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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 10, N. 20, P. 173-196, DEZ.

2003

JORGE ANTONIO BOZOTI PASIN


LUIZ FERREIRA XAVIER BORGES*

RESUMO A parceria ABSTRACT Public private


público-privada (PPP) é um conceito partnership (PPP) is a concept of
em formação no Brasil. Nos países investment under development in
onde é aplicada, possui definições e Brazil. PPP has different definitions
características bastante diferentes, and features throughout the countries
diversidade essa oriunda das where it was already used, this
especificidades culturais e da diversity being resultant from each
legislação. Este artigo sistematiza as country’s particularities of culture
informações existentes sobre o tema, and legislation. This article organizes
aponta as diferenças básicas entre PPP the existing information about the
e project finance e trata de theme, pointing the basic differences
contextualizar sua importância, as between PPP and project finance and
precondições e os instrumentos para evaluating its importance, conditions
sua aplicação. São ainda examinadas and instruments for application.
as experiências internacionais e International and domestic experience
domésticas com as modalidades de with PPP is revisited. The aim of the
parceria entre os setores público e present paper is to focus PPP as a
privado. O objetivo é situar a PPP viable alternative to execute
como uma alternativa possível para a infrastructure projects, with social or
realização de empreendimentos de strategically priority, in scenery of
infra-estrutura social ou public expenditure contention,
estrategicamente prioritários, com contributing to its discussion among
retorno financeiro desconhecido ou de public and private financial
baixa expectativa, em um contexto de institutions.
restrição à realização de gastos
públicos, contribuindo para sua
discussão com os setores público e
privado.

* Respectivamente, gerente do Departamento de Desenvolvimento Urbano e gerente executivo da


Consultoria Jurídica da Área de Inclusão Social do BNDES. Os autores agradecem a Alfredo Maciel
da Silva pelos debates e contribuições e à equipe da AP/COPED-BNDES pelo apoio bibliográfico e
de pesquisa.

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1. Introdução

O interesse recente, no Brasil, pela utilização de arranjos de parceria


público-privada (PPP) – entendida em seu sentido mais estrito – foi
despertado pelo sucesso da experiência internacional. Além disso, no plano
doméstico, alguns casos bem-sucedidos, embora envolvessem pequena
monta de recursos, permitiram que se vislumbrassem possibilidades de
aplicação em grandes obras de infra-estrutura, como estradas e geração de
energia, bem como em projetos de desenvolvimento urbano no sistema
viário, no saneamento, na instalação de equipamentos públicos e na habita-
ção.

A PPP envolve, por um lado, a utilização de recursos privados para que o


Estado atinja seus objetivos e, por outro, permite que o setor privado realize
negócios em atividades cuja natureza sempre foi mais afeita, exclusivamen-
te, ao setor público. O mecanismo catalisador da parceria é a garantia
prestada pelo setor público ao setor privado sobre suas possibilidades de
retorno.

No âmbito público, os Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão;


dos Transportes; das Cidades e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior vêm se interessando pela PPP e suas possibilidades de aplicação.
Também o setor privado está atento ao tema. Tal interesse deve gerar
propostas e projetos de alteração legislativa que afetarão a maneira como os
investimentos em infra-estrutura são realizados no Brasil. Dessa forma,
tem-se mais que justificada a importância de os provedores de fontes para
investimentos de longo prazo, como o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), estarem envolvidos e atuantes.

A possibilidade de atração de capitais privados em um cenário de relativa


escassez de recursos públicos viabiliza a realização de investimentos e
permite a redução de gargalos da infra-estrutura econômica, podendo im-
plicar alterações no tocante a garantias e à eventual responsabilidade soli-
dária dos parceiros privados das colaborações financeiras que venham a ser
requeridas. Interfere também na própria estruturação do financiamento que
será demandado ao mercado de capitais e a investidores institucionais. Este
artigo privilegia a ótica do gestor público para analisar a oportunidade, a
legalidade e a operacionalização de uma PPP.

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Ao longo do presente texto, o assunto PPP é examinado de forma indutiva


e comparativa. Assim, na segunda seção, são recuperados diversos casos de
aplicação internacional e contextualizada sua conceituação teórica. Na
terceira seção, são examinados o histórico, o contexto nacional e as pos-
sibilidades efetivas de aplicação da PPP no Brasil. Na quarta seção, o artigo
dedica-se a qualificar o tema da PPP, apontando as particularidades de sua
nova definição. A quinta seção cuida da utilização prática de um modelo
genérico e ressalta suas diferenças em relação ao project finance. Na sexta
seção, são examinados os condicionantes à aplicação da PPP, dado que o
tema exige adaptações à realidade brasileira e suas especificidades. A sétima
seção traz propostas de soluções localizadas e, finalmente, na oitava seção,
encontra-se a conclusão.

2. A PPP: Origens e Experiência Internacional


A PPP teve origem na Europa, diante dos desafios encontrados pela Inglater-
ra na busca de caminhos para fomentar investimentos sem comprometer os
escassos recursos públicos. Nos países de herança anglo-saxônica, ela foi
vista como um estágio intermediário entre a concessão de serviços públicos
e a privatização.

Um dos países que mais tem lançado mão dessa forma de realização de
empreendimento é a Irlanda, onde o National Development Plan (NDP) de
2000-2006 identificou a PPP como um componente necessário para a reali-
zação dos investimentos priorizados [National Roads Authority (2003)]. No
caso irlandês, como em muitos dos casos europeus [Ecosoc (2003)], a
justificativa para o uso da PPP envolveu:
• o compartilhamento de risco com o setor privado;
• a redução do prazo para a implantação dos empreendimentos (uma vez
que, ao contar com recursos privados, as inversões deixavam de estar
sujeitas exclusivamente às possibilidades de aporte do setor público);
• o estímulo à introdução de inovações, modernizações e melhorias por
parte do setor privado;
• a possibilidade de realização de um maior número de projetos;
• a liberação de recursos públicos para outros projetos prioritários sem
condições de retorno financeiro e sem capacidade de serem realizados
por meio da PPP; e

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• o asseguramento da qualidade da operação e da manutenção dos serviços


concedidos por longo prazo.

O caso de aproveitamento da PPP pela Irlanda foi paradigmático, pois havia


uma clara necessidade da realização de investimentos em infra-estrutura
[OECD (2001) e World Economic Forum (2000)]. No caso particular das
estradas (quadro a seguir), as inversões realizadas seriam em grande parte
recuperadas através da cobrança de pedágio.

RODOVIA TRECHO COMPRIMENTO (KM)*

N1/M1 Dublin Border Route Contorno de Dundalk Western 12 (Nova Construção)


55
N3 Cavan to Dublin Route Clonee–Kells 48
N4/N6 Galway to Dublin Kinnegad–Kilcock (N4) 35
Route Oranmore–N6 East (N6) 50
N7 Limerick to Dublin Route Portlaoise–Castletown** 40
Nenagh–Limerick 38
N8 Cork to Dublin Route Portlaoise–Culahill** 40
Contorno de Fermoy 18
Contornos de Cidades Contorno de Waterford 23
Limerick South Ring II 8
Extensão de PPP Existente Liffey Valley–2nd West Link Ponte (Dado não Informado).
Bridge
Fonte: National Roads Authority (2003).
* Dados referentes à manutenção, a reformas e à operação, exceto onde indicado.
** Unificadas em uma mesma PPP de 40 km.

Também em Portugal, utilizou-se largamente a PPP na construção de


estradas. Nesse país, em diversas rodovias, lançou-se mão do modelo de
pedágio-sombra (sem cobrança do usuário). Nas estradas onde o volume de
tráfego não confere retorno suficiente aos projetos, a viabilidade da rodovia
é garantida pelo Estado.

Em 1994, a Polônia anunciou um programa de construção e revitalização de


rodovias através de parcerias público-privadas. As leis foram revistas para
permitir concessões de rodovias pedagiadas. A partir de concorrência interna-
cional, houve, em 1997, a seleção das melhores propostas para a construção
de diversos trechos da Rodovia A2 (com 364 km) e para a manutenção de
um tramo já existente da Rodovia A4 (Krakow–Katowice, com 65 km).

No início da década de 90, a Hungria aprovou uma regulação específica para


concessões, de modo que o setor privado pudesse participar da provisão de
serviços públicos, como a construção e a operação de estradas. Em abril de

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1993, através de uma concorrência internacional, um contrato de concessão


do tipo BOT (Build, Operate and Transfer ou Construção, Operação e
Transferência à propriedade do Estado) foi assinado com investidores
estrangeiros, com prazo de 35 anos. O objetivo era executar a construção da
Rodovia M1/M15, cujo retorno previsto dos investimentos seria realizado
através da cobrança de pedágio. Em janeiro de 1996, o quilômetro 34 da M1
foi inaugurado. O segundo contrato de concessão foi assinado com um
consórcio internacional, em maio de 1994, para construir e operar a Rodovia
M5, também através da cobrança de pedágio, de Budapeste até a fronteira
com a Sérvia. O apoio governamental, através da desapropriação das terras
que foram aproveitadas pela rodovia e da concessão de subsídios operacio-
nais para os casos em que se observasse receita operacional abaixo de uma
certa cota, foi fundamental para viabilizar o projeto [Ecosoc (2003)].

A utilização da PPP, porém, não se restringiu às estradas. Na cidade de


Maribor, Eslovênia, um consórcio liderado pela companhia francesa Lyon-
naise des Eaux foi selecionado para a construção de uma estação de
tratamento de esgotos, que anteriormente eram lançados diretamente ao Rio
Drava. A estação foi orçada em 65 milhões de marcos alemães, a serem
aportados pelo European Bank for Reconstruction and Development e pelo
município. A companhia foi encarregada do desenho, da construção, opera-
ção, manutenção e renovação da planta. A cidade paga à companhia uma
remuneração periódica, com recursos gerados através da tributação dos
moradores da cidade.

Há exemplos de PPP também no setor de telecomunicações. Na República


Tcheca, em meados dos anos 90, a venda de 27% da companhia de teleco-
municações estatal, SPT Telecom, se constituiu no maior conjunto de
investimentos estrangeiros para o setor em um projeto específico da região.
A participação foi adquirida por meio do aumento de capital de US$ 1,45
bilhão, realizado pelo consórcio formado pelo grupo alemão de telecomu-
nicações e correio KPN e a Swiss Telecom. O objetivo era a modernização
da SPT. A companhia manteve o monopólio sobre as redes de serviço na-
cionais e internacionais, mas deveria cumprir diversas obrigações e metas
de qualidade e abrangência de serviço, como, por exemplo, dobrar o número
de telefones instalados (duplicando os 2 milhões até então existentes).
Apesar de o consórcio manter o controle da companhia, o governo detém
uma golden share (ação de classe especial que permite interferência em
certas deliberações de assembléia de acionistas), preservando seu direito de
decisão sobre questões estratégicas.

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Na América do Sul, a PPP também vem sendo estudada e, em alguns casos,


implantada experimentalmente pelos governos. A necessidade histórica de
contenção de despesas governamentais, seja decorrente de restrição orça-
mentária associada a acordos com o FMI, seja em face das próprias leis
domésticas de responsabilidade fiscal, restringe a capacidade de inves-
timento dos Estados. O Chile foi o país sul-americano onde mais se utilizou
a PPP em seu sentido amplo. Nesse país, o modelo de concessões de serviços
públicos e de infra-estrutura passou a vigorar em múltiplos setores a partir
de 1990. O Peru tem em tramitação um projeto de lei (de número 5.852) que
visa permitir o estabelecimento de parcerias entre os setores público e
privado, com o objetivo de realizar inversões em infra-estrutura de trans-
portes rodoviários.

Apesar do interesse crescente pelo uso da PPP como instrumento para


viabilizar a realização de investimentos em infra-estrutura, há países em que
a PPP nunca foi estimulada, pelas mais diferentes razões. Nos países
escandinavos, por exemplo, considera-se que os investimentos em infra-
estrutura devam ser realizados somente pelo Estado, suportados por tribu-
tação e pela participação política das comunidades afetadas, que definem as
obras prioritárias.

Enfim, a parceria público-privada é uma proposta que possui variantes


bastante distintas, de acordo com o país onde é aplicada, com a sua legislação
e com a sua cultura. É vista com diferentes características em países onde a
escolha de aplicações de recursos públicos é decidida em conselhos ou
legislativos e onde os desembolsos são feitos exclusivamente através do
Poder Executivo. Em diversos países, a definição de PPP abrange o que está
regulado no Brasil como concessão e em outros está, ainda, associada a um
processo de licitação privatizado através de consultorias.

Em alguns países, como no caso do México, o Estado criou um órgão central


para cuidar da estrutura da PPP (federal, estadual ou municipal). Essa
política poderia ser entendida como guardando algumas semelhanças com
a experiência brasileira do Programa Nacional de Desestatização (PND),
que será explorado adiante como referência ilustrativa para a realização de
PPPs no Brasil.

Para julgar a conveniência da utilização da PPP no caso brasileiro, é


importante empreender uma análise das principais questões concernentes à
aplicação dessa modalidade de parceria no país. Essa tarefa se inicia na
próxima seção.

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3. O Caso Brasileiro
O Brasil já teve, em épocas antigas e recentes, práticas que poderiam ser
definidas como PPP, em uma concepção abrangente. Desde os tempos de
colônia, passando pelo Império, as ordens e irmandades religiosas cuidam
de assistência social, cemitérios, orfanatos e educação, recebendo dotações
de cofres públicos e contribuições privadas. Sindicatos e órgãos de classe
ou patronais também atuaram e ainda atuam assim. Empresários recebiam
títulos de nobreza em função de investimentos em áreas de atuação do
Estado.

Operações como a da Usina Hidroelétrica de Itaipu, envolvendo parceria


internacional, e, posteriormente, a da Hidroelétrica de Machadinho, em que
os demandantes de energia receberam o arrendamento da usina no lugar de
um contrato de garantia firme de compra da energia (power purchase
agreement), também poderiam ser vistas como exemplos de PPP, em seu
sentido mais amplo. Diversos programas de financiamento a universidades
privadas, através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), poderiam
também ser assim classificados.

A legislação brasileira, voltada para dar anteparo e regular as diversas


iniciativas de parceria entre os setores público e privado, buscou acompa-
nhar a necessidade da realização dos investimentos ao longo dos anos. Nesse
contexto, surge o PND, cujo conceito pode ser entendido como abrangendo
iniciativas desde a venda de ativos – chamada de privatização – até a
instrumentalização de operações nas quais o Estado se afastaria de ativida-
des até então exclusivamente por ele realizadas, passando sua operação à
iniciativa privada.

Para a realização, em âmbito federal, de investimentos em serviços de


interesse público, a experiência do PND pode ser de imenso valor, merecen-
do ser considerada para a definição dos fatores que podem determinar a
escolha de um modelo bem-sucedido de PPP. O respeito a processos
licitatórios e a diluição de responsabilidades por órgãos colegiados devem
ser utilizados pelos responsáveis se esse modelo de gestão de PPP vier a ser
aplicado no Brasil. Isso permite maior transparência perante a sociedade e
defesa consistente em questionamentos em juízo.

Essa transparência é, sem sombra de dúvida, fator importante a ser levado


em consideração. À época do PND, desde o início do processo, centenas de
trabalhos acadêmicos foram escritos no Brasil e no exterior sobre o tema,

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com ampla pesquisa dos documentos e acesso aos profissionais do BNDES,


através de questionários e entrevistas. Até hoje, o acervo dos processos de
privatização executados pelo Banco é de livre consulta para quaisquer
interessados. Essa transparência é, na realidade, vital para futuras PPPs, em
processos em que haverá comprometimento de recursos ou transferência de
ativos públicos para entes privados.

Avançando nessa recuperação do histórico nacional de parceria entre os


setores público e privado, a legislação mais recente sobre concessões, de
meados da década de 90, definiu, de forma mais clara que a legislação
anterior, a transferência de atividades do Estado para entes privados. Nesse
sentido, é provável que quase toda PPP venha a ocorrer no âmbito das
concessões. O modelo de formação de sociedades privadas de propósito
específico, como as concessionárias de serviços públicos, que podem aces-
sar os mercados financeiro e de capitais, permitiu avanços após o esgota-
mento da capacidade de investimento e de endividamento do setor público.
O BNDES vem tendo uma participação expressiva na provisão de fontes e
mesmo na estruturação dessas operações.

Não obstante os avanços já obtidos, permanecem ainda alguns obstáculos


para a realização de importantes investimentos em infra-estrutura, grande
parte deles, inclusive, com dificuldades de auto-sustentação.

Essa grande necessidade do Brasil de realizar investimentos em infra-


estrutura torna o país ainda mais sensível à pouca disponibilidade pública
de efetuar desembolsos, tendo em vista as constantes restrições fiscais e
orçamentárias. O Plano Plurianual (PPA) de 2004-2007 demonstra que o
governo está atento a esses aspectos e a PPP tem sido apontada como um
caminho viável para que muitos dos empreendimentos priorizados possam
acontecer.

Em outubro de 2003, foi colocado para consulta pública, pelo Ministério do


Planejamento, Orçamento e Gestão, um projeto de lei tratando do conceito
e dos princípios do contrato da PPP. Esse projeto de lei procura delimitar
seu objeto, os critérios para sua utilização, sua remuneração, as garantias e
a forma de licitação a ser utilizada.

Embora esse seja apenas o início do processo de discussão na sociedade, o


projeto de lei trata indiscriminadamente de parcerias de qualquer escala.
Seria PPP o contrato que estabelecesse “vinculo obrigacional entre as partes
para a implantação e gestão de serviços e atividades do interesse público,

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em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela


exploração incumbem, no todo ou em parte, ao ente privado”, observados
os princípios de eficiência, respeito aos usuários, indelegabilidade de regu-
lação e poder de polícia, responsabilidade fiscal, transparência, repartição
de riscos e sustentabilidade econômica do projeto de parceria.

O objeto da PPP pode ser a prestação total ou parcial de serviço, o desempe-


nho de atividade de competência da administração pública (precedida ou
não da execução de obra pública) e a realização de obra para a administração
pública ou para ser-lhe alienada, locada ou arrendada.

Esse projeto de lei foca o debate nos aspectos jurídicos, mas a discussão do
tema extravasa em muito a mera definição legal, por influir em aspectos
culturais e financeiros sobre a gestão e as fontes de financiamento para
investimentos do setor público.

Parece importante que a PPP seja uma opção final, quando não for possível
transferir o risco comercial para o parceiro privado. Não existe a menor
dúvida de que, se não for assim, a PPP será não uma alternativa, mas a única
opção aceitável pelas empreiteiras do setor privado, que só consentirão em
participar de concessões sem risco de mercado. Foi assim em outros lugares
do mundo e não será diferente no Brasil.

Outro aspecto que traz mais luz sobre o tema da PPP é o exame das esferas
de poder em que o processo pode ser executado. Existiram e existem PPPs
no Brasil no âmbito tanto federal quanto estadual e municipal. Os processos
podem ser completamente diferentes, dependendo da esfera de competência
e ainda em uma mesma esfera legal, estando sujeitos a sucessivos programas
em diferentes governos.

Assim, diversos casos de PPP se repetem nos estados. Há experiências em


Mato Grosso, na revitalização de rodovias com a participação de grandes
agricultores. Nesse exemplo, os plantadores de soja locais mantêm, com
máquinas e insumos estatais, algumas estradas estaduais, o que lhes permite
ganhos no escoamento da produção. Os estados de Minas Gerais e da Bahia
montaram grupos de trabalho e estão implantando programas estaduais de
PPP (para rodovias), procurando ouvir diferentes áreas do BNDES para
avaliar a possibilidade de a instituição participar como financiador das
parcerias. Há experiências diversas de presídios construídos no Paraná que
tiveram a prestação de serviços de administração das unidades terceirizada;
na Bahia e no Ceará, também existem experiências de PPP carcerária. Há

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um intenso envolvimento dos setores hospitalares estaduais e a Fundação


Oswaldo Cruz para a produção de farmoquímicos. O estado do Rio de
Janeiro vem obtendo sucesso nas parcerias existentes com os pólos de
tecnologia na Região Serrana e de fruticultura no Norte Fluminense.

O que se observa na esfera estadual é também visível nos âmbitos regional


e municipal. O Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, com seu arranjo
produtivo local para a produção de calçados, contou com a aliança entre os
interesses dos setores público e privado para a introdução de inovações e
para a coordenação entre os diversos agentes econômicos envolvidos no
processo industrial [Schmitz (1999)]. O município do Rio de Janeiro tem
como exemplos a parceria com a operadora da Linha Amarela, para projetos
ambientais de controle de enchentes nas suas margens, a garagem-esta-
cionamento na Cinelândia e a construção das vilas olímpicas destinadas aos
Jogos Pan-Americanos de 2007 (essas em fase inicial).

4. A Nova Definição de PPP

Como visto, diversas iniciativas poderiam ser qualificadas como PPP,


tomada em seu sentido mais amplo. Para se atingir a definição que melhor
se aplica ao caso brasileiro e ao momento presente, porém, é interessante
estabelecer um escalonamento das diversas espécies de parcerias entre os
poderes públicos e o setor privado. A listagem a seguir apresenta uma
gradação das formas de atuação conjunta, a partir do ponto de vista do
comprometimento do setor público, da maior (a) para a menor (f) atuação:1

a) o Estado compra, diretamente ou através de terceirizados, produtos e


serviços do setor privado (no Brasil, por meio de licitação – Lei
8.666/93);
b) o Estado cria entes privados estatais (empresas públicas, como o
BNDES, ou sociedades de economia mista, como a Petrobras);
c) o Estado contrata entes do setor privado, com controle estatal, misto ou
totalmente privado, para o exercício de uma atividade afeita ao setor
público (através de autorização, permissão ou concessão);
d) o Estado transfere uma atividade própria ou não (não necessariamente
através de concessão), com retorno insuficiente ou desconhecido, ga-

1 É interessante observar que, mesmo dentro dos grupamentos listados, é possível estabelecer
subgradações.

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rantindo ao setor privado a atratividade do empreendimento por meio


de recursos públicos (essa é a nova definição de PPP, em seu sentido
estrito, que integra a agenda do novo governo);
e) o Estado transfere uma atividade auto-sustentável, com viabilidade
econômica própria, e essa passagem de atividade do setor público para
o privado se dá através de um project finance;2 e
f) o Estado, por desinteresse, estratégia ou novo marco regulatório (legal-
mente validados, no Brasil), transfere ativos ao setor privado, mantendo
ou não compromisso com os resultados de sua operação (privatização).

Com base na experiência da desestatização, os itens mais sensíveis para a


PPP, que devem ser conhecidos através de análise legislativa, são os que
tratam da definição:

a) do marco legislativo do que é estratégico e do que pode ser objeto de


parceria com o setor privado;
b) da forma para essas transferências poderem ocorrer, inclusive afetando
a ordem econômica e a defesa da livre concorrência;
c) das metas que serão usadas para mensurar o sucesso e os pagamentos
ao parceiro privado; e
d) dos instrumentos de controle da sociedade civil sobre o processo.
Segundo essa definição, a PPP pode ser, de fato, um instrumento importante
para o Estado, tendo em vista suas necessidades estratégicas, otimizando o
uso dos recursos disponíveis. Pode ser uma solução para projetos pequenos
(hospitais, escolas), médios (redes de saneamento e esgotamento munici-
pais) ou grandes (rodovias, hidrovias ou ferrovias). Entretanto, as experiên-
cias podem variar em termos de sucesso, de acordo com a vontade política
ou com o envolvimento das comunidades atingidas. Podem ser úteis em uma
região, para projetos de pequena escala, pela mobilização ativa que geram
junto à população, e ser inviáveis em grandes projetos, pelos seus custos ou
complexidades ou inércia política dos beneficiários. Em outras regiões e
com outros agentes, o panorama pode ser inverso.

Para que a PPP traga, de fato, vantagens representativas à sociedade, em


relação à sua alternativa, que seria a pura e simples realização de gastos
públicos pelo Estado, alguns aspectos devem ser observados. A PPP deve
proporcionar ao setor público alguma economia mensurável ou ganho

2 Embora nem todo project finance derive de atividade afeita ao setor público.

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identificado de eficiência; em caso contrário, corre o risco de se tornar


apenas uma forma de deslocar gastos presentes para uma necessidade de
fluxo de desembolsos futuros. Assim, é preciso muita atenção ao serem
analisados eventuais projetos que considerem a utilização da PPP no sentido
empregado.

Como, neste momento, a caracterização da PPP para o arcabouço legal brasi-


leiro ainda não está sedimentada, podem ser propostos como elementos es-
senciais de uma tomada de decisão de um gestor público em favor de uma PPP:

a) a existência de definição legal de objeto e metas pelo poder público,


garantindo-lhe a primazia de direitos;
b) a verificação da existência de resultados positivos para a comunidade,
preferencialmente mensuráveis em comparação à atuação direta do
Estado;
c) a necessidade de adoção de tarifas socialmente justas, embora não ne-
cessariamente geradoras de auto-sustentação para o empreendimento;
d) a possibilidade de captação expressiva de recursos (financeiros, huma-
nos etc.) privados;
e) o comprometimento do parceiro privado com a implantação e a opera-
ção (verificado caso a caso) do empreendimento;
f) a possibilidade de comprometimento efetivo dos recursos públicos
contratados prévia ou parceladamente durante o prazo do empreen-
dimento;
g) a verificação de atratividade econômica ou financeira para o parceiro
privado;
h) a possibilidade de condicionamento do pagamento pelo setor público
ao parceiro privado, em função do cumprimento das metas definidas
contratualmente e verificadas por agente independente (preferencial-
mente); e
i) a aceitação da operação do empreendimento sob a ótica privada e de
direito privado, mas com regulação e fiscalização do ente público
(inclusive quanto à tarifa) concedente ou não.
Os casos que, tipicamente, merecem que se estude a possibilidade da apli-
cação da PPP envolvem, por exemplo, projetos urgentes e essenciais. A PPP
permite antecipar investimentos que exigiriam muito tempo para serem
feitos apenas com recursos públicos, dando ao parceiro privado a obrigação
de adiantar recursos a serem recebidos no futuro, de uma vez ou em parcelas.

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Se o Estado tiver condições de realizar diretamente os investimentos dese-


jados em tempo hábil, para que faça sentido optar pela realização de uma
PPP, ela deverá envolver significativos ganhos esperados de eficiência,
como, por exemplo, através da incorporação de técnicas de gestão mais
flexíveis, de algum insumo ou de tecnologias não-disponíveis ou acessíveis
ao setor público.3
São também fatores positivos envolvidos numa PPP o compartilhamento de
risco com o setor privado e um menor grau de incerteza sobre a conclusão
e redução do prazo esperado para a implantação dos empreendimentos (com
recursos privados, as inversões deixariam de estar exclusivamente sujeitas
à capacidade de aporte do setor público).

5. Instrumentalização da PPP e Diferenças


5.para o Project Finance
Um caminho interessante para se viabilizar a PPP é a utilização de socieda-
des de propósito específico (SPE), de condomínio ou de consórcio (como
na Hidroelétrica de Itaipu, por exemplo) como instrumento jurídico. No caso
brasileiro, em função das restrições legislativas para a criação de subsidiá-
rias estatais, as SPEs poderiam ser joint ventures sem participação estatal
representativa. Uma solução para aumentar o poder do Estado seria o uso
de golden shares. Entretanto, essa mesma providência pode enfraquecer a
credibilidade da parceria, pela possibilidade de seu uso político, em detri-
mento de critérios de mercado. Uma solução para esse caso seria uma clara
definição das questões estratégicas que estariam sujeitas ao uso da golden
share.
Na experiência internacional, o Estado ou ente estatal interessado realiza
concorrências com suas equipes próprias ou contrata consultoras, que for-
necem comissões de licitação profissionais. O processo licitatório passa
pelas fases de verificação de regularidade jurídico-fiscal e depois pela
abertura de propostas técnicas. Em geral, as licitantes que passem por essas
etapas são chamadas a abrir suas propostas de preço e a comissão negocia
entre elas, ganhando a que oferece a melhor oferta final (best and final offer
– BAFO). Essa sistemática encontraria dificuldades na cultura e experiência
de operação do direito administrativo brasileiro e provavelmente implicaria
restrições levantadas pelos Tribunais de Contas federal e estaduais.

3 Por exemplo, o Estado brasileiro pode preferir distribuir os medicamentos que produz através da
rede privada de farmácias, em vez de criar uma rede estatal concorrente.

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Assim, no Brasil, o processo licitatório deverá envolver a oferta de um valor


diferido alocado ao projeto em troca do melhor serviço para o usuário ou do
menor custo para o Estado, nas modalidades de menor preço, de melhor
técnica ou de técnica e preço (Lei 8.666/93). Como observado, além do
ganho financeiro para o setor público, a PPP deve estimular e envolver outras
vantagens, como o acesso a novas tecnologias. É importante que se possa
definir a priori os resultados esperados dessa incorporação de melhorias
(por via da modernização e ou inovação), sendo interessante que se tenha
um conhecimento mensurável das necessidades de investimento para tal. Além
disso, se for possível avaliar os benefícios associados ao aspecto inovador
trazido por uma determinada PPP, essa avaliação deve, de alguma forma,
ser incorporada ao critério de escolha do processo de licitação.

Os instrumentos mais importantes de operação da PPP são os contratos


elaborados entre as partes, que envolvem os mais diversos aspectos técnicos,
de acordo com a natureza do projeto em questão (de artesanato a infra-es-
trutura de interligação internacional). Só na parte jurídica, isso envolve
aspectos ligados aos direitos administrativo, civil, comercial, tributário,
trabalhista e internacional (quando houver matéria envolvendo ativos ou
parceiros de mais de um país).

Idealmente, as cláusulas contratuais devem indicar eventos ou medições


que, muito comumente, exijam a contratação de empresas especializadas
para medir o resultado estabelecido, permitindo o pagamento, pelo Estado,
dos valores devidos aos parceiros privados (exemplo do pedágio-sombra).
Essas estruturas paralelas envolvem consultoras e auditoras, firmas de
engenharia e outros prestadores de serviços, cujos custos devem ser alocados
pelos parceiros de acordo com as características do projeto.

Os agentes financeiros envolvidos deverão fazer a classificação de seu risco


pela análise da qualidade (credibilidade) das obrigações do setor público,
com o pagamento das contribuições devidas; afinal, a nova definição de PPP
implica a garantia de retorno pelo Estado. A partir desse princípio, serão
quantificados pelos agentes financeiros os custos da colaboração a ser
negociada com os parceiros privados do projeto. Fica nítida aqui a impor-
tância da estabilidade do marco regulatório. A regulação clara e definida
minimiza os riscos privados do empreendimento, tornando os projetos mais
baratos.

Naturalmente, também os agentes do Estado, ao convidarem ou licitarem os


parceiros privados (de acordo com o marco regulatório), deverão fazer, por

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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 10, N. 20, P. 173-196, DEZ. 2003 187

meio de licitação ou classificação de risco, uma avaliação de sua credibili-


dade, para se eximirem de responsabilidade no evento de inadimplemento
por culpa desses parceiros.

É comum haver dificuldade para se distinguir os conceitos das diferentes


formas de parceria entre o setor público e o setor privado, diante de diferen-
tes sistemas institucionais, legais e culturais, especialmente entre PPP e
project finance.

O project finance é uma forma de engenharia financeira que tem um desenho


mais voltado para a realização de um fluxo de caixa previsível ou estipulado,
calcado nos ativos do próprio projeto, com baixa ou nenhuma solidariedade
dos patrocinadores, cabendo às partes identificar e tentar mitigar os riscos
previsíveis. O seu ideal de aplicação é nas atividades de serviço público com
retorno viável e monopólio legal ou natural (energia, telecomunicações etc.).
Na PPP, como impera o interesse público, pode não haver qualquer fluxo
de caixa ou ele ser pouco previsível ou até insuficiente para considerar-se
sua implementação.

No project finance, o interesse público pode ser neutro em relação ao sucesso


do empreendimento, como, por exemplo, em alguns dos casos em que esse
project finance não envolva qualquer Estado nacional ou unidade federada.
Tal característica é inconcebível em uma PPP, que exige a prevalência do
interesse público sobre o individual, segundo nossas normas do direito
público (administrativo), enquanto o project finance exige a equivalência
entre os participantes, seguindo normas do direito privado.

Outra diferença entre a PPP e o project finance, não desprovida de impor-


tância, é que na PPP os parceiros privados devem assumir total responsa-
bilidade pela conclusão e operação do projeto, nos termos definidos pelo
interesse público, independentemente de considerações de mercado.

A maior semelhança entre ambos os tipos de parceria é que não há transfe-


rência de ativos para o setor privado, como na privatização, mas uma busca
de melhor gestão de ativos públicos, através dos parceiros privados, com a
otimização dos desembolsos orçamentários. Além disso, a modelagem, a
identificação, a alocação e a mitigação de riscos tornam-se, em ambos, ele-
mentos fundamentais da análise, da negociação e do acompanhamento dos
contratos.

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188 A NOVA DEFINIÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

6. Condicionantes para a Aplicação da PPP

Para que uma PPP tenha lugar, o parceiro privado exigirá que lhe seja
assegurado o retorno do capital investido. Se essas taxas não forem atrativas,
o Estado deverá cobrir a diferença até torná-las competitivas com outras
atividades. No projeto de lei levado a consulta pública em outubro de 2003,
esse retorno pode ser através de pagamentos diretamente em dinheiro,
cessão de créditos não-tributários, outorga de direitos sobre bens públicos
ou em face da administração pública e outros admitidos em lei. Entre esses
últimos, podem ser citados o pagamento de dividendos, vantagens fiscais
ou parafiscais e ganhos na cadeia de produção do parceiro privado. Na
verdade, a literatura lista tantas formas quanto a criatividade, a legislação e
os valores culturais consigam enumerar.

A experiência internacional menciona a existência de um mercado de


capitais maduro como um dos fatores de sucesso da PPP, permitindo o uso
de instrumentos financeiros criados sob medida, como operações de securi-
tização dos créditos contra o setor público para a divisão do risco com
investidores institucionais, e a existência de um mercado securitário sofis-
ticado e complexo para a mitigação de riscos – infelizmente, dois fatores
que não são suficientemente desenvolvidos no Brasil.

Além de estabilidade macroeconômica, se for o caso de haver regulação


estatal, a PPP necessita, para ser uma iniciativa de sucesso, de estabilidade,
clareza e transparência do marco regulatório setorial, cuja operação não deve
ser hostil aos interesses de qualquer das partes envolvidas. Credibilidade é
um fator-chave em toda parceria.

Como a PPP exige a prevalência do interesse público sobre o individual, o


primeiro passo de qualquer PPP é a definição precisa dos objetivos a serem
alcançados pelo Estado, seguindo-se a escolha da forma mais eficiente para
atender aos agentes beneficiados.

A PPP exige um longo período de negociações e de maturação dos acordos,


o que, em geral, não é percebido ou bem recebido por todos os interessados.
Tal como no project finance, deverá haver um ganho no tempo com a curva
de aprendizado, sentida pelas partes privadas e pelos diferentes entes do
setor estatal. Também os períodos de operação devem ser compatíveis com
o retorno desejado, lembrando que a Lei de Licitações estabelece limites
temporais (cinco anos para a prestação de serviços) e procedimentos de

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pagamento não necessariamente adequados a essa condicionante, particu-


larmente nos casos de infra-estrutura.

O método definido para a solução de eventuais controvérsias não pode


interromper a execução do projeto, devendo ser rápido e seguro (condições
normalmente não-atendidas pelas lides no Judiciário), induzindo (não-obri-
gatoriamente) ao uso de arbitragem, mediação e conciliação. Quanto a esse
aspecto de solução de conflitos, os Tribunais de Contas não aceitam a
submissão das metas públicas ao arbitramento (mais adequadas aos minis-
térios ou às agências reguladoras, de acordo com a legislação vigente), mas
podem vir a aceitá-lo para as questões econômico-financeiras, dependendo
de análise, caso a caso. A utilização de instrumentos mais sofisticados como
esses costuma demandar que as equipes representantes do Estado res-
ponsáveis pelo planejamento e acompanhamento de uma PPP sejam es-
pecializadas, multidisciplinares e próximas ao poder decisório.

Outra condição para a PPP é a transparência não só do objetivo final do


contrato, como das metas a serem observadas e das condições em que serão
medidas. Essa condição, no âmbito público, exige a manutenção da res-
ponsabilidade fiscal e ampla fiscalização pelos órgãos competentes. No
âmbito privado, a PPP agrega-se à discussão sobre a efetividade de ins-
trumentos de segregação de risco e de securitização, sendo essenciais boas
práticas de mercado e, especialmente, de governança corporativa.

A soma dessas providências gera necessidades que têm de ser previamente


identificadas, caso a caso. Embora cada um dos projetos tenha suas parti-
cularidades, alguns dos desafios a serem enfrentados são típicos e podem
ser apontados e trabalhados de antemão.

Um desafio primordial consiste em identificar quando e se a responsabili-


dade dos parceiros privados será solidária ou não. A lógica técnica de ga-
rantir a consecução do interesse público exigiria a previsão de responsabili-
dade solidária, dada pelos parceiros privados com a conclusão e a operação
do projeto. Essa definição, contudo, é contratual, estabelecida individual-
mente, na ausência de lei específica.

Cabe atentar para o fato de que uma PPP exigirá, em geral, prazos dilatados
de planejamento, elaboração, implantação e operação (em alguns países,
chegaram a ser de seis a dez anos para os grandes projetos), que não con-
dizem com as esperanças, que o tema PPP desperta hoje, de constituir-se em
uma ampla solução para todos os problemas de investimento do país. Sua

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190 A NOVA DEFINIÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

complexidade de estruturação em projetos de infra-estrutura deverá ser


muito grande, havendo de ser o primeiro ponto a ser cuidado logo após a
enunciação dos objetivos do setor público.
A definição legal sobre a possibilidade de os credores terem o direito de
ingresso (step-in-rights) no projeto, em caso de insucesso da SPE, seria
interessante para a segurança dos agentes financeiros. Embora não exista
previsão legal, isso poderia ser defendido com base no interesse público na
conclusão ou na operação do produto ou da prestação do serviço.
Sem a utilização de instrumentos de crédito do mercado financeiro e de
capitais, os parceiros privados tenderão a procurar o BNDES a fim de
solicitar colaboração financeira para os investimentos de maior porte. Para
garantir o efetivo compartilhamento de responsabilidades entre os setores
público e privado, é importante que a participação do BNDES no financia-
mento das PPPs se limite ao montante necessário para viabilizar a realização
dos empreendimentos.
Também não existe ainda uma modelagem perfeita de garantias para as
PPPs, exigindo-se flexibilidade e criatividade para encontrar formas de
mitigação do risco de mercado e, especialmente, do risco político. Os agen-
tes financeiros requererão que o risco residual seja dos sócios, se as metas
acertadas contratualmente não tiverem sido atingidas e o parceiro público
interromper os pagamentos, deixando a SPE sem condições de solvência
imediata e para a continuação do contrato.
Como observado, os projetos não podem estar sujeitos a longas paralisações,
como as que ocorrem por força de lides judiciais. A permissão clara e
definida de acesso ao juízo arbitral não só pelo Judiciário, mas também pelos
órgãos de fiscalização, como o caso do Tribunal de Contas, poderia permitir
alguma mitigação desse risco, uma vez estabelecidos os casos em que se
poderia lançar mão dessa forma de discussão de contratos. A prevalência do
interesse público nessa matéria pode amadurecer a aceitação do juízo
arbitral no tocante à PPP.
Falta jurisprudência em institutos do novo Código Civil que possa ajudar a
PPP, como no caso do direito de superfície. Toda ausência de certeza será
vista como risco pelos parceiros privados, assim como toda falta de confian-
ça no marco regulatório e em sua operacionalização também será analisada
pelos interessados na parceria.

Além disso, há algumas restrições culturais sérias para a implementação da


PPP tal como é feita no exterior, como foi apontado neste texto (utilização

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de comissões de licitação profissionais, por exemplo). Já foi identificado


um receio de que, uma vez implementada uma regulamentação de PPP, todas
as concessões de serviços públicos só atrairiam interessados privados nessas
bases, esvaziando as demais formas, sem garantias do Estado.

7. Propostas de Soluções Localizadas


Mesmo sem pretender esgotar o leque de respostas, o presente artigo visa
contribuir para a discussão apontando algumas soluções aplicadas no exte-
rior ou em casos análogos no Brasil. Além disso, é preciso lembrar que o
desafio já vem sendo enfrentado, na prática, pelos agentes que utilizam
modelos de parceria, mesmo com toda a fragilidade dos experimentos, como
é descrito adiante.

A proposta mais comum de solução para a incerteza quanto à existência dos


recursos é a utilização de fundos setoriais específicos para cada projeto,
aplicando-se a Lei de Responsabilidade Fiscal quando envolver recursos
públicos. É o caso da Medida Provisória 122, de 25.6.2003, que criou o
Fundo de Investimento Imobiliário (FII) e o Fundo de Investimento em
Direitos Creditórios. No exterior, esses fundos representam uma forma de
mitigar o risco da PPP, seja criando um colchão de liquidez para cobrir
desembolsos não-previstos na fase de construção, seja para cobrir dificul-
dades de caixa visando remunerar o parceiro privado durante a fase de
operação. No Brasil, tais questões ainda não estão definidas.

O fundo pode ter receitas orçamentárias ou outras diversas resultantes da


própria operação do projeto. Pode haver um teto para os ganhos do parceiro
privado na PPP, além do qual esse fundo se alimentaria para cobrir, por
exemplo, ampliações e despesas extraordinárias em operação e manutenção.
Pode também contribuir para que os pagamentos feitos pelo ente público ao
parceiro privado não se situem abaixo de um patamar de equilíbrio, fixado
em contrato. Esses fundos seriam geridos por agentes fiduciários (bancos),
que se responsabilizariam pela aplicação dos recursos e pelo seu uso, seja
em despesas, seja em pagamentos aos parceiros. Devem, ainda, ser analisa-
das as implicações de natureza orçamentária associadas às contas públicas
brasileiras.
Nos casos em que haja receita futura prevista no projeto, pode ser recuperada
a idéia do Título de Participação em Receita de Serviços Públicos Concedi-
dos (TPR), para a captação de recursos para obra pública a ser executada ou
para equipamento a ser adquirido e montado, relacionado a serviço objeto

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192 A NOVA DEFINIÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

de concessão. O TPR é um título a ser emitido pela concessionária, que gera


aos seus tomadores direitos de crédito sobre um percentual, fixado contra-
tualmente, da receita da concessão por um prazo determinado. Esse título
daria a seus tomadores a prioridade dos pagamentos do crédito da PPP antes
de quaisquer outros credores, assegurando a possibilidade de um agente
fiduciário cuidar dos interesses dos beneficiários. Em caso de cassação da
concessão e a sua assunção por outro agente privado, o edital e o contrato
exigiriam que fosse garantido o resgate dos TPRs emitidos, dando a segu-
rança necessária para atrair investidores institucionais internos e externos.
Projeto de lei a respeito do TPR já foi aprovado no Senado, mas hoje se
encontra com a tramitação paralisada na Câmara. Segundo as informações
mais recentes, o projeto teria tido sua tramitação interrompida porque
haveria preferência no pagamento de seus tomadores, antes mesmo da
entrada dos recursos no caixa da concessionária, com elisão de seus créditos
trabalhistas e fiscais, gerando um crédito privado privilegiado em relação
ao Tesouro. Esse precedente pareceu inaceitável à equipe da gestão econô-
mica de fins dos anos 90. Talvez novos estudos permitissem o aprofun-
damento dos conceitos e a definição de seus limites, provando sua utilidade,
pois esse valor mobiliário cobriria uma lacuna não-atendida por debêntures
ou commercial papers.
Embora não se tenham mostrado factíveis em outros cenários em nosso
passado, alguns países criaram leis especiais que permitiram a vinculação
de certas receitas públicas ao pagamento dos créditos da PPP ou a autoriza-
ção para a troca de débitos tributários por créditos de contratos de PPP, frente
à administração pública.
Pode-se mesmo iniciar a PPP através de uma utilização maior de leasing e
de securitização (até mesmo de derivativos), também com base em expe-
riências externas. Os fundos de pensão no Brasil vêm utilizando derivativos
com sucesso para manter suas obrigações atuariais. A prática de criar uma
gestão de riscos por meio de seguros deve ser repensada para que o uso de
modalidades de seguro-garantia possa ser barateado pelo volume das con-
tratações pelo setor público, maior interessado na redução dos custos,
visando atrair os parceiros privados. Considerando-se que há casos de PPP
no Brasil, é importante aprofundar o estudo dessas experiências.

8. Conclusão
A definição de PPP ainda não foi concluída, em termos acadêmicos nacio-
nais, em todas as ciências afetadas, confundindo-se, por força da literatura

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estrangeira (que tem outras bases legais e culturais), ora com concessão, ora
com project finance, ora designando toda atividade que envolva parceiros
públicos e privados. As descrições também não traduzem suas técnicas
específicas, diante da diversidade das experiências. Não se deve confundir,
ainda, escalas, pois misturar soluções de projetos locais com aquelas dire-
cionadas para projetos de grande envergadura gera o risco de generalizações
perigosas, diante dos diferentes graus de fiscalização e de envolvimento das
comunidades atingidas.

O ideal seria haver denominações diferenciadas para elementos distintos.


Talvez a PPP devesse ser guardada para todo o gênero, buscando-se nomes
próprios para cada uma de suas espécies. Há um esforço de definir a PPP
como instrumento em pequenos projetos assistenciais, que são importantes
e interessam às organizações não-governamentais e às prefeituras e lideran-
ças locais da sociedade civil.

É possível que a atual legislação de concessões já atenda, com alguns


aperfeiçoamentos, aos objetivos de algumas variantes de PPP, o que prova-
velmente vem permitindo a sua aplicação imediata nos exemplos citados.

A PPP já tem aplicação garantida em pequenos projetos descentralizados e


de âmbito local, especialmente aqueles que despertam a mobilização da
população, como nos investimentos de desenvolvimento urbano (escolas,
hospitais, saneamento básico, saneamento ambiental, tratamento de lixões,
entre outros). Essas intervenções se caracterizam pela flexibilidade, pelos
graus e pelas formas diferentes de atuação do setor privado.

A migração do conceito de PPP para os projetos de infra-estrutura mais


relevantes para a economia, parece mais problemática pelo porte, volume
de recursos, instrumentos de fiscalização e atuação política direta.

A semelhança empírica mais expressiva entre uma PPP e um project finance


reside no comprometimento efetivo das partes em agir em conjunto e estar
dispostas à obtenção das metas pretendidas. São elementos comuns as
sociedades de propósito específico, as regras das concessões (quando apli-
cáveis) e as técnicas de diluição e mitigação de risco.

Há um outro esforço para difundir a PPP para grandes projetos de infra-


estrutura e que interessa de empreiteiras aos altos escalões do Poder Execu-
tivo em todas as suas esferas, passando naturalmente pelos contribuintes-
consumidores. Essas parcerias deveriam ser identificadas como PPP de

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194 A NOVA DEFINIÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

grande escala ou de gestão de infra-estrutura pública. Enquanto isso não


ocorre, a discussão, que está se avolumando, sobre o tema dos projetos de
grande escala vem chamando de PPP as modalidades de projetos de ins-
piração pública ou privada que atendam a interesses públicos predefinidos
como objeto de licitação, identificados em suas metas e nas formas de medir
sua realização, sem auto-sustentação – pelo menos, suficiente. Além dessas,
são chamadas de PPP as modalidades que exijam, necessariamente, o aporte,
total ou parcial, de recursos orçamentários, cujos pagamentos serão feitos
exclusivamente em função do atendimento de indicadores acertados e
contratados entre as partes, com o uso da legislação sobre responsabilidade
fiscal. Em face de poderem ser contratados outros agentes privados para as
tarefas acessórias, os instrumentos de engenharia financeira (SPE, securiti-
zação, licitação profissional etc.), a criação de fundos específicos e outros
adendos devem ser encarados como adaptações a serem avaliadas caso a
caso.

Para que sua aplicação seja coroada de sucesso, a PPP deve proporcionar ao
setor público alguma economia mensurável de recursos, ganho identificado
de eficiência ou geração de relevante externalidade positiva com sua reali-
zação.

Os casos que merecem que se estude a possibilidade de aplicação de


PPP envolvem, por exemplo, projetos urgentes e essenciais, uma vez que a PPP
permite antecipar investimentos que exigiriam muito tempo para serem
feitos apenas com recursos públicos. Contudo, se o Estado tiver condições
de realizar diretamente os investimentos desejados em tempo hábil, não há
que se falar em PPP.

A eventual escolha de um órgão centralizador para cuidar da PPP, na órbita


dos investimentos federais, pode utilizar a experiência do PND e de seus
órgãos gestores para as adaptações que sejam julgadas pertinentes em sua
implantação. As formas de estruturação e de fornecimento de garantias
devem ser suficientes para permitir a busca de colaboração financeira de
bancos públicos e privados, nacionais e internacionais, para seus inves-
timentos.

Aproveitando o projeto de lei aberto à consulta pública em outubro de 2003,


deve ser feito um esforço para estudar as experiências em curso e aprofundar
rapidamente a discussão sobre legislação, cultura e regulação referente à
PPP, de modo a permitir a sua aplicação com segurança. O objetivo da PPP
é meritório (investimentos e empregos em saneamento, transportes, entre

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outros) e o Estado deve buscar formas de engenharia financeira para atingir


esses objetivos, com ou sem o uso do instrumento. Se a PPP puder contornar
suas limitações de risco político quanto à credibilidade da garantia do uso
dos recursos públicos como fonte essencial de projetos para a assunção de
riscos por dez, 20 ou 30 anos, nas bases atuais (seu verdadeiro calcanhar-
de-aquiles), poderá se tornar uma importante ferramenta do Estado em seu
objetivo de retomar o crescimento econômico e social.

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