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POEMA “UIVO”
RESUMO
Este trabalho propõe uma investigação sobre o fenômeno da violência e sua implicação no âmbito da literatura,
visando desmistificar a noção existente de violência, incutida pelos teóricos liberais, no senso-comum e, até
mesmo, no meio acadêmico. Para isso, a pesquisa esboça uma análise sociológica do poema “Uivo”, de Allen
Ginsberg. Deste modo, o artigo busca aprofundar os aspectos teóricos que elucidam como a violência não se
limita somente ao sentido vulgar de agressão física, mas que tem, pelo menos, duas dimensões: tanto pode
representar um desejo de alteração completa do fluxo socialmente naturalizado das coisas quanto pode-se
manifestar como a contenção desse desejo, do policiamento e da manutenção do status quo. Assim, no interior
do poema, percebe-se como a própria produção literária está permeada pelas relações sociais da sociedade
capitalista americana e do contexto do pós-guerra, mesmo que no sentido de ir contra essa lógica. Para
compreender essas questões, podem-se destacar alguns apontamentos do método dialético de Hegel (2005), os
conceitos de capitalismo como religião e violência divina em Walter Benjamin (2011; 2013) e as contribuições
de Slavoj Zizek (2014) sobre violência subjetiva e violência objetiva. Nesse sentido, a poesia de Uivo está
tomada por essa violência da alteração, a desvelar os limites da linguagem impostos pela literatura do
establishment, e, assim, Ginsberg dialeticamente aproxima significante e significado, ficção e realidade,
literatura e história, exigindo com sua violência poético-subjetiva um novo modo de ser e de escrever, ao mesmo
tempo.
O título escolhido para este trabalho não é meramente uma provocação, mas o
resultado de uma investigação teórica sobre o conceito de violência. Parece um tanto quanto
incoerente dizer que Allen Ginsberg, um dos fundadores da beat generation2, “papa” dos
hippies, zen-budista e famoso por seus discursos pacifistas contra a guerra no Vietnã, possa
ter sido um escritor que experenciou a violência em sua linguagem poética. Ainda mais: é um
risco afirmar que há violência na linguagem, que segundo o senso comum é o meio par
excellence da não-agressão e do diálogo. Antes, é preciso desmitificar e estabelecer
consistência ao sentido geral do fenômeno da violência.
Todo fenômeno é uma totalidade de determinações em movimento que o levam a
ser arrancado para fora e aparecer. Para compreender o fenômeno, é preciso penetrá-lo através
do conhecimento científico até o seu conceito. Para Hegel (2005), fora do conceito, o que há é
extensão e profundidade vazias, idênticas à superfície imediata. O conhecimento científico
demanda uma renúncia da superficialidade desse fenômeno, ir a fundo em sua investigação
1
Graduando do curso de Língua Portuguesa e suas Literaturas pela UPE – Campus Petrolina. E-mail:
anielson.ribeiro777@gmail.com
2
Movimento literário americano surgido nos anos 50.
estrutural e, por fim, retornar ao objeto com um algo a mais, que é o conceito. É desta forma
que é possível entender até que ponto a aparência é determinada por sua essência. O conceito
de violência, atualmente, está estritamente dominado pela aparência no discurso liberal, que
se reproduz no senso comum, em que cabe somente uma noção da violência como
manifestação de agressão física, vandalismo ou terror sanguinário. Nesse sentido, o sujeito
violento é aquele que está fora de seu comportamento usual, que rompe com alguma espécie
de contrato social. O que não é exatamente falso, mas é unilateral e mantém a ideia sempre
em seu começo, não avança no aprofundamento em direção à sua substância. Ao deter o
fenômeno num fosso ideológico limitado, incutindo que violência e bestialidade são
sinônimos perfeitos, mantém-se o conhecimento do objeto apenas no senso comum, que é
intuição, não ciência; e, aí sim, a aparência de uma ideia que circula sem conceito será sempre
usada como arma para domesticação dos dominados:
Nesse trecho, pode-se constatar que a linguagem está infectada pela violência, não
só no sentido de descrevê-la, mas no próprio sentido de ser, com suas indigestas combinações
que se lançam com cólera contra as limitações da língua. Além disso, as descrições dos
ambientes de pobreza e sujeira têm um papel importante para a sua poética, não de forma a
celebrá-las como pretendia o futurismo fascista de Marinetti 3 quanto à guerra, mas para
impactar ferozmente ao denunciá-las como armas de uma guerra histórica oculta no âmago da
própria América. Esse choque se dá porque, enquanto esperamos da poesia somente o doce
aroma das flores, Ginsberg nos faz sentir o odor pútrido dos apartamentos pobres, das ruas
sujas e do “Terror através da parede”, e isso nos desestabiliza, evoca um estranhamento em
relação à ordem:
A segunda parte de “Uivo” faz referência a uma divindade pagã (amalequita) que
é citada na Bíblia, para a qual eram ofertados sacrifícios humanos, principalmente crianças,
conhecida como Moloch. Segundo Benjamin (2013), o capitalismo não é só condicionado
pelas relações com a religião, como Max Weber afirma quanto ao protestantismo, antes, o
próprio sistema se configura como uma estrutura ético-religiosa. A alusão ao deus-devorador,
portanto, pode ser entendida como uma crítica à civilização capitalista da modernidade.
Ginsberg desenvolve uma alegoria poético-mística para a personificação desse deus do
capitalismo, em evidência nos trechos:
Em vista disso, é pelo olhar do leitor sobre o Outro que Ginsberg tenta incitar a
violência, não por vias de uma abstrata solidariedade humana, mas através da desconfiança a
respeito da vitória dos dominadores: um olhar que é o vir-a-ser da solidariedade com os
dominados. Como entendido no verso “sua alma nunca mais retornará a seu corpo de volta da
sua peregrinação rumo a uma cruz no vazio”, o poema é o testemunho da crucificação de um
Jesus vivo e americano, que é imagem e semelhança de todos os pobres, abandonados e
massacrados pela América, dos que morreram em manicômios usados, muitas vezes, como
forma de castigo para aqueles que ousaram pensar além dessa “simples vida”, como Allen
Ginsberg4 e Carl Solomon, que “imita a sombra de minha mãe” 5. A violência divina é a
manifestação do excesso, a pulsão desse “túmulo sobre-humano” transpondo a regularidade
da lei da religião do capitalismo, aquilo que reside na potência de romper com o direito e
subverter a ordem, sendo expresso no verso “onde você acusa seus médicos de loucura”. A
ruptura com esse modo limitado de vida através da violência divina é o que o eu-lírico evoca
em “revolução socialista hebraica”: profanar o profano, retomar a vida das garras de Moloch.
“Uivo” é uma oração em que ecoa, por detrás de cada verso, as lamúrias do “Eli,
Eli, lama sabachthani”6. Mas, se o Cristo bíblico sofreu sua morte no lugar de todos os
homens para perdoá-los e, assim, cortar o laço que os prendiam à antiga lei, o crucificado de
“Uivo” sofre não para salvá-los da culpa, mas para açoitá-los com ela, para dissipar o efeito
anestésico que age sob os oprimidos e fazê-los sentir novamente a dor de sua própria morte,
para que cada um se sinta responsável pela própria salvação e, ao mesmo tempo, pela do
outro7 e, deste modo, abrir a possibilidade de um Acontecimento que romperá com a
4
Segundo Willer (2009), o poeta beat se internou por decorrência dos escândalos envolvendo seu
comportamento e sua literatura.
5
Naomi Ginsberg, judia e comunista, também internada por distúrbios mentais. Pode-se notar, nesta
passagem, um sentimento que remete à relação edipiana de Allen com sua mãe sendo transferido para
Solomon.
6
“Senhor, Senhor, por que me abandonaste?” (Mateus 27:46).
7
“Assim, sou responsável por mim e por todos e crio uma determinada imagem do homem que escolho ser; ao
escolher a mim, estou escolhendo o homem.” (SARTRE, 2014, p. 21)
naturalização mítica de um sistema que se interpôs como uma onipresença político-teológica
sem início nem fim – um eterno “agora”. Para isso, com os termos de Benjamin (1985), é
preciso friccionar os estilhaços messiânicos até implodir o continuum da história, interromper
o tempo-de-agora e transformá-lo em um percurso transitório interminável. A poesia de
Ginsberg consegue abarcar essa dimensão messiânica, marcando a si mesma com as feridas
dos fantasmas do passado para vingá-los através desta auto-revolução poética permanente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. 257 p.
______. Para uma crítica da violência. In: ______. Escritos sobre mito e linguagem. Trad.
Ernani Chaves. Org. Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 121-156.
______. O capitalismo como religião. Trad. Nélio Schneider. Org. Michael Löwy. São
Paulo: Boitempo, 2013. 192 p. (Coleção Marxismo e Literatura).
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Meneses. 3 ed.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2005. 552 p.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:
Penguin Classics & Companhia das Letras, 2011. 93 p.
GINSBERG, Allen. Uivo, Kaddish e outros poemas. Trad. Claudio Willer. 2 ed. Porto
Alegre: L&PM, 2006. 208 p. (Coleção L&PM Pocket, v. 188).
WILLER, C. Geração Beat. Porto Alegre: L&PM, 2009. 128 p. (Coleção L&PM Pocket, v.
756).
ZIZEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. Trad. Miguel Serras Pereira. São Paulo:
Boitempo, 2014.195 p.