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Manuel Maria Múrias esteve preso em 1980 e 1981 por fazer uso da apregoada
liberdade de imprensa então recentemente conquistada.
Terá sido muito provavelmente o único português a cumprir pena de prisão efectiva
por dizer o que nem todos queriam ouvir.
Porque nem a prisão calou o Manuel Maria Múrias, antes pelo contrário.
(…)
“O Governo da Aliança Democrática, do qual não gosto e no qual não confio, não
tem responsabilidades na minha prisão.
Essa decisão judicial - e não é bom que tentemos levar o Executivo a intervir no
Judicial - forçando-o ou por via administrativa ou por motivos políticos.
Que o ex-Primeiro-Ministro Mário Soares mentiu e mente com quantos dentes tem
na boca - é uma simples verificação de facto.
Que a actuação do ten.-cor. Melo Antunes é tão pouco luminosa que pode ser
retoricamente comparável à das ratas de cano - também me parece evidente.
Eu, como jornalista político, tenho a obrigação moral de escrever que é assim se,
honestamente, estiver convencido de que assim é.
Ora a lei proíbe que se atente contra a honra e a dignidade das pessoas
participantes nos órgãos de soberania.
Ao cumprir o meu dever infringi a lei e o meretíssimo Juiz dr. Sepúlveda Serra
ferrou-me catorze "abrunhadas" como se diz no paleio prisional - ou catorze meses
de prisão como se lê na douta sentença.
Eu devo denunciar o poder encarnado nas pessoas dos vários senhores que o
detêm; a lei impede-me de cumprir a minha missão.
Chamar ladrão ao dr. Mário Alberto Nobre Lopes Soares, pacífico cidadão que, de
quando em vez, bebe uns copos com os amigos e discute política - é muito grave,
porque atenta contra a dignidade moral e social da pessoa humana que é o
supracitado bacharel em Direito.
Eu não tenho o direito de chamar ladrão a um ladrão - se ele não exercer funções
públicas.
Para a imagem dum homem público interessa tudo - excepto a sua vida privada.
Muitos criminosos cometem crimes pelo simples gozo narcísico de ver o seu nome
estampado nos jornais.
Aqui mesmo, nos corredores desta penitenciária, alguém me perguntou se "a Rua"
dava notícias de ladroeiras.
Se acho que ele é, politicamente, nocivo, devo fazer todo o necessário para o
destruir.
Foram leis escritas para me meter na cadeia a mim, à Vera Lagoa, ao Silva Nobre,
à Fernanda Leitão, ao Manuel de Portugal, ao Carlos Viveiros, a todos quantos,
diante da hecatombe estatal, não estavam, nem estão dispostos a assistir passivos
ao trágico espectáculo.
Eu, desta minha cela 324, recluso nº 257 da Cadeia Central de Lisboa, acuso
solenemente aqueles três gandulos (um pulha, dois pulhas, três pulhas!) de terem
utilizado o Poder Legislativo que o povo lhes deu, em função (apenas!) dos seus
interesses sectários, de maneira a poderem usar criminosa e impunemente em
proveito próprio o aparelho de Estado.
A Aliança Democrática só pode ser considerada responsável pela minha reclusão se
não derrogar já as alterações ao Código de Processo Penal, que, abusiva e
nepoticamente, para calar a Imprensa Livre, a "maioria de esquerda" fez decretar.
A minha libertação fora do quadro legal é tão abusiva como as alterações que
permitiram a prisão.
Aguento como posso e como sei com a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Haja
Deus!
PS - Faltam só 447 dias para estar convosco. Até sempre. Vou recomeçar a ler o
Kafka.”