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&IGAA 2012046399
TURISMO, IMAGENS
E IMAGINÁRIOS

Susana Gastai

NEDITORA

ALEPH
CRÉDITOS

SUPERVISÃO EDITORIAL: Betty Fromer Piazzi


CAPA: Thiago Ventura (Spccial Projccts)
lLUSTRAÇAO DA CAPA: Nathalia de Ca stro c Paula
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Adriano Fromcr Piazzi c Débora Dutra Vieira
PREPARAÇÃO: Alcxantlra Costa
REVISÃO: Hebe Ester Lucas
PROJETO GRÁFICO: Neide Siqueira
EDITORAÇÃO E FOTOLITOS: join Bureau de Editornção

Todos os direitos reservados c protegidos pela lei nº 9.610 ue 19/2/1998 .


Nenhuma parte desta publicação pode se r reproduzida seja qual for a forma ou
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meio - eletrônico, mecânico por fotocópia, gravação ou outro - sem ::1 permissão
dos proprietários de direitos autorais.

Aleph Publicaçõ es e Asscssorin Pedagógica ltda . .,.L{~


R. Dr. Luiz Migliano, 1110- cjs. 301/302 ao~
05711-001 -São Paulo- SP- Brasil
Telefone: (11) 3743-3202
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alcph @ cditora a leph.com.br (P-.- 5:J <j O {f p_
i).n . J 4, J,o
Dados lntcrnacionnis de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SI', Brasil)

G a sta i, Susana
Turismo, imagens c imaginários I Susana Gastai. - São Paulo :
Alcph, 2005. - (Coleção ABC do turismo)

Bibliografia. Não se crê no imaginário. Vive-se nele.


ISBN 85-7657-010-6
(Juremir Machado da Silva.
1. Turismo 2. Viagens I. Título. 11. Série. As tecnologias do imaginário. p. 49)

05-2598 CDD-306.4Sl2

Índices para catálogo sistemático:


1. Turismo : Imagens e imaginário : Cultura :
Sociologia 3 06.4812
SUMÁRIO

Apresentação ...................................................... . 9

1. O turismo, as imagens e os imaginários ..... . 11

2. Admirável mundo novo .............................. . 15


3. A civilização da imagem ............................. . 23
4. As críticas a esse modo de vida .................. . 31
5. O turismo e suas imagens ..... ...................... . 35
6. Como ler imagens ....................................... . 39
7. Conceituando imagem ................................ . 47
8. A imagem no marketing ............................ .. 53
9. Por que imaginários? .................................. . 57
10. Necessidade versus desejo .......................... .. 61
-
8
+ Coleção ABC do Thrismo

11. Do material ao simbólico ........................... ..


67
12. Imaginários: percorrendo o conceito
··········· 71
13. O turismo e seus imaginários ······················ 81
Referências bibliográficas ............................. . APRESENTAÇÃO
······· 89
Sobre a autora ····················································· 91

inâmica e promissora, abrangente e ~clética, a ár~a


D de Turismo surge como um verdadeiro manancial
de oportunidades profissionais, exigindo de seus estu-
dantes uma ampla gama de conhecimentos técnicos e
generalistas. E como estar por dentro de tantos assun-
tos quando o tempo é curto e, muitas vezes, o dinheiro
também?
A necessidade estava ali, e do espírito inovador do
amigo Marcos Mendonça, da MJ Livros- um apaixona-
do por livros e por turismo- nasceu a idéia pela qual lhe
somos profundamente gratos: publicar uma coleção de
títulos que tivesse por objetivo fixar conceitos e esclare-
cer dúvidas sobre os principais tópicos da área de uma
forma rápida, mas eficiente. Sucinta, mas interessante.
Simples, mas conclusiva.
lO + Coleção ABC do Turismo

Nós demos asas a essa idéia e agora ela levant ~


a vo 0
com a Coleção ABC do Turismo. Em volume s com.
pactos, linguagem fácil e visual atraente os estud
' antes
de Turismo e Hotelaria encontrarão conteúdos de a1ta 1. o TURISMO, AS IMAGENS
qualidade e informações atualizadas em textos ele men- E OS IMAGINÁRIOS
tares escritos por alguns dos mais conceituados profis-
sionais do segmento. Não há nada igual no mercad o.
Agora é com você, leitor. O conhecimento está aq UI,·
pronto para ser absorvido com clareza, objetividade e
iajar é um hábito presente no mundo contempo-
por que não dizer, com muito prazer. '
V râneo. Por razões profissionais ou por lazer, as
pessoas se deslocam. Os deslocamentos por lazer
Editora Aleph podem incluir férias em locais badalados ou a visita à
família num feriado prolongado; a grande viagem in-
ternacional ou o fim de semana no litoral ou na serra.
Quanto aos deslocamentos profissionais, convém des-
tacar que estes não envolvem apenas o alto executivo
que precisa estar em Tóquio, Nova York ou São Paulo
para concretizar negócios ünportantes, mas também
aquele professm~ por exemplo, que n1inistra uma pa-
lestra em 11ma instituição diferente da sua, localizada
em uma cidade também diferente. Considerando-se tal
complexidade e diver~idade no tocante às viagens~ o
turismo tampém será um fenô1neno ~odal, cultural e
econômü~o m~1it.o complexo.
17. • Colf' çã o !\BC do 71trlsmo
'furt r. mo, ima qr nr. e tma(Jtnart o ~ • 13

Aliás, a complicação inicia pela própria con . 'á - t ado em contato com
- . . . . - '· ceJtua. novo lugar as pessoas Jc. ter a. o en r • c 11
çao elo tunsmo, pots há muitas vtsoes diferente ' • f em J·orn a is 10 le-
. . s pro. ele visualmente, por meio c1e o tos . '
curando clefmt-1o. Como há uma farta bibliogrtlfia sobre tos, cenas de filmes, págin as na Internet _o u mesn:
0

o te ma , ele não será aprofundado aqui - no cont por intermédio dos velhos e queridos cartoes-postat~.
ex to
deste livro, falar em turismo significará fazer referên. Imaginários porque as pessoas terão sentimento~, ali-
cia àquelas pessoas que saem das suas rotinas espaciais mentados por amplas e diversificadas redes de mfor-
e temporais por um período de tempo determinado: 0 mação, que as levarão a achar um local "romântico",
cidadão que sai em férias, os netos que visitam os avós outro "perigoso", outro "bonito", outro "civilizado". A
o executivo que viaja a negócios, mas não regulannente' esses sentimentos construídos em relação a locais e
para o mesmo destino. Ou seja, mesmo aquelas pes-
'
objetos (e, por que não, a pessoas?) temos chamado
soas que, morando numa grande cidade, num deter- de imaginários.
minado bairro, aproveitam o fim de semana para buscar Nas páginas a seguir será aprofundada essa íntima
outros espaços nessa mesma cidade- um parque, uma relação que se cria entre turismo, imagens e imaginá-
praia, um grande evento acontecendo num centro de rios. Também será explicado porque, no momento con-
convenções, uma festa de devoção religiosa ... -, essas temporâneo, ao estudar, atuar profissionalmente ou
também serão consideradas turistas. O que pode ha- fazer uma reflexão sobre os viajantes e as viagens, não
ver em comum entre um deslocamento para além das se pode desconhecer essa relação.
fronteiras nacionais ou para além das fronteiras do Vamos começar tentando entender o mundo em que
bairro de residência? Diria que, em comum aos dois, vivemos e o que, nele, nos induz a novos modos de
há o estranhamento, o prazer e uma certa ansiedade pensar e sentir.
diante do desconhecido e do novo.
Pode-se dizer que também haverá em comum, nos
diferentes tipos de deslocamento, a presença de ima·
gens e Irnagm
· · ários. Imagens porque, na própria cida·
de ou no estrangeiro, antes de se deslocarem para um
2. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

ada época possui a sua própria mane~r~ ~e ser e


C estar no mundo. A isso se chama senstbtlldade . A
cada novo momento, as relações das pessoas con1 o
espaço e o tempo mudam, ben1 como o perfil das fan1Í-
lias, as escolhas de lazer e viagens, ou o tipo de traba-
lho exercido, demarcando novas sensibilidades. Assin1,
se há muito, muito tempo, a maioria absoluta das pes-
soas vivia em comunidades rurais, em geral trabalha n-
do na agricultura, hoje, nos países do Ocidente, os
maiores segmentos populacionais estão nas cidades,
trabalhando, na sua maioria, no setor de serviços.
A grande ruptura en1 nossa cultura foi deternlina-
da pela introdução da n1áquina e seus desdobran1en-
tos nas fábricas, na mecanização do campo e nos
transportes, e no crescin1ento urbano. Antes da má-
quina, para aqueles grupos antigos, de vida rural, 0
16 •
Col eção ABC do Thrismo
Turismo. imagens e im ag inários • 17

tempo era marcado pelas ~stações do ano, pelas fases


o tempo medido pelas mudanças na natureza é denomi-
da lua, pelo dia e pela nmte. Longe era a aldeia vizi-
nado tempo cíclico: cíclico vem de ciclo e significa que, a
nha, e só os aventureiros atreviam-se a visitar um ou.
cada doze meses, será primavera/verão/outono/inver-
tro país. As relações sociais, e mesmo os casamentos no de novo, a cada 28 dias a lua cheia voltará, a cada
eram constituídos sob os ditames da tradição, ou seja, 365 dias faremos aniversário ... e assim por diante. O tem-
das normas emanadas do passado. Sob esses aspectos po marcado pela máquina chamada relógio será deno-
podemos dizer que a vida presente era condicionada minado tempo cronológico, que é sempre igual: uma hora
pelo passado. O momento marcado por essas carac- tem 60 minutos; um minuto tem 60 segundos. O tempo
terísticas agrícolas será chamado de tradicional ou cíclico não terá essa precisão: às vezes, o frio do inverno
pré-moderno. se estende primavera adentro. Às vezes, em pleno outo-
Quando as máquinas começam a dominar a estru- no, ainda se terá temperatura de verão. A noite pode
tura econômica inicia-se um novo momento, a moder- chegar às 17, às 18 ou às 19 horas, e assim por diante.
nidade, e muita coisa se altera. Primeiro, a aldeia ao Mas o que também muda na sensibilidade em rela-
lado deixará de ficar muito longe: a distância passará a ção ao tempo com o advento da modernidade é a lógi-
ser medida pelo número de estações de trem ou de ca dos desdobramentos temporais: se, no momento
ônibus entre um ponto e outro. A maior rapidez no tradicional, a sociedade vivia sob a lógica do passado
deslocamento traz consigo a sensação de que o espaço - tudo deveria ser feito conforme a tradição, ou seja,
teria encolhido. A noção de tempo também irá mudar, conforme era feito antes, antes e antes ... -, a moderni-
porque agora, não importando a época do ano, será o dade trará a lógica do futuro. Viver na lógica do futu-
relógio e não o nascer do sol que determinará o início ro significa coisas simples, como trabalhar um mês para
da jornada de trabalho. O relógio ditará o horário das depois receber o salário, trabalhar doze meses para
refeições e as estações do ano serão demarcadas não tirar férias, economizar dez anos para comprar uma
pela natureza, mas pelo calendário. Podemos dizer que casa, e assim por diante. Mas também significa con-
há uma padronização do tempo, que antes seria per- ceitos mais complexos, como a idéia de progresso, pa-
cebido como uma vivência subjetiva múltipla. lavra-chave na modernidade.

. \Jmvers10aae feaeral ao K. ü. No~


~ '• . .
91hlloteca Setorial de \, · No v~
., '
Coleção ABC do Tu rismo
18 •
Tu r ismo, imagens e imagínários • 19

Por progresso entende-se o que virá em desdobra.


za mas na sua pequenez e delicadeza, a merecer cui-
men to e, sob a lógica da máquina, o que virá ser,a, da,dos e a exigir uma nova ética econômica de uso dos
sempre, um momento melhor. Ter indústrias é ter pro.
recursos naturais.
gresso, pelo que elas trarão de benefícios (no futuro);
Aos poucos, a atividade econômica busca se rea-
ter aparelhos (máquinas) eletrodomésticos em casa é
linhar com essas novas preocupações éticas, bem como
progresso, porque depois (no futuro) se terá mais tern.
formas mais brandas e sustentáveis de produção in-
po livre. E se as máquinas trouxerem como conseqüên-
dustrial. Mas também surge uma novidade que irá
cias poluição e danos à natureza, paciência: esse será
modificar a nossa maneira de ser e estar no mundo: a
apenas o preço a ser pago pelo progresso.
eletrônica, que trouxe consigo, entre outras coisas, o
Essa lógica só mudará a partir dos anos 1960, en-
computador. No bojo de uma série de novidades como
tre outras razões, por causa da atuação de um movi- o microchip e outros avanços da informática, os compu-
mento ecológico de proteção à natureza que começava tadores levam a importantes alterações nos campos eco-
a se impor. Primeiro, porque os danos ao meio am- nômico e social. Os parques industriais, por exemplo,
biente deixaram de ser uma possibilidade futura e es- podem ser exportados para áreas menos desenvolvi-
tavam cada vez mais presentes. Segundo, porque o das nos países periféricos, nos quais há mão-de-obra
programa espacial norte-americano começou a divul- mais barata e leis ambientais menos rígidas, manten-
gar as primeiras fotos da Terra vista do espaço. A frase do-se a matriz - ou seja, o centro da tomada de deci-
do astronauta, que, encantado, disse "a Terra é azul", sões e do controle financeiro - em locais de excelência
marcou toda uma geração que iria se alinhar, também, no Primeiro Mundo, porque todo gerenciamento pode
nos protestos contra a guerra do Vietnã e no movi- ser feito por sistemas informatizados, em rede, e o sis-
mento hippie, sob uma bandeira que pedia "paz e amor'' tema de contêineres permite que qualquer mercadoria
não só em relação às outras pessoas, mas também em seja transportada para qualquer lugar do mundo, a
relação à natureza. Nas fotos da Terra vista do espaço custos economicamente viáveis.
~xterior, o planeta aparecia em toda a sua fragilidade. Com os computadores e os avanços dos transpor-
E possível, pela primeira vez, vê-la não na sua grande- tes, passa-se a falar em globalização. Dizer que o mun-
I • ... '

20 + Col eção ABC do Turism o Turismo, i magens e i magin ár i os • 21

do está globalizado significa entender que as distânci- muitas cidades se transformarão em destinos turísti-
~ d asu·camente reduzidas porque, como a ve- cos importantes e passarão a disputar visitantes, num
as estao r
locidade dos trens e automóveis está maior, o território mercado cada vez mais competitivo e profissionalizado.
é percorrido em tempo muito menor. Como diz um Outra marca desse momento que vive a cidade, a
comercial, Paris fica logo ali, até Londres é um pulo, e rede de computadores e sua instantaneidade, o pre-
Nova York está a poucas horas. E a percepção do tempo? sente e as distâncias tornadas cada vez menores pela
Essa também muda, porque a lógica da Internet colo- tecnologia dos transportes, é que o dia-a-dia das pes-
ca tudo no aqui e agora. Vive-se o presente. Um exem- soas estará cada vez mais marcado pelo olhar, em de-
plo: você tem uma prova amanhã pela manhã e uma trimento dos outros sentidos. Mas é bom ressaltar o
festa hoje à noite. O que você faz: vai para casa estu- seguinte: essa hegemonia do olhar não é nova, ela co-
dar ou vai à festa? É cada vez maior o número de jo- meçou quando a descoberta dos motores levou ao trem
vens que responderá: 'Vou à festa". E a prova na escola? e ao automóvel, e as pessoas deixaram de deslocar-se
"A prova, a gente resolve amanhã de manhã ... " Isso é no território para percorrer o território. Ou seja, nos
viver o presente, uma lógica na qual a idéia de passado deslocamentos a pé ou com tração animal, o viajante
ou de futuro não mais condiciona os comportamentos. sentia na sua pele o sol, a chuva, o vento. Sentia os
Esse novo momento, da sociedade informatizada, cheiros e a temperatura. Transferido para o interior do
da ausência de distâncias e do tempo presente, é o que trem ou do carro, o território passará a ser absorvido
tem sido denominado pós-modernidade, que ainda terá praticamente por um único dos nossos sentidos: o olhar.
como marca a cidade. Cada vez maiores, as cidades Mais que a hegemonia do visual, há a hegemonia
crescem em importância política e econômica, mas de um novo olhar, que será logo registrado na tela dos
também cultural, porque será nelas que surgirão as pintores da época: os impressionistas irão valorizar as
tendências, os modismos. Nas cidades, situam-se as manchas de cor e não a linha e o desenho, como a arte
grandes universidades e os centros médicos de exce- anterior a eles o fazia. Isso quer dizer que, olhando de
lência. Dessa maneira, mesmo o rural passará a ser perto, a pintura dos impressionistas pode parecer fora
marcado pelos ditames urbanos. Como decorrência, de foco . É necessário que o observador se afaste para
- 22 • Col eção ABC do Turismo

entender bem a imagem. Esse borTado dos impressio-


. t na realidade foi inspirado pela paisagem vista
ms as, '
da janela do trem, quando os objetos próximos à es-
trada parecem a quem os observa como se estivessem 3. A CIVILIZAÇÃO DA IMAGEM
fora de foco, e só a paisagem mais distante será vista
perfeitamente. Essa experiência visual teve tal impac-
to sobre os artistas do século XIX que eles a registraram
em suas telas. Na pós-modernidade acentua-se drasti-
camente a hegemonia do olhar sobre os demais senti-
dos, levando a que se fale que, agora, vivemos sob a .A s imagens invadem a vida diária. As tecnologias
que levaram à fotografia, ao cinema, ao vídeo e
civilização da imagem.
aos computadores permitiram diferentes formas de re-
produções audiovisuais, impondo uma presença da
imagem e um recuo nas formas de comunicação
marcadas pela escrita, que altera o cotidiano das pes-
soas. A fotografia torna-se uma forma importante de
registro visual, ou seja, de memória. Mas as mudanças
na imagem não se restringem àquelas propiciadas pela
fotografia. O cinema, além de colocar a fotografia em
movimento, logo após o seu surgimento, passa a fazer
experiências de montagem de cenas, que levam a que
se possa acompanhai~ por exemplo, primeiro o mo-
mento presente de um personagem, para só então, a
partir dele, vermos cenas do seu passado.
2<t + Colecào ABC do Tu rismo Turism o, imagens e imaginários + 25

Para os espectadores contemporâneos, esse tipo de sido denominado sociedade do espetáculo 1 J alterando
montagem temporal já não causa estranheza, mas alguns valores sociais importantes da era industrial. A
quando as primeiras experiências foram feitas pelo ci- modernidade teria exaltado o ter em detrimento do
nema russo, no início do século xx, isso confundia as ser, segundo seus críticos mais radicais. Na sociedade
platéias. Hoje, além das montagens que não seguem do espetáculo, constituída a partir dos anos 1960-1970,
necessariamente um desdobramento cronológico, há haveria a hegemonia do parecer, que se colocaria à fren-
outros recursos visuais que mexem com a nossa per- te, inclusive, do ter, o (a)parecer naquilo que agora
cepção da duração. É o caso das partidas de futebol não é nem valor de uso, nem valor de troca.
transmitidas pela televisão quando do replay do gol Um exemplo disso seriam os já citados programas
em câmera lenta: esse olhar da máquina, que permite tipo reality show, nos quais disputam-se preciosos mo-
mentos de aparição na tela, a celebridade instantânea.
desdobrar uma cena rápida em infindáveis segundos,
São pessoas desconhecidas do grande público, alçadas
pode ser considerado um registro do real - ou seria
a algumas semanas de popularidade, que depois desa-
muito mais uma das construções temporais dramatiza-
parecem tão depressa quanto surgiram. O reality show
das, a exemplo das alterações de tempos de duração
é apenas o exemplo mais bem acabado de meteoros vi-
feitas nas montagens cinematográficas? Seja qual for
suais também presentes nas artes, nos esportes, na moda,
a resposta, na sua gênese está uma forma de olhar à e que, além de pessoas, podem envolver lugares em alta,
qual nenhum de nós fica imune quando submetido a como hotéis, restaurantes ou destinos turísticos em voga
ela. Por exemplo, quantos de nós já não se viu indo ao por uma única temporada. Em comum, os 15 minutos
encontro da pessoa amada, como que numa câmera de celebridade instantânea, duramente disputados.
bem lenta, como acontece no cinema ou na televisão? O avanço das possibilidades tecnológicas da foto-
Os meios de comunicação audiovisuais fartamente grafia, do cinema, da televisão, dos computadores pes-
disseminados, mostrando tudo o tempo todo- doca-
nal de televisão 24 horas no ar transmitindo informa- 1. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a
ções jornalísticas ao reality show -,levam ao que tem sociedade do espetáculo.
26 • Coleção ABC do Turi smo
Turismo, imagens e ím agin ário:; + 27

soais e das redes de computadores nas décadas finais


do século xx levou a conseqüências talvez ainda mais De objetos comuns - baldes, vassouras, canecas, pra-
profundas que as imaginadas por Debord nos anos tos e peças de vestuário- a produtos sofisticados, como
1960, ao teorizar sobre a sociedade do espetáculo, pois automóveis e casacos de pele (artificial), os novos ma-
a espetacularização em termos de visualidade presen- teriais significaram uma revolução nos processos sociais,
econômicos e culturais a partir daí desencadeados.
te em praticamente todos os momentos da vida con-
O plástico, com suas possibilidades em termos de
temporânea leva a que a nova sociedade do consumo
maleabilidade e pigmentos, veio complementar os ar-
assuma, cada vez mais, uma dimensão estética. Isso quer
ranjos de um mundo, antes dele, menos colorido e mais
dizer que, na era do design, todos querem canetas vi-
padronizado. O plástico permitiu amarelos, vermelhos
sualmente bonitas, talheres visualmente sofisticados e
e verdes muito mais agressivos que aqueles que esta-
restaurantes visualmente charmosos, quer na sua ar-
vam na natureza, na forma de tintas, utensílios do-
quitetura, decoração, quer no arranjo dos pratos. Tudo
mésticos, bijuterias, roupas. O plástico também
isso, além, é claro, da preocupação estética com a pró-
permitiu a cópia barata de substâncias nobres, como o
pria aparência física e com a aparência física dos de-
diamante, a seda, as plumas, as peles ou a madeira.
mais. O mesmo vale para materiais publicitários e para O plástico a preço reduzido é uma substância doméstica.
os produtos turísticos e suas folhetarias. É a primeira matéria mágica a admitir o prosaísmo [... ]:
A estetização é fruto não só das tecnologias que pela primeira vez o artifício visa o comum e não o raro ,
permitiram registrar e reproduzir a imagem em novos como diz Roland Barthes. 2
encadeamentos, mas também das novas matérias-pri- Como sua maleabilidade é quase infinita, transfor-
mas, com destaque para o plástico, utilizado pela re- mando os cristais originais numa variedade de objetos
volução industrial da modernidade, em especial ao cada vez mais surpreendentes~ o plástico é~ em suma~ um
longo da segunda metade do século xx. As novas maté- espetáculo a decifrar: o próprio espetáculo dos seus re-
rias-primas permitiram colocar no mercado uma gama
diversificada de produtos que contribuíram para que
o mundo se apresentasse numa nova aparência visual. 2. BARTHES. R. Mitologias. p. 113 .

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sllltados.:' Por tnais que a prot1uçao


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. Iustna
. I, nos seus
prin16rdios, fosse cnracrerizada pela procluçfto e111 sé- Essa será uma das grandes marcas elo momento pós-
ri , pela padronização, a médio prazo a presença de moderno, pois iguala todos os produtos colocados no
novos processos ind ustdais e novos n1ateriais contri- rncrcado, com destaque para os produtos culturais -
buiu para a diferenciação dos produtos no n1ercacto, aí incluído o turisn1o -, com exigências para além das
pern1itindo atender a segn1entos 1nais específicos de pertinentes ao seu uso ou desfrute, pois a eles deve ser
consumo. agregado um padrão estético de qualidade: eles devem
ser belos ao gosto contemporâneo. Isso vale para rou-
Desse n1odo, a partir da sofisticação dos equipa-
pas, para a arquitetura, para a decoração de restauran-
tnentos e dos processos ele construção de in1agen1 das
tes, design de aviões, para o traçado urbano, para objetos
tecnologias audiovisuais, ben1 con1o ela íntiina união
en1 exposição num nntseu ou para rostos e corpos.
de novos tnateriais con1 processos de design cada vez
Outro padrão presente nessa sociedade da imagen1
n1ais sofisticados, a dita sociedade do espetáculo enca-
é que ela terá um püblico não apenas familiarizado
minharia não só para o parecer e para o aparecer cons-
con1 a estetização do que está à sua volta, mas tam-
tailtes, uma vez que esses processos serã~J n1arcaclos bénl saturado por sofisticados acervos de n1en1ória
por detnandas estéticas - e, co1no tal, visuais - cada disponibilizados pela fotografia, pelo cinen1a e pela
vez n1aiores pelos públicos consun1idores. No nlOillen- televisão, criando museus imaginários pessoais que
to pós-n1oderno, a estética ou a estetização abrangeria agen1 quando as pessoas entran1 ern contato cotn no-
todas as instâncias da vida, enfatizando a decoração, vos produtos culturais. No caso do cinetna, uma só to-
as artes visuais e a música, cuja função é preencher cer- mada ésuficiente para desencadear a associatividade que
tas lacunas de modo decorativo, co1no afirn1a Fredric antes tinha de ser constndcla laboriosam ente no decor-
Jameson.-1 rer de toda uma obrcz.;,

:1,. Idem, ibidem. p. 112. S. ldem. Espnço e in1n~e111: tcori:\s <lo pós-mmh.mw ~ nut ros
4. JAMESON, H Cullttra do clilllwiro. p. l :~8. ensaios. p. l ~~ 1.
Olhando este últin1o parágrafo con1 n1ais cu·d
. I ado
Pois ele é un1 pouco con1plicado, o que o autor . '
. , Citado
está querendo d1zer e que,. a cada filme que se as s~~
.
a cada e..\."})Osição de arte que se percorTe a cada . '
VIa. 4. AS CRÍTICAS A
gen1 que se faz, van1os acun1ulando e.xperiências \1_..
ESSE MODO DE VIDA
suais e ouu·os conhecimentos. Então se um escritor
for escrever un1 conto passado en1 Nova York, basta.
lhe dizer: "Fulano estava en1 Nova York no 11 de se-
tembro . Não será necessário dizer que a cidade é
enorme, que ela fica nos Estados Unidos, que no 11 de ntre as criticas feitas a esse modo de vida con-
setembro dois aviões se chocaran1 contra duas tones
de edifícios, etc. etc., porque o leitor já possuirá essas
E temporâneo está a dos que dizem que a este-
tização, ao invadir a vida das pessoas com seu
informações visuais no seu universo de conhecimen- predomínio sempre renovado do visual e do gosto vi-
tos, no seu museu inwginário pessoal. O leitor ou 0 sual, seduziiia o público e o levaria a vivenciar mesmo
espectador de un1 progran1a de televisão sobre o 11 de as atividades cotidianas a partir de imagens. Isso in-
setembro muito dificiln1ente não terá presente a ima- centiva, ainda, um consumo cada vez maior de ima-
genl dos aviões batendo nos edifícios e, destes, desmo- gens. Os artefatos visuais produzidos nessa lógica de
ronando. :rvlais: en1 que pese a tragédia, as in1agens consun1o desenfreado são considerados por alguns
são muito bonitas, porque capturadas com equipamen- autores banalidades en1 jom1as visuais elegantes que se
tos de alta qualidade. oferecem conscientemente ao consumo visual 1 • Esses teó-
Isso é a estetização da vida cotidiana, quando mes- ricos consideram que universos constituídos sob tal
mo as tragédias se tornam belas. lógica seriam vazios de conteúdo, e que esse vazio só

1. JAMESON, Fredric. Cultura do dinheiro. p. 167.


12 + Cc> /o•çilol AflC r/a '/li r /511/0
Turwmo. 1mu o~m r Jmaglndr/05 + JJ

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pamcnlos multo ~ofisticados c, mesmo assim, elcpoJs
CJUC leva a um maior vazio, que levn ft busca da perfei-
de toda essa produçfio, as imagens obtidns ainda pas-
ção ffsicn ... e ossim indefinklt~ment e . sam por softwares de edição, a fim de rclirar-lhes qual-
Outra critica diz que se submeter ao esteticismo quer possfvel imperfeição.
I
I•
'
suporia um distanciamento cndn vez maior elos con- J\Jgo semelhante se d~ no cinema e na televisão,
textos locais e pessonis concretos. Voltando ao exem- nos quais os atores são maquiados, vestidos e ilumina-
plo elo excesso de cuidados com o corpo, isso levaria dos de modo a reforçar-lhes apenas os ângulos mais
as pessoas que vivem sob essa lógica a ter como pa- favoráveis. Nos filmes, as imagens magníficas substi-
drão ideal os top models, ou os artistas de telenovela, e tuem os enredos; até mesmo a música se vê articulada
se eles são o padrão, tomam-se a instância com a qual por imagens, por meio, por exemplo, do videoclipe.
seus admiradores manterão diálogo, em detrimento Dispensado o enredo - ou seja, uma história a contar-,
dos amigos e colegas que, embora ao seu lado, não aprofunda-se a visualidade, num círculo vicioso para
correspondam ao padrão visual ou estético esperado. o qual contribuem também a dissociação entre a expe-
Ou seja, a tendência seria relacionar-se com o ídolo, riência sensorial e o desfrute estético.
que, na condição de ídolo, é algo abstrato, e não com Sem conteúdo ou espaços de transcendência em si
as pessoas de carne e osso do entorno próximo, por- mesmas, as imagens dão espaço para que a aura seja
tanto, concretas. construída via consumo. E como não mostram o social
)t, • Colcclio ABC do Thrlsmo

nos seus enredos, como diz Jameson 2 , devem fingir


que são sobre alguma coisa: o belo ocupa essa posição,
daí o teórico classificar tais imagens de obscenas.
Percorrendo o caminho da sociedade do espetácu- S. O TURISMO E SUAS IMAGENS
lo ou do mundo das imagens, é inevitável perguntar:
Mas, afinal, o que são imagens? E mais: se vivemos
mergulhados em imagens, é necessário saber um pou-
co mais sobre elas, para que possamos defini-las
analisá-las e talvez, quem sabe, fugir de situações com~
urista e fotografia compõem uma dupla inse-
as criticadas. Pensando o conceito de imagem também
é possível realizar uma maior aproximação na sua re- T parável. Em torno da Torre Eiffel ou no fim de
semana na Ilha do Mel, as máquinas fotográficas são
lação com o tUiismo.
companheiras fiéis dos viajantes, nas suas versões tra-
dicional ou digital. As fotos, depois, serão mostradas
para amigos e parentes, antes de serem depositadas
num canto qualquer, de onde surgirão, vez ou outra,
para surpreender o viajante e transportá-lo, de novo,
para a deliciosa experiência de estar em lugares dife-
rentes dos da sua rotina.
Outra face da mesma preocupação com as imagens
dos locais turísticos, o material de divulgação das lo-
calidades estará recheado de fotos. Folhetaria, pôsteres,
reportagens em jornais e revistas, websites, todos
priorizarão mais as foros que os textos. Essa circuns-
2. JAMESON, E Op. cit., p.141.
tância torna muito importante, então, que os profis-
-
36 + Co/rç(lo 1\ /lC do 1l1rfsmo Turismo, Imagens e tmaglndrtos + 37

sionais sejam extremamente atentos e conscientes de


suas decisões visuais, começando por um princípio im-
portante: a fotografia não é uma cópia fiel do mundo.
Isso mesmo! Por ma is que pensemos que aquilo que
vemos na foto é o mundo, trata-se, antes, de uma leitura
muito particular de alguém e de um recorte do mundo.
O bom fotó grafo é quem conduz o nosso olhar para
aquilo que, em princípio, nossos olhos não veriam. Para
isso ele busca o melhor ângulo, a melhor luz, o mo-
mento mais favorável. Por exemplo, muitas vezes, os 5e ~ é 8 lill8 paixão Brasil
I
fotógrafos procuram capturar suas fotos nas primeiras
horas do dia, porque o ar está mais limpo. Esse proce-
dimento deixará a imagem mais translúcida, e os ob-
o Bnlal é o IIMI destino.

I
jetos, mais nítidos. mas nada está muito em foco. Incompetência do fotó-
O bom fotógrafo também será aquele que procura grafo? Incompetência do pessoal da EMBRATUR, que es-
transmitir, antes do que uma imagem, um sentimento. colheu uma foto fora de foco para o anúncio? Com
Ao olhannos uma foto podemos nos sentir tristes, ale- certeza não, pois nos dois casos há profissionais muito
gres, entusiasmados, românticos ou até com raiva. E, competentes envolvidos na produção do material.
em geral, não são os objetos dispostos nas imagens Como a frase colocada ao pé da foto reforça, a propos-
que nos levam a tais reações, mas algo que está além: ta é transmitir ao observador a ação realizada, a valo-
um clima, uma cor, uma luz... uma aura. rização do movimento. A idéia de ação também é
Veja a imagem da página seguinte. valorizada pela camisa vermelha da personagem, uma
Agora, olhe de novo, com maior cuidado, o anún- cor quente que também mobiliza a idéia de tesão, num
cio da EMBRATUR. Uma pessoa pula sobre as pedras, há sentido para além do erótico, pois envolve tesão pela
as águas do que parece ser uma cachoeira atrás dela, vida como um todo.
-
Que sentimentos esses elementos visuais iriio mobi-
lizar em CJttcm olha o anúncio'? Pam uns, o scmimcmo
de desafio c ele avcmura: para outros, ele prazer junto
:'1 natureza; para outros ainda, podem represent ar peri- 6 . COMO LER IMAGENS
go. De :1cordo com o sentimento mobilizado, este id se
mnterializar numa aceitnçiio ou rejeiçilo do produto.

sso posto, podemos começar a ente nder sob um


I novo prisma outras imagens, cada vez mais utili-
zadas no turismo. Podemos, mais que olliar, saber ler
as imagens. Por exemplo, o pôster da Espanha, dedi-
cado ao Museu Guggenheim Bilbao.
40 + Coiecào ABC do 1llrtsmo Turismo. tmagens e tmagtn cirtos + 41

A imagem foi recortada e sobreposta, reforçando tumados a assistir a videoclipes, onde a câmera pula
uma idéia de fragmentação. Antes, já há a duplicação de lugar em lugar, não nos apresentando uma imagem
da imagem original em uma superfície lisa: o prédio continua. Mas isso nem sempre foi assim.
aparece acima e espelhado abaixo. Por quê? Porque a As imagens mais antigas produzidas pela nossa ci-
fragmentação seria outra das características do nosso vilização, pelo menos as que temos conhecimento, são
sentimento em relação ao mundo contemporâneo, uma aquelas das pinturas rupestres, espalhadas em diferen-
marca que tem sido muito utilizada pelos artistas nas tes pontos do planeta, inclusive no Brasil. As pinturas
suas obras. Como o prédio do museu foi criado pelo rupestres envolvem os desenhos realizados por nossos
arquiteto Frank O. Gehry, considerado também ele um antepassados nas paredes das cavernas. Até hoje, não
grande artista pela inventividade dos seus projetos ar- sabemos ao certo porque eles faziam tais desenhos, se
quitetônicos, a frase que abre o texto contextualiza seria para saudar alguma divindade; se seria para, por
tudo: '1\rt:e por dentro. Obra de arte por fora". Ou seja, meio do desenho e de maneira mágica, submeter o
antes que o museu de Bilbao, o cartaz está nos mos- objeto desenhado à vontade do desenhista; ou se seria
trando, na imagem utilizada, um sentimento de cultu- por outra razão qualquer. Em termos de construção
ra, de pós-modernidade e de arte - nesse contexto pictórica, as imagens estão distribuídas aleatoriamen-
implícito, a maneira pela qual o serviço de turismo es- te pelas paredes, sem interligação entre si. Às vezes,
panhol deseja que o turista encare o seu museu. Isto é não há sequer interligação temporal, pois os desenhos
(ainda mais uma vez), o museu é cultura e arte, mas podem ser de períodos diferentes.
uma cultura e uma arte muito contemporâneas. Depois, outro momento importante na construção
Se hoje uma imagem como essa, que explora a de imagens aconteceu no antigo Egito, pois agora a
fragmentação, não nos causa estranheza, é porque figura humana, no seu tamanho em relação às demais
estamos familiarizados com o controle remoto da tele- figuras ou na sua posição também em relação aos ou-
visão, que nos leva a pular de um canal para outro tros objetos presentes, determinava o grau de impor-
(logo, as imagens do vídeo, elas mesmas, pulando e tância social da(s) pessoa(s) retratada(s). Os objetos
aos pedaços ante o nosso olhar). Também estamos acos- distribuídos à sua volta representam os elementos pre-
>
42 • Coleção ABC do Turismo Tu r ismo. image ns e i maginários + 43

sentes na vida dessa pessoa, podendo ser plantas, ani- da no sensorial e no olhar sobre o mundo, fosse submeti-
mais, água, jarros ou jóias. Os egípcios também de- da à lógica matemática e racional do espaço geométrico.
senvolveram importantes estudos para reproduzir a A luta entre uma arte racional e uma arte mais in-
figura humana. tuitiva e sensorial aprofundou-se a partir de meados
Tanto nas pinturas rupestres como em outras artes do século XIX, quando a introdução da fotografia libe-
mais antigas, entre elas a egípcia, mesmo que ao nos- rou a pintura do compromisso de registrar o mund~,
so olhar de hoje as figuras pareçam desconectadas entre função assumida pela foto. Os pintores, então, parti-
si, na imagem criada pelos artistas do período busca- ram para novas experiências visuais, experiências que
va-se uma lógica de continuidade. O padrão que nos é buscavam - e ainda hoje buscam - analisar o mundo e
mais familiar começa a se constituir na Idade Média, a composição do espaço. Surgem movimentos visuais
um padrão visual baseado na narração, apresentando como 0 impressionismo, o expressionismo, o abstra-
uma cena, em geral, inspirada na Bíblia. Esse modelo cionismo e outros, que valorizam os sentidos, não ape-
I tenta reproduzir a natureza, em especial nas cores: ár- nas aqueles sentidos e sentimentos oriundos da
experiência pessoa/ mundo, mas també~ aqueles r_e-
l vores têm copas verdes, o solo é marrom, o céu azul. Na
distribuição e proporção dos objetos entre si buscam-se sultantes dos sentimentos internos, ou seJa, da relaçao
l o equilíbrio e a harmonia. Como os artistas trabalha- da pessoa com sua própria psique. Também sur~e, n~
mesma época, uma linha de pesquisa e produçao Vl·
vam dentro dos seus ateliês, havia dificuldade em re-
presentar, por exemplo, as nuvens e as montanhas. sual mais racional, que resultará em movimentos ar-
A busca pela harmonia e pela precisão na reprodu- tísticos como o cubismo, o realismo, o construtivismo,
ção do mundo fez com que, no Renascimento, as pesqui- o concretismo e outros das chamadas vanguardas ar-
sas e experiências visuais em torno da perspectiva tísticas do início do século xx.
Não podemos esquecer que houve outro movime~­
avançassem. A perspectiva significou um novo e impor-
tante momento. O espaço passou a ser ordenado a partir to no campo das artes, que também afetou nossa ~aml­
I
de um ponto de vista ideal, o ponto de fuga. Mas tam- liaridade com as imagens elaboradas pelos artlstas. !
bém significou que a produção de imagens, antes basea- Antes do Renascimento, as pinturas, mosaicos e tape-
\
p

44 + Co!ccào ABC do Th rismo Tu r ismo. Im agens e imag in ários + 45

çarias adornavam as igrejas e, dessa maneira, estavam gar em lugar, a luz pulsa e o artista no palco se move
em plena vivência com a sociedade. A partir do freneticamente. Só o olhar contemporâneo, treinado
Renascimento, o artista deixa de produzir para a igre- elas mídias, consegue acompanhar um videoclipe.
p A tecnologia ainda cond'tctona
. . como rece-
a manerra
ja, passando a pintar quadros que irão adornar as pa-
redes das residências dos nobres e burgueses, longe bemos as imagens. A recepção de imagens passou a ser
do olhar das pessoas comuns, que perdem a familiari- mediada pela máquina a partir do surgimento da fotogra-
dade com as imagens que vão sendo produzidas na- fia, que induziu - e induz- novas maneiras de olhar o
quele momento histórico. Essa postura se mantém até mundo, mas, independente da máquina, seria ilusório
hoje, quando as ditas obras de arte continuam expos- pensar que as culturas tradicionais - os egípcios, por
tas nos pouco freqüentados museus e galerias de arte. exemplo - vivenciassem o sentido da visão da mesma
A diferença é que, agora, as imagens são produzi- maneira que os contemporâneos vivenciam os seus: os
das não só por artistas plásticos, mas também estão sentidos têm história e são vivenciados historicamente,
presentes em revistas, livros, pôsteres, computadores, daí decorrendo uma sensibilidade visual específica.
cinemas, e assim por diante. As imagens contemporâ- A máquina fotográfica e outros veículos de produ-
neas misturam as experiências dos artistas do século xx ção visual apenas ampliam a questão, pois, se antes da
com as novas possibilidades trazidas pelo computador. máquina o ato de ver era considerado por alguns teó-
É uma arte também marcada por experiências visuais, ricos mais uma ação espiritual que um ato físico-bioló-
como a que realizamos diariamente, por exemplo, quan- gico, agora, para além da percepção permeada por uma
do com o controle remoto da televisão nas mãos vamos máquina, temos a percepção através da máquina.
pulando de canal em canal. O resultado disso é que não Isso traz muitas alterações ao cotidiano das pes-
vemos nada por inteiro, tudo nos chega aos pedaços e soas, inclusive, por exemplo, no que se refere à noção
rapidamente. Em outras palavras: há uma fragmenta- de verdade: até bem pouco tempo atrás, era conside-
ção (reveja a imagem do Museu Guggenheim Bilbao). rada verdade o que alguém pudesse ver com os pró-
Outra expressão visual que incorporou essa estética do prios olhos. Ou seja, a verdade (e o mundo real) seria
fragmentado é o videoclipe, onde a câmera pula de lu- aquilo abarcado diretamente pelos cinco sentidos. Nes-
t,tJ • Colr cdo ABC do 1i1rlsmo

ses termos, e retomando a questão do replay do gol na


partida de futebol, aquela câmera m-u-i-t-o lenta não
mostra como cu vejo com meus próprios olhos. Aquele 7. CONCEITUANDO IMAGEM
olhar tão minucioso da câmera lenta só pode ser conse-
guido com a interferência da máquina. Isso nos permite
perguntar: Podemos continuar a utilizar a palavra ver-
dade, no seu sentido consagrado, para o gol do replay,
ou este seria muito mais uma construção visual drama-
tizada, para além da capacidade física do nosso olhar? omo o capítulo anterior já intro~uziu, ~once.ituar
Mas em que pese tais considerações, a sociedade
tend eria a contimtíll' pensando a sua cultura como
C imagem não é uma tarefa mutto fáctl. Detxan-
do-se de lado as imagens mentais, aquelas dos
perceptual sensorial, ou seja, como resultante de um sonhos e ele outras formas de trabalho psíquico, a so-
contato direto olho-mundo, e não de uma relação ciedade contemporânea encaminha o termo imagem
imermcdiada por mecanismos ópticos. A intermediação para sua aplicação como visualidade concreta, propria-
nfío só condttziria o nosso olhar, mas nos ensinaria a mente dita; por concreto, aquele aspcao do mundo na-
ver o mundo. Num exemplo bem prático, os jovens wral sustentado na especificidade tridimensional do seu
bebês tendem a ver peln tclcvis:io a rua, a cidade c, significante c, a partir da(, unidade de manifestação auto-
quem snbc, o mnt~ antes de vê-los dirctnmente. Esse suficiente como um todo de .significação, suscct{vel de
olhnt: ass im fonnnclo, tenderá n ver dn maneirn como análise 1 •
a máquina lhe ensinou n olhm~ mesmo quando n:io Pnra Zunzunegui, implica a presença de um obser-
estiver nn presença dela. (Nilo seria o mesmo caso do vndor que, n partir de um ponto de vista dado, organi-
turistn, sempre com a m;íquinn fotogrMi ca n liracolo, za em termos visunis um mundo possível, no qual se
porque só consegue o/lwr se ntrnvés da lente'?) A ques-
t;io iní se repetir co m o computador.
L. ZUNi'.UNEGUI, S. 1'~11.1111'/a imu~:~n. p. 22.
li~sa circunstnncia leva;) ampliaç:io do termo imagem.
llnrversltlatle fc(Jerol ao K. u. NOn~
'tt'llloteca Setorial de r. . Novo•
48 + Co leção ABC do Turismo
Tur ismo. i ma gens e ima gi nários • 49

instalam determinadas figuras situadas em um deter-


minado tempo e espaço. Para o teórico espanhol, ima-
gem é um suposto de comunicação visual, no qual se
materializa um fragmento do universo perceptivo e que
apresenta a característica de prolongar a sua existência
ao longo do tempo. 2
Referindo-se ao italiano Umberto Eco, Zunzunegui
vê a imagem como um bloco macroscópico cujos ele-
mentos articuladores são indiscerníveis 3 • A partir dos Quando juntamos um triângulo, um quadrado e
estudos da teoria da gestalt, a psicologia nos diz que a um retângulo e deixamos de ver as três figuras isola-
forma passa a ser definida como um todo que é mais damente para ver uma casa com uma porta, estamos
do que as partes, na qual esse mais (do que as panes) diante de uma imagem ou narrativa visual.
não deve ser entendido apenas como coerência, mas Então, retomando, significa dizer que, materiali-
como um outro mediatizado pela forma, mas, apesar zadas à nossa volta ou imateriais na nossa mente, te-
disso, dela distinto 4 , e, como aparição, imagem. Fredric mos uma imagem ou narrativa visual quando o todo é
5
Jameson prefere falar em narrativas visuais, justamen- maior que as partes. Quando deixamos de ver a linha
te para fugir dos conflitos que o termo imagem coloca. e o vermelho e passamos a ver uma casa vermelha.
Vamos tentar um exemplo visual com os elementos Quando deixamos de ver manchas brancas, amarelas
a seguir: e verdes para ver um canteiro de margaridas.
Isso também vale para um anúncio publicitário:
2. Idem, ibidem. p. 83, 22. antes de vermos a foto, o texto da chamada e as assi-
3. Idem, ibidem. p. 77. naturas, vemos a imagem total da peça, para só então
4. ADORNO, T. W Teoria estética. p. 96. avançarmos no sentido de percorrer a foto, o texto e
S. JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalis- as assinaturas com cuidado- isso se o primeiro olhar
mo tardio.
sobre o todo da imagem nos mobilizar para tal. Portan-
p

50 + Coleção ABC do Turis mo Turi smo. imagens e imaginários + SI

to, falar imagem não significa se referir apenas a uma dar um acesso não mediado apenas ao que pensa-
foto ou pintura, mas a todos os elementos que consti- mos sobre a realidade, as nossas imagens e estereó-
tuem uma narrativa visual específica e com vida tipos ideológicos sobre a realidade [ ... ]. É claro que
(visualidade) independente. isso também é parte do Real, e de modo bastante
Neste ponto da presente reflexão, convém ainda significativo! Mas também é característico de nosso
um destaque, porque imagem não é sinônimo ·apenas período sermos bem pouco inclinados a pensar as-
de realismo. As imagens podem ser representativas - sim, e nada mais nos assusta, ou é mais calculado
aquelas que registram realisticamente aspectos figura- para cortar a comunicação, do que a descoberta de
tivos dos objetos - e não representativas ou abstratas; que esta ou aquela visão das coisas é, na realidade,
aquelas que proporcionam uma percepção mas não "uma mera" projeção de uma outra pessoa. 7
uma percepção de. 6 Não há espaço, aqui, para discutir
a questão do abstrato, mas apenas para complemen- Se com a pós-modernidade o avanço da visualidade
tar que a percepção de pode significar que uma ima- corre em paralelo com o recuo da escrita e do literá-
gem desmaterializada é capaz de nos transmitir um rio, a imagem é certamente mais imperativa do que a
sentimento de angústia, opressão ou tranqüilidade. No escrita, impõe a significação de uma só vez, sem analisá-
anúncio do Guggenheim Bilbao, o realismo da ima- la, sem dispersá-la. Mas isso não é uma diferença
gem quase desaparece nas fragmentações a que ela é constitutiva. A imagem transforma-se numa escrita, a
submetida, e já vimos o que isso significa, qual a per- partir do momento em que é significativa: como a escri-
cepção envolvida. Como afirma Fredric Jameson: ta, ela exige uma lexis 8 • Por lexis entenda-se aquela sé-
rie de regras, criadas no bojo de uma cultura, que nos
Para nós, hoje, o que normalmente se parece com o dão os códigos para o entendimento de uma determi-
realismo acaba, na melhor das hipóteses, por nos nada escrita, seja ela vocabular, seja visual.

7. JAMESON, F. Op. cit., p. 167.


6. ZUNZUNEGUI, S. Op. cit., p. 24.
8. BARTHES. R. Mitologias. p. 132.
52 + Coleção ABC do Tur ismo
-
Dito de outra forma: se alguém nos apresenta um
texto escrito em mandarim, muitos de nós não saberia
lê-lo, porque não fomos alfabetizados nessa língua. Mas
quando se trata de imagem, tendemos a achar que 8 . A IMAGEM NO MARKETING
qualquer um seria capaz de lê-la, mesmo que não te-
nha sido visualmente alfabetizado. O que Barthes de-
fende é que precisamos, sim, conhecer a gramática (e
seus códigos) da imagem para podermos assimilá-la
com competência. Essa questão aparece mais claramen-
te nas obras de arte abstrata. Ao observá-las, caso não imagem de um lo~al é _um determin,ante básico da
se consiga percorrer o seu sentido, seria mais correto
dizer: "Não consigo entender porque não fui alfabeti-
A forma como os czdadaos e os negocias reagem a
um lugar, afirma um dos mais respeitados homens de
zado nessa linguagem". As pessoas tendem, entretan- marketing, Philip Kotler. Para Kotler 1 , no âmbito do
to, a dizer: "Não gostei", como se fosse uma simples marketing, a imagem de um local é a soma das cren-
questão de gosto, e não de um complexo aprendizado ças, das idéias e das impressões que as pessoas têm dele.
de um código ao qual não se está familiarizado. As imagens apresentam-se como uma simplificação de
Se no momento pré-moderno, e mesmo no momen- várias associações e informações ligadas ao local. Elas
to moderno, a percepção regia a visualidade, o mo- são produto de uma mente que tenta processar e "tirar a
mento pós-moderno pode ser considerado uma cultura essência" de uma série de dados sobre um local.
pós-perceptual, caracterizada por uma construção de O próprio Kotler é rápido em afirmar, entretanto,
sentido intermediada pela máquina. Marca-se pela re- que a imagem é mais que uma crença, pois envolveria
cepção de imagens e imaginários, e não de realidades, um conjunto mais amplo de idéias sobre uma locali-
pelo menos não no sentido que esse conceito teria para
sensibilidades tradicionais ou modernas.
1. KOTLER, P. et ai. Marketing público. p. 151.
Tur ism o, im agen s e im aginár ios + 55
54 + Coleção ABC do Tur ismo

. em é uma manifestação visual que se dá não ape-


dade ou pessoa, instituição, marca, e que essas idéias unag f f. . ,
intura ou na otogra ta, no cmema, no vrdeo
não se transformam, necessariamente, numa atitude nas na P ,
computador, mas tambem no mundo que nos
ou no
positiva em relação à aquisição de um produto. Por . oj·ogo de futebol, o passeio na praia, as ruas da
cerca. . ,
exemplo: posso pensar que o clima do Nordeste brasi-
ct.d a d e ... São paisagens, fatos, eventos, objetos que nos
leiro é muito quente. Se eu gosto de calor, isso será ortanto acessamos como imagem. Claro que
vemos e , P ' . .
uma razão para querer visitar a região. Se eu não gos- bém trabalhamos com zmagens mentats quando
to de calor, essa imagem me faria evitar tal destino. tam d , .
s por exemplo, ou quan o nossa memona
son h a mo , . -
Porém, uma imagem é uma opinião pessoal que varia de
nos tra Z d e volta à mente pessoas ou s1tuaçoes.
indivíduo para indivíduo. 2 Daí as teorias mais recentes preferirem trocar a
Nesses termos, para o marketing, a imagem é algo
co1oca Ça- 0 do marketing ' quando este fala em imagem,
que deve ser administrado: A Administração Estratégi- como 0 proposto por Kotler, deixando o termo imagem
ca de Imagem (AET) é o processo constante de procurar a
para a S nar rativas visuais e para aquilo que o marke-
imagem de um local entre seu público, segmentar e visar ting denomina imagem: o conjunto de idéias sobre algo,
sua imagem específica e seu público demográfico, posi- ·1· do 0 conceito de imaginário. Como esclarece
unrzan
cionando os benefícios do local para apoiar uma ima-
Maffesoli:
gem existente ou criar uma nova (imagem) e transmitir
esses benefícios para os públicos-alvo. 3 Não é a imagem que produz o imaginário, mas o
Como procurei mostrar nos capítulos anteriores, contrário. A existência de um imaginário determina
hoje o termo imagem transformou-se numa questão a existência de um conjunto de imagens. A imagem
de importância fundamental para as nossas socieda- não é suporte, mas resultado. Refiro-me a todo tipo
des. Também como apresentado anteriormente, essa de imagem: cinematográficas, pictóricas, esculturais,
tecnológicas e por aí afora. Há um imaginário pari-
siense que gera uma forma particular de pensar a
2 . KOTLER, P. et ai. Op. cit., p. 152. arquitetura, os jardins públicos, a decoração das ca-
3 . Idem, ibidem. p. 153.
7
56 + Col eção ABC do Thr lsmo

sas, a arrumação dos restaurantes, etc. O imaginá-


rio de Paris faz Paris ser o que é. Isso é uma constru-
ção histórica, mas também o resultado de uma
atmosfera e, por isso mesmo, uma aura que conti- 9. POR QUE IMAGINÁRIOS?
nua a produzir novas imagens. 4

Mesmo dentro do marketing, estudos recentes des-


tacam que, cada vez mais, o que é consumido não são
produtos e serviços por si mesmos, mas a aura a eles
agregada que se torna significado ou signo emancipado iagens e imaginários sempre andaram juntos,
do produto em si. 5 O âmbito dessa construção de sen-
tido faz com que cresça o interesse dos especialistas
V daí sua importância para o turismo. Enfrentar o
desconhecido, ou simplesmente adentrar o novo, cau-
por essa proposta pós-moderna que separa as imagens sa uma certa instabilidade nas pessoas. Assim, o espa-
dos imaginários, passando a exigir um aprofundamento ço desconhecido será ocupado pelos sentimentos das
dos dois conceitos, não mais tratados como similares pessoas em relação a ele, sentimentos que serão mate-
ou sinônimos. Vamos, então, aos imaginários. rializados de diferentes maneiras em diferentes mo-
mentos históricos.
Em épocas muito antigas, nos deslocamentos hu-
manos a pé ou com tração animal, haveria o medo das
entidades que habitavam as matas, as montanhas, os
4. In: SILVA, J . M. Michel Maffesoli: o imaginário é uma reali-
oceanos, enfim, o território a percorrer. Esses medos,
dade. In: Revista Famecos . p. 76. expressos em diferentes mitologias, mostravam deu-
S. WILLIAMS , A. O consumo da hospitalidade. In: LASHLEY, C. ses, duendes e bruxas que tornavam assustador o es-
et ai. Em busca da hospitalidade : perspectivas para um mundo curo da floresta ou a imensidão das montanhas. A
globalizado. p. 314.
fabulação européia nos dá muitos exemplos disso:
Tu r ismo. i magens e im aginá rio s • 59
58 + Col eção ABC do Th rismo

sões infectas quando, ao menor descuido, rompem as


Chapeuzinho Vermelho deveria chegar à casa da vovó normas culturais locais - que desconheciam -, ou são
sem passar pela floresta, onde habitava o Lobo Mau. submetidos a cárceres e a rituais que atingem a sensi-
Branca de Neve consegue vencer a barreira e vai viver
bilidade branca ocidental.
na floresta com os sete anões-duendes, mas lá estaria Hoje, o desconhecido está menos ligado aos terri-
a Bruxa Má a persegui-la. tórios - praticamente inexistem no planeta territórios
Em outros tempos, vencer o pequeno mundo euro- ainda intocados pelos humanos - e mais associado a
peu para conquistar o Oriente, a África e as Américas hábitos sociais ou a práticas culturais de grupos dife-
significou não apenas cruzar os mares com suas ondas rentes daquele do viajante. A mitologia em relação a
e tormentas, a bordo de navios pequenos e precários, territórios geográficos inexplorados é jogada para fora
mas neles enfrentar polvos gigantes, baleias assassi- do espaço terrestre. O cinema povoa o extraterrestre
nas e sereias perigosas pelo seu poder de sedução so- com seres de toda ordem, um novo mundo desconhe-
bre os navegantes. Os gregos já haviam registrado, em cido que agora se encontra no espaço sideral, para além
belas narrativas mitológicas, os sentimentos de medo da órbita do planeta Terra. Nesses termos, nosso ima-
que atormentavam os navegadores ao adentrar 0 mar. ginário estará povoado não só pelas viagens a recan-
Vencidos os perigos, tanto para os antigos gregos como
tos consagrados ou exóticos do planeta, mas também
para os navegadores do século XVI, alcançar as terras
à espera de novos desafios no espaço extraterrestre.
além-mar significaria chegar a um lugar de maravi-
Um tour à Lua, à Marte ou até mesmo a galáxias mais
lhas e riquezas, a um paraíso que os faria esquecer os
distantes, de onde veremos, pessoalmente e deslum-
sofrimentos e as preocupações. Ao imaginário do per-
brados, que "a Terra é azul!". Um imaginário ao qual se
curso acrescentava-se o imaginário acerca do lugar.
agregam não só as possibilidades da natureza e da cul-
Ainda hoje, o cinema nos consagra com imaginári-
tura, mas a crença de que nossas necessidades e desejos
os ligados às viagens, mostrando o destino sempre dra-
podem ser supridos pela máquina e pela técnica.
mático de personagens viajantes que desafiam os
roteiros convencionais e se arriscam em locais normal-
mente não freqüentados por turistas: acabam em pri-
10. NECESSIDADE VERSUS DESEJO

tecnologia e o consumo permitem retomar a


A questão dos imaginários sob a lógica pré-mo-
derna ou tradicional, bem como sob as lógicas moder-
na e pós-moderna, já analisadas em relação à
sensibilidade constituída, em cada um deles, no to-
cante ao tempo e ao espaço. Na cultura tradicional,
aquela anterior à chegada da máquina e que tem como
base econômica a agricultura, a sociedade produzia
para consumo próprio e o excedente, quando houves-
se, era trocado ou vendido nas feiras. Nesse tempo, as
informaÇões chegavam mais lentamente, porque de-
pendiam do boca-a-boca: as novidades eram trazidas
pelos padres, pelos menestréis, pelos artistas do circo
e pelos viajantes, por serem as pessoas que transita-
vam entre uma e outra localidade. O grande palco de
~ncontro das comunidades era a igreja, bem como o
62 + Coleção ABC do Turismo
Tu ri smo, i magens e imag i nários + 63

mercado ou as feiras. Nesses mercados e feiras com- desejo - e a necessidade - de mais produtos e de pro-
prava-se por necessidade. dutos novos. Neste novo momento, compra-se não mais
A necessidade era ter, quando muito, um vestido por necessidade, mas por desejo.
melhor para ir à festa ou à missa, um par de sapatos, No momento pós-moderno cresce o que está além
uma toalha bordada para pôr na mesa quando hou- do produto, seja ele um objeto, seja um serviço, pois
vesse visitas. Esses itens só seriam substituídos por se ampliam os desejos dos consumidores. Se viajantes
novos quando deixassem de corresponder ao corpo do preenchem os territórios ou lugares desconhecidos com
seu proprietário - e, nesse caso, passavam a um mem- seus imaginários sobre eles, de certa maneira o mes-
bro menor e/ ou mais novo da família - ou quando mo se dá com os nossos desejos, sobre os quais nem
destruídos pelo uso. sempre temos clareza e que, assim, se transformam,
A cultura da necessidade será substituída, no mo- também eles, em espaços a serem preenchidos pelos
mento moderno, pelos novos padrões marcados pela imaginários. Dessa maneira, teremos desejos materiais:
presença da máquina e dos novos materiais: a base queremos ter dinheiro, mas não apenas algum dinhei-
econômica será a industrial. A fábrica produz em série ro, que nos garanta um cineminha no fim de semana,
e em quantidade, uma produção que o mercado tam- o chope com os amigos. Queremos ter muito dinheiro.
bém deverá absorver em quantidade. Logo, o sistema Com o carro acontece a mesma coisa: o automóvel não
econômico industrial não pode depender apenas das deve apenas nos conduzir com eficiência e economia
necessidades naturais dos consumidores - afinal, o que nos nossos deslocamentos - desejamos um modelo do
seria da indústria se continuássemos a ter um único ano e, de preferência, importado. E nosso guarda-rou-
traje no nosso guarda-roupa?-, nem das informações pa, agora transformado em closet, deve estar repleto
difundidas pelo boca-a-boca. Agora, também a infor- de peças, muitas das quais usaremos apenas uma ou
mação será massificada: aos vários veículos de comuni- no máximo duas vezes, antes que sejam descartadas.
cação, como revistas, jornais e rádio, logo acompanhados Mas não esqueça: mais do que a quantidade, o ima-
do cinema e da televisão, alia-se um parceiro impor- ginário das pessoas quer a qualidade, o único, o dife-
tante, a publicidade. Sua principal função? Criar o rente da maioria. Portanto, não há apenas desejos
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66 + Coleção ABC do Turismo

O turismo ainda tem atentado muito pouco para


isso. O que deveria fazer parte do planejamento turísti-
co não raro é entregue ao marketing. Desse equívoco
resulta muito da má fama que os imaginários possuem 11. DO MATERIAL AO SIMBÓLICO
'
pois as pessoas tendem a associá-los à falsidade e à
mentira. Mas isso ainda veremos com mais detalhes.

a passagem do momento moderno para o mo-


N mento pós-moderno, os desejos passam a ser vis-
tos como necessidades. Se as necessidades, em tempos
mais antigos, estavam vinculadas à premência bioló-
gica da sobrevivência, agora envolvem também o social
e o cultural, antes campo exclusivo dos desejos, ou seja,
em outros tempos teríamos necessidades biológicas e
desejos culturais. Hoje, ninguém acharia descabido di-
zer que temos necessidades culturais para ser atendidas
(a gente não quer só comida, a gente quer comida, diver-
são e arte, como dizem os Titãs). E entre nossas novas
necessidades, uma continua não podendo ser menos-
prezada: nossas necessidades no plano do simbólico.
Rodrigues afirma que só podemos compreender a
humanidade a partir de três planos: o da existência
biológica, aquela vinda do nosso lado animal (mesmo

untversloaae Federal ao ft li. NO~


...:-.· ~ tt\)fnleca Setorial da r. No v n•
68 + Co1eçdo ABC do 'furismo
Tur is mo. tmag ens e tmaginártos • 69

que esse seja o animal racional); o do plano que ele . ta na 1.corroa de entidades divinas: o deus do tro-
era VIS ' •

denomina identidade -no qual está a existência social, vão a deusa das águas, a deusa do bom parto, e assim
a troca com outras pessoas e outros grupos; e o do .'di·ante. Em tempos menos antigos, a natureza es-
por ., .
plano simbólico, que abarca mitologias, religiosidade, tará povoada por seres míticos, cÇ>mo os Ja mencwna-
costumes, saberes e produção artística. . Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve . As
d os. bT
religiões incorporaram essa necessidade do. s~m o 1co
Nem de longe o homem pode ser visto apenas como e cada uma a seu modo, organizaram o d1vmo para
ser movido apenas pelo estômago: por isso é preci- q~e os deuses continuassem consolando nossas almas.
so que em sua vida pulsem também o intelecto, a Mas 0 simbólico também está na arte, antes mes-
imaginação, assim como as emoções caracteristica- mo que ela fosse assim denominada. Das pinturas nas
mente humanas. Não se trata aqui de qualquer ide- cavernas às estatuetas que acompanhavam as umas
alismo metafísico, pois este plano [simbólico], funerárias dos mortos na antiguidade, a fim de auxiliá-
obviamente, não cai pronto do céu. Deve ser mate- los na sua caminhada para o outro mundo. Hoje, a
rialmente possibilitado, tanto quanto se deve criação simbólica está presente em grandes nomes das
viabilizar materialmente o pulsar dos corações. 1 artes plásticas, da literatura, do cinema e de outras
formas de expressão artística. Produzir e consumir
A marca do simbólico está presente na cultura hu- imaginários passou a fazer parte das necessidades bá-
mana desde os seus primórdios, não só nas pinturas sicas humanas.
nas paredes das cavernas, mas nos tempos mais ime- Os tempos pós-modernos contemporâneos nos de-
moriais, na forma de ritos e rituais de saudação ao frontam com novas necessidades e novos desejos: vi-
divino. A natureza que assustava - por desconhecida - vemos na era do consumo, quando compramos não
mais para atender apenas às nossas necessidades, mas
também para atender aos nossos desejos transforma-
1. RODRIGUES , J. C. Cultura e ser humano: códigos e simbolis- dos em necessidades. E os produtos pós-modernos não
mos. In: ROCHA, E. (Org.) Cultura & imaginário. p. 43. vendem apenas a si mesmos, precisam agregar ima-
\ . . ,
gilu\rlns porque o.~ novos clientes necessitam dos dois:
do objeto c do lmagin:írio, s ·ndo que o imagin:hio
coJllo j:\ colocado, pode ter valor de merendo muit~
superior ao objeto em si. Para vender esses produtos 12. IMAGINÁRIOS:
que somam imngin:hios aos objetos, n procluçiio se PERCORRENDO O CONCEITO
aproxima dos meios de comunicaç·iio. Frcdric .Jnmcsonl
chnma isso de CCI}Jitulismo !J(~/1-t cc!J, no (]Uni hn uma
fnti ma conj ugnçiio do cn pi tnl ind ust r in I com os meios
de comunicnçiio c a inch'1strin culturnl - nela inclufcln
a propaganda, mns niio só - , levando :'luni:io absoluta mn boa pergunta n colocar scrin a seguinte: O
entre o produto c o imagin:\rio, apresentados no mer-
endo como 11111 todo indissoci;\vel.
U que significarin a trn nsm igraçiio do conceito sim·
IJ6/iw pnra a o conceito inutMinário'l Seria npenas um
Do ponto de vista elo consumo, se consumirmos por modismo'/
desejo c por necessidade, significa que consumimos Michel Mnffesoli 1 nos alerta que nilo é possível con·
niío só produtos, mns tnmhém imaginários, idealizações tinunr pensando o complexo momento contcmporil·
c se ntimen tos guardados cuidmlo::;arnente no coraç·:io 11 co, com sua fmwnentnç;io ele cxpcri~ndas, CO/li conceitos
de c:1da 11111, <.:01110 algo muito precioso. Cada 11111 leva ele inslit rtiçrics, de c.çlrlllln·a.ç c ele rclaçiJcs entre ele.~, cun·
~;e u sonho 110 coruçfí o, cada 11111 vOo que está em seu cc/to.~ da lwraclo.~ C:U T/1 tr~s sc!wlo.~ ele moclcrnlc.lwlc
tol'llç~o. Jo:n1 /íu, é 1nmbé111 110 Jrnap,illlírlo, que llON é /r rJIIW,I(cllclzrulora. A rnod cmldade sc rfu hornogcncl·
tfl o c11ro, que o:: prodtrto:r podcu1 c cl cver n lllendcr, zndoru porque 10e CCJII~JIItttlrln 11 pnl'llr de grundl'fi rHII'•
lrllllHfOI'IIIIIIIciO ll(jllt:lt:N clcfa:jo:: q11c CII IJl () C! lll llO!I~U m1lvu~r . ''OIIIo 11 hif: t6rla 011 11 fllc wofl11, por cXt'lllplo,
C'OI'IIC;Ií o Clll lltC'tll:rl dlldi~ . qtu: C'Oil/11 illll rl s11n gi'IIJtcl cntllrilelllWIII clltllhclc:<: ·r o Cjllt'

~ . .JAM I'.t fJN, H /',1'1 tutHit- rult lllfl : 11 Jl,xlf'll t'nllund do t·upiiHIJti·
11111 lilldill.
I , MAI' I' I'.f:OJ.I , M. A lf'tllll{lp,l lf'II (IÍII d11(111lfrl fl, I'· 1') ,
72 + Coleçdo ABC do Thrismo
Turismo, imagens e imaginarias + 73

seria considerado verdade- uma verdade racionalista e os grandes impérios ideológicos. Uns e outros estão
servindo para avaliar todos os acontecimentos. (Por' cedendo lugar a confederações que, de maneira mais
sinal, Alistair William coloca o marketing tradicional leve, cimentam comunidades de proporções diversas,
como outra das grandes narrativas.) repousando mais sobre um sentimento de vinculação
Para MaffesolF, no momento contemporâneo flo. que sobre a moderna noção de contrato social, ao
resceria uma cultura do sentimento, na qual predomina- qual se atrela uma conotação racional e voluntária. 5
riam o ambiente, a vivacidade das emoções comuns e a
necessária abundância de supérfluo que parece estruturar Se isso vale para o político nas suas grandes e pe-
a sociedade pós-moderna. Essa cultura do sentimento teria sadas estruturas como o Estado-nação, também vale-
a paixão comum de sentir com o outro, experimentar-se ria para expressões mais rotineiras e cotidianas. No
com outros; coisa que nada tem a ver com o racionalismo aqui e agora do momento presente, a religação alimenta
ocidental, mas que se integra bem no aspecto global, todas as formas menores do sagrado que florescem nas
holístico, da matriz natural. Ecologia contra economia, sociedades [. .. ]. Isso pode incitar-nos a pensar que, além
por assim dizer 3 • Da paixão comum surgiria a religação, e aquém das diversas racionalizações e legitimações po-
termo que Maffesoli cria, segundo seu tradutor, para líticas, há, no fundamento de todo estar-junto, um con-
dar conta de uma forma específica e orgânica de laço so- glomerado de emoções ou de sentimentos partilhados 6 •
cial marcado pela comunhão grupal e pela efervescência. 4 A isso Maffesoli denomina imaginai, que, para o teóri-
co, pode ser uma idéia fundadora, um mito, uma his-
Esse clima emocional é particularmente perceptível tória racional, um ato legendário que sirva de cimento
na implosão em cadeia, que atinge o Estado-nação agregador a unir as pessoas. Essa paixão comum sus-
tentaria a vida em sociedade.

2. MAFFESOLI, M. Op. cit., p . 21.


3. Idem, ibidem. p. 35. S. MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 18.
4. SILVA, J. M. Nota do rradutor: In: MAFFESOLI, M. Op. cit., p. 41. 6. Idem, ibidem. p . 20-21.
74 + Coleção ABC do Thris mo
Turismo, imagens e Imagi nários + 75

Para Juremir Machado da Silva, o imaginário é um envolve o objeto ou a situação, mas que também a
reservatório-motor. Como reservatório agrega imagens ultrapassa, como uma força social de ordem espiritual,
sentimentos, lembranças, experiências, visões do real qu; uma construção mental que se mantém ambígua, per-
realizam o imaginado, leituras de vida e, através de um ceptível, mas não quantificável.
mecanismo individuaVgrupal, sedimenta um modo de ver.
de ser; de agir, de sentir e aspirar ao estar no mundo. [...J o imaginário, para mim, é essa aura, e da ordem da
Diferente do imaginado -projeção irreal que poderá se aura. Algo que envolve e ultrapassa a obra. [... ] nada
tornar real -, o imaginário emana do real, estrutura-se se pode compreender da cultura caso não se aceite
como ideal e retoma ao real como elemento propulsor.l que existe uma espécie de 'algo mais', uma ultrapassa-
Como motor, o imaginário seria o sonho que realiza gem, uma superação da cultura. Esse algo mais é que
a realidade, uma força que impulsiona indivíduos ou se tenta captar por meio da noção de imaginário. 9
grupos. Funciona como catalisador, estimulador e
estruturador dos limites das práticas. [... ] O homem age Em termos de imaginário, não há verdade ou men-
(concretiza) porque está mergulhado em correntes ima- tira, pois todo imaginário é. Ele é invenção, narrativa,
ginárias que o empurram contra ou a favor dos ventos. a seleção, bricolagem, modo de ser no mundo. No imagi-
Essas correntes podem ser externas, mas também in- nário, em conseqüência, não há verdadeiro nem falso.
temas ao sujeito, indicando-lhe modos de permanecer Como num romance, todos os enredos são possíveis ele-
individual no grupo e grupal na cultura. gítimos10. Ou seja, como o sentimento, que sempre é,
Michel Maffesoli segue o proposto por outro teóri- o imaginário, do mesmo modo, sempre é.
co, Walter Benjamin, ao afirmar que o imaginário se- Este último parágrafo é muito importante parare-
ria como uma aura, ou seja, como uma atmosfera que tomar o que foi escrito anteriormente sobre os imagi-

9. In: SILVA, J. M. Michel Maffesoli: o imaginário é uma reali-


7. SILVA, J. M. As tecnologias do imaginário. p. 11-12. da de. In: Revista Famecos. p . 75.
8. Idem, ibidem. p. 12. 10. SILVA, J. M. As tecnologias do imaginário. p. 50.
,. Turismo. imagens e imaginários + 71
76 + Coleção ABC do Thrismo

nários serem vistos como algo falso ou mentiroso. Isso vê-se que o 'seu' imaginário corresponde ao imagi-
acontece porque ainda há grupos sociais significati- nário de um grupo no qual se encontra inserido. O
vos, vivendo sob a influência do conceito moderno de imaginário é o estado de espírito de um grupo, de
verdade. Como vimos, para os modernos, só seria verda- um país, de um Estado-nação, de uma comunidade,
etc. O imaginário estabelece um vínculo. É cimento
de aquilo que pudesse ser comprovado ou acessado pe-
social. Logo, se o imaginário liga, une numa mesma
los cinco sentidos. Os sonhos e a imaginação seriam
atmosfera, não pode ser individua1. 11
verdade, mas uma esfera de consciência sujeita à falsida-
de e ao engano, por sua subjetividade. Mesmo os senti-
mentos poderiam ser enganadores e, por isso, perigosos. Quanto à participação individual nessa construção,
No mundo contemporâneo, a noção de verdade Maffesoli explica que cada sujeito está apto a ler o ima-
mudou. Primeiro, porque já se reconhece que não ha- ginário com certa autonomia, mas, para ele, tal leitura
veria uma Verdade assim, com maiúscula, sinônimo será sempre a apropriação de um coletivo:
de algo maior e definitivo. Reconhecemos, agora, que
há a cada momento e a cada situação leituras pessoais Na maior parte do tempo, o imaginário dito indivi-
ou coletivas de fatos ou objetos que correspondem à dual reflete, no plano sexual, musical, artístico, es-
visão de alguém ou de um grupo sobre esses fatos e portivo, o imaginário de um grupo. O imaginário é
acontecimentos, num determinado momento. Sob esse determinado pela idéia de fazer parte de algo. Uma
enfoque, sentimentos são e imaginários são. vida, uma linguagem, uma atmosfera, uma idéia de
Para Maffesoli, os imaginários são sempre imagi- mundo, uma visão das coisas, na encruzilhada do
nários de um grupo. Isso significa dizer que seriam so- racional e do não racional. 12
ciais por excelência:

Pode-se falar em 'meu' ou 'teu' imaginário, mas, 11. In: SILVA, J. M. Op. cit., p. 76.
quando se examina a situação de quem fala assim, 12. In: SILVA, J. M. Op. cit., p. 80.
78 + Coleciio ABC do Thrismo
Turismo, Imagens e Imaginários + 79

Nesses teimas, mais uma vez, o conceito de imagi-


bém ao ouvir. Portanto, conectar-se com imaginários
nário se afasta do proposto pelo marketing como ima-
significaria, entre outras coisas, ir ao cinema, ao tea-
gem. A imagem seria, para os marqueteiros, uma
tro, a shows musicais, assistir à televisão, jogar con-
construção basicamente individual, daí a necessidade
versa fora na mesa do bar.
de realizar pesquisas ouvindo um grande número de
Mas também é importante ter claro que nem sem-
pessoas, para chegar a um senso que seria comum a
pre o imaginário estará ali explícito. Às vezes será pre-
determinados grupos.
ciso recorrer aos subtextos para encontrá-lo. Por
Para chegar ao imaginai que estaria sob os com- exemplo: do que trata o best-seller O código Da Vinci?
portamentos, as escolhas, as opções de lazer e de via- Ele fala de arte? Do Museu do Louvre? De antigas sei-
gem das pessoas, pesquisar imaginários exige tas pagãs? Numa análise que corre o risco de ser apres-
procedimentos um pouco diferentes. Juremir Macha- sada, eu diria que O código Da Vinci se baseia num
do da Silva 13 recomenda que a pesquisa seja feita des- imaginário místico, defendendo que haveria verdades
de dentro, por meio da observação, da participação anteriores a uma sociedade patriarcal, uma sociedade
obsen'ante, da entrevista e de outros métodos etna- baseada em princípios femininos de harmonia e bem
gráficos e mesmo jornalísticos, como as reportagens. viver, que poderiam levar a maneiras mais satisfatórias
Eu acrescentaria que, para entender os imaginários de vida.
subjacentes à vida das pessoas, é importante estar O mesmo vale para as imagens analisadas anterior-
muito conectado com a vida cotidiana do grupo que mente: Enquanto o material da Espanha, na leitura
queremos entender melhor. Os imaginários contem- que realizei (o que não invalida outras leituras!), fala
porâneos estão presentes no cinema, na literatura e da fragmentação da vida contemporânea, e esta como
na música. Na televisão e na conversa numa mesa de sinônimo de cultura contemporânea, o material do
bar. Conhecê-los é dar importância ao olhar, mas tam- Brasil incentiva um imaginário de ação, de vida em
movimento.
A possibilidade dos imaginários é infinita. Os ima-
13. SILVA, J. M. As tecnologias do imaginário.
ginários são sentimentos coletivos e como tal devem
80 • Coleção ABC do TUrismo

ser respeitados. A exemplo das religiões - por mais


que consideremos alguns princípios equivocados ou
radicais -, eles envolvem sentimentos de pessoas em
13. O TURISMO E
relação ao divino. Portanto, trabalhar com imaginári-
os no turismo ou na publicidade é tarefa delicada e SEUS IMAGINÁRIOS
não pode ser exercida de maneira leviana.

uando se fala em imaginários, minha experiên-

.r (
Q cia em sala de aula tem mostrado urna certa
tendência a associá-los, de imediato, a status: quere-
'I '
I' mos viajar para termos status, queremos urna roupa
t•:
'• ' bem transada para termos status, queremos um carro
bonito por status, e assim por diante. Corno desman-
i
.~ . char essas idéias preconcebidas? Por exemplo, dizen-
do que as pessoas desejam viajar para conhecer alguém
legal para namorar. Que as pessoas querem urna rou-
pa transada para chamar a atenção sobre si mesmas e
conseguirem um namorado legal. Que as pessoas que-
rem um carro bonito para, também com ele, chamar a
atenção de alguém legal para namorar. Ou seja, falar
que tudo se resume a status ou a arranjar urn(a)
namorado(a) legal seriam igualmente maneiras de sim-
plificar desejos e necessidades humanas que são mui-

·Jnrversldade Federaldo R. G. Nort!


\ tt-t l ntecs Setor ia l da r. Novn •
~
82 + Coleçdo ABC do Turismo Turismo. I magens e lmag i ndrl os + 83 I
!
I
to mais complexas do que isso. E os imaginários falam turismo na fuga e o colocarmos corno uma forma de
de sentimentos, de desejos e de necessidades humanas. busca, tenho certeza de que encontraremos respostas
No que se refere ao turismo, os imaginários podem muito mais variadas e instigantes. Nas respostas, uma
nos ensinar a trabalhar bem melhor, tanto na elaboração aproximação mais ampla dos imaginários que o via-
de produtos turísticos, ou seja, na sua fase de planeja- jante deseja ver nos produtos turísticos que pretende
mento, quanto na sua comercialização. Os profissio- desfrutar. A compra desse produto é mera conse-
nais da área sabem que a viagem é um produto no qüência. As pessoas que têm a necessidade de viajar
mercado, mas também sabem que não é um produto desejam produtos e serviços que atendam a essas ne-
como qualquer outro. Dessa maneira, para além da con- cessidades, e não apenas espaço em um avião, uma
quista de status - e atenção, nenhum problema em cama para dormir e um chuveiro quente.
querer status, desde que isso não seja o único e princi- Viajar tomou-se um bem que adquirimos e que pos-
pal objetivo na vida de alguém - , as pessoas querem suímos após usufruí-lo, a exemplo de outros bens mate-
conhecer o que está além do horizonte, querem co- riais (mesmo não sendo, lato sensu, um bem material).
nhecer melhor a si mesmas, querem estar com os seus Mas esse bem nos agrega frutos sociais e psíquicos. En-
entes queridos de uma maneira mais intensa, e nem tre os produtos que melhor atendem a essa gama de
sempre a presença do resto dafamz1ia permite a intimi- necessidades e desejos que nos cercam no mundo con-
dade que os namorados desejam, ou que os pais que- temporâneo, com certeza estão os produtos turísticos.
rem com seus filhos. Assim, iludem-se empresários e técnicos que não
Viajar pode ser, apenas, uma maneira de não preci- atentarem para esta importante contingência: o turis-
sar atender o celular, e isso não precisa significar, ne- mo trabalha não apenas com produtos concretos, mas
cessariamente,jilga do estresse urbano. Falar em turismo com imaginários, no plural. E imaginários são dinâmi-
como motivado pela fuga é uma simplificação tão gran- cos. Há imaginários tradicionais, aliados às viagens: a
de quanto fal ar que tudo é busca de status. A generali- idéia de ir para um paraíso, de buscar cultura, e até de
zação, longe de ajudar a entender os sentimentos, nos adquirir status. A estes, a cada nova temporada há
afasta das respostas. Ou seja, se tirarmos o foco do novos imaginários sendo agregados. Trabalhar no tu-
,.....
84 + Coleção ABC do Thrismo
Turismo, tmaqens e tmaqtnártos + 85

rismo significa alimentar, reforçar ou renovar imagi- Com todas as suas possibilidades de ofertas concretas
nários, para além de propostas de marketing. em termos de equipamentos para o lazer, a Disneycons-
Os produtos turísticos contemporâneos, das locali- trói-se em tomo do grande imaginário norte-america-
dades aos roteiros específicos, devem agregar imagi- no sobre a infância. A criança tudo pode e a ela tudo é
nários. Exemplo contundente é Nova York, quando perdoado, mesmo seus excessos. E a Disney é a infân-
adotou a campanha I " NY e a maçã como símbolo cia com excessos: de jogos, de imaginação, do univer-
nos anos 1970. Se dissermos "Big Apple", todos sabem so em que mickeys e cinderelas ganham vida concreta
que estamos nos referindo a Nova York, lugar onde e no qual todo visitante é, ele também, essa criança
tudo é permitido, onde a vida nunca pára, a cidade jorever young, a quem tudo será perdoado.
que não dorme. Quem a ama, o faz nos seus excessos. Imaginário, então, é algo muito sério para ser en-
Tradicionalmente, o imaginário mais agregado ao tregue exclusivamente ao pessoal do marketing. O
turismo é a idéia de paraíso natural. Dos Club Med às imaginário deve ser incorporado ao produto muito
localidades longínquas do litoral ou do interior que antes, já na sua fase de planejamento: os planejadores,
pretendam incorporar-se ao sistema turístico, o apelo hoje, devem conhecer muito bem o que vai no coração
imediato, direto ou indireto, é ao imaginário de para- das pessoas, seus desejos e anseios- o imaginai, como
íso. A imagem é tão utilizada que só não está absolu- propõe Maffesoli -, e materializá-los em produtos, se-
tamente desgastada pela forte presença atávica dessas jam eles urbanos, sejam ecológicos, sejam rurais. O
idéias na nossa mente. ecológico deve avançar para além da idéia do paraíso
Nova York, ao apelar para a maçã, utiliza a ima- - aliás, já há produtos que estão buscando alternati-
gem contrária: a do pecado. Uma cidade onde os ex- vas, como a de aproximar turismo e educação ambien-
cessos são permitidos e, como Eva fez com Adão, tal, agregando ao produto ecológico o imaginário de
também nos tenta com a maçã, não com uma maçã aprendizado, educação continuada e exercício de com-
comum, mas com uma big apple. portamentos e atitudes conservacionistas politicamente
Outro exemplo de empreendimento turístico que corretos. Há várias experiências bem-sucedidas acon-
vende, antes de tudo, um imaginário, é a Disneylândia. tecendo em diferentes partes do Brasil.
86 + Coleção ABC do Thrismo Turismo. Imagens e Imaginá r ios + 87

o turismo rural, por sua vez, deve pensar além da urbano. A geografia da cidade permite a experiência
rusticidade e da autenticidade ou, talvez, renovar o que por abrigar vários morros ainda com restos de Mata
se entende por rústico e autêntico. O rústico, incorpo- Atlântica, pela presença do Guaíba e pelo ecossistema
rado ao in1aginário contemporâneo, não significa pre- único e de extraordinária beleza do arquipélago loca-
sença de mosquitos e moscas, banheiros incômodos, lizado no lago. A idéia é muito rica, pois rompe a tra-
louça manchada. O rústico desejado pelos neoturistas dicional dicotomia entre cidade versus natureza
é, com certeza, sofisticado, com muita limpeza, con- optando por um imaginário de cidade na natureza. '
forto e até mesmo ar-condicionado. Planejar não é apenas organizar espaço físico, pro-
Quanto ao turismo urbano, este talvez seja o mais dutos e serviços. Planejar, hoje, significa conduzir o
desafiador, num mundo onde as localidades espalha- olhar. De nada adianta o marketing tentar vender, por
das em torno do planeta desenvolvem acirrada dispu- exemplo, Gramado, na Serra Gaúcha, como represen-
ta para atrair fluxos de pessoas, de negócios e de tativa da germanidade no Brasil, no seu romantismo
investimentos. Mais: as cidades não devem ser únicas, bucólico, se lá não estiverem a gastronomia germânica,
mas múltiplas em si mesmas. Como dizem os plane- as tortas e as cucas, os pães caseiros, o chope e a cer-
jadores turísticos de Barcelona, não queremos vender veja. Ainda são necessárias muitas flores nos jardins e
uma, mas muitas barcelonas em Barcelona •
1 nas praças, cortinas rendadas nas janelas e toalhas
Essa diversidade dos lugares na cidade pode levar bordadas nas mesas, e uma arquitetura condizente.
Por fim, deve-se preservar a paisagem do entorno, por-
a experiências interessantes, como a realizada, por
que é necessário poder observar, sentir e fotografar os
exemplo, em Porto Alegre. Ali, além dos tradicionais
morros e vales.
roteiros ao centro histórico, estão sendo realizadas
Muitos dizem, em nome de uma suposta autentici-
várias experiências de turismo ecológico em espaço
dade, que "na Alemanha não é assim", que Gramado
não é a Alemanha. E, de fato, não é. Quem olhar do
ponto de vista do imaginário poderá responder: não
1. Afinnação dos técnicos do "Turismo Ba rcelona" em seminá-
faz diferença, porque não estamos falando da realída-
rio realizado em Porto Alegre em 2000.
88 • Coleção ABC do Thrismo

de concreta, mas da realidade dos imaginários. E 0


compromisso dos imaginários, repetimos, é com as
necessidades que estão no coração de cada turista, e é
a isso que devemos procurar atender, não apenas ao REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
seu possível conhecimento de história e geografia.
Pós-modernamente, numa época que vive de
significantes e não de significados, a autenticidade é a
leitura de um texto que precisa ter coerência única e
exclusivamente no interior do próprio texto que se
ADORNO, T. W. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 1988.
constrói. Autêntico seria o que se constrói coerente- BARTHES. R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1987.
mente consigo mesmo. No turismo, não podemos fu- BAUDRlLLARD, J. Tela total. Porto Alegre: Sulina, 1997.
gir dessa contingência, o que não diminui, mas antes DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a socie-
dade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
aumenta a responsabilidade de quem atua na área. DURAND, G. O imaginário. Rio de Janeiro: Difel, 1998.
_ . As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
HARVEY. D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
JAMESON, E Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros
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São Paulo : Atica, 1996.
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KOTLER, P. et ai. Marketing público. São Paulo: Makron Books
1994. '
LASHLEY, C. et ai. Em busca da hospitalidade: perspectivas para
um mundo globalizado. São Paulo: Manole, 2004.
MAFFESOLI, M. A transfiguração do político. Porto Alegre: Sulina
1997. I
SOBRE A AUTORA

s usana Gastai é professora do 1\fresrrado em


Turismo d a U.níYersidade de Ca7jas do SuJ- r..s e
do CUT9D d e gradU2ção em Turismo na mesma Unin~r-
9d2de.. Também é professora do curso d..: Turismo da
?"c135. Jornalista, rem~\1e:.nado em.-tr-...esVí..suaís e Dou-

rorado em Com.UI1ÍC2.çâo Soc:í2.1, com pet>quj.s:a s-obre


IEiüpD, c--p2ço e Ím2gem na cidade sob o ponw de
~L2 da pós-morlerníà?de, tn:iliz.anrlo a semíótica com0
:::;::ew5o}o~ de aD.ilise... É ;::n-t..Ora do lr.To Salaz de á -
~..x C:?r.áios priTLf>-'Q.J.:?gTen..Y-5 (Porro .!l.l...'bJe; C'D:irla-
.C:: = nimn:::>l / 51-LC, 1999) e orga:nlz.W'J!'a C:os liYr9s
T:...,-" ~0. 9 ~· · p o:S":Lill pa.-ra liJJl sal;~ jflZf:T e Twismo n a
;>5s-:-:v:55Jií-1r."1_,... (es)ír~ rir.aç~ [~;; Ô3ZJ17.Y?..s) ;
e Li...:s ~ •• c>S !:..T_,.J.::D: Í:Tl '~cçii-D::: critica e r:m outro
i ?:Js.có: :. {"'"br:rs d3 eiliror:a O:n::L"'Z!o) . fu551.:J
::::...,-i.;;-:::J
,=-, ~ o__, us 3 •~ ._.5 ::. • ? ' ír'5 ~505 p-.:D:iicados :fZJ Jj...
r
92 • Coleção ABC do Turismo Conheça os Títulos da Coleção ABC do Turismo

vros de outros autores, em especial sobre artes plásti- City Tour


Adriana de Menezes Tavares
cas, cultura, cidade e turismo (com destaque para Th-
Ecoturismo
ri.smo urbano, da editora Contexto, e "Posmodemidad Patrfcia Córtes Costa
y gastronomia", In: SCHLÜTER, Regina G. et al. Gastro- Estatística Aplicada ao Turismo
nomíay turismo. Buenos Aires: ciiT, 2003), além de textos Sérgio Francisco Costa
Eventos
publicados em diferentes órgãos da imprensa. Ilki1 Paulete Svissero Tenan
Gastronomia c Turismo
Regina G. Schliiter
História das Viagens e do Turismo
Ycarim Melgaço Barbosa
Hospitalidade
Luiz Octávio de Lima Camargo
Patrimônio Histórico c Cultural
Haroldo Leitão Camargo
Transportes
André Milton l'aolillo e Mirian Rejowski
'- Turismo c Arqueologia
Maria Cristina Mineiro Scatamacchia
Turismo c Terceira Idade
Belly Fromer e Débora Dutra Vieira
Turismo, Imagens c Imaginários
Susana Gastai
Turismo na Economia
Beatriz Helena Gelas Lage e Paulo Cesar Milone
Turismo Religioso
Christian Dennys Monteiro de Oliveira
Turismo Rural
0/ga Tulik

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