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Não se trata de um conceito abstrato. É necessário observar que filósofos como Sartre e
Schopenhauer buscam, em seus escritos, atribuir esta qualidade ao ser humano livre.
Não se trata de uma separação entre a liberdade e o homem, mas sim de uma sinergia
entre ambos para a auto-afirmação do Ego e sua existência. E na equação entre
Liberdade e Vontade, observa-se que o querer ser livre torna-se a força-motriz e,
paradoxalmente, o instrumento para a liberação do homem.
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ëara Kant, ser livre é ser autônomo, isto, é dar a si mesmo as regras a serem seguidas
racionalmente. Todos entendem, mas nenhum homem sabe explicar.
Uma das obras realizadas por Kant é a Crítica da Razão ëura. Nesta, o estudo do fato da
razão torna-se pertinente, pois discorre sobre a liberdade nesse contexto. O fato da razão
citado por Kant é a consciência do indivíduo sobre as leis morais vigentes (REALE,
1990, p. 914). Mas esse fato da razão só pode ser admitido com a existência da
liberdade, esta liberdade só é admitida com uma intuição intelectual, ou seja,
conhecimento. Kant explica aqui que ter consciência das leis morais vigentes não é
apenas por vias de intuição, ou conhecimento, puro nem intuitivo, essa consciência, ou
fato da razão depende da intuição intelectual, para que se possa ver a liberdade como
positiva. Kant chama esse aspecto positivo de autonomia. A liberdade que o homem
deve aproveitar, em Kant, diz respeito à vontade. Essa vontade não deve ser bloqueada
por nenhum tipo de heteronomia. O livre arbítrio deve ser utilizado de forma pura para
que não dependa de nada com relação à lei. ëortanto a pessoa dotada de liberdade, ou
seja, sem intervenções de outrem, pode fazer uso desta, porém o fará com maior clareza
se seu conhecimento e consciência de sua liberdade existir.
ëara Spinoza, ser livre é fazer o que segue necessariamente da natureza do agente.
No geral, ser livre é ter capacidade para agir, com a intervenção da vontade.
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Você se interessou pelo tema desta reportagem e, por isso, resolveu dar uma lida. Certo?
Errado! Muito antes de você tomar essa decisão, a sua mente já havia resolvido tudo
sozinha ± e sem lhe avisar. Uma experiência feita no Centro Bernstein de Neurociência
Computacional, em Berlim, colocou em xeque o que costumamos chamar de livre-
arbítrio: a capacidade que o homem tem de tomar decisões por conta própria. As
escolhas que fazemos na vida são mesmo nossas. Mas não são conscientes. Voluntários
foram colocados em frente a uma tela na qual era exibida uma seqüência aleatória de
letras. Eles deveriam escolher uma letra e apertar um botão quando ela aparecesse.
Simples, não? Acontece que, monitorando o cérebro dos voluntários via ressonância
magnética, os cientistas chegaram a uma descoberta impressionante. Dez segundos
antes de os voluntários resolverem apertar o botão, sinais elétricos correspondentes a
essa decisão apareciam nos córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro que
controlam a tomada de decisões. ³Nos casos em que as pessoas podem tomar decisões
em seu próprio ritmo e tempo, o cérebro parece decidir antes da consciência´, afirma o
cientista John Dylan-Haynes. Isso porque a consciência é apenas uma ³parte´ do
cérebro ± e, como a experiência provou, outros processos cerebrais que tomam decisões
antes dela. Agora os cientistas querem aumentar a complexidade do teste, para saber se,
em situações mais complexas, o cérebro também manda nas pessoas. ³Não se sabe em
que grau isso se mantém para todos os tipos de escolha e de ação´, diz Haynes. ³Ainda
temos muito mais pesquisas para fazer.´ Se o cérebro deles deixar, é claro.
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ëublicidade
Imagine a mais deliciosa sobremesa que suas papilas gustativas podem conceber.
Acrescente uma camada extra de cobertura de chocolate. Agora imagine o garçom lhe
estendendo uma generosa porção dessa iguaria. Você consegue recusar?
Se, como a maioria dos seres humanos, não resiste à tentação, pode perguntar-se onde
diabos está o livre-arbítrio de que tanto falam filósofos e padres. A questão é debatida
há pelo menos dois milênios e não estamos nem perto de uma resposta definitiva. Esse
conceito reúne numa só trama alguns dos mais cabeludos problemas filosóficos, como a
natureza do universo (se ele é ou não determinado), a causalidade e se o homem é ou
não um agente moral.
A pergunta fundamental é: somos livres para agir como desejamos? Suas implicações
não são triviais. Se nossas ações são determinadas, seja pela biologia, pela física ou por
Deus, como responsabilizar alguém por seus atos?
Assim, a primeira parte do problema é física. Importa saber se tudo o que ocorre no
mundo é uma fatalidade ou se há espaço para decisões autônomas. Quem melhor
colocou a questão foi o célebre matemático francês ëierre-Simon de Laplace (1749-
1827), ao propor, na introdução ao seu "Essai philosophique sur les probabilités", um
experimento mental que mais tarde ficou conhecido como "o demônio de Laplace":
"ëodemos ver o estado presente do universo como o efeito de seu passado e a causa de
seu futuro. Um intelecto que em dado momento conhecesse todas as forças que colocam
a natureza em movimento, e as posições de tudo aquilo de que a natureza é composta, se
tal intelecto também fosse capaz de submeter esses dados a análise, ele abarcaria numa
única fórmula tanto os movimentos dos maiores corpos do universo como os do menor
átomo; para este intelecto nada seria incerto e o futuro assim como o passado estariam
presentes diante de seus olhos".
Bem, se acreditamos como Laplace que todos os eventos presentes e futuros são o
resultado do passado do universo em combinação com as leis da natureza, então somos
deterministas. É uma posição especialmente confortável para os que não querem
carregar em suas costas o peso de decisões morais. Se tudo o que se passa no mundo é o
resultado de uma fórmula matemática, culpar alguém por um assassinato faz tanto
sentido quanto responsabilizar o leão por devorar a gazela ou um asteróide por ter
dizimado os dinossauros.
Deixemos, porém, a teologia de lado e voltemos à física. Ainda que numa versão mais
nuançada, Albert Einstein pensava mais ou menos como Laplace. É por isso que tinha
horror à mecânica quântica (na qual as previsões estão limitadas a mera probabilidade),
sobre a qual sentenciou: "Deus não joga dados".
A "solução" de Einstein para sustentar um universo determinista sem não atirar a noção
de responsabilidade num buraco negro foi rebaixá-la um bocadinho: "Um ser humano
pode perfeitamente fazer o que quiser, mas não pode desejar o que quer". Aqui, o físico
alemão acompanha o bom e velho Schopenhauer. Somos todos filhos da necessidade.
Só que a mecânica quântica se firmou. E não apenas como uma ignorância provisória,
como desejava Einstein. Cada vez mais o "mainstream" da física vai se convencendo de
que a impossibilidade de determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma
partícula está na natureza da matéria, sendo um dado da realidade e não uma simples
incompletude da teoria. Com isso, o demônio de Laplace, se não sai de cena, ao menos
passa para um segundo plano. O mesmo, suspeito, ocorre com o Deus das religiões
monoteístas, daí que escolas dominicais não ensinem física quântica.
Mas será que a consolidação de um universo não inteiramente determinado basta para
salvar a responsabilidade moral de seus demônios? Talvez não. Achados no campo na
neurociência nos fazem ficar com a pulga atrás da orelha.
Num experimento seminal dos anos 80, Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia,
ligou seus alunos a aparelhos de eletroencefalograma e demonstrou que a atividade
cerebral inconsciente que faz alguém mover o braço, por exemplo, precede em pelo
menos meio segundo a "decisão consciente" de mexer o braço.
Nosso livre arbítrio seria mais ou menos como um tique nervoso ou a necessidade que
um viciado tem de conseguir sua droga, movimentos que ficam a meio caminho entre o
voluntário e involuntário. Temos aí uma boa seara para advogados de defesa, a exemplo
dos alquimistas em busca da pedra filosofal, tentarem extrair o habeas corpus universal.
Será que estamos assim condenados a descartar toda idéia de justiça possível? Talvez
não. Afinal, existem viciados que conseguem superar sua compulsão. A resposta não
chega a ser um segredo. Se, por um lado, ele quer a droga (desejo de primeiro grau); por
outro, ele sabe que o vício lhe faz mal e pretende livrar-se dele (desejo de segundo
grau). O livre arbítrio talvez exista como um poder de veto dos desejos de segundo grau
sobre os de primeiro. Não é à toa que os mais relevantes dos dez mandamentos
assumem a forma "não + verbo", como em "não matarás", "não cobiçarás a mulher do
próximo".
Como eu disse no início deste texto (que, por sinal, já está ficando mais longo do que eu
teria desejado), não disponho de uma resposta definitiva para o problema do livre
arbítrio. Só o que procurei aqui foi lançar, de forma infelizmente meio caótica, algumas
luzes sobre sua complexidade e alcance. Mal resvalei em todas implicações e
pressupostos. Acho, entretanto, que as idéias esboçadas já bastam para que reavaliemos
as bases da noção mais comum de justiça que circula por aí.
Nossas inseguranças em relação ao livre arbítrio, que não são poucas, já deveriam nos
fazer abandonar o conceito de justiça retributiva. Se não estamos muito certos do nível
de controle que temos sobre nossas ações e se é até mesmo possível que cada uma de
nossas decisões já esteja escrita desde o início dos tempos, então não faz sentido punir
alguém como retribuição à falta cometida. Mesmo que houvesse um Deus a nos dizer
insofismavelmente o que é certo e o que é errado, seria preciso não torná-Lo demasiado
poderoso, ou Ele se tornaria o responsável último por todos os nossos pecados.
Se, por um lado, essa noção utilitarista salva algo da nossa posição de agentes morais,
ela não nos eleva para muito além dos cãezinhos pavlovianos, que fazem o que deles se
espera sob a compulsão de eletrochoques e outras artimanhas da necessidade.
Assim, antes de sair por aí linchando suspeitos de crimes hediondos ou de pedir uma
segunda porção daquela sobremesa deliciosa que entope artérias, pense nas
conseqüências. A diferença importante entre nós e os cãezinhos de ëavlov é que
projetamos o futuro mais longe.