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C183
Caminhadas de universitários de origem popular : UFRB / organizado por Ana Inês Souza,
Jorge Luiz Barbosa, Jailson de Souza e Silva. — Rio de Janeiro : Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Pró-Reitoria de Extensão, 2009.
100 p. ; il. ; 24 cm. — (Coleção caminhadas de universitários de origem popular)
CDD: 378.81
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares
Organizadores
Jailson de Souza e Silva
Jorge Luiz Barbosa
Ana Inês Sousa
UFRB
Autores
Presidente da República Adriano Guedes de Souza
Luiz Inácio Lula da Silva
Alessandra Régis do Rosário
Anderson dos Santos da Silva
Ministério da Educação André Bruno Santos da Anunciação
Fernando Haddad
Ministro Bruna Maria Santos de Oliveira
Daniela de Souza Sales
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Daniela da Silva Santos
Diversidade – SECAD Daniela de Melo Oliveira
André Luiz de Figueiredo Lázaro
Secretário Deraci Souza dos Santos
Edilon de Freitas dos Santos
Diretoria de Educação para a Diversidade - DEDI
Edimilson Pereira dos Santos da Silva
Armênio Bello Schmidt
Ednólia Oliveira dos Santos
Coordenação Geral de Diversidade – CGD Eliana Souza dos Santos
Leonor Franco de Araújo
Emanuel Silva Andrade
Érica Paixão da Silva
Evanilda dos Santos
Esmeralcy Almeida Santos
Programa Conexões de Saberes: Fabiana Aguiar Fonseca
diálogos entre a universidade e
as comunidades populares Geoston Caetanos Castro Oliveira
Jorge Luiz Barbosa Gerlan Cardoso Sampaio
Jailson de Souza e Silva Iranildes Sales Bispo
Coordenação Geral
Jailton Almeida dos Santos Barbosa
Jeovana Ribeiro de Jesus do Nascimento
Cláudio Orlando Costa do Nascimento
Coordenação Geral do Programa Conexões de Saberes/UFRB Joana Angelina dos Santos Silva
Jordana da Silva Chaves
Rita de Cássia Nascimento Leite
Eduardo David de Oliveira José dos Santos
Djenane Brasil da Conceição José Raimundo dos Santos
Priscila Carvalho Leão Joselita de Jesus Bomfim
Sivanildo da Silva Borges
Coordenação Adjunta Juliana de Jesus Santos
Leila Pereira da Cruz
Lucas Dias Reis
Maria Joseni Borges de Souza
Maria Gilcilene Maciel Rocha
Paulo Gabriel Soledade Nacif Marly Silveira
Reitor
Meire Aparecida de Souza Fiuza
Naiara Fonseca de Souza
Silvio Luiz de Oliveira Sóglia
Vice-Reitor
Núbia Oliveira
Palmira Magaly Passos Gusmão
Rita de Cássia Dias Pereira de Jesus Queilane Salvador Santos
Pró-Reitora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis Rosiane do Carmo Teixeira
Rosiane Rodrigues da Silva
Robenilson Ferreira dos Santos
Silmary Silva dos Santos
Simone Santana da Cruz
Solange Conceição Silva
Tatiane Santos de Brito
Toniel Costa do Carmo Santos
Vanessa Morais Paixão
Uirlon Sábigo Alves Cardoso
Prefácio
A sociedade brasileira tem como seu maior desafio a construção de ações que permi-
tam, sem abrir mão da democracia, o enfrentamento da secular desigualdade social e econô-
mica que caracteriza o país. E, para isso, a educação é um elemento fundamental.
A possibilidade da educação contribuir de forma sistemática para esse processo impli-
ca uma educação de qualidade para todos, portanto, uma educação que necessita ser efeti-
vamente democratizada, em todos os níveis de ensino, e orientada, de forma continua, pela
melhoria de sua qualidade. No atual governo, o Ministério da Educação persegue de forma
intensa e sistemática esses objetivos.
Conexões de Saberes é um dos programas do MEC que expressa de forma nítida a luta
contra a desigualdade, em particular no âmbito educacional. O Programa procura, por um
lado, estreitar os vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares e,
por outro lado, melhorar as condições objetivas que contribuem para os estudantes univer-
sitários de origem popular permanecerem e concluírem com êxito a graduação e pós-gradu-
ação nas universidades públicas.
Criado pelo MEC em dezembro de 2004, o Programa é desenvolvido a partir da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD-MEC) e repre-
senta a evolução e expansão, para o cenário nacional, de uma iniciativa elaborada, na
cidade do Rio de Janeiro no ano de 2002, pela Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião constitui-se uma Rede de
Universitários de Espaços Populares com núcleos de formação e produção de conhecimen-
to em várias comunidades populares da cidade. O Programa Conexões de Saberes criou,
inicialmente, uma rede de estudantes de graduação em cinco universidades federais, distri-
buídas pelo país: UFF, UFMG, UFPA, UFPE e UFRJ. A partir de maio de 2005, ampliamos
o Programa para mais nove universidades federais: UFAM, UFBA, UFC, UFES, UFMS,
UFPB, UFPR, UFRGS e UnB. Em 2006, o Ministério da Educação assegurou, em todos os
estados do país, 33 universidades federais integrantes do Programa, sendo incluídas: UFAC,
UFAL, UFG, UFMA, UFMT, UFPI, UFRN, UFRR, UFRPE, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSCar,
UFT, UNIFAP, UNIR, UNIRIO, UNIVASF e UFRB.
Através do Programa Conexões de Saberes, essas universidades passam a ter, cada uma,
ao menos 251 universitários que participam de um processo contínuo de qualificação como
pesquisadores; construindo diagnósticos em suas instituições sobre as condições pedagógi-
cas dos estudantes de origem popular e desenvolvendo diagnósticos e ações sociais em
comunidades populares. Dessa forma, busca-se a formulação de proposições e realização de
1
A partir da liberação dos recursos 2007/2008 cada universidade federal passou a ter, cada uma, ao
menos 35 bolsistas.
práticas voltadas para a melhoria das condições de permanência dos estudantes de origem
popular na universidade pública e, também, aproximar os setores populares da instituição,
ampliando as possibilidades de encontro dos saberes destas duas instâncias sociais.
Nesse sentido, o livro que tem nas mãos, caro(a) leitor(a), é um marco dos objetivos do
Programa: a coleção “Caminhadas” chega a 33 livros publicados, com o lançamento das 19
publicações em 2009, reunindo as contribuições das universidades integrantes do Cone-
xões de Saberes em 2006. Com essas publicações, busca-se conceder voz a esses estudantes
e ampliar sua visibilidade nas universidades públicas e em outros espaços sociais. Esses
livros trazem os relatos sobre as alegrias e lutas de centenas de jovens, rapazes e moças, que
contrariaram a forte estrutura desigual que ainda impede o pleno acesso dos estudantes das
camadas mais desfavorecidas às universidades de excelência do país ou só o permite para os
cursos com menor prestígio social.
Que este livro contribua para sensibilizar, fazer pensar e estimular a luta pela constru-
ção de uma universidade pública efetivamente democrática, um sociedade brasileira mais
justa e uma humanidade cada dia mais plena.
Apresentação ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
09
Rita de Cássia Dias, Cláudio Orlando Costa do Nascimento
Eduardo Oliveira, Djenane Brasil da Conceição e Priscila Leão
Texto autobiográfico
Adriano Guedes de Souza ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
13
Autobiografia
Alessandra Régis do Rosário ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
15
Em busca de um sonho
Anderson dos Santos da Silva ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
18
Memorial
André Bruno Santos da Anunciação ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
21
Meus relatos
Bruna Maria Santos de Oliveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
24
Caminhos cruzados: muitas vidas, uma história
Daniela de Souza Sales, Esmeralcy Almeida Santos,
Gerlan Cardoso Sampaio, Iranildes Sales Bispo,
Jailton Almeida dos Santos Barbosa, Joana Angelina dos Santos Silva,
Juliana de Jesus Santos, Maria Joseni Borges de Souza ,
Naiara Fonseca de Souza, Rosiane do Carmo Teixeira,
Rosiane Rodrigues da Silva, Robenilson Ferreira dos Santos,
Silmary Silva dos Santos, Simone Santana da Cruz,
Tatiane Santos de Brito e Vanessa Morais Paixão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
27
“Caminhando contra o vento”
Daniela da Silva Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
36
Autobiografia
Daniela de Melo Oliveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
38
Memorial
Deraci Souza dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 40
Quem sou eu?
Edilon de Freitas dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 41
Memorial
Edimilson Pereira dos Santos da Silva ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 45
Em busca dos sonhos
Ednólia Oliveira dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 47
Minha trajetória de vida
Eliana Souza dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
50
Trajetória da conquista de um sonho
Emanuel Silva Andrade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 53
Texto autobiográfico
Érica Paixão da Silva ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 55
Texto autobiográfico
Evanilda dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
56
Vários obstáculos, novas conquistas
Fabiana Aguiar Fonseca ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 58
Texto autobiográfico
Geoston Caetano Castro Oliveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 61
Texto autobiográfico
Jeovana Ribeiro de Jesus do Nascimento ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
64
Autobiografia
Jordana da Silva Chaves ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 67
O impossível aconteceu
José dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
68
Texto autobiográfico
José Raimundo dos Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 70
Autobiografia
Joselita de Jesus Bomfim ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
72
Verdadeira identidade
Leila Pereira da Cruz ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 73
Texto autobiográfico
Lucas Dias Reis ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 75
Meus passos, minha caminhada
Palmira Magaly Passos Gusmão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 77
Memorial
Maria Gilcilene Maciel Rocha ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 79
L’Amore
Marly Silveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 83
Superação
Meire Aparecida de Souza Fiuza ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 85
Texto autobiográfico
Núbia Oliveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
88
A realizaçao do sonho
Queilane Salvador Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 90
Minha história
Solange Conceição Silva ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
92
Texto autobiográfico
Toniel Costa do Carmo Santos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 95
Autobiografia
Uirlon Sábigo Alves Cardoso ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 99
Apresentação
A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB nasce impregnada de refe-
renciais históricos e culturais da tradição do “Recôncavo Baiano, berço da nação brasileira”.
São saberes e experiências que se caracterizam, fundamentalmente, pelo reconhecimento e
valorização das formas de resistência, reação e afirmação das diferenças e da possibilidade
de coexistência coletiva.
A UFRB, imbuída do propósito de contribuir para a correção das distorções sociais
ainda presentes, compromete-se em propiciar a inclusão social e a igualdade racial, através
de políticas institucionais, é assim que a UFRB torna-se pioneira no âmbito das universida-
des brasileiras, na criação de uma Pró-Reitoria dedicada a implantar políticas de ação
afirmativa associadas aos assuntos estudantis, instituindo a PROPAAE - Pró-Reitoria de
Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis - cuja missão é promover a execução de políti-
cas afirmativas e estudantis, garantindo à comunidade acadêmica condições básicas para o
desenvolvimento de suas potencialidades, visando a inserção cidadã, cooperativa, propo-
sitiva e solidária nos âmbitos cultural, político e econômico da sociedade e o desenvolvi-
mento regional.
A PROPPAE nasce comprometida com a perspectiva multicultural, sintonizada com
a luta dos movimentos sociais, e com as atuais políticas públicas relativas à diminuição
das disparidades sociais e a promoção da igualdade racial e da diversidade, sobretudo,
vincula-se àquelas políticas que impliquem na promoção de práticas relativas à democra-
tização do acesso, permanência e pós-permanência do estudante de origem popular no
ensino superior.
A UFRB/PROPAAE, de forma dialógica e articulada com os vários segmentos contem-
plados pelas políticas institucionais, pôs em prática uma ação de co-responsabilidade e
mutualidade no trato com as demandas da comunidade acadêmica, instituindo o Programa
de Permanência embasado nos princípios da experiência universitária, que integra nas
ações de permanência, práticas de ensino, pesquisa e extensão, fomentadas em torno do
conceito de permanência qualificada.
O Programa de Permanência visa contribuir com a permanência dos estudantes nos
cursos de graduação da UFRB, assegurando formação acadêmica qualificada, através de
aprofundamento teórico, por meio de participação em projetos de extensão, atividades de
iniciação científica vinculadas a projetos de pesquisa e atividades de ensino relacionadas
à sua área de formação e ao desenvolvimento regional. Implementando assim, uma política
de permanência associada à excelência na formação acadêmica.
Priscila Leão
Assistente Social UFRB
Fiz o curso primário em escola pública, onde tive muitas dificuldades para estudar, pois
muitas vezes não tinha material escolar suficiente. Mas com a ajuda de minha mãe, que sempre
me incentivou aos estudos, eu concluí o ensino primário sem nunca ter perdido um ano.
O maior problema em estudar era financeiro, pois o meu pai não me reconheceu como
filho e fui criado somente por minha mãe. Ela, por ser quase analfabeta - concluiu somente
a 4ª série do primário -, tinha dificuldades em conseguir um emprego. Então, ela sempre
trabalhou com bicos: lavadeira, faxineira, venda de produtos de catálogos de revistas. O
dinheiro que entrava servia praticamente só para pagar aluguel e a comida.
Entrei para o ensino fundamental com onze anos de idade. Foi nessa época que minha
mãe começou a vender doces (balas, chicletes etc) e eu passei ajudá-la. Pela manhã ia à
escola e ela ficava na barraca de doces. Durante a tarde, eu ficava na barraca e ela podia fazer
outras coisas, como vender produtos e fazer faxinas. Aos sábados era dia de eu trabalhar na
feira com carrinho-de-mão (carregando compras) e ela ficar o dia inteiro na barraca. O
dinheiro era pouco, mas dava para ajudar na alimentação para a família: minha mãe, eu e
minha irmã Adriana, que ainda era muito pequena.
Concluí o ensino fundamental sem também perder nenhum ano. Nesse intervalo de
tempo, a barraca foi perdendo freguesia, os doces foram acabando e eu fui à procura de outros
trabalhos como engraxate, ajudante de marceneiro e de ajudante de oficina de bicicletas.
Durante o ensino médio, comecei a trabalhar numa oficina de conserto de moto,
recebendo metade do salário mínimo na época, onde além de trabalhar aprendi a profissão.
No período da manhã eu estudava e à tarde trabalhava. Também concluí o ensino médio de
forma regular, sem perder nenhum ano.
Após isso fiquei um ano sem poder estudar, pois passei a trabalhar o dia todo e chega-
va em casa muito tarde (20h) e cansado, mas não podia deixar de trabalhar porque minha
mãe não conseguia mais trabalhar por motivos de saúde (problemas de coluna e nervos) e
também não podia se aposentar por nunca haver trabalhado com carteira assinada. Então,
era praticamente eu que sustentava a casa, e nessa época já não pagávamos mais aluguel,
pois o meu avô havia falecido e deixou um terreno grande na roça, que foi vendido e o
dinheiro dividido entre os filhos. Com esse dinheiro compramos um terreno e com a ajuda
de uma prima da minha mãe, Eneide, e conseguimos construir uma casa.
Nesse período eu passei a me engajar em grupos de jovens da Igreja Católica, onde
desenvolvíamos trabalhos de evangelização.
Sou filha de Antonio Geraldo do Rosário Filho e Maria Lucia Regis do Rosário e
tenho Luana e Anderson como irmãos.
Nasci em 28 de junho de 1980, na cidade de Valença, interior da Bahia, sendo a
primeira filha de uma família de classe média baixa.
Graças ao bom Deus, que ilumina nossa família, nunca passamos por dificuldades,
meu pai sempre manteve a casa, pois era a única pessoa que trabalhava.
Ele nunca teve um emprego fixo, sempre trabalhou para si mesmo como produtor
rural e na alta estação - como minha cidade é costeira - ele também trabalhava com venda de
mariscos num ponto que meu avô cedeu pra ele, no fundo do mercado da cidade, e minha
mãe sempre foi dona de casa.
Meus pais não completaram os estudos, só cursaram até a oitava série do ensino
fundamental, mas sempre lutaram para que eu e meus irmãos fôssemos mais além. Então,
com toda dificuldade e estudando sempre em colégio público, eu e meus irmãos fomos
adiante. Minha irmã, mesmo sendo mais nova que eu, está concluindo a faculdade de
administração pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e eu agora entrei na Universi-
dade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
A grande decisão
Mesmo com a derrota do primeiro vestibular, não tinha desistido do meu objetivo, que
era entrar na universidade.
Depois de cinco anos de trabalho e sem perspectiva de melhora, veio em minha mente
uma idéia: largar o emprego e me dedicar exclusivamente ao vestibular.
Cheguei em casa e comentei com meus familiares a minha decisão de sair do trabalho,
sabia que seria uma decisão que poderia me trazer muitas preocupações, pois não poderia
ajudar nas despesas da casa e nem mesmo nas minhas próprias despesas.
Minha família, apesar das dificuldades que iríamos enfrentar, me deu o maior apoio e
disse que eu poderia sair do trabalho o correr atrás dos meus objetivos. Nesse momento não
posso deixar de falar na pessoa que é a razão do meu viver: minha mãe, que acredita em mim
até mais do que eu. Ela me deu toda força e incentivo. Então a decisão estava tomada: saí do
O grande dia
Lembro que entrava na internet todos os dias na esperança que o resultado saísse antes
que o previsto mas via que seria realmente na data prevista. Exatamente no dia que eu não
tinha entrado na net foi quando saiu o resultado. Eu estava no trabalho e logo que a loja
abriu minha amiga Selma me deu os parabéns, dizendo que eu passei no vestibular da
UNEB. Eu fiquei sem graça e trêmula, agradecia muito a Deus pela vitória de estar dentro de
uma universidade. Fiquei a manhã toda ansiosa para chegar a hora do almoço e contar a
maravilhosa notícia para minha mãe e pra minha família.
O que eu não sabia é que Deus tinha me reservado uma surpresa ainda maior. Depois da
comemoração de ter passado em um vestibular e confirmado que tinha valido a pena todos
os meus esforços e abdicações, outro amigo meu me ligou e disse que tinha saído o resulta-
do da federal e eu tinha passado também. Eu não acreditava naquilo que eu ouvia, era muita
felicidade para uma pessoa só (chorei muito junto com minha mãe, pois tinha passado na
UFRB para o curso dos meus sonhos, foi o dia mais feliz da minha vida).
Depois da euforia havia chegado à hora de pensar como eu iria estudar, pois a univer-
sidade ficava em outra cidade e seria difícil achar um lugar para morar. Então minha irmã
entrou em cena mais uma vez: ligou para uma amiga dela que morava próximo de Cachoei-
ra e perguntou a ela se eu poderia passar um tempo em sua casa. Ela disse que eu poderia
ficar quanto tempo quisesse, então mais uma vez larguei tudo e fui atrás dos meus objetivos.
Logo quando entrei na universidade tive a oportunidade de me inscrever na seleção
para bolsista de um projeto maravilhoso que é o Programa Conexões de Saberes, no qual fui
selecionada e fiquei muito feliz não só pela ajuda de custo que me proporcionaria como
também pela maravilhosa experiência de poder passar para muitos jovens a minha história
de vida e incentivá-los a correr atrás dos sonhos deles, mesmo com muitas dificuldades que
nós sabemos que são inevitáveis, principalmente para estudantes que são oriundos de co-
munidades pobres e de escolas públicas.
Vou contar a história de um jovem que lutou bastante para conquistar seu sonho.
Foram muitas as barreiras que ele encontrou no caminho, porém superou cada uma delas e
correu como um verdadeiro atleta, a fim de alcançar seu objetivo: entrar na faculdade.
A princípio gostaria que você, leitor (a), o chamasse de Silva. O jovem Silva é de uma
família simples e humilde de interior da Bahia. Sua mãe, Railda, uma senhora amigável e
uma mãe formidável, teve três filhos. O Aprígio, o mais velho, o Ademir (que após contrair
uma doença ficou mudo e surdo) e o caçula Silva. Seu pai chama-se Dermeval, um senhor
que segundo sua mãe cercava seu filho caçula de todo amor e carinho. Silva não conheceu
a figura paterna, pois o pai morreu quando ele tinha três anos de idade. Não digo que foi
uma dor para esta criança, pois ela desconhecia o significado desta palavra.
Railda, mesmo abalada com a morte de seu marido, decidiu cuidar dos três filhos.
Tornou-se não só mãe, mas - porque não dizer - um pai também. Era uma guerreira, uma
mãe brasileira, uma mulher que mesmo viúva lutou pelo bem-estar dos seus filhos. Ela
encontrou dentro de casa uma ajuda fundamental na criação das crianças: seu filho mais
velho, Aprígio. Este, por sua vez, começou a trabalhar cedo para ajudar a pagar as despe-
sas de casa. Surgia então um batalhador, um exemplo. Batalhador sim! Travou uma luta
nada fácil, por ter que conciliar trabalho e estudo. Quantas noites mal dormidas teve este
jovem, afim de que seus irmãos ficassem bem. A ajuda dele foi indispensável para a
criação da família.
Mas passados alguns anos e muitas lutas de sua mãe e irmão, chega a época de Silva
começar seus estudos numa escolinha chamada Menino Jesus. Os primeiros anos foram
difíceis para ele, por não conseguir entender o significado de estudar; deu muito trabalho
para seu irmão e sua mãe. Uma das frases que ele não cansava de repetir era que “escola não
dá futuro”. Ledo engano.
Essa fase turbulenta de Silva passou, e o Colégio Virgílio de Senna, onde cursou o
primário, lhe ajudou a amar e admirar os estudos; a partir de então Silva teve uma verdadeira
história de paixão com o conhecimento, mesmo com o Virgílio de Senna deixando a desejar
com relação à estrutura. Em meio a tudo isso o jovem Silva concluiu as quatro séries iniciais
neste colégio e passou a estudar em outro colégio, chamado Senador Pedro Lago.
Mas antes de passar para a quinta série, Silva passou as férias de fim de ano com sua tia
Almira Nunes, irmã de sua mãe, e conviveu com seus primos Adenilse (Lila) e Isaias (Sassá),
além do tio Antônio Carlos, um policial militar. O que era para serem férias acabou se
Histórico e caminhadas
Meu nome, antes de eu nascer, já estava certo, iria ser Bruno, se menino; Poliana, se
menina; depois que eu nasci, acrescentou-se o André por convenção de minhas outras duas
irmãs primogênitas, Andréia e Adriana, ficando assim, André Bruno.
Há 24 anos eu nascia em Salvador, capital baiana. Era fofinho, bem cuidado e todo
mundo queria um pedacinho meu. Talvez este tenha sido o meu primeiro momento entre
tantas pessoas juntas.
Sou filho de mãe solteira. Sou fruto da convivência quase efêmera entre minha mãe e
meu progenitor.
Minha mãe trabalhava como auxiliar de contas médicas no Instituto de Dermatologia
e Alergia da Bahia (IDAB) quando conheceu o meu pai, que era funcionário público do
município onde nasci. Namoraram por, mais ou menos, dois anos, até que eu nascesse e ele
se eximisse de sua responsabilidade sobre mim quando descobriu que ela, sua namorada,
aguardava um filho seu.
Embora o fato de ser mãe solteira tenha começado anos antes de eu nascer e ganhado
maior impulso nos anos seguintes ao meu nascimento, mulheres de muita coragem como
minha mãe já executavam a difícil tarefa de ser mãe e pai ao mesmo tempo.
Lutas
Comecei a “lutar” (executar atividade remunerada) desde os dezesseis anos de idade
com a oportunidade do meu primeiro emprego, chance que tive ao ser selecionado por
concurso mirim para ser estagiário da Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia,
onde levei um ano sob contrato.
Aos dezessete, quase dezoito, tive o meu primeiro emprego com a Carteira de Traba-
lho e Previdência Social (CTPS) assinada em Clínica Oftalmológica, depois na Vivo Tele-
comunicações.
Nunca fui ativista de movimentos sociais, contudo encetei a primeira turma de instru-
tores de um Curso Pré-Vestibular da Organização de Auxílio Fraterno (OAF), mantido pelo
Ministério da Educação (MEC), através do Programa Inovadores de Cursos (PIC) e Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), voltado, em
especial, para os negros e jovens em situação de risco social.
Nem por isso deixei de estudar, eu queria mais, mais do que os meus antepassados
haviam conseguido ou tentado, eu queria uma carreira acadêmica, uma formação intelectu-
al, social e política...
O meu primeiro vestibular foi para Ciências Contábeis no Instituto de Educação
Superior Unyhana Salvador (IESUS), onde passei, mas não cursei. A instituição era particu-
lar e eu só o fiz porque fui isentado da taxa de inscrição.
Eu continuei estudando. Queria ser militar, e, por isso, inscrevi-me no curso prepara-
tório para a Academia Superior de Armas do Exército Brasileiro, que tinha sede no Centro
Federal de Educação Tecnológica (CEFET), mas quando faltavam quatro meses para con-
correr a uma vaga para cadete na Academia Superior de Armas (ASA) - Escola de Formação
Militar das “Agulhas Negras”, que é uma instituição de formação militar da Marinha do
Brasil, desisti, fazendo o meu primeiro vestibular federal para a Escola de Agronomia, que
pertencia à Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas que agora compõe um dos campi da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde curso.
Assim como eu pretendia antes de entrar na universidade, continuo perseguindo os
meus sonhos (que eram: independência, ascensão social, crescimento intelectual, moral,
humano...) e tenho certeza de que chagarei lá, unindo à minha profissão, a minha realização
pessoal de estar fazendo o que gosto (em breve, ser engenheiro agrônomo).
Meu nome é Bruna Maria Santos de Oliveira, sou de Barreiros – Distrito de Riachão
do Jacuípe, na Bahia, e vou contar alguns relatos de minha vida, talvez comuns a tantas
outras marcada por uma trajetória de dificuldades e conquistas.
Tudo começou com o namoro de dois jovens, Odenice e Orlando, meus pais biológi-
cos. Nasci prematura de sete meses, na casa de meus avós maternos, sem nenhuma condição
favorável para um parto. Tive problemas de saúde que quase me levaram à morte, sobrevivi
graças a Deus e aos cuidados de minha família.
Por esses e outros motivos, quando tinha alguns meses de vida, fui morar na casa de
meu avô paterno, cuja morte ocorreu após dois anos, e minha ida pra lá, que era pra ser por
alguns dias, ficou em definitivo, pois continuei lá morando por toda a minha vida.
Essa talvez tenha sido a parte mais difícil e prazerosa de minha vida, pois ganhei uma
família maravilhosa composta de uma mulher (segunda mulher de meu avô) que até faltam-
me palavras para descrevê-la, cujo nome é Maria de Jesus Ferreira, minha mãe ou, como
costumo chamá-la, “mainha”. Uma mulher batalhadora, guerreira e muito forte que criou
seus sete filhos, que são meus tios-irmãos.
“Mainha” além de mãe, foi o pai de seus filhos, netos e de algumas crianças que
“apareceram” como eu. Trabalhou durante toda sua vida como lavradora para sustentar a
todos e não tinha nem os domingos para descansar. Mesmo não sabendo ler e escrever e das
demais dificuldades, sempre nos mostrou a importância dos estudos. Sempre dedicou seu
amor e cuidados pra mim igual aos seus filhos.
Lembro-me dos cuidados especiais - e até exagerados - que recebia por causa dos
meus ataques de bronquite asmática e das muitas vezes onde todos “perdiam” noites e dias
em revezamento para cuidar de mim, faltando até mesmo nos seus trabalhos, pois desde
muito cedo todos já lidavam com isso para ajudar na renda familiar, tudo para dedicar total
atenção a mim.
Lembro-me também com muitas saudades das belas tranças que eram feitas em meus
cabelos ao domingos, dia este em que eles eram lavados sempre às dez horas da manhã,
quando o sol estava “quente”, pois tinha que ficar aquecendo-me para secar mais rápido.
Nesses momentos, como em tantos outros, parecia até que o mundo todo parava para dedi-
car-me amor, carinhos e segurança, e foi assim ao logo de minha vida.
Estudei durante toda minha vida em escolas públicas, etapa maravilhosa e marcante,
onde comecei a traçar meus objetivos e conviver com pessoas que me ajudaram em tal
Introdução
São quase seis da tarde. As aulas já acabaram faz algum tempo. As salas estão vazias,
chorando de saudades da euforia que há pouco tudo preenchia e agora se transforma em um
vazio amistoso entre a angústia e o descanso. Olhando ao redor não se vê uma alma sequer.
Já foram todos embora para seus afazeres, para suas tendas, para suas famílias. As luzes do
pátio já se encontram apagadas e seria difícil encontrar direção caso a luz da saída não
ficasse costumeiramente acesa, servindo de bússola.
Parando no meio do pátio e fazendo ecoar três palmas seguidas, logo surgirá em meio
ao breu um dos porteiros, seu Gerson ou seu Josafá, em dias alternados. O primeiro magro,
queixo fino, olhos grandes, semblante amigável. O outro roliço e contente, pronto para
servir. Ambos negros - como a maioria dos brasileiros -, vagam pelos corredores à espera do
vigia noturno que chega às sete.
Está tudo vazio. O silêncio é sonoro. Se apurar os ouvidos um instante, perceberá um
burburinho ao longo do corredor. Descendo as duas escadas, chegará à frente de uma sala, às
vezes a porta encontra-se aberta, outras vezes não. Será fácil perceber que nem tudo é
silêncio. Nessa sala, em um grande e irregular círculo, senta-se um pequeno grupo de jovens
atentos. Descobrir-se-á, em meio a muitas vozes, risos, contos, histórias de vida e de supera-
ção, trajetórias que se cruzam perfazendo um desenho único. Esses jovens passaram por
muitas dificuldades. Fizeram dos obstáculos um meio de preparação para a vida, do estudo
um alicerce e da negritude um orgulho de viver. São negros e pobres, critério imprescindí-
vel para compor o grupo de contemplados pelas políticas afirmativas da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
Guardamos lembranças maravilhosas, sonhamos, fazemos gracejos. Nossas histórias
são bem parecidas, mas não são iguais...
Não somos iguais, pois uns são bolsitas da Fundação Clemente Mariane e outros do
Programa Conexões de Saberes. Vivemos em lugares diferentes, cidades diferentes, temos
famílias diferentes, cursos universitários diferentes, mas também somos parecidos... estu-
damos em escolas públicas, tivemos o mesmo sonho de ingressar na universidade, mora-
mos em bairros populares, temos histórias marcadas pela desigualdade social e discrimi-
nação racial, somos protagonistas de nossas histórias, somos negros e negras que, histori-
camente excluídos, resolveram responder com a inserção, daí que desejamos incluir os
bolsitas da Fundação Clemente Mariane com trajetórias semelhantes às nossas, que, na
verdade, entrelaçam-se com nossas vidas. Por isso realizamos o desafio de escrever esse
texto a 16 mãos!
Como vive no meio rural, encontra-se em estreito contato com a natureza, sentindo-se,
muitas vezes, como um pássaro livre. Ali, respira um ar puro e sacia sua sede com a mais pura
água de uma nascente que se encontra ao pé da mata, na propriedade da família. Foi ali que
aprendera a dar os primeiros passos, fazer os primeiros riscos e, apesar de ter sido uma
criança “fechada” e ciumenta, era também feliz, brincalhona e estudiosa, tornando-se, hoje,
uma pessoa simples e humilde.
Os mais velhos sempre gostaram de contar para as crianças, na zona rural ou urbana,
histórias antigas e de assombração que rendem muitas fantasias, pesadelos e sustos para a
criançada, despertando a criatividade e a relação de respeito com as crenças dos antigos.
Era um dia especial. A recepção era sempre calorosa: “que milagre é esse você por
aqui!?”, a vovó indagava. E com um brilho nos olhos, começava a contar a história que
mais gostava:
Entrada na universidade
A filha de uma família de baixa renda não poderia de forma alguma fazer um cursinho
pré-vestibular, pois isso significaria muito no orçamento precário da casa. Vanessa estudava
sozinha em casa utilizando revistas, jornais e livros emprestados. O primeiro vestibular que
fez foi um grande desafio para a moça de 17 anos que acabara de concluir o ensino médio,
mas, para sua surpresa, teve resultado satisfatório e está cursando o tão sonhado curso de
Pedagogia. As longas noites de estudo não foram exclusividade de Vanessa. Todos os outros
tiveram muita coragem e determinação para entrar na universidade, alguns pelo sistema de
reserva de vagas, outros não, alguns com cursinho pré-vestibular, outros sem, mas todos,
sem exceção, deram duro pra entrar na faculdade!
Similar, Iranildes estudava em casa e, com um pequeno grupo de amigas, também
almejavam cursar o ensino superior público. Fez algumas tentativas sem sucesso, porém, o
momento de realizar seu objetivo estava se aproximando. Fez o vestibular e alcançou a
realização. Essas são nossas histórias comuns!
Negritude
Todos os alunos deveriam se reunir em grupos. E assim foi feito. Havia um grupo com
meninas brancas e apenas uma negra. Então em alto e bom som a professora gritou para a
menina negra: “Você é muito fraca para ficar nesse grupo de meninas mais fortes que
você!” A menina negra e gordinha não sabia o que fazer, estava com vergonha, se sentido
muito mal, como se estivesse lhe faltando chão nos pés. Pensava: “como essa mulher, que
nem me conhece, pode dizer que eu sou fraca? Fraca por quê?” Triste, abaixou a cabeça em
meio àquela cena constrangedora. Fez o trabalho no “grupo dos fracos” que acabou sendo
o melhor de toda a sala. Silmary aprendeu a mostrar sua capacidade e determinação, o que
iria ser fundamental na formação de sua identidade como negra. No ensino médio, Mary
não se atemorizava, pelo contrário, organizava apresentações sobre negritude e fazia expo-
sições orais para todo o Colégio Estadual Pedro Calmon.
Protagonismo
Sendo movimento social lutando pelos direitos da população, lá estava Joseni presente.
A comissão de menores em Ubaíra conta com a colaboração de Dodi, que percebe as dificul-
dades que as crianças da sua localidade tinham para estudar, assim, começou a dar reforço
escolar para os pequenos, mesmo sabendo que financeiramente eles não poderiam retribuir.
Os corações jovens sempre acabam sendo invadidos pelos sonhos antigos ainda não
alcançados. Jailton é um desses jovens com sonhos antigos de solidariedade e amor ao
próximo. Uma idéia se concretizou quando ocorreu a II Gincana Entre Ruas de Amargosa
para arrecadar alimentos, roupas, remédios e brinquedos que deveriam ser doados à popula-
ção carente da cidade. Também arrecadavam livros para as bibliotecas. Esse evento ocupou
alguns finais de semana de jovens, crianças e adultos que, participando de provas diversas
e brincadeiras diferentes, contribuíam para amenizar o sofrimento de muitas pessoas. Daniela,
com seus colegas e amigos, também faziam o possível para arrecadar o máximo de contri-
buições para ajudar pessoas de bairros humildes da cidade, mas ouvir lamentos e aflições a
angustiava, no entanto - e apesar do sentimento de impotência - jamais deixou de ser
generosa e participativa.
Políticas afirmativas
Na estrada de chão, entre um carro e outro, só dava pra ver muita poeira com o Sol a
arder na cabeça. Em um dos carros que viajavam entre as cidades de Brejões e Amargosa, ia
uma picape D20 a carregar em sua carroceria três estudantes da UFRB, Iranildes, Robenilson
e Paloma, que não é bolsista. Essa realidade não era nada agradável, mas a motivação
mostrava-se tão grande que não os deixava desistir.
Essa situação findou quando Robenilson obteve a bolsa Conexões de Saberes, pois
ele passou a ter condições de manter-se em Amargosa. Não foi diferente com Naiara, Juliana,
Joana, Joseni e Rosiane.
Outros moravam em Amargosa, mas a família não tinha como dar subsídios para todas
as despesas que demandava os estudos na universidade, assim era para Daniela, Gerlan,
Simone, Vanessa e Esmeralcy. Já Silmary, Jailton e Tatiane não conseguiam conciliar traba-
lho e estudos acadêmicos, por esse motivo estavam numa situação difícil. Rosiane Rodrigues
perdeu o emprego assim que resolveu estudar, pois os horários coincidiam. Todos estavam
com dificuldades para continuar a graduação...
Vemos na roda de conversa nossas histórias encontrarem-se mais uma vez na UFRB, no
programa de políticas afirmativas, que visa não só a permanência qualificada do estudante na
graduação, mas prioriza a valorização e o reconhecimento étnico e racial como um dos funda-
mentos do Programa de Permanência da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos
Estudantis. O Programa Conexões de Saberes não oferece apenas um auxílio financeiro.
Antes de tudo, é uma oportunidade de um encontro mais profundo, verdadeiro e sincero
consigo e sua história. Muitos chegaram confusos: ‘‘eu coloquei na inscrição que sou pardo,
mas que cor tu achas que sou?” Ou: “sou afrodescendente, mas visivelmente parda!”Assim, a
confusão de pensamentos propagou-se, as discussões foram dando margens para que o reco-
nhecimento étnico-racial começasse a acontecer, já que eles vão muito além da cor da pele.
Como um indivíduo pode desenvolver-se sem reconhecer sua etnia? Porque a vergonha de ser
preto? Porque o medo das conseqüências que ser negro traz? Hoje, estamos em processo de
reflexão. As lágrimas tomam um novo sentido, os sonhos moldam-se e tomam novos horizon-
tes. Em nossos semblantes começa a surgir o orgulho que cresce dia-a-dia e a felicidade de
poder assumir o que somos, sem máscara nem disfarce, sem vergonha ou receio. O melhor
ficou para o final, que é mais um começo, para nós que nas políticas afirmativas encontramos
o suporte para uma permanência de qualidade na universidade. Enfim, os sorrisos estão che-
gando, os sonhos são grandes e a vontade de realizá-los ainda maior, o que dá razão para
muitas novas histórias de sucesso, determinação e superação de obstáculos.
As dezesseis mãos que assinam esse artigo são:
Daniela de Souza Sales (Dani), Esmeralcy Almeida Santos, Gerlan Cardoso Sampaio,
Iranildes Sales Bispo, Jailton Almeida dos Santos Barbosa, Joana Angelina dos Santos
Silva (Joaninha), Juliana de Jesus Santos (Juli), Maria Joseni Borges de Souza (Dodi),
Naiara Fonseca de Souza, Rosiane do Carmo Teixeira, Rosiane Rodrigues da Silva,
Robenilson Ferreira dos Santos (Rob), Silmary Silva dos Santos, Simone Santana da Cruz,
Tatiane Santos de Brito (Tati) e Vanessa Morais Paixão.
Meu nome é Daniela da Silva Santos, tenho 24 anos, nasci em dois de setembro de
1982, em Santo Antonio de Jesus, na Bahia.
Falarei de minha mãe. Seu nome é Sonia Maria da Silva Santos e teve três filhos: Ana
Paula, Luis Cláudio e eu, que sou a terceira. Não conheci meu pai e nunca tive meios para
procurá-lo e me aproximar dele.
A verdade é que eu tive uma vida “madrasta”, sofri muito, toda lembrança que tenho
de minha infância é de sofrimento e tristeza. Começarei o relato de minha história a partir de
lembranças remotas que marcaram muito a minha vida.
Minha mãe me levou muito cedo para a casa de uma de suas amigas, a qual não me
recordo o nome agora. Ela foi para Salvador, e eu tive de ficar morando com essa amiga dela.
Lembro-me muito bem que fiquei aos prantos,não entendia porque ela teria que se afastar
de mim. Os dias se passaram e senti muito a sua falta. Após alguns meses ela voltou, era uma
época de São João eu fiquei muito feliz de estar ao seu lado, mas o período de festas passou
e ela logo voltou para Salvador para trabalhar e novamente nos afastamos. Foi difícil segu-
rar, e o pior é que tive que sair da casa dessa amiga de minha mãe para morar com outra
amiga dela, que as pessoas chamavam de “dona Neném”.
Passei alguns anos morando na casa de dona Neném, ela é uma pessoa muito boa, pois
cuidava bem de mim, mas eu precisava de uma mãe, de uma família, pra me passar valores,
me ensinar as coisas da vida, enfim, precisava de um lar que me acolhesse e que fosse meu,
precisava sentir os pés no chão.
O período que fiquei na casa de dona Neném foi muito angustiante pra mim, ficava o
tempo inteiro na janela esperando minha mãe voltar, ficava na expectativa de que ela viesse
me buscar e sonhava com a possibilidade de morarmos juntas pra sempre; por mais dura que
fosse a minha realidade, eu, como criança, ainda tinha capacidade de sonhar com dias
melhores.
Depois de alguns anos na casa de dona Neném, fui surpreendida com a notícia de que,
a pedido de minha avó, eu iria morar com meu tio José e sua esposa Lucia, que eram então
recém-casados. Fiquei feliz, pois pelos menos iria morar com um parente, mas as coisas não
seguiram como eu imaginava. No início, quando fui morar na casa de meu tio José, tudo foi
bem, mas depois de algum tempo, sua esposa e eu já não convivíamos bem, isso porque ela
me maltratava muito. Eu ficava refletindo em alguns momentos, indagando o porquê de eu
sofrer tanto? Porque eu tinha que passar por todas essas coisas?
Ei, psiu! Será que você me deixa ser seu anjo de guarda aqui na terra? Então leia minha
história e pense na sua...
Nasci em Nazaré, uma cidade próxima a Santo Antônio de Jesus, ambas na Bahia, por
que o médico que atendia minha mãe trabalhava naquela cidade por questões políticas.
Vivi parte da minha infância em na chamada Rua do Areal. Lembro-me bem de uma
professora que tive nesta rua onde morei. Ela tinha uma escola pequena, simples, perto de
minha casa e foi onde comecei a dar os primeiros passos em busca do conhecimento. A
professora Edite, como era chamada, era muito carinhosa e marcou muito minha vida, a
começar pelo jeito de chamar-me: Dade. Ela era uma negra bem forte e sempre com seu
lindo sorriso nos lábios, que nos fazia sentir vontade de ficar pertinho dela.
Com mais ou menos doze anos de idade eu e minha família mudamos para mais perto
do centro de Santo Antônio de Jesus. Continuei estudando nas escolas públicas perto de
minha casa, e a maior parte do ensino fundamental fiz no Colégio Estadual Francisco da
Conceição Menezes. Nesse colégio fiz boas amizades, tanto entre o corpo discente, como
também entre o corpo docente. Foi lá que me formei em magistério (curso preparatório para
formação de professores de 1ª a 4ª séries). Dez anos atrás, esse era o curso mais procurado
para quem queria ensinar, ou seja, formar-se e logo trabalhar. Esse curso também era o que a
maioria das famílias de baixo poder aquisitivo estimulavam seus filhos a fazerem, pois a
maioria delas não podia encaminhar seus filhos para estudarem fora.
Os meus pais, não sei se pelo grau de instrução que era muito baixo, pois meu pai só
sabia assinar o próprio nome e minha mãe estudou na roça apenas até a 3ª série, não me
incentivaram a continuar meus estudos. A única pessoa da família que faz um curso de nível
superior sou eu, a caçula da família.
Mas hoje entendo que meus pais não me incentivaram a estudar porque quisessem,
mas porque eles não tiveram esse tipo de incentivo, pois tiveram que batalhar desde muito
cedo. Meu pai foi caminhoneiro até o dia que Deus o levou e a minha mãe sempre foi dona-
de-casa e costureira, exercício que aprendeu com as tias, pois minha avó morreu ainda
quando ela era bebê.
Formei-me e, depois de ensinar por muito pouco tempo, fui trabalhar no comércio, que
era a única saída para arrumar emprego. Contudo, dentro de mim existia uma força que
queria fazer-me movimentar, ou seja, eu não estava satisfeita profissionalmente e precisava
continuar estudando.
Nasci em oito de abril de 1987, em Santo Antônio de Jesus, filha de Aládio Fagundes dos
Santos com Clara Souza dos Santos, já falecida. Sou a última de onze filhos de pais lavradores
e semi-analfabetos. Sem condições financeiras favoráveis, meu destino parecia previsível.
Meu nascimento e sobrevivência foram difíceis, pois minha mãe, além de estar em idade
avançada para ter uma criança, apresentava problemas de saúde. Então, quando nasci, o
médico logo advertiu que eu não passaria mais que semanas viva, mas como é preciso ir contra
as determinações que nos limitam, agora estou tentado contar um pouco da minha história.
Passei minha infância em localidade conhecida com Fazenda Congonha, na zona
rural de Varzedo. Lá meus irmãos precisavam caminhar uma distância de aproximadamente
4 km para chegarem até a escola, por isso, todos desistiram de estudar e saíram de casa para
trabalhar, devido também às condições financeiras.
Quando completei oito anos, minha família se mudou para o Povoado do Cruzeiro –
na zona rural de Laje – lá comecei a minha vida escolar. Estudei sempre em escolas públi-
cas, e sou mais alguém que teve que “correr atrás” para superar as marcas deixadas por um
ensino deficiente. Lembro que das dificuldades no curso pré–vestibular, a pior delas, era a
angústia em pensar que tanto esforço poderia culminar em apenas uma tentativa frustrada.
Quero ressaltar um fator importante em minhas conquistas: a FÉ. Esta me sustenta e me
impulsiona a continuar lutando por meus desejos. Em um mundo real e baseado na razão, a
presença de um Deus sobrenatural foi essencial para a realização de sonhos que vão além daqui.
É bom falar do relevante papel de uma importante instituição na vida de alguém: a FAMÍLA.
Quando tinha treze anos minha mãe faleceu e, com o tempo, percebo quão grande foi esta perda!
Possuía um vínculo muito grande com ela. Atualmente, reconheço meu pai, meus irmãos e
amigos - que considero como família - como atores também responsáveis por minhas vitórias.
Completei o ensino médio e comecei a estudar em um curso pré-vestibular de cunho
social que era uma oportunidade única!!! Então prestei vestibular para História na Univer-
sidade Estadual da Bahia (UNEB) e para Psicologia na Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia (UFRB) e fui classificada em ambas.
Escolhi cursar psicologia na UFRB porque é uma universidade federal, que prepara os
melhores profissionais para atuar em diversas áreas. Até então, conhecia muito pouco de
psicologia, e o que me fez optar por este curso foi a possibilidade de desempenhar um
trabalho que suprisse não apenas minhas necessidades materiais mas que permitisse um
contato humanizado com as pessoas, poder entendê-las e participar dos processos de “trans-
formação” social, mudando de vida, superação de traumas.
Sou a primeira em minha família a ingressar em um curso superior de graduação e isso
é uma grande vitória; não é o final, mas o início de uma outra caminhada em que deverei
superar limites. Permanecer na faculdade é ainda um grande desafio, porém um importante
passo foi dado e atualmente faço parte do programa de permanência na faculdade, na qual
contribuirei para que outras pessoas lutem contra as determinações sociais que os limitam.
Para mim foi um susto quando soube da possibilidade de escrever um memorial. Não
me é nada confortável falar da minha vida, mas vamos lá.
O meu nome é Edilon de Freitas dos Santos, brasileiro, nascido em Cachoeira, na
Bahia e resido desde criança em Conceição da Feira. Tenho dois irmãos, Elane e Marlon,
que são filhos de pais distintos. Tenho dezenove anos de idade.
...mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana,
sempre, quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, possui a
estranha mania de ter fé na vida...
Milton Nascimento e Fernando Brant
Eu não poderia começar a relatar minha trajetória de vida sem primeiro citar a pessoa
responsável por grande parte do que sou – minha mãe, Maria da Paixão Suzart de Freitas.
Ela desde muito cedo enfrentou a vida praticamente sozinha. O pai da minha irmã, Elane,
nunca ligou muito pra lá. Só dava pensão quando queria, e quase nunca queria.
O meu pai, esse praticamente não conheço. Só o vi uma vez em toda a minha vida,
devia ter mais ou menos nove anos. Consigo lembrar-me com requinte de detalhes como
tudo aconteceu. Eu estava voltando da escola, quando minha avó paterna me interceptou
para informar que meu pai estava para chegar no final de semana. Na hora fiquei sem reação.
Em minha cabeça houve uma briga dos mais extremos sentimentos: amor, ódio, enfim,
fervia um turbilhão de sensações.
A primeira escola
Depois de um breve período na creche Mimos da Tia Lena, a qual não me adaptei, fui
matriculado na Escola Cantinho do Saber. Lá estudei dos três até os oito anos de idade.
Durante esse tempo fui muito bem alfabetizado, vivi inesquecíveis momentos. Até hoje
tenho vários amigos dessa época.
Foram vários acontecimentos especiais, recordo-me com mais intensidade de quando
participei da formatura do ABC. Ainda hoje consigo buscar em minha memória a imagem
nítida. A diretora da escola colocando o anel no meu dedo, minha professora vibrando
juntamente com minha mãe, que se derramava em lágrimas na platéia. Lembro dos ensaios
para a valsa dos debutantes, posso inclusive ver diante de meus olhos a decoração do salão.
Consigo escutar a música cantada em coro por nós.
Este ano quero paz em meu coração, quem quiser ter um amigo,
que me dê a mão. O tempo passa, e com ele caminhamos todos
juntos, sem parar, nossos passos pelo chão vão ficar,
marcas do que se foi, sonhos que vamos ter...”
Os Incríveis
Ensino fundamental
Escola Estadual Hérlio Mascarenhas Cardoso, essa foi a escola onde fiz quase todo
meu ensino fundamental. Quase porque comecei lá a partir da segunda série. Este ambiente
para mim foi além do meramente escolar. Tive oportunidade de conviver com professores
que foram muito mais que simples orientadores acadêmicos, mas também pessoas que esti-
mularam meu crescimento moral.
Não tenho conhecimento da atual situação desta escola, no entanto, quando era mem-
bro do corpo discente dela a percebia como uma “grande família”.
Ensino médio
Fiz todo o meu ensino médio no Colégio Estadual Yêda Barradas Carneiro, concluí
em 2005. Essa fase foi bastante comum, o que não quer dizer irrelevante, pois como já
relatei, foi neste contexto que confirmei o desejo que tinha de me graduar em História, mais
precisamente durante o primeiro e o segundo anos em que estudei com Ana Maria.
Entre as experiências que tive com a professora desta disciplina, algumas foram gra-
ves e constantes, pois não aceitava alguns comportamentos dela como docente. Batia sem-
pre de frente com ela. Mas sempre fui de deixar os problemas acadêmicos dentro dos muros
do colégio e fomos bons amigos.
A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que
chega roda viva e carrega o destino para lá..
Chico Buarque
Quando concluí o ensino médio estava meio sem perspectiva acadêmica, pois já tinha
decidido que, diante das dificuldades econômicas pelas quais minha família vinha passan-
do, era melhor eu procurar um trabalho e, consequentemente, deixar de lado meu grande
sonho, que era entrar para a universidade pública.
Assim fiz, e logo no início de 2005 recebi proposta para trabalhar informalmente
como cobrador do transporte alternativo que faz a linha Conceição da Feira/Feira de Santana-
BA. Não sei se por obra do acaso ou vontade divina, fato é que mesmo tentando distanciar-
me do meio acadêmico, esse trabalho me colocava em constante contato com ex-professo-
res, que me faziam sermões e sermões por eu ter me acomodado.
Os professores não sabiam do sacrifício que eu fazia para me convencer e aceitar
naquele momento que eu tinha mesmo é que me encaixar logo no mercado de trabalho.
Neste conflito fui até o meio do ano, quando soube de um pré-vestibular comunitário
e resolvi encarar a dupla jornada. No entanto, fisicamente para mim tornou-se insustentá-
vel, pois meu trabalho começava às 5:00 da manhã e ia até horário indeterminado. Após três
semanas, desisti definitivamente do pré-vestibular.
Resolvi fazer o exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Obtive uma média boa, então
me inscrevi para concorrer a uma bolsa do programa PROUNI (Universidade para Todos).
Um dia encontrei uma pessoa que tem uma parcela enorme de responsabilidade no
fato de hoje esta na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A minha grande
amiga Joana, que em uma conversa onde eu falava das minhas dificuldades, ela me falou da
Sou Edimilson Pereira dos Santos da Silva, 24 anos, moro em Cabaceiras do Paraguaçu-
BA, terra natal do poeta Castro Alves, que lá nasceu em 14 de março de 1847, em uma fazenda
da região. Gosto de realçar esse fato porque as manifestações culturais acerca dessa data
tiveram importante influência em minha vida, desde a minha infância. Essa é uma das datas
mais festivas do meu município, levando em conta que estudei todo o ensino médio em
escolas que tinham relação direta em preservar a memória do poeta, através de diversos con-
ceitos e empreendimentos realizados pela escola. Tempos marcantes, tanto que posso me
recordar de um trecho do poema de Castro Alves (Navio Negreiro) que diz assim:
Reflito também todos os desafios em minha trajetória de vida dentro e fora da escola.
Posso dizer que sou de comunidade popular e filho de agricultores que fizeram bas-
tantes esforços para a minha permanência na escola, apesar das dificuldades enfrentadas.
Retrato original, pode-se dizer, de toda a comunidade da região, e apesar de minha mãe e
meu pai trabalharem duro na lavoura de milho, feijão, fumo, mandioca etc, eu freqüentava
a escola e começava a visualizar os horizontes do mundo letrado.
Portanto ricos e pobres só se assemelhavam em uma só vertente subjetiva: no pensamento
de que a fuga da pobreza, a solução econômica, social e profissional se dá através da educação.
Minha relação com a comunidade onde vivo é bastante harmônica, me relaciono bem
com meus pais e amigos, gosto de praticar esportes, meu preferido é o futebol, o principal
esporte da região.
Sempre que posso estou presente em eventos religiosos da Igreja Católica, no entanto
a religiosidade da minha comunidade é diversificada e tem abrangência também para o
Protestantismo e o Candomblé.
Sou filha de Antonio Gonçalves dos Santos e Honorina Oliveira dos Santos. Nasci em
11 de março de 1978, em uma pequena fazenda dos patrões dos meus pais na Mata das
Covas, zona rural de Amargosa-BA, onde meu pai trabalhava como vaqueiro e minha mãe
cultivava a terra. Sou a quarta filha de uma família de quatorze filhos, sendo que três
morreram ainda pequenos.
Tive uma infância com poucas oportunidades de brincar com os amigos, pois meu pai
era muito rigoroso. Meu maior sonho era ganhar uma boneca de cabelo grande, pois eu
tinha os cabelos curtos e crespos e, por isso, sofria alguma discriminação na escola. Não sei
ao certo o motivo desse desejo. Seria uma forma de chamar a atenção das pessoas pelo fato
de elas só valorizarem cabelos lisos e grandes?
Estudei até a 2ª série do ensino fundamental numa escola municipal onde nasci.
Recordo-me claramente da minha primeira professora, que por sinal era muito carinhosa e
chama-se Celice.
Quando completei onze anos, meus pais deixaram essa fazenda e compraram um
pequeno pedaço de terra no Timbó, também zona rural de Amargosa. Lá, iniciaram a agri-
cultura. Eu e meus irmãos, que até então éramos seis, sempre trabalhamos ajudando nossos
pais: acordávamos cedo e passávamos o dia inteiro no Sol quente. Mesmo assim o dinheiro
nunca era suficiente.
A vida no campo é muito difícil, pois seus moradores são esquecidos e discriminados
por todos. Falta dinheiro e investimento para garantir a sobrevivência e a permanência
nesse espaço.
Eu não desejava aquele sofrimento para o futuro, queria mudanças, porém sabia que
para isso acontecer eu tinha que estudar. Ali o acesso à escola era difícil e assim resolvi ir
para a cidade trabalhar na casa dos ex-patrões dos meus pais, com apenas treze anos. Sofri
muito por deixar meus familiares.
Aí aconteceu uma etapa importante da minha vida: ambiente novo, família distante,
tarefas a cumprir. No começo foi muito duro, mas com o tempo, tudo foi se acomodando,
pois tinha encontrado uma segunda mãe: a querida professora Lygia, a pró Lygia (como
carinhosamente todos a chamam) que logo cuidou de me levar ao médico, pois eu era uma
criança doente, que necessitava de cuidados.
Aos quatorze anos voltei a estudar, depois de quatro anos fora da escola. Estudava no
turno matutino e fazia as tarefas domésticas à tarde. Fiz 3ª e 4ª séries nas Escolas Reunidas
Sou de uma família simples e humilde toda oriunda do interior (zona rural) da Bahia. Meu
pai, Cornélio, nasceu e cresceu no povoado conhecido como fazenda das Corocas, em Entre
Rios, onde aprendeu desde muito cedo a lidar com a lavoura. Não teve tempo de ir à escola,
apesar de seu maior desejo ser aprender a ler: só aprendeu a assinar o nome e fazer contas.
Já a minha mãe, Edileuza, nasceu em Itanagra e cresceu em Araçás, localidade próxima a
Entre Rios, onde estudou até a 6ª série do ginásio. Sempre fez pequenos bicos para ajudar nas
despesas de casa, com uma família grande (minha avó teve dezenove filhos). Ela fazia cabelo (a
ferro), unhas, lavava roupa de ganho (para fora), fazia faxina, vendia na feira... tudo para ajudar.
Surgiu em Araçás uma empresa de construção onde meu pai trabalhava como ajudan-
te. O destino fez com que minha mãe fosse lavar a roupa desses rapazes, então numa dessas
entregas de trouxa de roupas Edileuza conheceu Cornélio. Começaram a namorar e pouco
tempo depois ela ficou grávida.
Minha mãe passou uns dias na casa de uma tia, Leli, até o a época do meu nascimento.
Após um fim de semana com muitas dores, na manhã da segunda-feira, 12 de novembro de
1984, na maternidade Ticila Balbino, nasceu Eliana Souza dos Santos. Como a vida no
interior não é fácil, após esse momento lindo que foi o meu nascimento “painho e mainha”
resolveram se mudar para Salvador, para assim eu ter um futuro melhor do que o deles.
Como começar a vida numa nova cidade? A primeira moradia deles foi uma casa de
lona preta numa invasão denominada Bate Coração, no bairro de Paripe. Nessa época eles
possuíam as roupas, um fogareiro de uma boca, uma cama de campanha, dois pratos, dois
talheres, dois copos e a “cara e a coragem”. Como era mês de junho e fazia muito frio, pela
primeira vez minha mãe se desligou de mim e eu fiquei na casa de tia Leli. Ela arrumou um
trabalho como doméstica e meu pai de ajudante de caminhoneiro. Passaram-se quinze dias
neste barraco até conseguir comprar um quarto-e-sala de taipa no mesmo lugar.
A vida começou a se ajeitar: eu ficava na casa de tia Leli com os meus primos Antonio
Marcos e Patrícia e meu padrinho Manuel. Nos fins de semana ia ver meus pais, até que, depois
de quase três anos nessa toada, mudamos para uma casa maior, já com mainha grávida. Eu já
freqüentava uma banca - que equivale a aulas de reforço escolar, mesmo não tendo ainda
começado a estudar - que a vizinha dava, pois era muito “arteira” e só ficava quieta indo para
lá. No dia 17 de março de 1989 nasceu meu irmão Jamerson e, como eu era a “princesinha da
casa”, tudo mudou: tive de aprender a dividir a atenção, o amor e o carinho de todos.
Logo quando comecei a freqüentar a escola, com uns seis anos de idade, numa comu-
nidade da zona rural de Maragogipe-BA, onde morava com meus pais e mais três irmãos,
percebi que estava me deparando com algo totalmente novo: a leitura. Ficava ansioso para
aprender a ler e assim poder mostrar para os meus pais a novidade que já fazia parte da
minha vida. Foi tudo tão rápido que, quando me dei conta, já estava terminando a quarta
série do ensino fundamental e no ano seguinte iria estudar a quinta. Daí que surgiu um novo
desafio. Teria que me deslocar de onde morava, na zona rural, para a zona urbana da cidade,
pois só lá tinha escolas que ofereciam cursos a partir desta série.
Nossa! Lembro-me como se fosse hoje. No início foi muito difícil. Tinha que ir na
carroceria de um caminhão com meus irmãos e mais uma turma de pessoas. Às vezes, este
quebrava ou a prefeitura atrasava o salário do motorista, e assim o transporte faltava, então
tinha que andar durante uma hora até a escola. Minha mãe, Maria, ficava muito preocupada,
pois me achava muito ingênuo em comparação ao pessoal da cidade, que eles poderiam
fazer algo de mau comigo. Com exceção das brincadeiras discriminatórias, por eu ser da
zona rural, não havia nada de tão preocupante assim.
Na época em que estudava, nas horas vagas, ajudava meus pais no trabalho da lavoura;
nunca gostei desse tipo de trabalho, mas era necessário praticar. Quando terminei a primeira
série do ensino médio, fui chamado pela diretoria da escola onde estudava para trabalhar
como conferente de matrícula, pelo meu boletim acadêmico ser um dos melhores da sala.
Oficialmente, era o meu primeiro trabalho remunerado; trabalhei durante um mês e meio e foi
uma experiência muito significativa para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Em 2004, com dezoito anos, quando estava perto de concluir o ensino médio, o
pensamento sobre o futuro não saía de minha mente. Era um período de ansiedades, dúvidas
e deduções sobre a minha vida após o término do período escolar, mas de uma coisa eu tinha
certeza: queria continuar estudando.
Minha irmã Fernanda, com dezenove anos, estava na expectativa de fazer o vestibular
para estudar numa faculdade particular, o Instituto Adventista de Educação do Nordeste
(IAENE); eu não tinha idéia de como ela pagaria as mensalidades, pois o seu trabalho não
pagava o suficiente e nossos pais não tinham condições de ajudá-la. Aliás, eles e os morado-
res da comunidade não tinham noção alguma sobre universidade. Ela acabou passando
para o curso de Pedagogia e deu um jeito de pagar. Eu, ao concluir o ensino médio, vim
morar com ela numa casa alugada no centro de Maragogipe. Então enquanto ela trabalhava
Minha história é muito simples. Como em toda família de classe popular, passei por
várias dificuldades. Meus pais sempre lutaram para criar a mim e meus dois irmãos, além de
sempre nos incentivarem a estudar. Meu pai é pedreiro e minha mãe dona-de-casa.
Estudei todo o ensino fundamental e médio em escolas públicas, sempre sonhei em
fazer vestibular, concluí meus estudos mas desanimei um pouco. Trabalhei temporariamen-
te numa loja de roupas da minha cidade, Cruz das Almas. Em 2005 me casei, e encontrei no
meu esposo a força e o empurrão que precisava para despertar e voltar aos estudos. A convite
de um primo, passei a estudar na biblioteca da cidade todas as tardes; cada semana lia um
livro e ali mesmo, com alguns colegas, tirava minhas dúvidas. Muitas vezes pensei em
desistir, mas Deus sempre colocava à minha frente pessoas que me incentivavam, assim
continuei a estudar.
Ao saber que a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), seria implanta-
da na minha cidade e em cidades próximas, me animei bastante. Como não me interessava
pelos cursos oferecidos em Cruz das Almas, me inscrevi para Cachoeira, e hoje - com muito
orgulho - curso Museologia, que antes era um curso desconhecido para mim. Era muito
difícil explicar para as pessoas do que tratava o curso, alguns diziam: “Museologia? Ah,
você vai cuidar de coisas velhas”. E eu tentava, mesmo sem ter muito domínio sobre o que
estava falando (porque ainda estava no primeiro semestre), explicar que além de preservar
a memória, iria cuidar do nosso patrimônio histórico.
Apesar das dificuldades enfrentadas na sala de aula, principalmente porque sou muito
tímida e tinha que apresentar seminários e debater assuntos em sala de aula, estar na facul-
dade tornou-se algo maravilhoso, muito interessante e encantador.
Mas apesar de todo encanto e interesse, tive que encarar a realidade das dificuldades
financeiras de ter de cursar uma faculdade algo distante de minha casa, mesmo pública.
Pagar o transporte e tirar várias fotocópias por semana não é fácil, ainda mais para quem não
trabalha, como eu. Quando soube do Programa Conexões de Saberes me interessei, me
inscrevi, e quando descobri que tinha sido escolhida fiquei muito feliz e encontrei mais
forças para continuar.
Em busca de conhecimento
Meu nome é Evanilda dos Santos. Nasci em Cachoeira-BA, no dia 6 de fevereiro de
1982. Sou da zona rural de Conceição da Feira e filha do encanador Ezequiel dos Santos e
da doméstica Maria do Carmo dos Santos. Tenho quatorze irmãos, entre os três casamentos
de meu pai. Hoje moro apenas com meu pai, minha madrasta Carolina e meu irmão Willys.
Quando eu tinha dois anos de idade meus pais se separaram, então minha mãe foi
embora levando consigo duas irmãs: Elenilda e a caçula Elizabeth, deixando seis filhos
para meu pai criar. Ele sempre foi um homem batalhador e sua infância foi muito sofrida.
Apesar de tudo sempre foi forte e nos criou da melhor forma possível.
Foi uma fase bastante difícil para mim e meus irmãos, pois vimos nossa mãe ir embora
e não podíamos fazer nada para impedir, apenas choramos pedindo que ela não fosse.
Ficávamos sozinhos em casa e meus irmãos mais velhos, Raimundo e Ecia, tomavam conta
dos demais. Meu pai saía bem cedo para trabalhar, chegava muito tarde e, além do mais,
nesse período ele bebia muito.
Depois de alguns anos meu pai casou-se com Carolina, que consigo, trouxe três filhos:
Uberlândio, Wilsa Carla e Willys. Para nós, Carolina não se tornou apenas uma madrasta,
mais sim nossa mãe, pois ajudou meu pai a nos criar e nos tornou pessoas de bem. Ainda não
freqüentávamos a escola, e logo que ela chegou nos matriculou. No primário, estudei na
escola Canteiro da Alegria que ficava bem próxima de minha casa, e depois na escola Jessé
Bittencourt Dalto, que ficava um pouco mais distante; para mim era maravilhoso freqüentar
a escola.
Em 1994, comecei a estudar o ensino fundamental e tive muita força de vontade, pois
a escola Padre Alexandre de Gusmão, que eu freqüentava, era muito longe e meu pai não
tinha como para pagar o transporte; assim, tive que ir a pé, percorrendo três quilômetros
todos os dias. Mas apesar de ter andado vários quilômetros durante cinco anos, enfrentando
O passado pra mim é uma cortina de vidro. Estou feliz e orgulhosa, pois posso observá-
lo para caminhar para o futuro. Espero, através da minha história de vida, nutrir esperanças,
estimular e quem sabe até desenterrar os sonhos daqueles que pensam que universidade é
um sonho inatingível.
Nasci em 18 de abril de 1981, em Imperatriz, no Maranhão. Quando criança, adorava
fabricar meus próprios brinquedos com meu irmão. Minha mãe e meu pai passavam o dia
trabalhando na roça e na casa de farinha, fazendo fécula de mandioca. E nós passávamos o
dia ajudando nossos pais nas tarefas e fazendo travessuras. Não posso dizer que fui uma
criança completamente feliz, pois me faltava algo muito especial e desejado: estudar! O que
foi muito difícil, devido ao lugar onde a família morava, na zona rural, muito distante da
cidade, onde ficava a escola. Por isso essa felicidade só veio se concretizar aos nove anos,
quando minha mãe conseguiu a casa de minha avó para ficarmos.
Foi então que pude ir à escola e estudar, como as outras crianças. Um mundo novo no
qual aos poucos fui me inserindo. Confesso que no começo fui um “bicho do mato” tentan-
do adaptar-se num mundo completamente diferente, porém muito fascinante, que fez de
mim uma aluna muito dedicada.
Aos quatorze anos, depois de ter cursado a 6ª série, tive que parar os estudos, por falta
de lugar para morar, e voltei para o campo. Com 15 anos, acontecimentos marcantes muda-
ram minha vida: casei e vim morar aqui na Bahia, com promessas de emprego para meu
esposo. Aqui, fomos morar com meus sogros, na zona rural de Sapeaçu, onde passamos
momentos difíceis, ficando dois anos desempregados.
Quanto aos meus estudos, foram ficando um sonho cada vez mais distante. Tentei
inúmeras vezes recomeçá-lo, mas meu esposo não concordava com tal idéia, o que tornou-
se motivo de desavenças durante alguns anos.
Com muita dificuldade, terminei o ensino fundamental fazendo Comissão Permanen-
te de Avaliação (CPA), no Colégio Estadual Olavo Galvão, em Santo Antonio de Jesus. O
CPA marcou a data da prova, eu peguei a relação dos assuntos e só voltei lá para fazê-la. Foi
uma experiência com frutos de má qualidade, pois se com os professores explicando na sala
de aula torna-se difícil estudar, imagine sem eles, como foi meu caso.
Em 1999 nasceu minha filha Bianca, que hoje é meu incentivo para lutar. Foi e é
maravilhoso dedicar-me a ser mãe. Apesar de toda essa euforia, eu queria ser mais que isso.
Pais
Acho que devo começar a contar um pouco da minha história de vida, por meus pais,
a quem devo uma gratidão eterna, mesmo com todos os problemas, percalços, indiferenças
e brigas.
Miguel Araújo Oliveira, nascido em Canudos, sertão baiano, como a maioria das
crianças nordestinas não teve a infância que uma criança merece, e viu que o único caminho
para a sobrevivência era pelo trabalho. Tendo que escolher entre trabalhar e estudar, parou
na 4ª série do ensino fundamental.
Assim como a vida deixa marcas, ela traz presentes, e a grande dádiva do meu pai é a
minha mãe, mesmo sem ele demonstrar isso (ou talvez nem saber). Dalva Caetano Castro
Oliveira, nascida em Jeremoabo e criada em Canudos, é uma mulher guerreira, de fibra, que
modificou sua vida a favor dos filhos, mas nunca desistiu de realizar seus sonhos, como em
2001, o ano em que concluiu o ensino médio.
A vida de um sertanejo poderia se resumir na fuga da seca, da pobreza e a busca de um
a vida melhor. Ela foi morar em Feira de Santana e ele foi onde o trabalho o levava, tudo
muito rápido. Se conheceram, namoraram e se casaram, concebendo quatro filhos: Giovanne,
George, Geórgia e Geoston.
Eu
Sou Geoston Caetano Castro Oliveira, mas minha família e amigos de infância me
chamam de “Nenê”, e outros me chamam de “Geo”, já que para um cara de quase dois metros
de altura não fica bem chamar de “Nenê”. Tenho poucos amigos, mas os que tenho são
pessoas as quais admiro muito. Não sei ser espontâneo no começo, só quem é meu amigo
sabe como eu sou, tímido, sincero e adoro admirar as coisas à minha volta.
Sou um cara legal, tenho meus defeitos mas sei ser honesto com aquilo que faço ou
sinto, não sei enganar as pessoas nem mentir. Meus amigos sempre falam que muita gente já
quis se aproximar de mim, mas não o fazem. Não sei porquê, talvez um dia eu descubra.
Na escola
A primeira escola em que estudei se chamava Talento Infantil, eu tinha sete anos.
Lembro bem desse dia porque não chorei, não sorri, nem fiquei alegre ou triste, simplesmente
Pré-universidade
Me formei em 2002 e, logo em seguida, prestei vestibular para a Universidade Estadu-
al de Feira de Santana (UEFS) não consegui entrar porque zerei a prova de redação. Daí
percebi que parte do que tinha aprendido não significava nada para o vestibular. Entre
outros problemas, não conseguia fazer um cursinho preparatório porque me preocupava em
como pagar. Então o governo federal lançou o Universidade para Todos, um cursinho pré-
vestibular, mas não fui aprovado no seu processo seletivo. Não desisti, e quinze dias depois
das aulas começarem fui pedir à coordenadora que me deixasse assistir às aulas, e a resposta
dela foi positiva.
Fiz alguns vestibulares, só passei no quinto e, por sinal, foi a alegria e surpresa de
todos, pois eu já trabalhava de manhã e fora aprovado no processo seletivo do Centro de
Educação Tecnológica da Bahia (CETEB). Cursava à tarde, à noite ia para o pré-vestibular
e estudava de madrugada até o sono e o cansaço me derrubarem. Tive êxito na Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), na Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e na
UEFS. Mas nesta, que era meu alvo principal, julguei que não teria condições de me manter
ao longo do curso e optei por não me inscrever.
Foram quatro anos de espera para ver a cena mais linda e perfeita, o olhar e o sorriso da
minha mãe, algo que com palavras, sinais, gestos ou imagens é indescritível, algo que só eu sei.
Quem sou eu
Para uns, José pescador; para outros, José do camarão; mas eu gosto mesmo é de ser
chamado Zé de Dona Jovelina ou de Zé do seu João.
José pescador: Desde a infância acompanhava meu pai e meus queridos irmãos nos
dias de boas marés. Antes de ir para a escola, para vencer na vida e conseguir uma parte da
alimentação, tínhamos grandes compromissos com a pesca, pois quando não estava lançan-
do rede, estávamos arrastando um pequeno calão (rede de pesca de porte médio). Um saudo-
so amigo do meu pai, Antônio Viana, sempre que via a nossa saída do porto, dizia: “Lá vai
a canoa cobiçada com seu João e sua tripulação, para mais um dia de ensinamento de uma
grande lição: de como seus filhos se defenderem da fome através da pesca, sem nada dos
outros lançarem mão”
José do camarão: Para não fugir do mar e ter uma carreira, o único jeito que arrumei
foi trabalhar com o cultivo de camarão. Foram muitos anos de vida dedicados a esta função;
com ela eu fiz quase tudo: criação em gaiolas, cativeiro e até pesca de arrastão. É por isso
que alguns me chamam até hoje de José do camarão.
Zé filho de dona Jovelina ou Zé do seu João: João é o meu pai e Jovelina é a minha
mãe. Eles são as maiores pessoas da minha vida, por quem eu tenho grande consideração.
É com muito carinho, amor e muita satisfação que os guardo no meu coração. Portanto,
antes de tudo, jamais irei preferir ser chamado de outro nome, a não ser Zé de Dona
Jovelina ou Zé do seu João.
A partir desta nova etapa de vida, acadêmica, me preparo para realizar a minha grande
missão, que é, sem me interessar em ganhar muito dinheiro, compartilhar com o próximo,
sendo ele sem terra, sem lar ou sem chão, os conhecimentos adquiridos com minha nova
profissão de engenheiro de pesca.
Nasci em Amargosa, no interior da Bahia, oriundo de uma família pobre. Por isso,
desde criança, trabalhei pela busca de melhores dias de vida para mim e para toda minha
família. Pela falta de apoio da figura paterna em todos os aspectos, tive que trabalhar desde
muito cedo para ajudar no sustento da família.
Aos doze anos estudava o primário durante a semana e comecei a vender picolé aos
sábados na minha cidade natal. À medida que crescia, sentia uma maior necessidade de
trabalhar mais, pois as despesas da família aumentavam. Foi quando comecei a fabricar e
vender vassouras feitas artesanalmente por mim, o que continuei a fazer por alguns anos.
No final de 1995 terminei o primário e, por conta disso, passei a estudar na Escola
Agrotécnica de Amargosa, onde fui elogiado e incentivado pelos meus professores pelo
meu bom desempenho escolar. Também conquistei a amizade de muitas pessoas, de quem
até hoje sinto saudades.
Em 1997 mudei-me com minha família para Santo Antônio de Jesus, onde passamos a
morar de aluguel num bairro pobre da cidade, cujo nome é Irmã Dulce. Matriculei-me no
Colégio Luis Viana Filho, para fazer o supletivo da 7ª a 8ª séries.
Em 1999 fui para o Colégio Rômulo Almeida estudar à tarde, já que trabalhava duran-
te a noite, sendo por isso reprovado no final do ano. Por isso, só terminei o ensino médio no
final de 2002.
Ainda dentro do meu terceiro ano, brotou o sonho de cursar História, pelo fato de ter um
professor que ensinava esta disciplina de forma crítica e reflexiva: professor Edinaldo. Foi
isso que me motivou a conhecer as questões sociais, porque o modelo capitalista contribui
para a desigualdade social, onde prevalece a falta de perspectiva de vida em pessoas que
vivem na miserabilidade econômica, que em sua grande maioria são pessoas de origem afri-
cana – na minha opinião – porque isso reflete diretamente na comunidade onde eu moro.
Através do estímulo de alguns professores, matriculei-me em 2004 no curso pré-vesti-
bular Tiro de Guerra, para prestar vestibular na Universidade Estadual da Bahia (UNEB) no
final do ano, sem êxito no processo de seleção.
Em 2005 fiz cursinho novamente, estudava em casa, mas não tive sucesso novamente
na prova, para cursar História na UNEB.
Em 2006 entrei no curso pré-vestibular Razão, participei no meio do ano do processo
seletivo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), passei na primeira fase,
no entanto não passei na segunda. Inscrevi-me novamente no processo seletivo da UNEB e
Eu, Joselita de Jesus Bomfim, nasci na Zona Rural de Itamari, na Bahia. Tenho 25
anos, sou solteira, moro com meus pais e três irmãos, tenho pele negra, olhos castanhos
escuros e 1,65 metro de altura.
Iniciei a minha vida escolar aos seis anos, me alfabetizarei na zona rural e logo depois
comecei a estudar o primário na Escola Estadual Dr. Vasco Filho, onde concluí a 4ª série no
ano de 1994. Já em 1995, comecei o ginásio na Escola Municipal Centro Educacional de
Apuarema. Nesta mesma escola cursei todo o ensino médio, e em 2001 prestei o meu primei-
ro vestibular na Universidade Estadual da Bahia para o curso de Enfermagem. Fui classifi-
cada, mas não convocada em virtude no número insuficiente de vagas. Essa trajetória con-
tinuou e, já em 2005, prestei novamente vestibular, desta vez me sentia mais preparada,
pois estudei um ano de cursinho. O problema é que ainda não foi suficiente, fui reprovada
de novo! Voltei para a minha cidade, trabalhei durante o dia, dava aula de Ciências de 5ª a
8ª séries e à noite trabalhava com classe de alfabetização.
Hoje, realizo o meu sonho ao cursar Enfermagem na UFRB. Espero que seja a minha
verdadeira vocação, pois a luta não foi fácil, já que vim de uma família de classe baixa com
pouca ou quase nenhuma instrução escolar.
Espero que consiga concluir o curso, já que este é um dos grandes desafios do aluno
que vem da escola pública com baixo poder aquisitivo, como o meu caso. Mas apesar de
todos os obstáculos, pretendo realizar o meu novo sonho, que é concluir a graduação, me
especializar na área e fazer um doutorado em Patologia Humana. Ser, enfim, realizada
profissionalmente. E dar uma condição de vida melhor para os meus pais, que tanto lutaram
e se dedicaram para a conquista do meu sonho.
Nascia mais um dia, o Sol aquecia a terra, o mundo estava tão diferente e não sabia que
ali, logo em frente, a poucas horas, aconteceria uma coisa especial.
No dia 8 de setembro de 1989, às 12:20, o mundo se alegrou, a felicidade aumentou,
nascia em uma maternidade de Cruz das Almas uma criança de nome Leila, filha de Luiz
Alberto e Valneide Pereira.
Meu pai, pedreiro, estudou até a 4ª série. Órfão de pai aos sete anos, teve que trabalhar
para ajudar sua mãe na criação de seus oito irmãos e, devido a isso, não pode se dedicar aos
estudos. Teve de abrir mão de ser uma criança com infância normal e divertida para ser uma
criança cheia de responsabilidade desde cedo. Ele começou a trabalhar vendendo picolé
para ajudar nas despesas de casa, um pouco mais tarde ele aprendeu a profissão de pedreiro
e começou a trabalhar nessa área. Depois ele conheceu minha mãe, que já tinha dois filhos.
Minha mãe, dona de casa e aposentada, estudou até a 6ª série. Largou a escola devido
a problemas de saúde e não pôde nem concluir o ensino fundamental. Aos 18 anos já era
mãe e depois precisou criar dois filhos só com a ajuda de Deus e de seus pais.
Somos seis irmãos em casa, três homens e três mulheres. Minha irmã Valdinéia, de 25
anos, abandonou os estudos ainda na 4ª série, se tornou mãe cedo e foi trabalhar em casa de
família. Meu irmão Everaldo, de 22 anos, estudou e conseguiu concluir o ensino médio.
Trabalha em uma fábrica chamada Bibi Calçados. Os meus outros irmãos ainda estão no
colégio: Leandro na 1ª série, Luiz na 5ª série e Leilane no 2º ano.
Ao completar três anos entrei na escola, iniciando pelo Jardim, na Escolinha Casa da
Criança, que na época era na minha rua. Logo depois eu me mudei de escola e fui estudar no
Colégio Batista, onde fiquei da 1ª à 4ª série. Eu, quando pequena, sempre fui uma criancinha
frágil e doente, porque tinha problemas respiratórios, sentia falta de ar, e devido a isso eu
deveria me limitar a certos tipos de brincadeira, como de correr e coisas que exigissem
muito esforço físico.
Quando eu concluí a 4ª série, fui estudar no Centro Educacional Cruzalmense (CEC),
onde fiz meus ensinos fundamental e médio. Na 6ª série uma colega minha de sala me tratou
com preconceito racial, pelo simples fato da cor da minha pele ser negra. Essa situação foi
muito difícil para mim e assim eu descobri que existiam pessoas capazes de julgar o outro
pela cor da pele. Isso se repetiu mais uma vez mais tarde, dessa feita um pouco diferente: foi
pelo fato de ser de classe baixa. Uma pessoa me discriminou mais uma vez. Isso tudo foi
Sábio não é aquele que sabe muito, mas aquele que sabe que o
pouco que ele sabe é o muito que ele precisa.
Autor desconhecido
Tenho 19 anos e sou natural de Cruz das Almas, no interior da Bahia. Sempre fui uma
pessoa muito criativa, o que sempre chamou a atenção de amigos e parentes. Em muito a
minha família contribuiu (e até hoje contribui) para as minhas conquistas, sempre me incen-
tivando a fazer o que de fato gosto, sem, contudo, deixar de alertar-me a respeito dos riscos
a que estamos expostos na vida, ressaltando ainda que eu deveria buscar as minhas vitórias
pessoais de maneira disciplinada e honesta. Herdei, portanto, através de lições familiares,
valores que hoje me caracterizam como pessoa e que prezo muito.
Minha família sempre foi bastante envolvida com questões religiosas. Com efeito, aos
11 anos entrei no grupo de coroinhas da Igreja Católica, na paróquia da minha cidade.
Nesse mesmo período cursava a 5ª série do ensino fundamental, tendo, na escola em que
estudava, um acerta popularidade que resultou em diversas indicações para assumir lide-
ranças em atividades extra-classe, como gincanas, feiras de cultura etc.
No final de 2000, período em que já havia concluído a 6ª série, minha família se
mudou para Salvador; porque meu pai apresentava graves problemas de saúde e buscáva-
mos oferecer-lhe melhores condições de tratamento. Seis meses após tal mudança, lamenta-
velmente, meu pai veio a falecer, causando abalos à nossa estrutura familiar. Com isso,
minha mãe, de uma modesta dona-de-casa, foi obrigada a se tornar chefe de família. Embora
houvesse muitas dificuldades naquele momento, decidimos permanecer em Salvador, ten-
do em vista que eu e meus três irmãos teríamos mais oportunidades quanto aos estudos, bem
como no mercado de trabalho.
Em busca de atividades que me levassem a lidar, de maneira menos angustiante, com
a ausência do meu pai, decidi me matricular na oficina de teatro oferecida pela escola onde
estudava; daí surgiu a oportunidade de participar de um festival de música sobre o meio
ambiente, organizado pela Secretaria de Educação de Salvador e a Secretaria de Planeja-
mento (SEPLAN), no qual fui vencedor com a música Beleza Ambiental.
Já em 2003 cursei o ensino médio em um dos colégios mais conceituados da rede
pública de Salvador: Colégio Estadual Anísio Teixeira – CEAT. Fazia apenas duas sema-
nas desde a minha chegada no CEAT, quando fui eleito, por meus colegas, líder da turma.
Certo de que estaria apto para representar todo o corpo discente dessa instituição, decidi me
inscrever nas eleições do Colegiado Escolar (no segmento dos alunos). Durante o processo
eleitoral, surpreendi professores e colegas ao apresentar bom desempenho nos debates e
demais atividades correlatas. Doravante, venci as eleições para os três turnos (matutino,
Acredito que qualquer pessoa, quando descreve sua jornada vivida, inicia seu relato
falando sobre a família.
Tenho meus pais vivos e três irmãos, que são mais novos que eu. Meus pais são
separados há doze anos e nós moramos com minha mãe e um tio deficiente mental. Apesar
da separação e de uma situação financeira limitada, meus pais nos criaram priorizando
sempre nossa educação.
Essa situação financeira, somada ao término do casamento, marcou minha vida esco-
lar, que foi cheia de migrações entre colégios públicos e particulares. As séries iniciais
cursei em escolas públicas, parte do ensino fundamental em colégios particulares, e outra
parte em colégios públicos. Ao final do ensino fundamental resolvi iniciar o meu ensino
médio com um curso profissionalizante, então fiz magistério. Nos três anos de magistério
fiz estágios remunerados em três escolas diferentes.
Fiz um cursinho pré-vestibular e, no mesmo período, ingressei num curso de
capacitação para jovens no Instituto Cultural Steve Biko.
Na Steve Biko me formei, junto com outros vinte e nove jovens, na primeira turma de
recreação infantil, onde tivemos oficinas de diversas atividades e fizemos apresentações em
muitos lugares. Neste período fui eleita líder da turma e representei o grupo num encontro
com primeira dama do país na época, Ruth Cardoso e outros jovens que participavam de
outros cursos com a mesma característica que o meu. Também fui chamada para trabalhar
em festas particulares e em festas populares feitas pela prefeitura de Salvador.
Apesar de diariamente discutir questões raciais, foi a partir do ingresso na Biko que
realmente comecei a atuar na área. Li muito sobre esses assuntos, participei de palestras,
discussões, amadureci meus pensamentos e decidi então prestar vestibular para um curso
que não é historicamente freqüentado por negros e que me parecia estimulante e novo.
Queria viver novas experiências e contribuir com minha causa em um campo diferen-
te. Prestei vestibular para Engenharia Agronômica da então Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e passei. Quando cheguei aqui, desenvolvi algumas atividades como voluntária
no projeto da universidade, chamado UFBA em Campo. Este projeto auxiliava uma comu-
nidade localizada dentro de sua área.
O projeto findou mas a minha vontade de trabalhar na área social não, então fui
nomeada diretora social da Cooperativa de Estudantes de Agronomia (COOPEA). Idealizei
I
Eu vou cantar pra vocês
um pouco da minha história
Sou de uma família humilde
que veio para mudar a trajetória
II
Ninguém da família enfrentou a história
enfrentei as distâncias para me encaixar na história
III
Está é Maria Gilcilene
que acabei de descrever
que está no Conexões de Saberes
na UFRB
• Para falar de mim, precisei fazer uma síntese da minha história de vida, assim
conectei as informações descritas nesse documentário.
• O memorial foi elaborado levando em conta as condições, situações e contingên-
cias que envolveram o desenvolvimento do meu percurso até a entrada na univer-
sidade.
Origem/família
Em São Felipe, na zona rural chamada Copioba do Sul-BA, em 15 de agosto de 1982,
nasceu uma negra linda, entre as lindas da minha cor, chamada, Maria Gilcilene M. Rocha,
filha de gerações de agricultores rurais de subsistência.
Meu pai, Antonio Paulo Conceição Rocha, aprendeu a lidar com a lavoura e só estu-
dou até a 4ª série primária do fundamental, por causa da distância até a escola. Minha mãe
vem de uma família numerosa é a segunda de dez filhos. Não teve muitas oportunidades de
estudar e fez até a 3ª série primária do fundamental.
Após se casarem ainda adolescentes (dezessete e quinze anos, respectivamente) tiveram
quatro filhos: Jivanildo, eu, Maria Jane e Gilmar. O casamento só durou sete anos e separam-se.
Infância/adolescência
A separação do casal aconteceu em 1988, estava com seis anos na época. A infância
ficou marcada por esta tragédia e por uma adolescência precoce. Assim, a maior parte da
infância foi concluída sem a participação dos pais. Era mãe e irmã ao mesmo tempo dos
meus irmãos. Aprendemos a caminhar sozinhos, um aconselhando ao outro. Ainda neste
período, tolerava um sofrimento por não poder ver a minha mãe, por imposição paterna.
Como residíamos na casa de meu avô, ele preenchia a lacuna de carinho, nos permitia
brincar de tudo, de cantiga de roda, macaquinho, sete-pedra, casinha, até cozinhar; preferia
mesmo era jogar futebol. Lembro nitidamente dos “babas” de fim de tarde com meninos e
meninas, no pequeno campo, na propriedade do meu avô.
Como diz o ditado, “alegria de pobre dura pouco”, e assim foi a minha curta infância.
Passados alguns anos nesta casa, minha avó Carmelita faleceu. Eu, por ser a “menina-
mulher” mais velha, tive que assumir o controle dos afazeres domésticos, como lavar roupa
e pratos, cozinhar e outros. Assim, antecipei minha adolescência.
Escola
Para estudar tive que superar as dificuldades econômicas, e acima de tudo, as distân-
cias das escolas. Na zona rural as escolas ficavam distantes entre si, quando não éramos
obrigados a estudar em outras cidades.
Para chegar até o colégio tive que andar de pé, caminhão ou ônibus, enfrentando altas
e baixas temperaturas, sol e chuva, até chegar ao destino final, meu colégio.
Antes de começar a estudar, imaginava que a escola era uma grande casa com quatro
paredes, cheia de cadeiras e esteticamente bonita. A primeira vez que fui à escola tive um
choque, porque era o contrário do que imaginava. Era pequena, velha e feia. Em um breve
momento me desestimulei a estudar.
Comecei a estudar com seis anos, na escola Municipal Geraldo Pereira Lordelo, do
povoado da Tapera. Lá estudei o ABC e a Cartilha (alfabetização). Apesar de tudo, a profes-
sora era excelente, a dona Vitória, que me fez mudar a concepção sobre a escola, dizia “que
não importava a beleza da escola, mas sim o que ela oferecia, o estudo”. Ela era paciente ao
ensinar o beabá e a tabuada.
Cursei da 1ª a 4ª séries na mesma escola. Nesse período tive as professoras Laura,
Mariza e Antonia, esta carinhosamente chamada de Toinha, tão excelente quanto a dona
Vitória. Só me lembro que havia competição interna para mudar de lição, terminar o livro
e pegar outro. Sempre fui uma das primeiras a terminar os exercícios e trocar de livro, o que
gerava elogios das professoras. Havia também gozações por parte dos alunos, para quem
errasse a tabuada; isto incentivava a leitura constante em casa para não errar a resposta.
Na entrada para a 5ª série do fundamental tive um grande problema, pois a zona rural
só oferecia estudo até a 4ª série fundamental. No centro urbano de São Felipe só haviam
Trabalho x vestibular
Em 2002, ao término do ensino médio, não fiz o vestibular, por falta de dinheiro para
pagar a inscrição. Em 2003, minha mãe pagou a inscrição do vestibular, mas não tive êxito.
Prestei para enfermagem na Universidade Federal da Bahia (UFBA), passei na 1ª fase e perdi
na 2ª. Ainda nesse ano ela me matriculou em um cursinho pré-vestibular comunitário da
Igreja Católica, chamado “cursinho do povo” e depois no pré-vestibular Garagem. Nesse
mesmo ano prestei o vestibular para pedagogia pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB),
no campus de Valença. Dessa vez tive sucesso, fiquei feliz, mas tinha um problema: era em
outra cidade e não teria recursos para me sustentar. Por conta de uma greve, as aulas só iriam
começar no segundo semestre de 2004.
Enquanto as aulas na universidade não começavam, trabalhei para juntar dinheiro e
poder estudar. Fui garçonete em um restaurante no centro de Cruz das Almas e ganhava
muitas gorjetas, o que me incentivava a continuar no emprego. Trabalhava mais tempo que
deveria por pouco menos de um salário mínimo.
Reflexão final
A trajetória da minha vida, até o dia atual, é marcada por muitos obstáculos financei-
ros. As dificuldades ocasionadas pelo dinheiro se agravam, ainda mais por pertencer a uma
etnia negra.
Oriunda de uma família humilde, onde tem como prioridade o estudo, acreditam que
isso pode mudar o estado socioeconômico, de status e conhecimento para quem consegue
estudar.
Para estudar, tive que superar as dificuldades econômicas, e acima de tudo as distân-
cias das escolas.
Enfim, a síntese da minha vida é marcada por muitos obstáculos, porém não me fize-
ram desistir em nenhum momento do que hoje é meu objetivo principal, que é concluir o
curso superior.
Poderia ter começado minha história de várias maneiras, mas iniciei com este versículo
bíblico porque sou evangélica e gosto muito desta mensagem, ela me reanima sempre. Ao
contar minha história você entenderá.
Nasci e fui criada em Cruz das Almas, cidade situada no Recôncavo da Bahia, onde
sempre estudei em escola pública. Sou filha adotiva, talvez por isso valorize muito meus
pais. Eles me criaram com muita dedicação, mesmo com todas as dificuldades que surgiam,
me incentivavam e me alertavam que tinha de lutar por meus objetivos e que deveria
romper as barreiras que a vida colocasse à minha frente: que tentasse sempre, e não desistis-
se ou desanimasse jamais.
Na escola primária, participava das aulas e de todas as atividades da escola. Lembro-
me que sempre visitávamos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA),
onde eu e a turma aprendíamos muito sobre os alimentos; também desfilávamos no aniver-
sário da cidade. Bons tempos! Quando pequena, ia continuamente com minha mãe à bibli-
oteca municipal, onde escolhia livros de histórias infantis bem coloridos e cheios de gravu-
ras. Gosto muito de ler.
Estudar sempre foi um prazer. Ia ao colégio para adquirir mais conhecimento e com-
partilhar momentos de alegria com meus colegas; ajudávamos-nos naqueles assuntos de
difícil assimilação. Minhas notas sempre foram boas, mas em algumas matérias obtinha
notas piores. Precisei de reforço escolar em matemática; tinha horror a essa matéria e posso
dizer que o assunto mais interessante nesta seara foi matriz, pois o professor fazia com que
desenvolvêssemos nosso raciocínio lógico.
Morávamos eu e meus pais em uma casa no bairro da Assembléia. Em 1994, quando
minha avó comprou uma casa nova, nos chamou para morar com ela, no bairro do Itapicuru.
Vivo lá atualmente. A convivência em minha casa é muito boa, mas é claro que houve
momentos de crise, com crises financeiras que atingiam minha família. Havia constantes
discussões e meus pais quase se separam. Sofria em ver que um casamento de 25 anos
Em 1983 o meu mundo começou. Foi quando minha mãe, com a graça do Espírito
Santo, trouxe-me pra cá e a minha história é mais ou menos a seguinte...
Nasci em Pintadas, cidadezinha no interior da Bahia, e comecei a minha vida escolar
aos sete anos de idade na Escola Municipal Públio Barreto. Sempre gostei de estudar, acho
que os obstáculos e dificuldades que passei para freqüentar a escola até concluir todo
ensino fundamental eram o que despertavam meu desejo de sempre continuar. Falo isso
porque minha família sempre morou na zona rural, em um povoado localizado na divisão
dos municípios de Pintadas e Maíri, e isso dificultava minha caminhada escolar.
Comecei a minha alfabetização já tardia, estudava em uma escola multiseriadada, ou
seja, a professora lecionava para alunos da alfabetização até a 4ª série do ensino fundamen-
tal. No mesmo turno e sala era impossível dar a mesma da atenção para todos os alunos.
Dessa forma eu, assim como todos os outros coleguinhas de sala, tivemos uma base escolar
prejudicada.
Para prosseguir com os estudos após esta etapa foi um processo difícil, pois morando
na zona rural ficava complicado o deslocamento para a cidade e, para proceder com a
caminhada estudantil teria que ser assim, já que na zona rural só tinha escola que ensinava
até a 4ª série do ensino fundamental.
Mas foi assim que a prefeitura disponibilizou um microônibus para levar os estudan-
tes interessados. Não foi fácil, pois eu tinha que andar todos os dias um bocado, devido o
ponto do transporte ser distante da minha casa. Sendo assim, tinha que sair cedo, por volta
das onze horas, e só retornava para casa novamente mais ou menos umas sete da noite.
Foi assim que comecei a estudar da 5ª a 8ª séries do ensino fundamental na Escola
Municipal Professora Zilda Dias da Silva, na cidade em que nasci. Após a 8ª série tive que
mudar de colégio, já que lá não havia ensino médio.
Comecei a estudar no Colégio Estadual Normal de Pintadas, durante dois anos, con-
cluindo o último ano no Rio de Janeiro, no Colégio Estadual Charles Dickens. Ao começar
o ensino médio optei por magistério (curso preparatório para formação de professores para
ensinar de 1ª a 4ª séries), pois como não tinha certeza se no futuro iria fazer um curso
superior, imaginava que optando por este curso, poderia depois de concluído conseguir um
emprego na prefeitura, como muitos dos professores dos quais me ensinaram conseguiram.
A maioria dos professores que me ensinaram na época não tinha nível superior, ensinavam
Meu nome é Queilane Salvador Santos, a segunda filha de Pedro Pereira dos Santos e
Cleonice da Conceição Salvador, irmã de Fabio Salvador Santos. Nasci em maio de 1988
em Cruz das Almas-BA. Oito meses após o meu nascimento, meu pai comprou um sítio na
zona rural, no povoado de Cerquinha, que faz parte de Cabaceiras do Paraguaçu. Foi lá que
dei os meus primeiros passos. Meu pai, nesta época, trabalhava em Salvador como garçom
em um restaurante, e minha mãe como professora do ensino fundamental, profissão que
exerce até hoje. Minha mãe, além disso, trabalhava nas horas vagas na agricultura.
No entanto, mesmo morando na zona rural, estudava em Cruz das Almas, e para chegar
até a cidade tinha que pegar ônibus todos os dias. Estudava numa Escola Municipal Maria
Peixoto Barbosa junto com meu irmão, Fabio que estava dois anos adiantado em relação à
mim. Tive que repetir a alfabetização por não saber soletrar as palavras.
A minha infância foi bem divertida no povoado onde morava, pois tinha muitas
amigas e brincávamos bastante. Não posso deixar de falar do Fabio, que sempre foi um
“irmãozão” para mim. Sempre gostei de brincar de boneca, tanto que quando percebi já
estava com quinze anos e brincando de boneca.
Algum tempo depois meu pai deixou o trabalho de garçom e foi trabalhar de agricul-
tor no seu próprio sítio onde morávamos. Até que um dia meu pai resolveu comprar algumas
terras em Juazeiro-BA, e infelizmente foi obrigado a vender seu sítio para poder pagar as
terras. Foi a partir daí que a nossa vida financeira começou a mudar.
Nesta época estava com dez anos, estudava no Colégio Municipal Jorge Guerra, em
Cruz das Almas, estava na quinta série. Tivemos que nos mudar para o povoado da Pindobeira,
em Muritiba-BA, em um sítio do meu avô.
Chegando a Pindobeira , percebi que a vida não seria fácil. Meu pai, endividado,
sendo obrigado a trabalhar como agricultor, e como se sabe, não é muito rentável viver da
agricultura, contávamos apenas com o salário mínimo da minha mãe para nos mantermos.
Tanto eu como meu irmão sempre fomos estimulados pelos nossos pais a superar as dificul-
dades e procurar o caminho do aprendizado e do crescimento. E graças a Deus nasci no
berço evangélico. Somos da igreja Assembléia de Deus, e era na igreja que nos sentíamos
revestidos de força para enfrentar as dificuldades.
Desde a minha adolescência que vejo e sei o que é privação, é você querer alguma coisa
e não poder ter. Não que meus pais não quisessem me dar as coisas, mas porque realmente não
Infância
Grande parte de minha infância morei com meus avós em Cruz das Almas-BA e,
devido a essa convivência, me habituei a referir-me a eles como “mainha e painho”. E
sempre que me recordo disso me vem à memória o dia em que minha mãe foi nos visitar e,
após seu regresso, meu tio Lucas, com ciúme, me mandou sair do colo de mainha, pois
aquela era mãe dele e não minha. Então mainha nos explicou carinhosamente que por ela
ser minha avó, era o mesmo que ser minha mãe por duas vezes. Daquele dia em diante ele
passou a explicar a todos que ele era meu tio, de forma muito engraçada, onde demonstrava
o orgulho de ser mais do que meu irmão.
Meu avô bebia muito, o que dificultava ainda mais a vida em casa. Minha avó fazia
crochê. Nenhum deles possuía educação formal, aliás, ninguém na família foi muito longe
nesta área, com exceção de minha mãe, que cursou até a oitava série do ensino fundamental.
Por esses e outros motivos eu praticamente não freqüentei a escola infantil. Lembro que,
por influência de minha mãe, cheguei a ser matriculada, mas que no meu primeiro contato com
a escola eu adquiri verdadeira aversão, por sentir-me inferiorizada (não sabia sequer o abecê).
Talvez também por ter olhos grandes, ser magrela e possuir cabelos crespos e avermelhados,
o que era assustador e servia como alvo de deboche. No meu primeiro dia de aula, a
professora pediu-me para dizer as vogais; fiquei apavorada e comecei a fazer xixi no meio
da sala. Aquilo repercutiu muito mal, fui tratada de forma cruel enquanto estive na escola.
Com aproximadamente nove anos de idade fui morar com dona Helena (amiga de
igreja de minha avó). Lá, minha vida não foi nenhum mar de rosas, porém foi nesse local que
aprendi a ler e escrever e decidi voltar a estudar. E ao retornar para morar com meus avós -
agora em Candeias-BA - pedi a eles que me matriculassem em uma escola melhor e assim foi
Adolescência
Ao concluir a terceira série do ensino fundamental, saí de Candeias e fui morar com
minha mãe em Salvador. Eu estava com aproximadamente doze anos, minha mãe se encon-
trava separada de Raimundo e, com muito esforço, acabava de construir uma pequena casa
para morarmos nós três: eu, ela e Reijane, minha irmã mais nova que estava morando com
sua avó paterna.
Fomos matriculadas em uma escola que ficava a 40 minutos à pé de casa. No primeiro
ano ambas estudávamos pela manhã e, como eu me encontrava na quarta série do funda-
mental, no ano seguinte passei para o turno vespertino, pois a norma da escola era primário
pela manhã e ginásio à tarde, então fomos separadas.
A minha estadia nessa escola foi tranqüila e amigável, fiz amigos para toda uma vida;
no entanto foram momentos conturbados em casa, pois Reijane acabou se afastando da
escola. Indiretamente isso ocasionou a reconciliação de minha mãe com Raimundo, e de-
pois disso veio o nascimento de meu irmão mais novo em 1999. Com a reaproximação do
casal vieram também conflitos familiares.
Mesmo com varias confusões “daquelas”, em momento algum deixei minha vida
acadêmica, e então eu tentei conciliar trabalho com estudo. Comecei a trabalhar como
atendente em uma loja de aluguel de painéis perto de casa. E em meados de 2004 arrumei
um estágio de recepcionista em uma pequena empresa de cursos profissionalizantes. Fiquei
por um ano e meio, até a conclusão de meu ensino médio.
Contar por escrito a história da minha vida é algo inédito para mim, mas também é
uma experiência que me possibilita trazer à memória alegrias e tristezas, dificuldades e
vitórias. Mesmo tendo o hábito de escrever sobre diversos assuntos não somente na escola
e posteriormente na universidade, mas também em casa, encaro a tarefa de redigir um texto
autobiográfico como bastante desafiadora.
Meu pai, Gilberto, natural de Cachoeira-BA e minha mãe, Janice, nascida em São
Félix-BA, se casaram no final de 1984. Alguns meses depois meu pai faleceu vítima de
afogamento; mesmo sabendo nadar, ele sofreu congestão e seu corpo só foi encontrado no
dia seguinte. Ele tinha 18 anos.
Numa tarde de dezembro de 1985 eu nasci, pesando pouco mais de três quilos e
quebrando os prognósticos de alguns vizinhos que diziam que eu, devido a ter pais com
porte físico magro, iria nascer com bem menos peso.
Após a morte de meu pai, minha mãe continuou morando com minha avó Guilhermina.
Ela era do tipo “matriarca”, que gostava de ver toda família reunida e manter tudo, inclusive
a vida de todos os familiares, sob seu controle. Ela só teve duas filhas “legítimas”, porém
tinha uma grande vocação para adoção. Sempre fez questão de nos ensinar princípios de fé,
carinho, respeito e equilíbrio.
Iniciei a alfabetização com quatro anos de idade, tardiamente para padrões da época e
mais tardio ainda para os atuais numa escola vinculada a uma igreja evangélica a qual nós
pertencemos até hoje, o Instituto Educacional Batista (IEB). Lembro-me que no primeiro
dia de aula chorei muito. Não me adaptei bem à professora no primeiro ano da alfabetização
e por isso a direção me tirou do turno matutino e me colocou no vespertino, com uma
professora chamada Norma. Com ela meu comportamento melhorou. No último ano do
período pré-escolar, em uma das brincadeiras do recreio, caí e fraturei o braço esquerdo, o
que gerou muita preocupação por parte dos professores e funcionários, pois tinham receio
de que minha avó responsabilizasse os mesmos por isso; porém quando ela e minha mãe
perceberam que se tratava de nada muito grave, se acalmaram.
Aos sete anos minha mãe me matriculou no Grupo Escolar Carlos Marques de Almeida,
onde cursei da 1ª a 4ª séries do primário. Na 1ª e na 2ª séries estudei no turno da tarde. Tive
boas notas e gostava muito de Português e Estudos Sociais, uma matéria que ensinava
assuntos relacionados à História e Geografia.
É com orgulho e honestidade que relato a trajetória de minha vida. Até os oito anos de
idade convivi com meu pai, Antonio Carlos, minha mãe, Neuza, e minhas duas irmãs Uitier
e Werla; devido a vários desentendimentos entre meus pais, ocorreu a separação, sofri
muito, pois amo muito meus pais.
Minha mãe, mulher guerreira, professora na época do ensino médio e fundamental,
trabalhou muito para nos criar e educar, educação essa sempre ministrada em instituições
públicas.
O tempo foi passando e minha infância terminando de forma tão sutil que só as lem-
branças restaram, ficou um gosto amargo devido a frustração por não ter em minha casa um
ambiente saudável e propício para uma criança se desenvolver, por minha família ser de
origem humilde, tendo baixa renda e pela relação conturbada entre meus pais.
Agradeço a Deus todos os dias por minha mãe ter se revelado uma mulher batalhadora,
me incentivando a estudar e me dando todo auxílio possível para que eu pudesse vir me
tornar um homem de bem. Porém a mesma vem enfrentando problemas de saúde sérios. Há
pouco tempo minha mãe se submeteu a uma carga de exames, e por infelicidade do destino,
a maioria em seus diagnósticos apontou problemas. Com isso, ela se encontra no momento
afastada de suas atividades para poder dar início aos tratamentos.
O esforço de minha mãe vem se refletindo na minha vida, porque ultrapassei barreiras
e hoje aqui estou, em uma universidade federal de respaldo, cursando Nutrição, profissão
que venho conhecendo e me apaixonando cada vez mais.
Sei que existem dificuldades, gastos, responsabilidades pessoais comuns que têm que
ser cumpridas, mas essa bolsa de estudos vai me dar um suporte para que eu possa permane-
cer na universidade e vencer mais esse obstáculo.
Diante de todas as dificuldades encontradas no meu caminho, entre vitórias e derro-
tas, posso analisar com clareza os fatos ocorridos na minha curta trajetória de vida, e con-
cluir que a garra e a vontade de vencer estão sempre comigo, e por isso eu sou vitorioso.