesmo tempo. Então, os olhos da criança
surda devem ser treinados para isso, e somente escolas especializadas são
capazes de suprir o estímulo que não há em casa, no caso dos pais serem
ouvintes. Aos pais, entretanto, é exigida a inscrição em curso de Libras, pois
não convém à instituição ensinar a língua a criança (por meio de interação
e brincadeira) se seus pais não forem capazes de se comunicar com ela. So-
bre esse assunto, acesse os links:
●● <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL732407-5598,00-BEBES
+SURDOS+DEVEM+APRENDER+LINGUA+DOS+SINAIS+NOS+PRI
MEIROS+MESES+DE+VIDA.html>
●● <http://www.ecs.org.br/site/default.aspx>.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Com quatro anos, as crianças surdas dominam a língua de sinais,


sendo que seus pais abordam qualquer assunto com elas, designando
ordens, oferecendo carinho, tratando de assuntos futuros, etc. Falam
sobre tudo, inclusive sobre informes da TV que, na atual sociedade, é
o meio que mais rapidamente comunica, estando ao alcance de todo e
qualquer indivíduo. Essa possibilidade existe mediante a função closed
caption. O termo em inglês possui a tradução “legenda oculta” e está
relacionado a uma função que muitos televisores possuem, acionada
mediante controle remoto. Esse recurso é recente e, somente em 1980,
foi disponibilizado nos Estados Unidos, vindo para o Brasil um longo
período depois.
Atualmente, muitas emissoras não dispõem desse recurso em toda
a programação, mesmo sendo amplamente divulgado que essa ferra-
menta possibilita a acessibilidade de grande parte da população que
tem perda auditiva. Tal ferramenta, além de promover a interação dos
surdos em discussão de grandes temas, favorece pessoas idosas que apre-
sentam alguma diminuição auditiva. Favorece, ainda, aqueles que são
considerados analfabetos, nesse caso, ouvintes que, com a utilização
138
do closed caption, podem relacionar o som das palavras com a legenda,
iniciando, assim, um aprendizado de decodificação, identificando na
palavra escrita o som da fala. Além disso, pessoas que frequentam aero-
portos, shopping centers ou qualquer outro lugar de acesso público com
elevado nível de barulho, em que a televisão tem seu volume diminuído
e não se ouve, a função closed caption propicia entretenimento, conhe-
cimento e informação ao público em geral.
Apesar de comunicativa, a televisão não é o único meio de inte-
ração e lazer que os surdos gostam de ter. Existem outras atividades e
programações acessíveis. Esse ambiente em que pais ouvintes e filhos
surdos (ou Codas) participam é que denominamos um espaço de
convivência da comunidade surda, constituída por um grande nú-
mero de adeptos, com perfis diferenciados, como surdos, ouvintes,
intérpretes, profissionais, familiares, religiosos e outras pessoas com
interesses variados. Porém, aquilo que os evidencia é a utilização da
língua de sinais. Sendo assim, se utilizar a língua de sinais é aquilo
que motiva o ingresso na comunidade, então é provável que existam
surdos que não participem, pois preferem a utilização da língua fala-
da, por diversos motivos.

FAEL
Capítulo 3

Para que ocorra a constituição da comunidade surda, é necessária


a utilização da língua de sinais, sendo estabelecida por meio das afini-
dades daqueles que a integram. Isso leva a crer que não existe somente
uma comunidade surda, mas, sim, diversas comunidades, como a da
igreja, da escola, do hip-hop, dos líderes e tantas outras que evidenciem
sua identidade cultural. Os benefícios advindos da participação do ou-
vinte nessa comunidade são vários, como a oportunidade de conhecer
o sujeito surdo de perto, aprender a língua de sinais e conhecer os cos-
tumes e hábitos vivenciados pelo surdo, tanto individualmente quanto
em comunidade.
Aproveitar a oportunidade de conviver com a diversidade promove
um sentido diferente, outra visão, tanto para nós mesmos quanto para
as outras pessoas. No caso do surdo, isso tem um significado muito
grande, pois o coloca em contato com aquilo que é diferente, já que
tem uma vivência isolada em seu mundo, por ser considerado minoria
social. O contato com pessoas que se comunicam em sua língua per-
mite que sua diferença não seja enaltecida, sentindo-se à vontade para
expressar seus sentimentos e ideias para aqueles que estão em um nível,
139
uma relação de igualdade.
Em relação às crianças surdas, a comunidade representa a projeção
com o amanhã, a possibilidade de um futuro, pois vislumbra exemplos
positivos, surdos adultos interagindo na sociedade. Nesse ambiente, terão
a oportunidade de enxergar a si próprios de forma diferente, não como
deficientes, mas assimilando que existe diferença linguística, sendo nesse
momento que ocorre a formação da identidade e cultura surda.
De um modo geral, a cultura representa um conjunto complexo
de conhecimentos, línguas, crenças, arte, moral, leis, costumes, capaci-
dades e hábitos, que faz parte de uma sociedade e é repassado aos seus
membros. Conjunto esse que é evidenciado pelos elementos da língua e
pelos costumes, levando-se em conta que, quando visto sob a perspecti-
va de um grupo diferente, ou seja, que possui outra cultura, o que mais
se percebe são esses elementos.
Strobel (2008) define que a cultura surda é o jeito de o sujeito surdo
entender o mundo e modificá-lo, para que tenha acesso e possa interagir
mediante as percepções visuais, o que compreende a língua, as ideias, as
crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo, caracterizando assim a

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identidade surda. Devido a essas questões é que, se nos perguntarem a


respeito da cultura norte-americana, poderíamos abordar o assunto sob a
ótica da língua e do costume, e teríamos resultados que se restringiriam ao
que se fala: inglês, e ao que se come: fast food. Assim, existem outros com-
ponentes nesse conjunto, nessa cultura. Chamamos a cultura de “con-
junto complexo” quanto à composição, ao acesso, ao desenvolvimento
e à transmissão dos elementos sociais. Tais elementos interagem entre si,
por meio das relações sociais. Até o momento, estamos nos restringindo
ao contexto de cultura popular, sendo esta transmitida livremente nas
relações com o outro, de geração a geração, por meio da língua.
A cultura se modifica constantemente, é histórica, então, é passi-
va de mudanças quando em contato com outra cultura. Dessa forma,
quando passamos a olhar para as ações de um determinado grupo de
pessoas e tais ações começam a fazer sentido para nós, passamos a atri-
buir valores e, com isso, compartilhá-las ocorre naturalmente. Então, é
possível pensar que a cultura surda compreende aquele conjunto com-
plexo, em que a composição dos elementos ocorre de modo visual, seu
conhecimento começa com o contato do que vê, sua língua se manifes-
140
ta no espaço e a leitura se faz com os olhos. A arte e a poesia do surdo
acontecem por diferentes movimentos com as mãos, como também
hábitos e costumes ocorrem mediante o que viram e se constroem no
envolvimento com os outros surdos. Assim, no seio da comunidade
surda, está inserida a cultura surda.
Nesse ambiente, é costume falar da representação da surdez por
dois vieses: passado e futuro. Isto é, tratam da história do surdo abordan-
do as represálias que enfrentaram quanto ao oralismo, e pensam sobre as
perspectivas de futuro para essa população. A cultura surda é muito im-
portante, pois é na comunidade surda que ocorre o processo de aprendi-
zagem e o sujeito poderá proferir suas falas. Diferente do que ocorre com
os ouvintes, a cultura surda não é transmitida naturalmente de geração
a geração, pois a maioria de surdos são filhos de pais ouvintes. Então, o
sujeito surdo, para ter sua língua, hábitos e crenças, isto é, sua cultura
visual, precisa obtê-la na comunidade surda. Tal processo de transmissão
cultural de surdos, conforme Strobel (2008), também pode ocorrer na
idade mais avançada, adulta, pois, em sua maioria, os surdos possuem
família ouvinte, ou até mesmo pela imposição de estudarem em escolas
ouvintes. Dessa forma, sem a convivência na escola de surdos, acabam

FAEL
Capítulo 3

por perder o contato com a comunidade surda. Pela dificuldade de ter


sido conquistada por seus criadores e por ser tão ofuscada pela cultura
ouvinte é que a cultura surda precisa ser enaltecida.
No que diz respeito à formação de identidade das crianças que
participam das comunidades surdas, podemos destacar a importância
de elas refletirem sobre si mesmas, sobre como sua constituição atuará
em sua percepção do mundo de forma visual. Desse modo, antigamen-
te, enquanto acontecia a educação dos surdos – dirigida pela corrente
oralista –, adotavam o critério clínico-patológico para o surdo e lhe
atribuíam uma identidade, dependendo daquilo que era respondido
com a audição. As especificações eram:
●● surdez leve – capacidade de ouvir a voz humana, a pessoa
tende a aumentar a voz progressivamente.
●● surdez moderada – não é possível ouvir as palavras com clareza.
●● surdez severa – surdez que só permite perceber os sons mui-
to graves.
141
●● surdez profunda – a pessoa não retém som algum, não
ouve nada.
No decorrer da história, quando a sociedade mudou a forma de
olhar para a surdez e novas taxionomias se imprimiram na educação de
surdos, a classificação passou a ser pelo critério linguístico e o rótulo de
identidade era feito mediante o conhecimento que o surdo apresentava
a respeito da língua de sinais. Segundo Perlin (2004), as definições são
as seguintes:
●● identidade surda – pessoa consciente quanto à sua condição
de surdez, é politizada e tem a língua de sinais como nativa.
●● identidade surda incompleta – é o surdo que não se aceita,
pelo sentimento de inferioridade em relação aos ouvintes.
●● identidade surda de transição – surdo oralizado que, mui-
to tempo depois, descobre a comunidade surda e transita do
mundo auditivo para o mundo visual.
●● identidade surda embaçada – surdo que não consegue cap-
tar o mundo de forma visual e nem auditiva.

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●● identidade surda híbrida – pessoa que nasceu ouvinte e, pos-


teriormente, se tornou surda. Tem conhecimento da estrutura
do português falado.
●● identidade surda flutuante – surdo que oscila de uma co-
munidade a outra, convivendo tanto com surdos quanto com
ouvintes. Há falta de língua de sinais com surdos e falta de
comunicação com ouvintes.
●● identidade surda diáspora – pessoa que tem a necessidade
de trocar experiências com seus colegas surdos, indiferente de
onde eles estejam.
Quando o assunto se refere à identidade, não se pode conceber uma
visão reducionista do homem, tanto que, em relação às visões comenta-
das, apresentam-se ultrapassadas. Para Skliar (2001), a identidade está
ligada a relações sociais, pois é constituída e manifestada na interação
com o outro, podendo ser entendida como o conjunto de característi-
cas específicas de uma pessoa que a diferencia da outra. É possível que,
em uma comparação com o outro, exista algo de semelhante, mas acaba
142 por ser único e singular tudo aquilo que compreende a identidade da
pessoa. Esse conjunto de características próprias, a identidade, ocorre
por meio da linguagem e é construído por papéis sociais que exercemos
em diferentes locais e contextos e com diferentes pessoas.
No caso de alguém descrever sua identidade como mulher, hete-
rossexual, professora, evangélica, solteira, pobre, branca, ouvinte, ocorre
que está havendo um condicionamento de tais características naquele
dado momento, pois a constituição não é perene, mas adaptável, flexível
e mutável. A manifestação da identidade deve acontecer pela subjetiva-
ção que ocorre mediante interiorização de uma língua, seja ela qual for.
No entanto, quando nos referimos à identidade surda, pensamos numa
pequena parte do conjunto de características que ela apresenta.
A criança que participa da comunidade surda, além de desenvol-
ver a cultura e a identidade surda, tem a possibilidade de participar
de movimentos sociais, que entendemos como um espaço de arti-
culação das aspirações, lutas e reivindicações de determinados gru-
po de pessoas. Agregado a essas articulações está o reconhecimento
de sua língua. Esses movimentos sociais e espaços de luta social são
chamados de movimento surdo, sendo de muita importância, pois

FAEL
Capítulo 3

representam um local onde ocorre resistência à predominância das


pessoas ouvintes dentro dos locais de trabalho, saúde, educação e
lazer, como também as afirmações dos direitos do sujeito surdo em
diferentes instâncias sociais.
O movimento não é contrário diretamente às pessoas, mas em re-
lação a evidentes posições de liderança ao longo da história. É possível
citar como exemplo a reestruturação da Feneida em Feneis. Em 1970,
um grupo de profissionais ouvintes fundou uma organização e deu iní-
cio aos seus ideais de reabilitação dos chamados deficientes auditivos,
por isso o nome da instituição era Federação Nacional de Educação e
Integração dos Deficientes Auditivos – Feneida.
Um grupo de surdos, no ano de 1983, se organizou para reclamar
seus direitos junto à direção e pediu participação dentro da Feneida. A
princípio, conseguiram participar de pequenas atividades. Não muito
satisfeitos, persistiram até conquistarem uma posição de destaque den-
tro da instituição a ponto de serem atendidos em suas aspirações polí-
ticas. Em 1983, os surdos deram início à liderança e alteraram o nome
para Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – Feneis. 143
Essa alteração não se deu por simples mudança terminológica, mas em
decorrência da perspectiva de trabalho, ou seja, a missão passou a aten-
der aos ideais das pessoas surdas, que começavam a ser vistas não como
deficientes auditivas, mas, sim, pessoas com diferença linguística. Hoje,
existem vários escritórios regionais da Feneis espalhados pelo país, com
o objetivo de difundir a Libras e congregar surdos para discussões em
relação à sua participação ativa na sociedade.
Atualmente, os quatro milhões de surdos brasileiros, além de se
reunirem na Feneis, organizam-se em outros espaços, como associações,
cooperativas e clubes. Existem duzentas associações, aproximadamente,
espalhadas pelos estados e órgãos voltados apenas à questão desportiva
dos surdos, como a Confederação Brasileira de Surdos (CBS).
Todas se caracterizam pela cumplicidade linguística cultural dos
participantes. O movimento surdo atinge espaços acadêmicos e che-
ga a conquistar um curso de
licenciatura a distância. Tra- Saiba mais
ta-se do curso Letras-Libras, Para conhecer mais sobre a CBS, acesse o link:
com sede na Universidade <http://www.cbsurdos.org.br>.

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Federal de Santa Catarina, contendo vários polos distribuídos pelo


Brasil. Nessa graduação, os alunos surdos têm a possibilidade de se
qualificarem para atuar como professores de Libras.
No entanto, não somente
Saiba mais no Brasil acontece de o movi-
Para mais detalhes sobre o curso de mento surdo ser preponderante.
Letras‑Libras, consulte: Existem, em outros países, insti-
<http://www.libras.ufsc.br>. tuições que se colocam como re-
presentantes do potencial dessas
pessoas. A formatação desse movimento tem tomado dimensões cada vez
maiores, chegando ao ponto de ter uma Federação Mundial de Surdos
(Word Federation of the Deaf – WFD), com sede na Finlândia, desde 1951.
Envolver-se com o movimento surdo é mais do que, simplesmen-
te, participar dos eventos, é desenvolver um intercâmbio linguístico e
cultural, como também despertar a atenção para esses lugares e perce-
ber que os surdos possuem capacidade de liderança.
144 A possibilidade de acesso aos filmes que são transmitidos no cine-
ma foi uma das conquistas mais recentes do movimento surdo, pois,
no caso de filmes estrangeiros, é possível fazer a opção pela legenda
ao invés da dublada, no entanto, no
Saiba mais caso de filmes nacionais, esta opção é
Conheça mais sobre a WFD acessando: inviável. As dificuldades de inserção
<http://www.wfdeaf.org>. em meios culturais começaram a ser
resolvidas quando um surdo, Marce-
lo de Carvalho Pedroso, organizou um movimento de reivindicação a
respeito da legenda nacional. Esse movimento circulou em importantes
eventos do cinema e do teatro e, desde 2004, vem tentando propagar
a ideia a produtores, editores e diretores. Porém, somente em 2008,
em Pernambuco, na edição do Festival do Audiovisual – Cine/PE, o
grupo conseguiu provar para os produtores que a legenda nacional não
iria ocultar as diversidades regionais ou depreciar os dialetos falados
na nação, mas que significaria acesso no que se refere à cultura. Mes-
mo porque a acessibilidade não pode restringir, mas, sim, promover a
participação no mundo, pois é algo indispensável para a evolução do
homem em todos os seus aspectos, inclusive o artístico.

FAEL
Capítulo 3

A campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona!” foi a grande
encabeçadora da conquista dos surdos pela legenda. O slogan é
LEGENDA
PARA QUEM
NÃO OUVE,
MAS SE EMOCIONA!

A partir de tal convencimento, foi criado o Projeto de Lei n.


1.078 (BRASIL, 2007), que, após análise, foi aprovado por represen-
tantes políticos. Com a aprovação, tanto em filmes quanto em teatros
nacionais, as legendas se tornaram obrigatórias. Essas legendas podem
ser em Libras – com o espaço (a janelinha) destinado para o intérprete
– ou com caracteres. A escolha fica a critério da produtora. O Projeto
de Lei n. 1.078 entrou em vigor no Brasil em 2007 e presume que:
145
●● as empresas responsáveis por distribuir obras cinematográficas
ou videofonográficas, para exibição em salas de cinema, e os
promotores de peças teatrais e demais obras cenográficas se-
jam obrigados a incluir a legenda nas obras exibidas ou ofertar
interpretação do texto correspondente, em linguagem com-
preensível a pessoas com deficiência auditiva.
●● a obrigação estende-se a todos os filmes comercializados para
exibição, exceto: os destinados à divulgação de músicas, os de
peças publicitárias, os de curta-metragem, conforme disposto
em regulamento, e os exibidos em caráter não comercial ou
em festivais e mostras competitivas.
Sendo assim, os surdos têm a possibilidade de ir ao cinema e ao
teatro como qualquer outra pessoa, com a oportunidade de diminuir
a distância que ficou estabele- Saiba mais
cida da cultura nacional, sendo
Para mais informações sobre a legenda nacio-
esta muito importante para o nal, acesse: <http://www.legendanacional.com.
conhecimento, a criatividade e br/campanha.php>.
a civilidade.

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Inclusão educacional de surdos


Com a liberdade de escolha, a criança surda pode ser inserida tanto
na escola de surdos quanto na escola de ouvintes. Entende-se por escola
de surdos aqueles espaços que possuem toda uma estrutura formaliza-
da, com professores, currículo, seriação, projeto político-pedagógico e
atendimento específico para determinada clientela. Em relação à esco-
la de ouvintes, percebe-se a mesma formação do espaço citado ante-
riormente, mas com a clientela, em sua grande maioria, ouvinte. Essa
distinção se contrapõe à antiga terminologia de escolas especiais. Tais
escolas, denominadas especiais, possuem profissionais especializados
em uma deficiência específica e atuam como reabilitadores. Em relação
aos surdos, a visão começa a variar, sendo evidente que a implantação
desse sistema, já existente no Brasil, mostra-se favorável. Certamente
ainda existem centros especializados de apoio ao surdo, que se prestam
a ministrar métodos de letramento e oferecer reforço pedagógico aos
alunos que participam da escola comum.
Independentemente do espaço de escolarização dos surdos – seja
146 na escola de surdo ou escola de ouvintes –, a Libras sempre deverá estar
presente, não como meio de comunicação secular restrito a crianças
em horário de intervalo, mas como língua de instrução, aprendizagem,
pois é possível perceber que a Libras é entendida como primeira língua
e o português, como segunda. Se a primeira língua do surdo é a Libras,
e se a criança é usuária de língua de sinais, cabe destacar que a escola
deve ensiná-la um método de escrita compatível com sua habilidade
visual, chamado de SignWriting (escrita de sinais). Esse termo se refere
ao sistema de escrita dos usuários da língua de sinais. Muitas comuni-
dades surdas de diferentes países possuem, à sua disposição, um recurso
de fixação de sua língua, uma maneira de registrar ideias que as tornam
atemporais. Esse sistema ainda permanece sob pesquisa, mas pensar a
possibilidade de registrar a língua de sinais de forma escrita é algo que,
em termos de conquista, somente no futuro poderemos mensurar.
Até o momento, fazer o registro de produções dos surdos só era
possível mediante filmagens, um meio custoso quando pensado em
produção de alta escala, ainda tendo a desvantagem de que, diferente-
mente da escrita, aquilo que se produz e elabora não pode ser revisado e
avaliado, apenas após o término da produção. Outra forma de registro

FAEL
Capítulo 3

da língua, que até então vem sendo utilizada, é a Glosa. Esse sistema pa-
liativo transcreve as línguas de sinais com auxílio dos códigos da língua
oral. Quase sempre, esse recurso é muito limitado, pois não abrange as
sutilezas visuais da língua de sinais, sendo muito utilizado em pesquisas
linguísticas, com o objetivo de promover uma tradução em que os pes-
quisadores podem propor outras discussões em relação à estrutura da
língua de sinais, nos níveis sintático, fonológico e morfológico.
Dessa forma, a ferramenta adequada para a fixação da língua de
sinais seria o SignWriting, demonstrando ser uma nova linguagem que
modela o pensamento e o organiza quando escrito. Semelhantemente
ao que ocorreu com as línguas orais, a implantação de um método de
escrita para as línguas visuais possibilita abertura ao desenvolvimento
da cultura e produção de conhecimento nas comunidades surdas, uma
vez que a escrita de sinais consegue armazenar e propagar, por gerações,
informações entre as pessoas. No entanto, para que isso se torne real,
é preciso que essa ferramenta seja ensinada aos usuários das línguas de
sinais. A maior dificuldade é que não existem profissionais formados
para desempenhar tal tarefa, e as ações relacionadas à alfabetização dos 147
surdos em escritas de sinais são ações isoladas e específicas de pesqui-
sadores, cujos objetivos são descobrir e aperfeiçoar métodos de ensino
para o SignWriting.
No Brasil, podemos citar o trabalho da Professora Doutora M­ arianne
Rossi Stumpf (2005), que aponta que as crianças surdas, ao aprenderem
a escrita de sinais, passam pelo mesmo processo de alfabetização que as
crianças ouvintes em relação ao português. A pesquisa também demons-
tra que o SignWriting é uma ferramenta de escrita que o surdo assimila
com maior facilidade, pois ela se objetiva a uma representação visual de
uma língua que é visual. A escrita de sinais, por ter como fundamento
elementos visuais, é para o surdo um sistema de grafia muito mais com-
preensível do que o alfabético, fundamentado em elementos fônicos. A
criação dessa ferramenta se deu nos anos 70 do século XX, mas somente
agora teve início sua divulgação e implantação. Em princípio, essa ferra-
menta foi elaborada como uma forma de registrar as coreografias a serem
realizadas em uma apresentação de dança. Uma vez percebida a oportu-
nidade de aplicar tal ferramenta às línguas de sinais – representando seus
movimentos, configurações, expressões –, empreenderam-se pesquisas no
sentido de tornar aquela ferramenta inicial, básica, em uma ferramenta

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bem elaborada, a ponto de funcionar como meio de representação de


uma língua. Desde então, pesquisas vêm sendo realizadas e aperfeiçoa-
mentos vêm ocorrendo, assim como acontece com as escritas das línguas
orais – como o português que, em 2009, foi reformado ortograficamente.
O SignWriting, como toda escrita, é dotado de regras quanto à or-
ganização, que procuram – no sentido de que toda escrita é uma tenta-
tiva – representar a língua utilizada pelos surdos. Dentre os princípios
básicos estão: a representação da configuração de mão levando em conta
sua orientação (se a mão é vista de frente, de perfil, etc.) e sua distância
do corpo (perto ou longe); da localização (se a mão toca alguma parte do
corpo); do movimento presente no sinal (se é circular, se é alternado, se é
lento, etc.); do sentido em que o sinal é realizado (esquerda ou direita).
Muitos elementos presentes nas línguas de sinais são contempla-
dos pelo SignWriting e, assim como na escrita alfabética do português,
os elementos do sistema são finitos e podem ser organizados e reorga-
nizados com o objetivo de formular os diferentes sinais escritos. Isso
significa que pode ser um sistema reversível e que, como tal, necessita
148 de ensino específico e treino para seu aprendizado. Porém, como todo
e qualquer sistema de escrita, ele também é dotado de limitações, que
não devem, no entanto, significar desmotivação em relação à escrita.
Afinal, a escrita do português não consegue explicitar as diferentes in-
flexões de vozes, que podem conceder diferentes significados em uma
dada frase, e nem por isso há descaso em relação à continuidade de
escrita dessa língua.

A seguir, alguns exemplos dos símbolos do SignWriting:

FAEL
Capítulo 3

Finalmente, para os surdos, a possibilidade de empregar um siste-


ma de escrita que empreenda sua primeira língua significa mais do que
um avanço técnico, denota o prazer de poder se expressar, para além de
sua própria geração, em sua própria língua. Representa o valor de poder
possuir uma língua escrita e preservada ao longo da vida e para além
dela, pois, nas línguas orais, foi a invenção da escrita que possibilitou
que as línguas se estabelecessem e se padronizassem, oportunizando
que diferentes pessoas pudessem interagir de forma clara em lugares
diferentes.
A Libras é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural
mediante contato com sinalizadores, sem ser ensinada, conse-
quentemente, deve ser sua primeira língua. A aquisição dessa
língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho siste-
mático com a L2, considerando a realidade do ensino formal.
A necessidade formal do ensino da língua portuguesa eviden-
cia que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para
a pessoa surda (QUADROS, 1997, p. 84).

Sendo assim, o sujeito surdo poderá iniciar o processo de apren-


dizagem da segunda língua, no caso, o português. Para ter uma segun-
149
da língua se faz necessária a aproximação, o contato com aqueles que
fazem uso da língua que se quer aprender. Por exemplo, uma criança,
filha de brasileiros que moram em colônias alemãs, mesmo fazendo uso
do português para se comunicar com seus pais, irá adquirir o alemão
como uma segunda língua, pois, quando está em horário de lazer, brin-
cando e se divertindo com colegas na escola, ouve as pessoas falando em
alemão e precisa interagir nessa língua. O que difere segunda língua e
língua estrangeira é que, para o primeiro caso, a língua falada está pró-
xima e, no caso de língua estrangeira, o aprendizado é de outra língua
que se fala em outro lugar diferente daquele que se está. É o caso de alu-
nos brasileiros aprendendo francês sem qualquer contato com pessoas
do país de referência. Em relação aos surdos, o português caracteriza-se
para eles como uma segunda língua. Não é o caso de língua estrangeira
porque ele se encontra no Brasil, mas é segunda língua, já que adquire
naturalmente uma língua espaço-visual até, no máximo, seus sete anos,
salvo exceções.
O método de ensino do português como segunda língua presume
que, em suas aulas, o professor retire do conteúdo a ser lecionado as au-
las com exercícios de leitura em grupo ou coletiva (em que o professor

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

aponta com a régua aquilo que deve ser lido), ou aqueles que tornam
evidente a silabação (junção de b + a = ba), pois, atualmente, o foco
de discussão incide sobre práticas de letramento. O letramento possui
sua abordagem mais globalizada quanto à língua, ou seja, propõe o
trabalho em forma de texto e não com palavras, sílabas ou frases. Para
a criança surda, isso é muito significativo, pois ela não consegue fazer
uma leitura linear – os olhos não percorrem palavra a palavra dentro
do texto –, mas visual, isto é, irá destacar aquilo que mais se eviden-
cia (imagens, letras negritadas, itálicas, cores, etc.). Após isso, concede
abertura para uma aprendizagem mais significativa, ou seja, a partir do
texto pode tratar de questões diversas quanto à realidade.
A leitura consiste no primeiro passo e, para Quadros (1997), o
professor deve passar para o aluno surdo o texto integral, contendo
elementos visuais, diferenciando o tipo de texto a cada aula, como des-
critivo, narrativo, dissertativo e permeado de função social explícita,
como: cartazes, panfletos, anúncios de jornal e outros.
Possuir o texto em mãos, na íntegra, significa que, se o professor for
reproduzi-lo, deve garantir sua formatação e cores, evitando escrevê-lo no
150 quadro. Deve também possuir uma cópia ampliada, em slide ou transpa-
rência, a fim de que haja exploração na leitura. O aluno surdo não lerá
em voz alta. Então, caso o professor proponha esse tipo de atividade para
a sala, deve “pular” o surdo. Tal atitude não significa ser excludente, pois
o respeito fica estabelecido quando a pessoa é tratada com os mesmos di-
reitos e com sua especificidade. Esse aluno deverá rea-
lizar a sinalização quanto ao texto, manifestando um
sinal equivalente. Deve percorrer visualmente todo o
texto e, em seguida, sinalizar a temática do texto, que
informações possui, que palavras já conhece e se tais
palavras podem ser aplicadas naquele contexto. Após
essa realização, cabe ao professor ajudá-lo no aperfei-
çoamento da leitura. Antecipadamente, o professor
precisa ter planejado algumas perguntas para fazer ao
aluno surdo (não sendo interpretação de texto), uma
orientação para que o aluno seja estimulado a pensar
sobre o conteúdo que está sendo abordado naquele
texto. Dessa forma, a leitura procederá conforme o
texto. A seguir, um exemplo de como realizar esse tra-
Fonte: São Paulo (2007). balho, baseado no cartaz ao lado.

FAEL
Capítulo 3

Inicialmente, é necessário deixar os alunos discutirem sobre os ele-


mentos extralinguísticos (cores e desenhos) e conversarem sobre o por-
quê disso, sobre o objetivo social desse gênero textual. No cartaz sobre
a campanha de vacinação contra a raiva, da Prefeitura de São Paulo, há
variedade de cores, o que possibilita o desenvolvimento de um trabalho
interessante, pois, além de despertarem muito a atenção, podem ser
exploradas. Os sinais das cores são demonstrados a seguir.

Vermelho Verde Azul

151

Alaranjado

Amarelo

Cor-de-rosa

Marrom Preto Branco

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Em seguida, o professor pode fazer a pergunta, em Libras, para seu


aluno surdo: “Por que é importante vacinar o cachorro e o gato?”
Saiba mais E quando o aluno respon-
Consulte: <http://www.youtube.com/ der, em Libras: “evitar bravo
watch?v=0l3NX__oQAk>. Nesse link é possível morder”, o professor deve apon-
visualizar o alfabeto, os números, as cores e os tar no texto onde isso se encontra
dias da semana na Libras. escrito, ou seja, mostrar a palavra
“raiva” no panfleto.
Após apontar no texto a palavra “falada” pelo aluno, o professor irá
registrá-la no quadro para servir de orientação, para quando for neces-
sária nova leitura ou haver esquecimento da palavra, ele consiga voltar
ao caderno e lembrar-se.
Diferentes tipos de perguntas que o professor poderia formular e
oferecer ao aluno seriam: a) Quem pode tomar essa vacina?; b) Precisa
pagar?; c) Qual o período de vacinação?; d) Onde podemos obter mais
informações sobre a vacinação?; e) O que significa o termo “contra”, na
frase “Vacinação contra a raiva em cães e gatos”?
152
Frente às respostas em Libras, o professor atuaria de forma seme-
lhante, fazendo a ligação daquilo que o aluno diz com o que está escrito
no cartaz e, simultaneamente, registrando o roteiro no quadro.
O desafio de trabalho com a leitura é um momento muito im-
portante na aula de alfabetização. Devido a isso, o professor necessita
empreender tempo oportuno em busca desse material, para que seja algo
muito interessante ao aluno surdo. O educador deve oferecer uma leitura
de texto que contenha uma imagem condizente com o discurso apresen-
tado, não muito delongado e que tenha um objetivo social específico, de
real circulação. Após o trabalho de escolha do texto, encaminha-se para
a aula propriamente dita, que é o momento em que o professor deve
oportunizar, várias vezes, o contato do material com o aluno, bem como
a interação discursiva sobre a temática apresentada (BRASIL, 2002a).
O contato intenso com o material abordado nos textos propor-
ciona a aquisição de conhecimento, apreensão do saber, acréscimo de
informação e, por isso, representa aprendizado a todos os alunos e não
apenas aos surdos. Quadros (1997) aborda que esse contato, quanto aos
surdos, torna-se muito significativo, considerando que se destaca como

FAEL
Capítulo 3

uma das únicas formas de acesso às atualidades, pois são privados das
informações que são veiculadas de forma auditiva na sociedade. Com
a possibilidade de o aluno interagir com a temática do texto, ele pode
ser levado pelo professor a refletir sobre o conteúdo apresentado. No
momento da interpretação do texto, quando as questões relativas às
considerações abordadas pelo autor são pontuadas, o professor se colo-
ca como um mediador, estabelecendo relações, visando traçar paralelos
e sugerindo uma conversa entre os textos, ou seja, a intertextualidade.
Essa função do professor, para Silva (2001), é de suma importância
para que o aluno obtenha uma referência na leitura e, ao aluno surdo,
é como se pudesse confirmar as hipóteses que ele levanta. Isso porque,
como esse aluno ainda está no processo de aquisição da língua escrita
e trabalha com dificuldade frente aos códigos da língua portuguesa,
ele procura descobrir o significado de algumas palavras e, em situações
assim, a intervenção do professor pode ser decisiva para o aluno.
Depois, algo tão importante quanto o processo de leitura é o da
elaboração escrita, pois é quando o aluno tem a oportunidade de ma-
nifestar o seu entendimento sobre a temática apresentada, ele sente-se 153
participante no processo de aprendizagem. No trabalho com a escrita,
o professor poderá propor temas a serem discutidos com todo o grupo.
Temas esses que, se forem apropriados à idade das crianças, poderão
promover grandes discussões produtivas ao aprendizado. Em seguida,
o encaminhamento para a aula de português e a metodologia utilizada
para trabalhar o letramento com as crianças surdas serão iguais aos dos
alunos ouvintes, com o diferencial de que o canal de comunicação será
o espaço e a visão, quer dizer, a interação se dará por meio da Libras
(BRASIL, 2002a). A fim de elucidarmos a proposta apresentada, segue
o exemplo de um trabalho com a temática: materiais escolares.
Em relação a essa proposta, o objetivo principal pode ser o da
apropriação das palavras relacionadas ao tema, bem como a elaboração
de frases curtas a ele pertinentes. Após a leitura do texto sugerido, o
professor irá propor atividades para que reflitam sobre a língua. Sendo
assim, é interessante obter sentenças modelo que possam servir de fon-
te para outras situações semelhantes. Dessa forma, pode-se exibir uma
parte do texto, como: “O menino escreveu com o lápis.” e indagar a
colocação do pronome seguido do sujeito da sentença na seguinte situa-
ção: se você é uma menina escrevendo, colocaria “o menina”? E, assim,

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ir promovendo a aula, permitindo espaços para que os alunos, inclusive


os surdos, abordem possíveis comutações com outras palavras:
Insira as palavras a seguir nos seus devidos lugares.
as canetas – a caneta – os meninos – as meninas
O menino escreveu com o lápis.
O menino escreveu com ______________.
O menino escreveu com ______________.
______________ escreveram com o lápis.
______________ escreveram com o lápis.
É necessário que o professor sempre retorne às frases escolhidas
para aprofundar a reflexão em aula. Isso porque esse momento é de
tamanha riqueza para os surdos, pois é diferente da língua de sinais. No
caso anteriormente apresentado, vimos a questão da flexão verbal apon-
tando as pessoas no discurso, a concordância nominal para evidenciar
o número de pessoas, o uso do “s” como identificador de plural para o
154 complemento “caneta” e sua inexistência no caso de “lápis”. Após essa
explanação, o professor poderá desenvolver exercícios de fixação, em
que os alunos deverão revisar aquilo que foi trabalhado no texto, no
caso, as palavras discutidas na reflexão linguística feita coletivamente.
Assim, poderão surgir caça-palavras, atividades de ligar gravuras a pala-
vras, cruzadinhas, frases para serem completadas, etc.
Nota-se que, em relação ao surdo, o processo de escrita é muito
mais difícil do que para os ouvintes, porque, para os surdos que não
ouvem e nem falam o português, significa a aquisição de uma segun-
da língua (QUADROS, 1997). Quando esse processo se estabelece, é
natural recorrer à primeira língua ao se deparar com uma determinada
insegurança. No caso dos surdos, a mesma situação acontece, ou seja,
quando estão tentando elaborar mentalmente uma frase em português,
há interferência da Libras e, muitas vezes, a frase escrita não será nem
em uma língua nem em outra, mas em ambas. A essa mistura chama-
mos interlíngua, o que significa que o aluno não se apropriou do portu-
guês completamente e não se distanciou da Libras, está em processo.
Uma frase típica de interlíngua escrita por surdos é: “casa ir”. Essa
frase representa seu aprendizado no português, em que o nome do

FAEL
Capítulo 3

lugar onde moramos é “casa” e em que usamos o verbo “ir” quando


anunciamos que haverá deslocamento de um lugar para outro. Porém,
ele desconhece a necessidade de conjugar o verbo para que haja con-
cordância com a pessoa, com o sujeito da frase que, nesse caso, seria:
eu irei. Além disso, a pessoa surda ainda não aprendeu que, depois do
verbo ir, é necessário o uso da preposição “para”.
Tanto o uso de preposição quanto a conjugação do verbo são ques-
tões gramaticais que não seriam omitidas pelas crianças ouvintes, pois
estas já possuem total domínio na hora de escrever, já que estão habi-
tuadas a ouvir os adultos se comunicando. As crianças surdas, diferen-
temente, decoram os nomes dos sinais que produzem em Libras, pois,
nessa língua, quando o verbo “ir” é sinalizado, de imediato se indica a
direção do deslocamento (percurso) e aponta-se quem vai (pessoa) a de-
terminado lugar. Na Libras, a preposição e a conjunção são implícitas
ao sinal (BRASIL, 2002a).
No entanto, se esse aluno surdo se encontra na segunda etapa do
ensino fundamental, ou, então, se está no ensino médio, é importante 155
que os professores das variadas disciplinas entendam a especificidade da
forma como o surdo escreve para poder estabelecer critérios diferenciados
de avaliação. Sabemos que o ato avaliativo é de suma importância no
contexto pedagógico e que não deve ser de caráter punitivo, mas constru-
tivo e reflexivo, que é o que permeia todas as áreas do conhecimento.
Quando o professor avalia qualitativamente, está contribuindo
para o desenvolvimento e crescimento intelectual e pessoal do seu aluno
e, devido a isso, deve entender que a simples disposição de valor a uma
atividade não será significativa. É necessário ir além. O professor precisa
destacar claramente a atuação incorreta do aluno e mostrar a ele qual a
maneira correta de fazer. Caso contrário, existe uma grande propensão
de que o erro seja internalizado por quem produz, ou seja, o aluno sem-
pre comete o mesmo equívoco e o professor sempre o evidencia (com
caneta vermelha), mas não explica a razão do erro. Isso pode se tornar
algo costumeiro e, então, ele fará novamente, e mais uma vez o professor
fará a marcação sobre o erro e não dará explicações a respeito, e assim
sucessivamente, até que, enfim, o erro é apreendido, porque após tantas
repetições daquilo que é errado o aluno entenderá o que é certo.

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Em casos de correção de textos, o normal é que os alunos, devido


a tantas sinalizações sem qualquer explicação, passem a ter aversão à
língua portuguesa, sempre pensarem que é difícil e que nada sabem.
Quando o professor fizer a correção dos textos elaborados pelos alu-
nos, é preciso que ele tenha em mente o significado social da escrita.
É necessário que o professor se coloque na posição de interlocutor e
faça interação com o texto. O texto deverá servir como elemento de
comunicação entre o professor e o aluno, pois, assim, a correção será
mais uma forma de interação, tornando a escrita relevante, já que o
aprendizado acontece mediante interações sociais.
Dessa forma, o professor deverá estimular o diálogo com seu alu-
no, tornar importante aquilo que foi produzido por ele mediante in-
centivo e fazer com que ele perceba que sua comunicação poderia ter
acontecido de outra maneira, não melhor, mas de acordo com as regras
gramaticais normativas. O propósito pelo qual o professor deve corri-
gir o texto do aluno é de que, ao final de um processo pedagógico de
ensino da língua portuguesa, o aluno tenha uma expressividade fluente
com clareza e objetividade. Tais pontuações é que devem ser avaliadas
156 com frequência nas correções textuais.
O mesmo objetivo que se aplica ao aluno ouvinte deve ser aplicado
ao aluno surdo. Porém, para que se obtenha sucesso no propósito peda-
gógico de ensino do português para surdos, o professor deve participar
em língua de sinais e compreender que a dificuldade destacada em rela-
ção a esse aluno ocorre devido a ele escrever em uma língua que não fala
e, portanto, se relaciona com o português como uma segunda língua.
Ao olhar para a produção textual de um aluno surdo, o professor deve
considerar a organização do pensamento e, assim, poderá atentar para
a separação das ideias em parágrafos e para a coesão.
O próximo passo requer ensino dos elementos coesivos. É impor-
tante saber que tal trabalho será contínuo e constante, pois, devido aos
conectivos inexistirem na Libras, os alunos surdos os esquecem com
frequência. Frente à tamanha dificuldade de lidar com artigos, preposi-
ções, ligações e conjunções necessárias na língua portuguesa, os alunos
surdos costumam decorar a ortografia dessas palavras e confundir sua
ordem sintática. Normalmente, os surdos alteram a ordem da frase por
não se lembrarem do local exato em que se deve empregar os consti-
tuintes da língua. Sendo assim, surgem frases como: “Casa é a bonita”.

FAEL
Capítulo 3

Essa frase demonstra que o seu responsável já tem ciência da necessidade


de nomes femininos virem acompanhados do artigo “a” e, por desconhe-
cer onde deve colocá-lo, escolhe aleatoriamente um lugar próximo ao
adjetivo. Tal regra não existe no português, o que ocasiona uma sentença
agramatical. Por isso, o professor precisa intervir a esse respeito e mostrar
para o aluno que há uma dependência estrutural (organização obrigató-
ria da frase) que rege o local do nome e o local do artigo e, nesse caso, o
“a” deve ser inserido antes do sujeito (casa).
Quadros (1997) diz que, por se tratar de uma situação muito
específica do português, o aluno adota o hábito de decorar a regra e
utilizá-la de maneira genérica em qualquer caso, podendo, assim, cons-
truir sentenças erradas, tais como: “O moto”. O que será altamente
compreensível, pois, em conformidade com as regras gramaticais, um
vocabulário masculino solicita o acompanhamento de um artigo do
mesmo gênero. Eventuais situações exigirão do professor que esclareça
as exceções, o que consiste em um trabalho sistemático para ele.
Ainda no contexto dos anos finais do ensino fundamental ou do
ensino médio, há que se destacar que os sistemas de ensino têm garan-
tido a presença de um profissional muito importante para acompanhar 157
o aluno surdo, figura que também faz parte da comunidade surda e é
responsável pela mediação entre surdos e ouvintes: o intérprete. Esse
profissional é aquele que, por dominar a Libras e o português, pode
vincular a interação entre pessoas que as desconheçam. O trabalho do
intérprete consiste em transpor textos ou discursos de uma língua para
outra, permitindo que pessoas que escrevem e falam em línguas dife-
rentes possam se comunicar entre si.
Além do intérprete, há outro sujeito, também envolvido na comu-
nidade surda e com o mesmo domínio linguístico, mas que desempe-
nha um trabalhado diferenciado, o tradutor.
A principal diferença entre a atuação desses profissionais está no
fato de que o tradutor trabalha com textos escritos, o intérprete com
discursos orais. Dessa feita, pessoas surdas podem atuar como traduto-
res quando leem textos em português e os transpõem para Libras. Ou,
ainda, podem ser intérpretes quando veem uma língua sinalizada de um
país em específico e a transpõe para a língua de sinais de outro país.
Para tanto, os tradutores leem e estudam o texto original, apreendem
o seu sentido geral e, em seguida, procedem à sua tradução, procurando

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

respeitar as ideias e os pensamentos nele presentes, aplicando a termino-


logia mais correta.
Já as pessoas ouvintes que atuam profissionalmente como intér-
pretes transpõem um discurso oral emitido em uma língua para outra e
funcionam como elo entre pessoas que se comunicam verbalmente em
idiomas diferentes.
Para desempenhar bem esse trabalho, o profissional intérprete pode
escolher entre uma das principais modalidades de interpretação existentes:
●● interpretação de acompanhamento – é o profissional que,
acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os
sentidos os diálogos que esta estabelece com interlocutores
que se comunicam em outra língua, ou seja, quando o surdo
fala, o intérprete passa a Libras para o português, a fim de que
o interlocutor o entenda e, quando o ouvinte fala, o intérprete
sinaliza para o surdo.
●● interpretação judicial – é a interpretação realizada no âmbi-
158 to de um julgamento.
●● interpretação de conferência – é realizada em reuniões mul-
tilíngues formais, designadamente congressos, seminários,
conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.
Essa última forma de atuação é bastante comum em relação à
­ ibras, pois em situações formais de palestras e simpósios, normalmen-
L
te, é solicitada a presença do profissional intérprete, a fim de que os
participantes surdos possam acompanhar o evento.
Quando o intérprete está mediando uma relação entre surdos e
ouvintes de ordem formal, ele pode optar por desempenhar seu traba-
lho de forma consecutiva ou simultânea. A interpretação consecutiva é
mais adequada para as conversações que envolvem um número reduzi-
do de participantes, como pequenas reuniões técnicas entre especialis-
tas. Nesses casos, o intérprete encontra-se junto ao orador, ouvindo a
sua intervenção e tirando apontamentos; em seguida, interpreta inte-
gralmente em outra língua o discurso feito, como se este fosse seu (isto
é, na primeira pessoa do singular). Já a interpretação simultânea é mais
adequada para encontros que envolvem muitos participantes, garantin-
do a transposição quase imediata dos discursos orais.

FAEL
Capítulo 3

Ao mediador de relações entre surdos e ouvintes são outorgadas


pelo menos três grandes responsabilidades, a saber: de conhecimento
profundo sobre as línguas envolvidas, nesse caso, Libras e português; de
conhecimento sobre as culturas envolvidas – de surdos e de ouvintes; e
de conhecimento sobre atualidade política, econômica e social.
Além disso, esse profissional precisa ter clareza do que ouve para
interpretar adequadamente o sentido, o estilo e o espírito que o discur-
so apresenta. Para isso, precisa ter grande capacidade de concentração e
de memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais,
de forma a não perder nenhuma informação. Isso é importante porque
os intérpretes nunca têm a possibilidade de voltar a ouvir o que foi dito.
Por isso, é essencial que o intérprete também tenha excelentes faculda-
des de análise e de síntese, de forma que, preservando a continuidade
e o sentido dos discursos orais, consiga manter o ritmo da intervenção
sem perder informações.
Diante de tantas exigências para atuação, vemos o quão árdua é a
profissão de intérprete e o quão importante ela é para que a interação
159
social entre falantes de línguas diferentes seja bem-sucedida. Aos in-
térpretes de Libras, nosso respeito e consideração pelo grande trabalho
desempenhado junto às pessoas surdas.

Da teoria para a prática


Agora que o profissional da educação já entende como se dão as
relações sociais da surdez, coloca-se uma questão: a relação do direito
assegurado e do julgamento de valor. Nesse sentido, cabe à coordenação
pedagógica gerir qual o melhor procedimento diante de uma disciplina
de música a ser trabalhada em uma sala de aula em que estejam incluídas
pessoas surdas. Nesse caso, qual seria a melhor atitude a ser tomada?
●● Poupá-lo da aula, afinal, sua constituição intelectual, pessoal
e subjetiva é construída a partir da visão e deixá-lo junto às
atividades desenvolvidas (coral, sons dos instrumentos) pelo
professor denotará preconceito, já que ele sentirá que não
produz na mesma proporção que os demais alunos.

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Língua Brasileira de Sinais – Libras

●● Integrá-lo à aula, salvaguardando suas especificidades e ten-


tando adaptar os sons para os gestos e/ou movimentos dos
sinais, já que a condição auditiva não poderá ser alterada.
Privá-lo dessa participação implica reserva de cultura e isso é,
humanamente falando, injusto.
Ainda levando em conta a tomada de decisão no contexto escolar,
sugere-se uma questão ao professor regente de sala de aula: diante da
proposta de assistir a um filme e fazer um relatório, o aluno surdo com-
parece à aula sem a atividade executada e argumenta que não deve ficar
sem a nota, devido às dificuldades inerentes à sua história de vida (não
adianta assistir ao filme, pois não há janela (espaço na tela no qual há o
intérprete de Libras) e, por isso, ele não entende e não consegue escre-
ver no nível exigido, já que o português é sua segunda língua). Diante
disso, qual seria a melhor atitude?
●● insistir na cobrança da atividade, afinal, como aluno, ele deve-
rá realizar todas as demandas apresentadas em sala, ainda que
existam critérios diferenciados para avaliação. O aluno deverá
160 procurar uma forma de assistir ao filme e compreendê-lo.
●● adaptar a atividade. Ao invés de assistir ao filme – dada a
ausência de legenda –, o professor passa o relatório de um
dos alunos para que o surdo leia e o dispensa da entrega do
relatório. Apenas solicita que, se possível, ele explique em Li-
bras o que entendeu da leitura, pois o filme tem um conteúdo
extremamente importante para a disciplina.

Síntese
Neste capítulo, vimos que a vida de uma pessoa surda tem pe-
culiaridades que não se encontram na organização de uma pessoa
ouvinte. Além disso, vimos que o surdo prefere se casar com outro
surdo, para ter uma comunicação facilitada, que, quando tem filhos
surdos, a relação é amena, ao passo que quando os filhos são ouvintes
(Codas) haverá uma dupla constituição psicológica, o que poderá
acarretar em algumas dificuldades de relacionamento. Destacamos

FAEL
Capítulo 3

que a aquisição da linguagem da criança surda acontece nos mesmos


moldes da criança ouvinte.
Abordamos, também, a questão de que as relações sociais se mos-
tram como espaço constituidor de identidade e de desenvolvimento
cultural e apresentamos as disseminações políticas consideradas no caso
da surdez (closed claption e Lei n. 1.078/2007). Quanto à inclusão dos
surdos, trouxemos os tipos possíveis de escolarização (escola especial,
escola inclusiva e centro de apoio ao surdo) e defendemos que, indife-
rente do espaço, a Libras deve ser assegurada como língua de instrução.
Dessa forma, apresentamos a importância do seu registro por meio do
SignWriting (escrita de sinais) e de metodologia específica para o ensino
do português, visto que se apresenta como segunda língua e, por isso,
vem carregado de dificuldades para ser aprendido, já que essas pessoas
não ouvem e não falam a língua que devem escrever e ler.

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Língua Brasileira de Sinais – Libras


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166

FAEL
Língua Brasileira

de Sinais – Libras
A educação brasileira sempre foi carente de universali-
dade, no sentido de demandar a necessidade de atendi-
mento da maioria das pessoas. Essa carência se constitui
não somente com questões voltadas à leitura e à escrita
propriamente ditas, mas a todo o conhecimento historica-
mente acumulado.
Nesse sentido, favorecer o acesso às informações é incum-
bência da educação, e nas últimas décadas essa missão
tem sido um pouco mais facilitada graças à modalidade de
ensino a distância. A facilidade não pode ser considerada
de forma depreciativa, porque esse tipo de ensino impõe
questões extremamente desafiadoras a todos os envolvi-
dos no processo. Ela se relaciona com a acessibilidade da
informação, que pode ser disponível a um número maior
de pessoas, em um menor espaço de tempo.
Tendo como base essa premissa, destaca-se a importân-
cia do compartilhamento desta obra com leitores da edu-
cação a distância, pois eles poderão conhecer algumas
questões de uma minoria social: os surdos. Dessa forma,
estaremos difundindo a concepção de inclusão adotada,
ou seja, a universalidade do saber e da convivência.

ISBN 978-85-64224-28-5

9 78 8 5 6 4 22 4 2 8 5

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