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SUMÁRIO
Pág.
APRESENTAÇÃO......................................................................................... .......2
1. Argumentos em favor da conservação da biodiversidade.......................... .......3
1.1. Argumentos antropocêntricos....................................................................... .......3
1.1.1. Biodiversidade como recurso genético............................................................. .......4
1.1.2. Biodiversidade como equilíbrio dos ecossistemas........................................... .......5
1.1.3. Biodiversidade como recreação........................................................................ .......5
1.1.4. Biodiversidade como interesse científico......................................................... .......6
1.1.5. Biodiversidade como contemplação................................................................. .......7
1.1.6 Compilação dos argumentos antropocêntricos e surgimento da possibilidade
de outro tipo de argumento............................................................................... .......8
1.2. Argumento zoocêntrico.................................................................................. ......9
1.2.1. Conservação da biodiversidade em relação aos animais sencientes e
autoconscientes................................................................................................. .......9
1.3. Argumento ecocêntrico.................................................................................. .....11
1.3.1. Emergentismo e valor....................................................................................... .....13
1.3.1.1. Valor intrínseco e sistêmico............................................................................. .....14
1.3.2. A hierarquia dos valores na matriz da vida...................................................... .....14
2. Conservação in situ e ex situ.......................................................................... .....17
2.1. Por que manejar uma população? ............................................................... .....17
2.2. Conservação in situ......................................................................................... .....17
2.3. Conservação ex situ........................................................................................ .....18
2.3.1. O que é a felicidade para um animal? ............................................................. .....18
2.3.2. Tipos de manejo ex situ.................................................................................... .....19
2.3.2.1. Recreação...............................................................................................................19
2.3.2.2. Interesse científico............................................................................................ .....19
2.3.2.3. Banco genético................................................................................................. .....19
2.3.2.4. Triagem............................................................................................................. .....19
2.3.2.5. Reintrodução..................................................................................................... .....20
2.3.3. Ecocentrismo e manejo ex situ......................................................................... .....20
APRESENTAÇÃO
Toda ação humana (ao menos toda que pode ser expressa por palavras) necessita de
uma motivação, alguma razão que impele o agente em questão a passar do estado de
inatividade para o de atividade. De fato, (quase) ninguém age fortuitamente. E em se
tratando dos círculos científicos, isso é ainda mais certo. Em um contexto de intervenção no
curso de eventos naturais, não é razoável que se aja sem uma justificativa para tanto. Em se
dando a devida atenção, perceber-se-á que a justificativa de uma ação é a sua própria
definição. Se se pergunta a uma pessoa: “o que fazes?” e em ela respondendo “estou
reintroduzindo uma população de primatas em uma mata onde eles hoje não mais ocorrem”,
essa resposta mais geral não se refere a uma descrição da ação imediata como seria, por
exemplo “estou carregando uma gaiola com um bugio dentro”, mas constitui o próprio
“porque” da ação imediata: reintroduzir uma população de primatas.
Mas da mesma forma que carregar a gaiola com o bugio é justificado como uma
etapa da reintrodução da população, a própria reintrodução da população necessita de uma
justificativa: por que reintroduzir populações de primatas? Para alguns, essa questão pode
parecer ser sentido, mesmo óbvia. Mas encarada dentro do contexto da Filosofia, cuja
essência é o próprio questionamento sistemático e profundo, testando as motivações últimas
de cada ação, ela se mostra inteiramente pertinente. Essa pertinência pretendo clarificar no
seguimento deste texto.
No caso da reintrodução de populações naturais, a justificativa mais imediata,
largamente assumida, é a conservação da biodiversidade. Mas por que conservar a
biodiversidade? Será essa uma pergunta infundada, que não precisa ser feita? Mas o
argumento acima apresentado nos mostrou que nenhuma pergunta que se refira a questões
éticas (isto é, que busca a fundamentação da ação humana) é infundada. Temos sim razão
em perguntar o por que de conservar a biodiversidade. Não tanto por duvidar que haja uma
explicação razoável para tanto. Bem pelo contrário. A minha intuição ética indica-me que
sim, e o mesmo se dá para todos os conservacionistas. A intenção de um questionamento
filosófico sobre a pertinência da Conservação dirige-se, antes, a suprir o movimento
conservacionista de argumentos que permitam a defesa dessa prática frente aqueles que
não vêem nela algo relevante, por quaisquer que sejam os motivos.
Como subsidiária a essa, apresenta-se a questão da pertinência do manejo ex situ.
Por que e como manejar uma espécie alijada de seu lugar na natureza? Quais são as
implicações éticas desse tipo de manejo? Essas questões impõem-se com a mesma força
que as que foram anteriormente formuladas, devendo, portanto, ter uma defesa
argumentativa por parte de quem se preocupa com esse tipo de prática.
Antes de se iniciar a discussão filosófica, cabe fazer um aparte biológico em relação
ao conceito de biodiversidade. O conceito mais aceito, e, portanto, aqui utilizado, é o de
que
Tratar-se-á, portanto, em primeiro lugar (no ponto 1.), de enfrentar a questão de por
que a conservação da biodiversidade é importante. Serão, então, apresentados diversos
argumentos pelos quais ela pode ser respondida afirmativamente, partindo de concepções
mais próximas das intuições éticas de nosso tempo para algumas que se apresentam
somente como pertinentes entre um número reduzido de indivíduos. A saber, partiremos de
argumentos antropocêntricos para argumentos ecocêntricos, passando por argumentos
zoocêntricos. Depois de apresentados argumentos, será apresentado o ponto de vista
defendido pelo autor e que implicações esse ponto de vista traria para a conservação in situ.
Em seguida (no ponto 2.) será discutida a questão do manejo ex situ em relação, também a
diferentes concepções, e, por fim, será discutida a questão de que atitudes se devem tomar
para a conservação da biodiversidade.
Argumentos antropocêntricos são aqueles nos quais o critério usado para determinar
o que deve ser feito é o bem estar dos humanos. Em outras palavras, uma visão de mundo
antropocêntrica é aquela que confere aos humanos a condição de valor absoluto ou
intrínseco. É dizer, os humanos devem ser respeitados pelo que representam em si
mesmos. Em contraste, essa visão de mundo prescreve que os demais seres possuem valor
somente em relação aos humanos, ou seja, os demais seres são dotados de valor
instrumental. A justificativa para que se atribua valor intrínseco aos humanos e
instrumental para os outros seres é uma questão bastante complexa, e não será discutida
neste texto3. Indicações acerca dessa questão, no entanto, serão apresentadas na seção 2.
onde apresento a minha concepção sobre o assunto.
1
PNUMA, IBAMA e UMA. Perspectivas do meio ambiente mundial – GEO-3. disponível em
www.ibama.gov.br. 2004. Visita realizada em 15 de novembro de 2005.
2
Cf. Shaffer, M. Minimum population sizes for species conservation. BioScience vol. 31, nº 2, pp. 131-134.
February 1981.
3
Para uma discussão dessa questão, ver SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo, Martins Fontes: 1994. E
ROLSTON III, Holmes. Philosophy Gone Wild. New York: Prometheus Books, 1989. Ambos autores
Para os leitores que já estão familiarizados com os argumentos antropocêntricos
expressos abaixo, sugiro que passe para os argumentos zôo e ecocêntricos da seqüência.
criticam essa concepção. Para uma defesa dela, ver Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Existem diversas edições em Português. Uma edição de qualidade em inglês é KANT, I. Foundations of the
metaphysics of morals. S.n.t, The Library of Liberal Arts: 1959.*
utilizadas como alimento tenham as capacidades de adaptação às mudanças ambientais que
virão, ou seja, para que exista uma segurança alimentar.
4
Halwi, B. “Aquaculture pushes fish harvest higher” in The World Watch Institute. Vital Signs 2005. Norton,
New York: 2005.
5
Gardner, G. “Forest losses continue” in The World Watch Institute. Vital Signs 2005. Norton, New York:
2005.
Um outro argumento antropocêntrico é o que diz ser a diversidade das formas de
vida interessante para a admiração humana. Não só em museus de história natural, como
também “in vivo”. Exemplos bastante comuns disso nos são familiares. O que vai fazer
alguém no arquipélago de Fernando de Noronha, por exemplo? Vai conhecer a beleza dos
seres que lá vivem, particularmente da fauna marinha. Esse argumento é comum a toda a
defesa do que hoje se chama “ecoturismo”. Trata-se fundamentalmente de conservar as
espécies para que os humanos possam admirá-las. E como bem se sabe, essa atividade é
uma grande fonte de recursos. Os turistas carregam consigo muito dinheiro.
No entanto, dentro da perspectiva antropocêntrica na qual estamos trabalhando no
momento, esse argumento pode parecer particularmente fraco. Pode alguém dizer: “bom,
podemos preservar uma área natural de sua destruição para o turismo, mas a renda que isso
gera é muito menor do que se instalássemos a indústria X.” Pode isso ser verdade, mas cabe
lembrar que a perspectiva que estamos adotando aqui é a que leva em conta valores
humanos. O argumento apresentado possui como premissa oculta que a geração de renda é
o que de mais interessante ou importante existe. Isso é, reduz as potencialidades humanas à
sua condição material, ou melhor, monetária. A experiência humana, no entanto, é
infinitamente mais rica. O que faria alguém cheio de dinheiro em um planeta onde só
existissem pouquíssimas espécies? Teria ele a capacidade de se maravilhar com a beleza
dos peixes de Fernando de Noronha, ou com a exuberância da Mata Atlântica?
Segundo esse argumento, portanto, a biodiversidade deve ser conservada (4) para
ser admirada pelos seres humanos.
6
Lutzemberger, J. “Science, Ethics and Environment” in Callicott, J. B. & Da Rocha, F. J. R. Earth Summit
Ethics: toward a reconstructive postmodern philosophy of environmental education. New York, State
University of New York Press: 1996. pp. 28-29
tal ser, um primata, folívoro, que emite um rugido (em realidade, ronco) estrondoso, que
faz as matas tremerem! Que mecanismo será que o permite emitir um tal som? Que
mecanismos digestivos o permitem uma nutrição quase que inteiramente à base de folhas?
Que tipo de interações será que ele estabelece com outros seres da mata?
Conhecer a realidade imensamente rica e complexa é uma das motivações centrais
da ciência, do espírito científico. Dizer, portanto, que a ciência tem a sua motivação
inteiramente no transformar a realidade é desconhecer uma das potencialidades (talvez uma
das mais importantes) da existência humana.
Fazer ciência meramente para aumentar o poder, particularmente o poder
econômico, humano sobre outros seres (incluindo outros humanos) é incorrer no mesmo
erro apresentado na seção anterior, a saber, reduzir as potencialidades humanas ao acumulo
de capital, esquecendo-se de diversas outras. Lá, da capacidade da admiração cênica,
plástica da vida nesse planeta. Aqui, da capacidade de compreender os maravilhosos
mecanismos que levaram à existência de tamanha diversidade de formas de vida.
Quantos processos maravilhosos já deixaram de existir por ação do homem?
Quantos mecanismos e estratégias adaptativas não desapareceram com extinções de origem
antrópica? Essa pergunta não se pode responder, mas ela dá a dimensão de que, em
destruíndo a diversidade da vida no planeta, nós estamos acabando com uma das
possibilidades mais fascinantes da existência humana. A aventura científica na qual a
humanidade ingressou desde há muito tempo.
Segundo esse argumento, portanto, devemos conservar a biodiversidade (5) para
bem de que possamos conhecer as maravilhas que permitem que uma imensa quantidade de
variedades de vida possam coexistir nesse planeta.
Essa seção será como uma síntese das duas anteriores. Tratar-se-á de pensar a
possibilidade de se encarar a natureza de uma maneira ao mesmo tempo abrangente, como
é o caso da admiração pela paisagem, e que represente algum tipo de conhecimento (para
além da esfera puramente subjetiva), como é o caso do maravilhamento científico.
Existe uma experiência humana sui generis vivida quando se está em contato
profundo com a natureza. Algo que vai além no mero “que bonito” da penúltima seção
(turismo). A admiração que corriqueiramente experienciamos é feita a partir do ponto de
vista de uma idéia (ou feixe de idéias) a qual chamamos “eu”, profundamente ligada,
mesmo condicionada àquilo que vivemos no passado. Então temos uma individualidade
observando algo exterior a ela. Mesmo que essa individualidade estiver muito
impressionada com o que vê, quando observamos da beira de um dos cânions do Parque
Nacional dos Aparados da Serra, se ela mantiver o ponto de vista do “eu”, sempre haverá
uma barreira entre o observador e a coisa observada.
Agora, em algumas ocasiões especiais, (para alguns mais raras, para outros mais
freqüentes), particularmente quando se está em contato com a natureza, longe dos nossos
pensamentos corriqueiros, quando a nossa consciência é subitamente tomada por uma
experiência em tudo distinta do que estamos acostumados. Nesse estado de espírito,
estranhamente a nossa constante preocupação com nós mesmos se desvanece, paramos de
reafirmar a nossa identidade, nosso “eu”, com pensamentos ininterruptos. Nossa mente
silencia. E sentimos um profundo sentimento de união com tudo que está a nossa volta,
com toda a beleza que agora experienciamos como partícipes, não como observadores. O
observador e a coisa observada são, então, a mesma coisa.
Essa é a experiência de Comunhão com a Natureza, entendida essa menos como a
soma dos processos ecológicos descritos cientificamente e mais como a matriz generativa
da realidade mesma, o próprio fluxo da existência. O que há de particular nela e que a
diferencia de todas demais experiências é que ela se dá precisamente na e pela ausência de
uma individualidade, um “eu” que se auto-afirma por meio de pensamentos constantes.
Estando a mente livre desses pensamentos, ela tem a possibilidade de apreender o mundo
diretamente. Se a mente humana possui ou não essa capacidade eu não ponho em dúvida,
pois a tenho experienciado. O que é relevante de se dizer em relação à essa vivência é que,
nesse estado de espírito, a consciência é tomada por um estado de alegria, e conforto. Aí
não existe sofrimento (psicológico), pois a mente não é guiada pelo passado, mas está
atenta ao presente.
E que essa experiência é grandemente facilitada pelo contato com a natureza não
resta dúvida. Contrapondo a natureza à cidade, percebemos com facilidade que a vida
urbana é regida pelo pensamento no passado ou no futuro. A mente de quem está na cidade
é cheia, não há espaço para comunhão com nada. Só há espaço para o “eu”. Já em meio à
natureza, a realidade é única, una. A atenção está naquilo que ocorre no momento. Não há
porque nem como se preocupar (pré-ocupar) com o passado e o futuro.
7
Os termos “fim” e “meio” são utilizados tecnicamente em filosofia, sendo que os seus significados são os
seguintes. O fim é o objetivo de uma ação qualquer. Se considero que me alimentar é algo importante, então
“alimentar-me” é um fim de minha ação. Agora, para se alimentar é necessário que se alimente de algo.
Aquilo com que me alimento, nesse caso, é o meio pelo qual realizo o meu fim.
vegetariano. Trabalhando no nível do que devemos levar em conta em nossas deliberações
morais, afirma Singer que
8
SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo, Martins Fontes: 1994. p. 67. Recomendo, que, em havendo
interesse, o leitor procure essa fonte. Pois o tratamento que dou aqui é muito incompleto ao texto de Singer.
De fato, ele desenvolve um argumento bastante bem fundamentado para defender os seus pontos de vista.
9
Idem, p. 290.
Um outro corolário dessa visão de mundo é que os ambientes naturais devem ser
preservados em função dos animais, particularmente os auto-conscientes que aí vivem.
Além disso, é claro que, em se tendo real apreço pela vida do animal, não se pode
simplesmente conservá-lo. Antes, é necessário conservar também o seu hábitat. Esta tese é
inconteste dentro das ciências biológicas: que um ser vivo só é o que é dentro de seu
hábitat. Tanto o hábitat faz parte dele quanto ele, do hábitat; são interdependentes. Se
queremos conservar as populações de chimpanzé, que é a espécie à qual o argumento de
Singer mais se conforma, temos que necessariamente conservar as florestas tropicais da
África onde ele mora. Não faz sentido respeitar o chimpanzé e não respeitar a floresta. A
floresta faz parte do chimpanzé. E não basta conservar só as árvores onde esse primata
vive, é necessário, igualmente, ou ainda mais, conservar os ecossistemas que dão a base de
sua existência. A vida do chimpanzé está inserida em uma gigantesca e complexíssima teia
de relações ecológicas. Em se rompendo essa teia, rompe-se a possibilidade desse animal.
Esse argumento, então, partindo de pressupostos que asseveram o valor intrínseco
da vida dos animais, particularmente dos auto-conscientes, diz que a biodiversidade deve
ser conservada (7) em respeito à vida dos seres sencientes que encontram nela o seu hábitat.
Até aqui consideramos dois pontos de vista possíveis de serem assumidos. Primeiro,
o que considera que o importante a ser buscado é o bem estar para os seres humanos, ou
seja, a visão antropocêntrica. Vimos que nesse registro, podem-se desenvolver argumentos
de peso para a conservação da biodiversidade. Em seguida, consideramos o ponto de vista
zoocêntrico, ou seja o que considera que o importante é o bem estar dos animais. Vimos
que se utilizarmos argumentos inspirados nessa visão de mundo, a força dos argumentos é
ainda maior, mais imperativa, pois abrange um maior escopo de consideração moral.
Será que esse escopo não pode ser aberto um pouco mais? Será que não podemos
incluir outras classes de seres em nossas deliberações éticas? Fazer esse trabalho é o que
intento com essa seção.
A começar pelo nome. Ecocêntrismo. Para alguns, pode parecer uma esquisitice
sem tamanho, coisa de hippies dos anos 70. Para outros, o nome pode fazer referência à
disciplina institucionalizada dentro das universidades, a ecologia. No que têm somente
meia razão. O uso dado aqui a esse termo é inspirado pela sua origem etimológica: eco,
oíkos10, casa. É o ponto de vista que baseia-se em nossa casa, mas aqui na abrangência do
planeta Terra. Assim, quanto ao significado, ela distingue-se em tudo daquilo que, na
grafia, distingue-se por apenas uma letra: egocentrismo. Nesse último, temos a supremacia
absoluta do indivíduo sobre o resto. Já no ecocentrismo, temos a supremacia do todo sobre
as partes. Mas temos que qualificar o que seja esse todo e em que sentido o consideramos.
Antes, no entanto, de ir direto ao assunto, lembremos um pouco de nossa história. A
Terra iniciou sua formação há aproximadamente 4,5 bilhões de anos, levando
aproximadamente 500 milhões de anos para estabilizar-se. Um bilhão de anos depois do
10
A palavra oíkos é grega, grafada e significa propriamente “casa”. Na transliteração do grego para o
latim e daí para as línguas neo-românicas, o ditongo “oi” transforma-se em “e”. Assim também em “oinos”,
“vinho” para “eno” de enologia.
início do processo, já existia a vida.11 Daí em diante, o que antes eram elementos químicos
estáticos passaram a ser elementos dinâmicos, com a fantástica e inexplicável propriedade
de auto-replicação. E esses organismos auto-replicantes passaram a “querer” permanecer.
Surgiu a pressão da seleção natural. Começou, então, a magnífica diversificação das formas
de vida, passando de um número zero de espécies para milhões. Constituídos a princípio de
alguns poucos compostos químicos, os organismos passaram a ter milhões de células, em
sistemas cada vez mais complexos.
Complexidade é, de fato a palavra para se exprimir o movimento da vida no planeta.
O movimento é de complexificação. Foi daí que os mecanismos que sustentam a vida
surgiram, como é o caso, por exemplo, da fotossíntese, dos sistemas de decomposição, etc.
A complexificação dos organismos, em certo sentido, significa que esses não
permaneceram parados, eles melhoraram. De que forma? Criando mecanismos que lhes
permitissem sobreviver mais e melhor. Pensemos, de uma bactéria para o ser humano existe
alguma diferença qualitativa? É claro que não podemos fazer uma afirmação absoluta nesse
sentido. Temos que fazê-la em relação a algum critério. Qual poderíamos, então, usar? Para
um ser humano temos minimamente definido o que é ser feliz, por exemplo. Perguntar o
que significa a felicidade para uma bactéria dificilmente fará sentido. É que no ser humano
está presente algo que, aparentemente, não existe na bactéria: a auto-consciência. E essa
como uma das manifestações da mente.
Tomando, então, a mente como ponto de análise. Durante séculos acreditou-se que
o ser humano era especial. Era qualitativamente distinto dos demais seres. Era filho de
Deus, enquanto aos outros seres restava o título honorífico, sim, mas pouco eficiente, de
“criatura”. O mundo era feito para nós. Com o avanço da ciência, pôs-se em dúvida essa
afirmação. O homem, então, deixou de ser o ser especial e passou a compor com todos os
outros o reino dos seres vivos. Se antes se acreditava que só o homem possuía alma, com a
substituição desse conceito pelo de mente (sem conotações metafísicas), os (ou melhor,
alguns) humanos deram-se conta que o que ocorria com os humanos não era um processo
diferenciado dos demais seres, mas o mesmo. O homem também é filho da
complexificação. A mesma força que faz com que a borboleta tenha asas é a que faz com
que os homens vivam fazendo uso de suas mentes. Para sobreviver, a borboleta usa as asas
(entre outros meios), já os humanos usam a mente. E tanto é assim que os humanos
coexistem com as borboletas. Em outro sentido de adaptação, é impossível dizer qual
espécie ou indivíduo é mais evoluído. Se ambos estão vivos, ambos têm a mesma
capacidade de estarem vivos. Ambos são igualmente adaptados para coexistirem.
Não há dúvida, no entanto, que, nós, humanos, valorizamos a nossa vida mental.
Adoramos nossos prazeres, os que são de várias naturezas. Dizemos que são bons. Que é
boa a nossa vida. Mas, em assumindo, uma visão antropocêntrica do valor, ao mesmo
tempo que dizemos que a nossa vida possui valor, dizemos que a de outros seres não possui
valor absoluto nenhum. É o que ocorre quando se destrói uma floresta na construção de
uma hidrelétrica, por exemplo. O argumento que é mais ouvido é o de que a hidrelétrica é
necessária para o crescimento eco(ECO!)nômico do país e para a “felicidade geral da
nação”. Esse argumento é, no entanto, do ponto de vista ecocêntrico que estamos
trabalhando, profundamente ignorante.
11
Teixeira, W. Toledo, M. Fairchild, T. Taioli, F. Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000.
Ignorante? Por que? Digo que ele é ignorante por não reconhecer que o processo
generativo que nos formou, que formou nossas mentes, é o mesmo que mantém os demais
seres. É ignorante, pois considera que a existência é algo estático, que o processo de
geração não parou, e que todos os seres continuam o seu caminho de complexificação. Será
por acaso justo valorizar uma parte do processo sem valorizar o processo inteiro? Se
dizemos que a hidrelétrica é importante para o bem estar humano, estamos sumariamente
desconsiderando a existência dos milhares de outros seres que serão mortos durante essa
construção. Estamos desconsiderando a história de milhões de anos de existência do
processo que gerou os seres que agora aí estão. A Natureza levou bilhões de anos para
construir a complexidade da qual é formada uma dada floresta. Nós, humanos, a destruímos
em cinco anos! Desse ponto de vista, parece bastante estranha essa situação.
Parece, então, com esse argumento, que devemos respeitar a vida de todos os seres,
e ainda mais, que talvez tenhamos a obrigação de não destruir esses seres. Mas não é bem
isso que se quer dizer aqui. Pois, se os humanos não matassem nenhum outro ser, na
condição fisiológica que hoje temos, isso significaria decretar nossa própria morte. Se não
mato nenhum ser, eu mato a mim mesmo. E isso seria, igualmente, desrespeitar o
desenvolvimento da história natural da qual eu faço parte. Essas exigências de não matar
nada trazem, portanto, em si, uma contradição.
O que se quer defender é algo diferente. Mas para conseguir explicá-lo, é necessário
que introduzamos um outro conceito, a saber, o de propriedade emergente. Esse conceito
coloca-se na disputa entre duas concepções epistemológicas, o reducionismo e o holismo. O
Reducionismo advoga que a constituição de qualquer ser pode ser descrita e explicada
através de suas partes. Um organismo vivo é explicado em função de seus órgãos, esses de
suas células, e em seguida moléculas, átomos, e assim por diante. A tese fundamental é que,
em se tendo as unidades fundamentais, o todo é um desdobramento delas. As propriedades
das partes são suficientes para explicar o funcionamento do todo. Contra essa concepção, o
holismo defende que o todo não é igual a soma de suas partes. Ele é a soma das parte mais
algo, a saber, o padrão de organização. O todo é a soma das partes mais o padrão de
organização que não está presente nas partes individualmente, mas que só emerge em seu
estado de inter-relação.
De onde surge, então, esse padrão? Só podemos entender a tese holista a partir de
um contexto de evolução. Em se tendo seres mais simples se relacionando, de acordo com
as transformações que o sistema for sofrendo, e de acordo com o padrão no qual essas
relações se dão, esses seres podem passar a compor um todo no qual exista uma
propriedade que não esteja presente nas partes. É assim com a vida. Nas moléculas que se
formavam há 4 bilhões de anos na Terra não havia a capacidade de se reproduzir. Agora,
quando algumas dessas moléculas passaram a interagir, particularmente as de código
genético, surgiu a replicação. A replicação não está presente na molécula genética. A
propriedade de replicar-se emerge da relação entre outras moléculas. Aqui existe o
surgimento de uma propriedade. E assim explica-se como que de um mundo puramente
geológico veio a ser um mundo eminentemente biológico.
Se, de um lado, podemos identificar o surgimento de propriedades emergentes no
mundo puramente geológico, essas tomam um vulto muito maior no mundo biológico. O
processo de seleção natural, de fato, vai propiciar as interações que gerarão as inúmeras
propriedades emergentes que caracterizam os seres vivos. Por exemplo, a partir de seres
unicelulares surgirão seres pluricelulares. Surgirá a capacidade de fixar energia solar
através da fotossíntese. Surgirá a capacidade de locomoção. Depois surgirá a capacidade,
de percepção do ambiente externo. Surgirão os sentidos, visão, audição, etc. Surge a mente!
Surgirá a capacidade de auto-regulação da temperatura. Possivelmente daí, surge,
particularmente nos mamíferos, o afeto. Daí surge, nos mamíferos mais desenvolvidos, o
amor. E assim podemos listar a infinidade de propriedades que os seres vivos
desenvolveram.
Agora, o que isso tem a ver como a maneira que esses seres, por mais propriedades
que tenham desenvolvido, devem ser tratados? Tradicionalmente, os teoricos éticos não se
preocuparam com esse tipo de questão. Em se admitindo, como se fez por muito tempo (e
ainda se faz), que o estatuto moral humano é derivado de seu parentesco divino, e que os
demais seres nada têm a ver com isso, a questão das propriedades emergentes fica,
evidentemente, fora de propósito. Mas se considerarmos (o que é muito mais consoante
com as teorias científicas) que a moralidade é permitida por um desenvolvimento da mente,
e que a mente é um resultado do processo de evolução da vida, não é mais difícil
considerarmos que devemos levar em conta outros resultados do processo. Se o que
estamos valorizando é uma parte, por que não valorizar as outras?
A questão é saber dar o valor apropriado a cada parte. A história da vida é a de um
desenvolvimento de propriedades. Não faz sentido dar o mesmo valor a um ser humano e a
uma bactéria. Se usarmos a questão das propriedades emergentes como mediada, um
humano possui muito mais valor que uma bactéria. Como derivar, então, o valor de
propriedades emergentes. Isso não é tarefa fácil.
Em primeiro lugar, devemos definir o que chamamos de valor. Valor é aquilo que
requer de nós, seres morais, respeito. Quando identificamos um valor, isso faz com que
tenhamos que agir em relação a ele de uma determinada forma. Nas visões de mundo
apresentadas nos pontos 1.1. e 1.2., identificamos o valor como se fazendo presente
exclusivamente nos humanos (visão antropocêntrica) e, depois, nos animais (visão
zoocêntrica). Mas, nos dois casos, o valor considerado era tido como intrínseco, ou seja,
derivado de propriedades que os seres possuíam independente de relação com qualquer
outro. Se, no entanto, escolhemos uma visão holística de valor, esse tipo de colocação fica
sem sentido. Nenhum ser existe independente dos demais. O que existe são relações. São
elas mesmas que moldam os seres.
Se considerarmos o fluxo da vida no planeta, veremos que o que se dá é uma
constante troca de valores. Por exemplo, em determinado período da história natural, alguns
seres vegetais desenvolveram a habilidade de guardar energia em tecidos específicos. É o
caso das batatas. Isso fez com que esses seres resistissem melhor a situações de desgaste
ambiental, como secas, etc. Isso é um mecanismo que o vegetal tem para proteger a sua
existência, coisa que ele valoriza (mesmo sem possuir uma mente nos moldes da nossa para
saber disso). Para ele, a batata é algo bom, é um valor. Agora, um tatu é um ser que, na
relação com a batata, desenvolveu a capacidade de escavar a terra e de encontrar a batata.
E, quando ele a acha, come-a. Ele está promovendo a transferência do valor (no caso, valor
energético). Um predador do tatu, por sua vez, refará essa transferência. Existe, então, um
fluxo de valores em um sistema de trocas e transferências. Nesses sistemas, existem alguns
coágulos, os indivíduos que defendem suas existências, mas isso não quer dizer que eles
estejam isolados. É certo que, no sentido de defenderem suas própria existências, os
indivíduos se asseveram valor intrínseco, mas é absurdo considerar esse valor em
desconexão à matriz à qual os seres pertencem. O conjunto dos valores e, principalmente,
suas trocas e transferências, é o valor sistêmico.
12
PNUMA, IBAMA e UMA. Perspectivas do meio ambiente mundial – GEO-3. disponível em
www.ibama.gov.br. 2004. Visita realizada em 15 de novembro de 2005.
pois nesses animais existem diversas propriedades extremamente desenvolvidas, dentre elas
a autoconsciência, a capacidade de sentir afeto, etc.
Da mesma maneira, podemos dizer que a vida de um ser humano vale mais do que a
de uma árvore, dentre outros motivos pelo mesmo critério da autoconsciência. Agora, isso
não quer dizer que a árvore possa ser derrubada por qualquer motivação humana. Por
algumas, talvez sim, mas por outras, não. A existência da árvore merece respeito. Afinal, aí
estão concentrados milhões de anos da maravilhosa aventura da evolução biológica, esse
fenômeno que, até onde podemos saber, é raro no universo.
Isso quanto ao valor que os indivíduos possuem por si mesmos (lembrando, valor
sistêmico). Quando tratamos de espécies, no entanto, a questão é ainda mais séria. Quantas
necessidades humanas são tão importantes a ponto de justificar a extinção de uma espécie?
Com certeza, o desejo de enriquecimento monetário não contaria aí. Como poderia um
interesse supérfluo de algo que mal dura 100 anos justificar a destruição de algo que dura
mais de 100 milhões de anos? Sabemos, apesar disso, que um dos motores da destruição
ambiental, talvez o principal, seja o desejo de enriquecimento. Uma espécie é o produto e
um dos degraus de um processo que não sabemos aonde vai dar, mas que, sem dúvida, é
algo maravilhoso. Em se extinguindo uma espécie, a possibilidade de valores que nem
sonhamos existirem está sendo abortada. Se o nosso objetivo é proteger os valores que
surgem com as propriedades emergentes, a conservação da biodiversidade é algo que deve
figurar entre os nossos principais motes.
Todo essa teoria acerca da conservação dos valores que surgem durante a evolução
da vida é profundamente influenciado pelo filósofo norte-americano Holmes Rolston, III.
Dentre os seus ditos, cabe destacar o seguinte: “de agora em diante, ninguém pode se dizer
educado a menos que saiba dos riscos da extinção das espécies e aja de acordo com esse
conhecimento”13.
Fica claro que essa visão de mundo engloba em si o que foi apresentado na seção
anterior, a do zoocentrismo. Pois o que foi dito sobre o porque de se levar em conta os
animais nas deliberações morais foi o fato de eles possuírem uma sensibilidade, ou seja,
capacidade de sentir dor. Ora, essa capacidade é uma propriedade emergente, e com ela
valores são estabelecidos e defendidos. Para um animal, é bom não sentir dor. Se assim é
para ele, nós somos compelidos a respeitar esse valor que ele defende, tanto quanto possível
para nós. Assim, podemos dizer que o zoocentrismo seria incluído do ecocentrismo.
13
Rolston, III, H. “Earth Ethics, a challenge to liberal education” in CALLICOTT, J. B. & DA ROCHA, F. J.
R. Earth Summit Ethics: toward a reconstructive postmodern philosophy of environmental education. New
York, State University of New York Press: 1996. Ver também Rolston, III, Holmes. Philosophy Gone Wild.
New York: Prometheus Books, 1989.
A resposta a essa pergunta é evidente a partir da argumentação desenvolvida até
aqui. Uma população deve ser manejada se estiver ameaçada de desaparecimento, de modo
a evitar a perda de biodiversidade. Lembremos que a biodiversidade é definida não somente
no nível de espécie, mas também no de ecossistema (nível superior) e no genético (nível
inferior). Assim, podemos, certamente, falar em perda de biodiversidade se uma população
de uma dada espécie desaparece. Pois a variabilidade genética que aqueles indivíduos
possuíam será perdida. É claro que o desaparecimento de populações selvagens não foi algo
inaugurado pela ação humana. Devemos, portanto, manejar as espécies cujas populações
foram sensivelmente reduzidas graças à ação antrópica. Ou seja, 99,9% das espécies hoje
ameaçadas, já que o ritmo de extinção de espécies é calculado em 1000 vezes maior que o
natural.14
14
SHAFFER, M. Minimum population sizes for species conservation. BioScience vol. 31, nº 2, pp. 131-134.
February 1981.
2.3.1. O que é a felicidade para um animal?
Antes disso, porém, façamos uma reflexão sobre se os animais se importam ou não
de estarem cativos. Em primeiro lugar, é difícil que algum animal tenha a consciência do
que se passa com ele estando dentro de uma jaula. Não saberá ele que está ali por tal ou
qual motivo, e não poderá fazer um julgamento de valor. Dentro da compreensão de que
dispomos hoje, é de todo impossível que nasça Karl Marx dos bugios, que mostre para os
outros que eles estão sendo usados para interesses que não são deles etc. Podemos dizer
então que não faz diferença para um animal estar preso ou estar solto? Dificilmente. Esses
animais surgiram e evoluíram sem cercas, sem fronteiras. A sua natureza é vagar, não ficar
parado no mesmo lugar. Em se capturando um animal, é certo que na primeira oportunidade
ele escapará. É claro que isso não é sempre assim, já que a mente da maioria dos seres é
bastante propensa ao condicionamento. Se um animal passou sua vida inteira dentro de um
recinto, talvez ele aí permaneça mesmo se estiver o recinto aberto. Além disso, os animais
estando cativos (em princípio) recebem alimento e tratamento médico. Coloca-se então a
questão de se é melhor para um animal (indivíduo) estar cativo ou liberto.
É claro que não podemos ter uma resposta definitiva para essa questão, já que não
temos acesso à vida subjetiva dos animais. Temos, no entanto, diversas indicações que
podem nos auxiliar a responder a essas questões. Primeiro, é sabido que diversas espécies
não reproduzem ou reproduzem com dificuldades em cativeiro. Segundo, os recintos nos
quais os animais ficam são muitas vezes inadequados para eles. Terceiro, muitos animais
sofrem de grande estresse a cargo de ficarem expostos à observação dos humanos. Quarto,
muitas espécies precisam de uma alimentação diferenciada para se manterem em cativeiro.
No CEPESBI – Centro de Pesquisas Biológicas de Indaial, em Santa Catarina, por
exemplo, os bugios recebem ração de cachorro como fonte de proteínas. Para um animal
folívoro, isso é bastante diferente de seus hábitos na natureza. De acordo com todas essas
indicações, podemos inferir, ou supor, que para os animais é muito melhor estar em seu
hábitat nativo do que cativos. Desde que esses animais possuem uma vida subjetiva, como
todos os mamíferos, podemos dizer que esses animais são mais felizes (ou seja, sente-se
melhor) livres do que cativos.
Quais são, então, os motivos de se deixar um animal cativo? Essa é a questão que
analisaremos agora, procurando identificar que visão de mundo as justifica.
2.3.2.1. Recreação
2.3.2.4. Triagem
Uma das funções de se manter animais cativos é a recepção de animais. Quando um
animal é atropelado, por exemplo, o que fazer com ele? Depende, como tudo mais, da visão
de mundo que se utiliza. Em termos antropocêntricos, em princípio não se necessitaria fazer
nada, pois o animal em si não possui valor. Somente se isso interessasse aos humanos,
como é o caso de ser uma espécie ameaçada de extinção. Em termos zôo e ecocêntricos,
faz-se necessário recolher e tratar o animal. Isso será, então, um manejo ex situ. Se um
animal é apreendido de uma residência por autoridades, no caso de sua posse ser proibida,
ele irá também para cativeiro.
2.3.2.5. Reintrodução
A reintrodução consiste na soltura de indivíduos retirados do ambiente selvagem ou
criados em cativeiro, dentro de sua área de ocorrência histórica onde essa espécie não existe
mais ou está em declínio15. Para a conservação da biodiversidade, talvez essa seja a
justificativa mais importante para o manejo ex situ. Combinado com o banco genético e
com a triagem, a reintrodução é a ferramenta de se manter ou aumentar populações
selvagens ameaçadas. Assim como no ponto anterior, essa preocupação pode ser encarada
em qualquer das visões de mundo, pois se refere à conservação da biodiversidade. Existem
grandes riscos, no entanto, com a reintrodução, principalmente quanto a disseminação de
doenças no ambiente natural.
15
Kleiman, 1989
Em primeiro lugar, nessa visão, é necessário que se reveja toda a motivação de
cunho exclusivamente antropocêntrico. Dentro da perspectiva ecocêntrica, tendo por base a
argumentação exposta no ponto 2.3.1., é inadmissível que se mantenha um animal preso
por puro gosto de observá-lo. Para um humano significa uma hora de diversão. Para o
animal é a vida inteira de reclusão. Isso do ponto de vista do indivíduo animal. Já quanto
aos demais pontos (Interesse científico, Banco genético, Triagem e Reintrodução), existe
justificativa suficiente somente no que tange à conservação da espécie. É por causa,
portanto, da conservação da biodiversidade que o manejo ex situ deve ser realizado.
Uma conseqüência prática dessa posição é que zoológicos com poucos recursos,
como é o caso do Parque Zoológico de Sapucaia do Sul, mantido pelo governo do estado do
Rio Grande do Sul, não deveriam investir seus escassos recursos em animais exóticos,
como girafas e elefantes. A ênfase, talvez exclusividade, deveria ser dada aos animais
nativos. No referido zoológico, eles recebem pouquíssima prioridade. Deveriam ser
realizados estudos (Interesse científico) e trabalhos de conservação da biodiversidade local.
Além disso, os animais deveriam ser tratados com maior respeito, de modo que os
recintos tivessem muito melhores condições. Em certos casos, os animais são expostos a
situação extremas, como pumas presos em jaulas de poucos metros quadrados e expostos a
observação constante.