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MACAÉ
2004
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Aprovada em
Banca Examinadora:
3
AGRADECIMENTOS
A todos que, através do diálogo, do trabalho e da amizade, colaboraram para a minha atual
compreensão do campo da Saúde Mental.
À Equipe do Programa de Saúde Mental de Macaé, em especial às Coordenadoras de Equipes
Josemarlen Gonçalves Carvalho Silva, Maria Luiza Vaccari Quaresma, Naly Soares de
Almeida e Telma Auxiliadora Alves Ferreira Lobo, e a Paulo de Tarso de Castro Peixoto.
À Equipe do Programa de Saúde da Família de Macaé, em especial a sua Coordenadora,
Miriam Cristina Ribeiro Benjamin Franco Pacheco, a Cristina Albuquerque Cadinelli,
Elizabeth Silveira Ferolla, Raquel Miguel Rodrigues, e ao médico de família Henrique
Pazzini.
Ao Dr Pedro Reis, Secretário de Saúde de Macaé durante a aproximação entre a Saúde
Mental e o Programa de Saúde da Família.
A Hugo Fagundes, Coordenador do Programa de Saúde Mental do Município do Rio de
Janeiro.
À Equipe da Assessoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio
de Janeiro, a suas ex-coordenadoras Paula Cerqueira e Cristina Loyola, a Leila Vianna e
Carlos Eduardo Honorato.
A Mauricio Schneider.
A Sandra Fortes.
A Domingos Sávio.
Aos Professores do curso, em especial a Ann Mary Machado Tinoco Feitosa Rosas, André
Luis Toríbio Dantas, Gloria Michele e Jairo Luís Jacques da Matta.
Aos colegas do curso, especialmente à colega e secretária do curso, Christiane Oliveira dos
Santos.
Um agradecimento especial às Agentes Comunitárias de Saúde, que trazem as formas mais
criativas de lidar com os problemas da Saúde Mental.
A Taísa Alves Torres, por sua ajuda na formatação do texto.
A Norberto Bacelar Correia, pela ajuda na formatação e pelas cópias.
À Professora Celita Aguiar Ribeiro, pela revisão.
A Analúcia, Luisa e Clarice, pela paciência.
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José Saramago
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RESUMO
A presente monografia pesquisou como está acontecendo a entrada das ações de Saúde
Mental nos Programas de Atenção Básica (Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF)), no Brasil, e em especial no Estado do Rio de
Janeiro. Foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa, com referências bibliográficas
nacionais e estrangeiras. A experiência do autor da monografia, na área, foi mencionada.
Pretende-se que, com as ações de Saúde Mental na Atenção Básica, as práticas da Reforma
Psiquiátrica sejam potencializadas e campo de capacitação seja aberto para profissionais e
população. Para a compreensão do tema central da monografia, foram estudados os conceitos
e práticas da Reforma Psiquiátrica e dos Programas de Atenção Básica, com as respectivas
origens e diretrizes atuais. A monografia percorreu a história das mudanças de paradigma na
abordagem ao sofrimento mental, saindo da exclusão para tomar o caminho da inclusão. Foi
dada atenção especial para: a tensão entre controle/transformação; as ações das Equipes de
Saúde Mental na Atenção Básica, junto ao PSF e ao PACS, com os possíveis modos de
articulação e capacitação; as diretrizes e documentos oficiais, portarias, relatórios de
Conferências Nacionais; as orientações da Organização Mundial da Saúde; a participação da
população na organização das ações de saúde; trabalhos de autores com prática na área e os
conceitos que formam a base do trabalho da Saúde Mental na Atenção Básica. Têm destaque
os conceitos de rede, território e responsabilidade. Foram estudadas a mudança do Modelo
Assistencial em Saúde Mental e a estratégia de mudança do Modelo Assistencial que o PSF
representa. É problematizado o papel dos profissionais de Saúde, em particular o dos
Profissionais de Saúde Mental e dos Agentes Comunitários de Saúde. Foi evidenciada a
necessidade de capacitação em dois planos: para que os profissionais de Saúde Mental
conheçam as bases dos Programas de Atenção Básica e sua importância para a Saúde Mental
e para que os profissionais da Atenção Básica incorporem conceitos e ações de Saúde Mental,
tendo como resultantes as ações em conjunto. Foram examinadas algumas possibilidades de
Capacitação, com exemplos práticos e atuais, e também alguns possíveis entraves para a
entrada das ações de Saúde Mental na Atenção Básica. A importância das ações de Saúde
Mental na Atenção Básica foi evidenciada: na descoberta de grande faixa de desassistência,
fora do conhecimento dos dispositivos de Saúde Mental; na possibilidade de romper a
dicotomia mente/corpo; no questionamento da exclusão da loucura; na adoção, pelas Equipes
na Atenção Básica, de práticas individuais e grupais que dêem resposta à demanda motivada
por sofrimento mental, que aparece na Atenção Básica em número elevado; na ajuda às
Equipes da Atenção Básica para trabalhar seus problemas institucionais e seus sentimentos
despertados pelo contato com a realidade das pessoas e comunidades; para inserir ações de
cunho comunitário e participativo nas práticas diárias. Foi ressaltado o papel fundamental do
Agente Comunitário de Saúde para as práticas da Saúde Mental na Atenção Básica. Aspectos
de financiamento das ações, criação de indicadores e Capacitação em larga escala foram
analisados .
Palavras chave: Atenção Básica, Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica.
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ABSTRACT
The present monography reports the research of how the input of Mental Health Action within
the Primary Care Programs (Program of Health Community Agents (PACS in Brazil)) and
Family Health Program (PSF in Brazil)), is taking place, with special regards in the State of
Rio de Janeiro. The methodology of qualitative research has been used, with national and
foreign bibliographical references. The monography author's experience, in the field, has been
mentioned. It is intended though, with the actions of Mental Health in Primary Care, that the
practices of the Psychiatric Reform are boosted together with the opening of training fields for
professionals and population. For the understanding of the core theme of this monography, the
concepts and practices of the Psychiatric Reform and Primary Care Programs have been
studied, with the respective origins and current guidelines. The monography has gone through
the history of the paradigm changes in the approach to mental suffering, leaving the exclusion
aside so as to take the road of inclusion. Special attention was given to: the tension between
control/transformation; the actions of the Mental Health Teams in Primary Care, together with
PSF and PACS, with possible articulation modes and training; the guidelines and official
documents, laws, National Conferences reports; the orientations of the World Health
Organization; the participation of the population in the organization of the health actions;
works of authors with practice in the area and the concepts that form the work base of the
Mental Health in Primary Care. Network concepts, territory and responsibility have been
highlighted. The change of the Assistance Model in Mental Health and the change strategy of
Assistance Model that PSF represents have been studied. The role of health professionals is
problematized, in particular the Mental Health Professionals and Health Community Agents.
The training need was evidenced in two scopes: so that the professionals of Mental Health get
to know the bases of the Primary Care Programs and their importance to the Mental Health as
well as the professionals of the Primary Care incorporate concepts and actions of Mental
Health, having group-action as a result. Some possibilities of Training, with practical and up-
to-date examples, and also some possible hindrances for the input of Mental Health actions in
Primary Care were examined. The importance of the actions of Mental Health in Primary
Care was evidenced: in the discovery of a large rate of lack of assistance, out of the
knowledge of the Mental Health departments; within the possibility to break the mind/body
dichotomy; in the inquiry of madness exclusion; in the adoption, for the Teams in Primary
Care, of individual and group practices that throw light to the demand motivated by mental
suffering, which appears in Primary Care at high figures; within the help to Primary Care
Teams to work out their institutional problems and their feelings wakened up by the contact
with the people and communities’ reality; to insert community-related and participation
actions in the daily practices. The Community Health Agent's fundamental role has been
pointed out for the practices of the Mental Health in the Primary Care. Aspects of financing of
the actions, creation of indicators and Training in wide scale have been analyzed.
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
realizou uma Visita Domiciliar. O efeito da visão da realidade concreta da vida da pessoa
assistida provocou em mim a compreensão de que apenas incidindo na família e na
comunidade, poderíamos ter uma prática efetivamente transformadora. Anos depois pude
começar a agir além dos muros dos Hospícios e das salas dos ambulatórios, entrando na vida
concreta das famílias e comunidades. Portanto, esta monografia traz, a partir de certo ponto,
relatos e trabalhos relativos à minha atuação na área, que dura até hoje.
Para a história da Reforma Psiquiátrica, partiremos dos autores estrangeiros que a
influenciaram com textos e ações, sempre com atenção ao que deixaram de pistas para as
práticas com as comunidades.
Os movimentos questionadores da internação psiquiátrica enquanto instrumento de
exclusão e encobrimento da realidade social e psíquica, ou mesmo como uma forma pouco
cientifica de tratamento, serão revisados e comentados.
Foi dada especial atenção aos textos de Michel Foucault e aos textos e práticas da
Antipsiquiatria inglesa e da Psiquiatria Democrática italiana. Foucault nos fornece as bases
para a compreensão da crise dos saberes articulados em estratégias de poder. Ronald Laing e
David Cooper, na Inglaterra, radicalizaram a aproximação com a loucura, deixando elementos
para importantes e atuais reflexões. A influência de Franco Basaglia e de outros italianos,
decisiva para a Reforma Psiquiátrica Brasileira, será registrada tanto com observações a
respeito de seus trabalhos na Itália, como nas intervenções no Brasil.
Em Gilles Deleuze e Felix Guattari vamos encontrar o estímulo para a procura de
ações que, ao questionar as centralizações, percorram caminhos potencializadores da
singularidade e da coletividade.
Pretendi observar algo a respeito da gênese do pensamento crítico que, no Brasil, após
o aparecimento de um movimento contestador, organizado por profissionais de Saúde Mental,
chegou à Reforma Psiquiátrica. Vamos, então, lembrar Ulysses Pernambucano, Luiz da Rocha
Cerqueira e Nise da Silveira, com suas propostas de uma psiquiatria sem segregação.
A crise do Modelo Assistencial baseado no complexo hospitalar, correspondente à
crise de financiamento do Setor Saúde, ao lado do processo de abertura política, favoreceu a
entrada do movimento de renovação em Saúde Mental no aparelho do Estado. Essa etapa será
observada, no texto, com detalhes e com citação de autores que a pesquisaram.
Serão abordados e detalhados alguns conceitos que norteiam as ações da Reforma
Psiquiátrica no Brasil, como, por exemplo, desinstitucionalização, rede, território,
responsabilidade.
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CAPÍTULO 2
METODOLOGIA
[...] se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não
pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2003, p.
21).
Para a autora que vem sendo citada, não há oposição entre dados quantitativos e
qualitativos, mas complementariedade. (Cf. MINAYO, 2003). Enquanto as pesquisas que
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CAPÍTULO 3
Durante séculos, a forma de lidar com a loucura, radical ameaça à Razão, foi a
exclusão. Do barco que vagava pelo Mediterrâneo lotado de seres humanos indesejáveis (Cf.
FOUCAULT, 1978), passando pela depositação comum com delinqüentes e rejeitados de
todo tipo, chegamos à organização dos Hospitais Psiquiátricos. O Estado, no Brasil, desde o
Império, também isolou aqueles que a ciência ou o senso comum assim o determinava. Das
sucessivas crises desse sistema surgiram, no século XX, as tentativas de mudança de um
aparelho destruidor que se propunha terapêutico.
Segundo Amarante (1995, p. 21), citando Joel Birman e Jurandir Freire Costa,
existiram dois momentos importantes, quando a psiquiatria tentou a renovação, mas ainda
mantendo-se como preponderante. O primeiro tinha a pretensão de melhorar o funcionamento
organizacional do Hospício, com a intenção de tornar terapêutico esse ambiente. Com isso
afirmava, ainda, a internação psiquiátrica como terapêutica e o Hospital Psiquiátrico como o
lugar de práticas curativas. Os exemplos dessas tentativas, segundo o texto citado, são as
Comunidades Terapêuticas, na Inglaterra e Estados Unidos e a Psicoterapia Institucional
Francesa. O segundo momento foi quando a psiquiatria pretendeu ampliar seus domínios,
saindo do Hospício para a comunidade. Prevenir e promover a saúde mental, dentro dos
marcos da adaptação social, foram as intenções da Psiquiatria de Setor na Franca e da
Psiquiatria Comunitária e Preventiva nos EUA, segundo os autores citados por Amarante (Cf.
AMARANTE, 1995, p. 22).
Importante para nós é a critica da entrada inicial da saúde mental na comunidade, que
se deu, conforme acima, numa tentativa de modernização da psiquiatria, sem questionar seus
princípios segregadores, sem a participação efetiva de outros saberes e sem a crítica política
que pudesse observar as implicações sociais dessas práticas.
Amarante (1995, p. 22), chama a atenção para o fato de que, ao contrário das
tentativas anteriores de “[...] meras reformas do modelo psiquiátrico [...]”, “[...] a
antipsiquiatria [...]” (Laing e Cooper, Inglaterra) e a “[...] psiquiatria na tradição basagliana
[...]” (Franco Basaglia, Itália), caminham no sentido de uma ruptura. Trata-se de matéria da
maior importância determinar os parâmetros dessa ruptura e suas conseqüências práticas no
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momento em que, hoje, estamos querendo observar, avaliar e praticar as ações de saúde
mental nas comunidades. Veremos a seguir, então, alguma das mais importantes raízes
históricas, de autores estrangeiros, que fundamentaram a Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Nesse resumo estão tanto aqueles movimentos que, segundo o texto de Paulo Amarante,
tentaram mudar a realidade da assistência psiquiátrica sem que o principal fosse tocado
(Comunidades Terapêuticas e Psicoterapia Institucional), como aqueles que foram mais longe
(Antipsiquiatrias e a Psiquiatria Democrática Italiana de Franco Basaglia e seus colegas).
Também faremos referência a Foucault, com sua aguda observação a respeito dos Poderes e
suas artimanhas.
O texto citado é exemplar, na medida em que define com precisão, não só a prática
basagliana, mas também o caminho que o ramo das chamadas antipsiquiatrias (Laing rejeitava
o termo) representada, aqui, por Laing, tomou. Podemos, também, fazer uma leitura do texto
que nos permite ver uma advertência quanto a tomar como “principal” um dos lados da
questão: o social/político ou o subjetivo. Tomando como principal o social/político e sua
transformação, poderá ser deixada de lado a pesquisa e a clínica da loucura, com todo o
desafio humano que representa. A tendência, nesse caso, é a burocratização dos trabalhos,
atrelado que ficaria ao movimento político e suas contingências. Caso o privilégio recaia
sobre o subjetivo, iludindo o social e o político, a queda na exaltação da loucura e sua
romantização são um caminho no qual a alienação passa a ser compartilhada entre
“terapeutas” e “pacientes”. Por isso, os autores apontam para uma necessária não exclusão
dos dois planos em jogo, mas marcando bem qual a atenção principal que tinham os dois
grupos, na época. O tempo passou e já quase trinta anos nos separam do texto citado. Já é
hora, portanto, de uma prática que não estabeleça privilégios na abordagem à loucura. Um dos
desafios colocados para nós é abordar com uma prática integradora os chamados “transtornos
mentais graves”, denominação atual para a loucura, que é o fenômeno humano de base.
Abordagem que ao mesmo tempo se aproxime da loucura, a investigue, acolha, “trate” e a
questione como produção psíquica e também traga toda a complexidade social e política
envolvida, com mobilização dos diversos atores da cena.
No diálogo entre Basaglia e Laing, no livro “Los Crímenes de la Paz”, este defende
sua posição de não mais trabalhar dentro de instituições estatais. Mesmo advertido por
Basaglia de que não existe um “fora do sistema”, Laing relata que, após dez anos de tentativas
de mudanças institucionais, percebeu que levaria a vida toda tentando, sem conseguir. Partiu,
então, para seus projetos de convivência direta com os ditos “pacientes”. Laing e seus amigos
fundaram, em Londres, a Philadelphia Association, base organizacional que mantinha casas
onde estudantes e profissionais de saúde mental e de outras áreas moravam com pessoas
diagnosticadas de esquizofrenia, sem que houvesse ali uma relação tradicional
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Cooper também partiu, como Laing, de uma base filosófica Humanista – Existencial
para mover suas críticas à psiquiatria. A prática inicial de Cooper foi dentro de um hospital
psiquiátrico, na década de 60, onde estabeleceu uma pequena comunidade, a “Vila 21”. Os
marcos institucionais da época suportaram durante pouco tempo a contestação resultante da
tomada da palavra pelos pacientes, e a experiência foi interrompida. A visão crítica e política
de Cooper tornou-se acentuada, tendo o Marxismo como fundamento. Estendeu a crítica à
psiquiatria, ao que chamou de psico-tecnologia que, no seu modo de ver, consiste num
problema mais amplo que o da repressão das instituições psiquiátricas. Dentro dessa psico-
tecnologia Cooper enquadrava, além da psiquiatria, a psicologia, a psicanálise, as terapias
alternativas, a mídia, as prisões, o militarismo, os tribunais. Sua função é manter a ordem
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Cooper, procurando resumir o que estava pensando na época, diz que um dos trabalhos
viáveis naquele momento seria uma ação com os “dissidentes”, loucos e profissionais, no
sentido de “sensibilizar a comunidade para a possibilidade de usar os seus próprios recursos
naturais humanos, a fim de procederem a uma autogestão desprofissionalizada não-médica da
sua loucura e ‘problema afetivos’” (COOPER, 1979, p. 149). Cooper falava do trabalho no
Setor, modelo Francês, mas não sem a importante advertência de que o Setor poderia criar os
“asilos familiares por meio da injeção neuroléptica de ação prolongada” (COOPER, 1979, p.
149). Note-se, mais uma vez, a atualidade do que dizia Cooper. Aqui, está apontado o rumo e
os perigos dos trabalhos com a comunidade. Ao mesmo tempo podemos ler nas suas palavras
algo muito semelhante a Basaglia, isto é, sem a crítica política constante, todo e qualquer
dispositivo de Saúde Mental, por maior que sejam as eternas boas intenções, cairá na lógica
da disciplina ou do controle.
Concluindo esse esboço da obra de Cooper, deixamos a seguinte citação:
A loucura é uma propriedade social comum que nos foi roubada, como a
realidade dos sonhos e das nossas mortes: temos que recuperar politicamente
estas coisas, de modo que se tornem criatividade e espontaneidade numa
sociedade transformada (COOPER, 1979, p. 12).
Franco Basaglia mostrou, com sua articulação entre as práticas de Saúde Mental e a
política, que a psiquiatria sempre esteve a serviço dos poderes dominantes. Pretendeu revelar
que o campo da saúde mental é eminentemente político. Esse desvelamento tornou-se fator
básico para os avanços, sem o qual o risco permanente de estarmos a serviço das forças da
alienação não pode ser criticado.
Basaglia colocou os direitos da cidadania como pedra fundamental para as práticas em
Saúde Mental. (Cf. Basaglia, F.: "A Instituição Negada - Relato de um hospital Psiquiátrico",
Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985. Basaglia, F.: “Qué es la Psiquiatria?”, Editorial Labor,
Madrid,1977. Basaglia, F.: “A Psiquiatria Alternativa: Contra o Pessimismo da Razão, o
Otimismo da Prática”, Ed. Brasil Debates, São Paulo,1982. Basaglia, F. & Basaglia, O. F.
(org.): “Los Crímenes de la Paz”, Siglo Veintiuno Editores, México, 1977).
No prólogo do livro “Qué es la Psiquiatria?” (Cf. BASAGLIA, 1977 a), Mario
Tommasini mostra a direção política do trabalho italiano em Saúde Mental, ao descrever o
início das contestações do asilo psiquiátrico. Diz ele que
las unidades locales de los servicios sanitarios y sociales tienen que ser
nuevos órganos de gestión democrática y de lucha, para convertirse también
en instrumentos de liberación del hombre oprimido (BASAGLIA, 1977 a, p.
10).
Aqui, Mario Tommasini adianta o percurso que tomou Basaglia no sentido de politizar
a discussão em Saúde em geral e em Saúde Mental em particular. Isto é, tornar explícita a
dimensão política envolvida em cada ação e instituição de saúde, já que, mesmo quando esse
aspecto não está claro e sendo discutido, não deixa de estar presente e produzindo efeitos.
No livro citado, Basaglia mostra que a psiquiatra, até então, só havia proposto
soluções negativas para o problema do sofrimento mental. Recortando um aspecto do homem
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Adverte, também, que o trabalho deve ter os dois aspectos: o científico e o político.
Pretendendo chamar a atenção para o fato de que o problema da Saúde Mental é muito mais
amplo do que a mera criação de novos “serviços”, atingindo a discussão da forma como se
organiza toda a sociedade, Basaglia diz que
Transportando para os nossos dias, o que Basaglia diz é que não há “soluções”
definitivas em Saúde Mental, mas sim mudanças nas práticas que levam, cada vez mais, a
lançar a discussão e as ações na direção da vida concreta das pessoas envolvidas. E, também,
que a sociedade seja provocada a se colocar a mesma questão: o que é o sofrimento mental?
Quem são as pessoas que sofrem? Quais as condições sociais que favorecem a saúde mental e
as que a prejudicam?
Curioso e instrutivo é acompanhar a evolução do trabalho de Basaglia. Nos seus
escritos iniciais, como em “La liberdad comunitaria como alternativa a la regresión
institucional” (em “Qui es la psiquiatria”), lamentava que na França e na Inglaterra já existiam
experiências consolidadas de transformação do tratamento psiquiátrico, enquanto na Itália
havia muita dificuldade. (Cf. BASAGLIA, 1977 a, p. 27) Cita, como exemplo de que a
liberdade como base do tratamento não é nenhuma novidade, o trabalho de Conolly, em 1838,
na Inglaterra, que desenvolveu um esboço de comunidade terapêutica. Basaglia, ao assinalar
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que Maxwell Jones descobriu a Comunidade Terapêutica em 1952, diz que a base do trabalho
de transformação institucional é a forma de trabalhar que tem como princípio o de “uma
comunidad organizada de forma que pueda permitir el movimiento de dinámicas
interpersonales entre los grupos que la constituyen y que presenta las características de
cualquiera otra comunidad de hombres libres” (BASAGLIA, 1977 a, p. 29). Note-se que a
crítica de Basaglia ao movimento da Comunidade Terapêutica é ao seu apoliticismo e à sua
tentativa de dar como resolvida a questão da psiquiatria com essa prática. Para Basaglia a
Comunidade Terapêutica é instrumento e não fim. Como fundamento assinala:
Tiene que partir, por lo tanto, de las exigencias del enfermo y desde ellas
intentar adaptar a su alrededor el espacio vital que necesita para extender y
actuar aquello que es la cuestión primera de la comunidade terapéutica: la
potencia terapéutica que cada uno de los miembros de la comunidad emana
hacia el otro (BASAGLIA, 1977 a, p 29).
estabelece. Passa a haver história viva onde existia apenas a apatia e a rotina mortificadora.
Hoje, recomenda-se que essa discussão se dê em todos os locais de trabalho em Saúde Mental,
com as diversas categorias profissionais reagindo a seu modo quanto a questionar posturas
tradicionais.
Para esclarecer mais uma vez a posição crítica de Basaglia a respeito das
Comunidades Terapêuticas, lemos em “Los Crimenes de la Paz”, que ele considerava a
Comunidade Terapêutica de Maxwell Jones e o XIII Arrondissement (França) “aparadores
psiquiátricos en los cuales exponer el nuevo producto listo para el consumo” (BASAGLIA,
1977 b, p. 41), e que sua proposta não se resumia a mais uma modificação técnica. Ao lado de
tornar claro que Basaglia adotava a estrutura da Comunidade Terapêutica como estratégia,
vemos, de passagem, a crítica à Psiquiatria de Setor da França. Essa crítica ao Setor pode ser
um dos motivos para as propostas atuais de entrada da Saúde Mental na Atenção Básica não
estarem se desenvolvendo no ritmo que seus resultados sugeririam. Encontramos, mais
adiante, uma advertência de Basaglia que temos que levar sempre em consideração, sem que
nos paralise:
Basaglia resume muito bem a sua orientação política aliada à técnica nas seguintes
linhas:
O trabalho de Basaglia e a mobilização que provocou fez surgir uma lei que passou a
orientar o trabalho em Saúde Mental na Itália. Trata-se da Lei 180, de 13 de maio de 1978,
que ficou conhecida como “Lei Basaglia”. O texto da lei estabelece critérios para a internação
involuntária, que na Itália recebe o nome de “tratamento sanitário obrigatório”. Os
procedimentos devem ser comunicados à autoridade jurídica em 48 horas. A lei determina que
o tratamento em Saúde Mental será feito prioritariamente em ambiente extra-hospitalar.
A obra de Michel Foucault é uma influência determinante, no Brasil, para a crítica à
psiquiatria reducionista e suas práticas de exclusão. Por isso, tornou-se de grande importância
para a Reforma Psiquiátrica. Em 1975 Foucault esteve no Brasil para uma série de
conferências e “influencia até hoje os rumos da implementação das novas formas de cuidar
em psiquiatria” (SÁVIO, 2003, p. 4). De interesse maior para nós é o livro “História da
Loucura na Idade Clássica” (Cf. FOUCAULT, 1978). Nele, Foucault, depois de descrever “as
condições que possibilitaram a constituição do saber sobre a loucura, sua submissão à razão
[...]” (AMARANTE, 1995, p. 23), chega ao século XVIII, quando se instituiu o conceito de
doença mental, numa coroação do processo histórico de controle social dos desviantes. Em “A
Casa dos Loucos” (Cf. FOUCAULT, 1993), Foucault descreve o percurso da submissão da
loucura ao conhecimento, ao historiar como se deu a constituição dos saberes e sua
dominação sobre os objetos a serem conhecidos. Para Foucault, a
-Kingsley Hall: estabelecimento de um local privilegiado onde eles devam ser suspensos ou
rechaçados no caso de se reconstituírem.
-Cooper, no pavilhão 21: balizá-los um por um e destruí-los progressivamente, no interior de
uma instituição de tipo clássico.
-Basaglia, em Gorizia: ligá-los a outras relações de poder que, do exterior do asilo já puderam
determinar a segregação de um indivíduo como doente mental.
Esta classificação de Foucault é bastante instrutiva quando podemos pensá-la, hoje,
em termos do que está sendo feito na Rede de Atenção Psicossocial que tecemos. Desde o
questionamento dos Hospícios, passando pelos Ambulatórios, os CAPS e a Saúde Mental na
Atenção Básica, podemos perceber a influência, nas nossas práticas, que a subdivisão de
Foucault contempla. Balizamento de poderes, sua colocação em questão de modo permanente,
a discussão do poder da psiquiatria e a queda da sua hegemonia são temas do nosso cotidiano.
Mas, quando Foucault diz que a relação de poder é o dado primordial na prática psiquiátrica,
devemos estar atentos, para perceber que essa relação não se desfaz apenas com a entrada em
ação das diversas categorias profissionais da Saúde Mental.
A relação de poder (disciplina, controle, exclusão) está sempre sendo requisitada ao
aparelho de atendimento em Saúde Mental, e a crítica diária é a tarefa básica, para evitar a
repetição de velhas submissões ou a criação de novas. E qualquer profissional de saúde pode
exercer o papel repressor.
Foucault descreve com clareza o jogo de poder estabelecido na relação
ciência/loucura, para depois lançar um desafio que, segundo ele, as antipsiquiatrias tomaram
para si:
Sua loucura, nossa ciência permite que a chamemos doença e daí em diante,
nós médicos estamos qualificados para intervir e diagnosticar uma loucura
que lhe impede de ser um doente como os outros: você será então um doente
mental (FOUCAULT, 1993, p. 127).
e Guattari abriram caminho para as ações de caráter coletivo onde, antes, na mesma situações,
existiam práticas apaziguadoras e sem alcance social.
Muitos profissionais de Saúde Mental tiveram suas possibilidades de prática com as
pessoas com diagnóstico psiquiátrico de psicose expandidas pelos textos de Deleuze e
Guattari. Não mais aceitar a captura por modelos teóricos adaptadores, mas estimular a
singularização e a problematização cada vez mais ampla do emergente: família, serviços de
saúde, redes de vizinhança, movimentos sociais - invenção de possibilidades. A prática da
Clínica Ampliada tem nas concepções de Deleuze e Guattari uma de suas bases.
A clínica “La Borde”, nos arredores de Paris, ainda existente, fundada, dentre outros,
por Guattari, teve importante influência em profissionais de Saúde Mental que, ou receberam
seus relatos ou lá fizeram estágio. Trata-se de um lugar de experimentação de práticas
terapêuticas e institucionais que durante muito tempo foram supervisionadas por Guattari.
A crítica aos centralismos levou Guattari a renegar os movimentos que se pretendem
revolucionários, mas apenas repetem as estruturas que dizem combater. Investiu, então, nos
movimentos horizontalizantes, criativos, disparadores de ações contagiantes, sem controle
central. ”Instaurar ligações laterais”, segundo Deleuze. (Cf. CARRILHO, 1976, p. 21). Com
isso, inspirou, por exemplo, as rádios livres na França, um exemplo de ação molecular
transformadora. O molecular - campo da singularidade, dos movimentos do desejo e da
diferença – opõe-se ao molar, das instituições, das formações hierarquizadas. Mas a ação
molecular não exclui o trabalho no campo molar. Apenas que é exigido, sempre, o olhar que
procura a fratura, a fenda, a contradição exposta em acontecimento gerador de transformação.
(Cf. GUATTARI & ROLNICK, 1986, p. 127).
Guattari também colaborou com a Rede Alternativas à Psiquiatria, da qual dá sua
visão num artigo do livro “A Revolução Molecular” (Cf. GUATTARI, 1981). Nele, reafirma
o caráter político e não apenas técnico das mudanças realmente necessárias no campo da
Saúde Mental. Adverte que as inovações técnicas “despolitizadas” levam a novas formas de
controle. Por isso, a proposta da Rede foi de que os profissionais de Saúde Mental se
colocassem como estimuladores e assessores dos movimentos populares de busca de novos
caminhos na área. Guattari cita o exemplo da Itália, com Basaglia, Giovanni Jervis e outros,
como práticas mais conseqüentes, visto que enraizadas no movimento popular. Referindo-se
ao trabalho que Jervis desenvolvia em Reggio Emilia, Guattari diz que:
não são mais apenas os muros do asilo que se tenta destruir, mas igualmente
os muros do profissionalismo: a medicina mental aqui é feita diretamente
com os membros do gueto, com os trabalhadores das fábricas, nos vilarejos,
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após um longo período no qual os loucos podiam vagar a esmo, recebendo ajuda eventual da
caridade pública, desde que não violentos. Para esses, a força policial era o remédio. Depois
da abolição da escravatura, surgiu um contingente de desempregados aos quais o olhar do
controle administrativo associou os loucos e os delinqüentes.
Estava criada, no Brasil, situação semelhante que, na Europa, séculos antes, levou à
grande onda de internações. Portanto, a base da exclusão estava dada e se materializou com a
criação dos Hospícios, com a ciência emergente tomando para si a tarefa de segregar.
Em 1852, o Imperador D. Pedro II inaugurou, no Rio de Janeiro, o primeiro hospício
do Brasil, que tomou seu nome: Hospício de Pedro II. Nos cem anos que se seguiram à
fundação do primeiro hospício no Brasil, nota-se a proliferação de muitos outros,
predominantemente nas capitais dos estados. Também surgiram as Colônias, nada mais que
hospícios situados em áreas rurais, seguindo a tendência de que a natureza por si só faria bem
às pessoas internadas, além do trabalho agrícola. Ao mesmo tempo, serviam para escoar os
inúmeros pacientes “crônicos” excedentes dos hospícios. No Rio de Janeiro foram construídas
duas Colônias, uma para mulheres, no Engenho de Dentro e outra para homens, em
Jacarepaguá. Posteriormente a denominação “Hospício de Pedro II” ficou com a instituição do
Engenho de Dentro.
A psiquiatria dominante, na época, era a de origem francesa, toda ela marcada pelo
organicismo, com forte acento na interpretação dos problemas mentais como decorrentes de
degenerações. Útil para o recolhimento de indesejáveis, o “diagnóstico” de “degenerado
atípico” constava em 90% das descrições dos internados. (RESENDE, 1987, p. 44).
Com a sua história brevemente resumida acima, a Internação Psiquiátrica no Brasil
produziu seus efeitos: no fim da década de 50, os Hospícios estão com lotação muito acima da
sua capacidade, como por exemplo, o Juqueri, em São Paulo, com quase 15 mil pessoas, ou o
São Pedro, em Porto Alegre, com 3.200 internos, quando as vagas eram 1.700. (RESENDE,
1987, p 54). Propostas de “[...] organização assistencial abrangente, ambulatórios, hospitais
abertos e atenção aos egressos [...]” (RESENDE, 1987, p. 54), como a de Ulysses
Pernambucano, na década de 30, eram isoladas e não aceitas.
Foi no quadro descrito acima que, em 1944, foi trabalhar no então chamado Centro
Psiquiátrico Nacional do Rio de Janeiro, a psiquiatra Nise da Silveira. Encontrou como
35
Nise da Silveira não teve, no seu tempo de atuação, ação no sentido de mudanças
amplas na organização da Assistência à Saúde Mental. A época estava ainda longe disso. Mas,
com seu trabalho que indica a aproximação pessoal e artística com as pessoas com
diagnósticos de psicose, revolucionou, pelo exemplo, pelas publicações e pela organização do
Museu de Imagens do Inconsciente, a face da Saúde Mental no Brasil. Hoje, o antigo
“Hospício de Pedro II” tem o nome de “Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da
Silveira”.
O psiquiatra alagoano Luiz da Rocha Cerqueira, que teve sua formação médica e
psiquiátrica no Recife, na década de 30 (Cf. CERQUEIRA, 1984), é, pela sua obra e
tenacidade, um capítulo à parte na história da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Inconformado
com o que via lutando em períodos de grande dificuldade política, produziu textos que
abriram caminho para o atual pensamento a respeito da Saúde Mental, suas determinações
sociais e sua assistência. Ao mesmo tempo em que criticava o mercantilismo na área da
36
Saúde, com textos políticos, mostrava, com minuciosas pesquisas, por exemplo, os dados
relativos a gastos com internações psiquiátricas, com o sistema ambulatorial, com o auxílio
doença. Pensou a formação de profissionais de saúde mental, as prioridades do atendimento, a
Terapia Ocupacional, as Emergências Psiquiátricas, a psiquiatria no Hospital Geral, dentre
muitos outros temas. Voltaremos ao trabalho de Luiz Cerqueira quando falarmos dos
primórdios da Saúde Mental Coletiva no Brasil.
Além das figuras públicas aqui nomeadas como precursores do movimento que
resultou na Reforma Psiquiátrica Brasileira, temos que destacar a importância de todos os
profissionais de Saúde Mental que, durante os tempos mais difíceis, ofereceram sua dedicação
e esforços no sentido de resistir ao autoritarismo político e institucional, ao lado de propor
mudanças no trabalho diário. Foram inúmeras as demissões e perseguições de profissionais
que não compactuavam com o que estava estabelecido. O somatório desses pontos de não
aceitação e proposição formou a massa crítica para o que veio a ser o movimento pela
mudança nos rumos da Assistência à Saúde Mental no país e a forma de conceber o que é
Saúde Mental.
O que estava acontecendo, naquele momento, no setor saúde, no Brasil, condizia com
a tendência global de reforma dos sistemas nacionais de saúde. Vemos numa nota do trabalho
“Estudo sobre o processo de reforma em saúde no Brasil”:
Podemos observar que nesses seis itens está contida grande parte das orientações que
norteiam a Reforma Psiquiátrica até hoje. Existe uma ênfase na atuação da Saúde Mental nos
serviços básicos de saúde, apenas sendo necessário que se note, mais uma vez, ainda no
registro restrito da psiquiatria. Mas está colocada a diretriz: “incluir-se numa estratégia de
atenção primária de saúde”.
Curioso notar, a título de revisão histórica, que ao dizer que se deve “restringir a
internação aos casos estritamente necessários”, o relatório do CONASP ainda mantém um
lugar para a internação psiquiátrica, isto é, afirma o procedimento.
Politicamente, a FBH continuava articulando contra as mudanças, por demais
estatizantes para seu gosto. Também se colocavam críticos os setores organicistas da
psiquiatria, a ABP, setores universitários e os grupos com posturas psicologizantes.
A entrada de profissionais, ligados ou influenciados pelo MTSM, na administração
pública, principalmente nas funções de direção, continuou criando polêmica. De acordo com
Paulo Amarante, nessa altura dos fatos, o MTSM “[...] acaba por assumir um papel que se
pode definir como não mais que modernizante, ou tecnicista, ou ainda reformista, no sentido
43
de operar reformas sem objetivar mudanças estruturais” (AMARANTE, 1995, p. 65). Trata-se
do velho problema, já apontado: equilibrar direção com militância nas bases. Permanecer no
movimento ou entrar para as instituições oficiais? Gostaria de ver essa discussão com suas
vertentes de necessidade de sobrevivência (política e pessoal) e de vaidades claramente
colocadas.
É interessante o resumo que Paulo Amarante faz das divergências que se clarificaram
na época. Uma “linha”, a chamada “institucional”, pretende proceder às reformas propostas
pelo movimento através da participação na administração pública. Outra, a “sindical”, atua
nas organizações dos trabalhadores. Paulo Amarante opina que a opção institucional “acaba
por confundir-se com o próprio Estado” [...] “comprometendo, assim, as suas próprias
bandeiras e projetos de origem” (AMARANTE, 1995, p 68). Já a linha sindical “também perde
os objetivos de uma real transformação da natureza da instituição psiquiátrica” (AMARANTE,
1995, p. 68), por passar a ver a luta dentro delas apenas como parte da luta mais geral pela
democratização do país, perdendo a especificidade do campo. Estamos, aqui, na eterna e ainda
não resolvida questão da unidade das forças que lutam por mudanças. Devemos aprender com
a História que, estando de acordo com os rumos principais, jamais podemos repetir divisões,
com base em detalhes secundários, que só nos enfraquecem.
A volta das eleições para Governadores dos estados foi mais um fator propiciante para
que, no meio da década de 80, muitos postos de direção em instituições, antes conduzidas por
representantes do conservadorismo, estivessem ocupados por militantes ligados ao MTSM. Já
na condição de participantes do poder público, organizam, em setembro de 1985, o “I
Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste”, em Vitória, no Espírito
Santo, já então discutindo as estratégias para “o desenvolvimento e fortalecimento das ações
no campo da saúde mental” (AMARANTE, 1995, p. 71). É traçado um diagnóstico mais claro
a respeito das condições da assistência à saúde mental, mas com a reafirmação do que havia
antes sido colocado pelo movimento: as internações psiquiátricas em hospitais privados
consomem a maior parte do dinheiro público gasto na área; a carência de recursos humanos
capacitados é patente; a desarticulação dos atores institucionais leva à ineficiência e gastos
sem controle.
Como estratégia, o movimento coloca em primeiro plano a redução do número de
leitos psiquiátricos (meta que continua hoje), com a sua substituição por dispositivos extra-
hospitalares. Quanto a esses dispositivos, naquele momento o que estava posto era: hospital-
dia, hospital-noite, pré-internações, lares abrigados, núcleos autogestionários. Propunha-se,
também, a internação em Hospitais Gerais. (AMARANTE, 1995, p. 71).
44
Notemos que cada um desses recursos está, hoje, em atividade, com nomes mudados e
concepção mais articulada. O hospital-dia perdeu esse nome, por sua identidade com a
instituição a ser desmontada, e aí estão os Centros de Atenção Psicossocial. Os hospitais
psiquiátricos públicos adotam as enfermarias abertas, que abrigam as pessoas que lá viveram
longos períodos e não têm para onde ir. É o antigo hospital-noite. Os hospitais psiquiátricos
interessados em diminuir o tempo de permanência (número de dias de internação), organizam
as pré-internações. Os lares abrigados estão funcionando com o nome de Serviço Residencial
Terapêutico, com portaria e financiamento do Ministério da Saúde. E como “núcleos
autogestionários” podemos entender as diversas criações conjuntas de profissionais, usuários
e familiares, que são as cooperativas sociais, os clubes, as associações de usuários e
familiares, e muitas outras.
Chama a atenção o fato de estar fora das estratégias daquele momento o trabalho nas
comunidades, que entram não como local de possíveis ações de Saúde Mental, mas como um
dos atores na participação social na condução das políticas públicas de saúde. Assim, os
fatores considerados básicos, no “I Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região
Sudeste”, para o “fortalecimento efetivo do setor” são: “[...] os mecanismos de integração, de
participação comunitária, de unificação interinstitucional, de descentralização [...]”, “[...] de
controle, avaliação e informação” (AMARANTE, 1995, p. 72).
Em março de 1986, acontece a Oitava Conferência Nacional de Saúde, o passo
decisivo para as mudanças na área da Saúde no país. Além de reafirmar os princípios para um
sistema de saúde público, universal, equânime, descentralizado e com controle da sociedade, a
sua organização trouxe para a cena a discussão e decisão institucional sobre a necessidade de
participação, na formulação e avaliação das políticas de saúde, dos movimentos populares,
sindicatos, associações de moradores e de usuários, as igrejas, as associações profissionais,
enfim, a sociedade organizada. (AMARANTE, 1995, p 70).
Dando partida para a efetivação de uma das decisões da Oitava Conferência Nacional
de Saúde, a realização de conferências específicas, dentre as quais a de Saúde Mental, a
diretoria do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro toma a
iniciativa de organizar o I Encontro de Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro, que se
realiza em outubro de 1986, uma espécie de pré-conferência estadual.
A I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro ocorreu em
março de 1987, já com a participação de delegações do movimento social e de entidades de
profissionais. A convocação dessa conferência deu-se sem o aval do Ministério da Saúde, que
adiava a decisão de realizar a Conferência Nacional de Saúde Mental temendo o avanço da
45
renovação que julgava radical. Nota-se uma luta de posições, com o movimento pressionando
agora com eventos amplos, de repercussão nacional, inclusive Conferências Estaduais e
Municipais.
O tema central da I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio de
Janeiro foi “a política nacional de saúde mental na reforma sanitária” (AMARANTE, 1995, p.
73), repercutindo, assim, no setor, o que estava em pauta após a Oitava Conferência Nacional
de Saúde. Houve grande participação de usuários e familiares, com alguns sendo eleitos como
delegados à Conferência Nacional de Saúde Mental.
As conclusões da I Conferência Estadual de Saúde Mental do Estado do Rio de
Janeiro reconhecem que “[...] a doença mental é fruto do processo de marginalização e
exclusão social”. (AMARANTE, 1995, p. 73). Polêmica em todos os sentidos, essa afirmação
é positiva por um lado, pois aponta para as determinações sociais do sofrimento mental,
politizando a questão. Por outro lado, reafirma o duvidoso conceito de “doença mental” e
pode sugerir que, ao serem resolvidas a exclusão e a marginalização, a tal “doença mental”
desapareceria. Mas as conclusões que a Conferência tira do tema são pertinentes e atuais,
como a necessidade do “resgate da cidadania”.
A Conferência segue em suas conclusões, apontando para o direito do cidadão ao
acesso irrestrito a todos os recursos para tratamento disponíveis, o que hoje está como uma
das prioridades da orientação na área. Novamente o movimento insere os temas das equipes
multidisciplinares, das condições de trabalho para as equipes, a necessidade de participação
da comunidade e da sociedade organizada na elaboração e controle das políticas públicas. (Cf.
AMARANTE, 1995, p. 74).
Na área mais ampla, da Política Nacional de Saúde Mental, as conclusões são as
seguintes:
promoção da saúde mental” (AMARANTE, 1995, p. 75). Para além do fato de ser
contraditório pedir que o Estado reconheça espaços que se pretendem autônomos, ressalte-se
que algo já surge em uma reunião importante, de caráter nacional e de formulação de Políticas
de Saúde Mental, que aponta para a comunidade como sede de transformações.
Quanto aos fatos políticos do movimento, Paulo Amarante descreve como histórico
esse momento, devido a três fatores, além da aliança entre novos e antigos militantes:
partir para expandir para a sociedade a discussão da loucura, da exclusão, das condições de
vida. Com essa compreensão, o conceito de desinstitucionalização passa a primeiro plano.
Outro fator da maior importância no momento descrito é a entrada em cena das
associações de familiares e usuários, abrindo a perspectiva de ações conjuntas e multiplicando
o questionamento a respeito dos métodos criticados e das alternativas.
Com o movimento em franca expansão e com pessoas ligadas a ele ocupando postos
de direção em diversas instâncias governamentais, aumentam em número e em qualidade os
dispositivos alternativos à internação psiquiátrica.
A instalação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do país, em São
Paulo, em 1987, é um momento marcante na história da transformação da assistência à Saúde
Mental no Brasil. Esse CAPS leva o nome de “Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz
da Rocha Cerqueira”.
Constatada a falência do Hospital Psiquiátrico, enquanto instrumento de tratamento, as
atenções voltaram-se para o ambulatório de Saúde Mental, que logo mostraram sua pouca
eficácia quanto à abordagem dos quadros graves, na sua maioria psicoses. Rotineiro,
repetidor, não integrado à comunidade, burocrático, ainda centrado no modelo médico, pouco
interdisciplinar, não questionador da exclusão, o ambulatório não dava respostas à enorme
tarefa de substituir a internação psiquiátrica.
Em São Paulo, com a eleição direta para Governador de Estado, surgiu a oportunidade
de implantar um Programa de Saúde Mental de acordo com o que havia de avançado na
época, e com a proposta de substituir internações por outros procedimentos. Com a
regionalização da assistência, as pessoas que precisavam de atendimento em Saúde Mental
procuravam o que então se considerava o mais simples, os Centros de Saúde. Caso fosse
necessário, haveria o encaminhamento para os Ambulatórios especializados de Saúde Mental,
que já contavam com o ingresso de diversas categorias profissionais além da psiquiatria
(Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional). (Cf.GOLDBERG, 1996, p. 103). Mesmo
reconhecendo os avanços conseguidos, Jairo Goldberg vê, no que foi implantado, um sistema
que não rompe com a “figura cronificada de 'paciente'” (GOLDBERG, 1996, p. 105).
Começa a surgir, dada a não efetividade das consultas especializadas no atendimento à
psicose, e às resistências a lidar com a questão, o que depois veio a ser chamado de
ambulatório ampliado com oficinas terapêuticas. Isto é, uma modalidade de atendimento
intensivo, multidisciplinar, grupal, praticado no espaço físico do ambulatório ou Centro de
Saúde, lembrando o já conhecido hospital-dia.
A percepção da necessidade de um espaço próprio para a abordagem da psicose fez
49
Marcando mais ainda sua posição a respeito de uma outra forma de encarar o
fenômeno do sofrimento mental, Rotelli diz que:
se o objeto ao invés de ser 'a doença' torna-se 'a existência sofrimento dos
pacientes', e sua relação com o corpo social, então desinstitucionalização
será o processo crítico-prático para a reorientação de todos os elementos
constitutivos da instituição para este objeto bastante diferente do anterior
(ROTELLI, 2001, p. 30).
Mais adiante, Rotelli diz que a abordagem, que tem como ponto central a “doença”, vê
hospitais e ambulatórios como referência (Cf. ROTELLI, 2001). Ao mudar o paradigma para
a desinstitucionalização, a relação passa a ser como território, outro conceito que aparece no
texto do Relatório Final na II Conferência Nacional de Saúde Mental, como veremos mais
adiante.
Nota-se, no texto de Rotelli, uma preocupação constante em conseguir um novo
estatuto para a psiquiatria, desta vez com inserção no movimento social, e assumindo
integralmente sua função política. No bojo dessa intenção, Rotelli constrói uma articulação
estreita entre teoria e prática da maior importância para nós. (ROTELLI, 2001).
No Relatório Final da II Conferência, é marcante a importância que é dada aos
movimentos sociais, enquanto protagonistas dos avanços que se pretende na abordagem à
questão do sofrimento mental, tanto na sua determinação quanto na articulação da rede de
atenção.(Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE).
Em “Da Cidadania”, a Conferência se posiciona, mais uma vez, politicamente,
assinalando que:
56
Chama a atenção a falta, nessa lista, das ações de Saúde Mental na Atenção Básica,
que, na época, já contava com alguns trabalhos em andamento no país.
Num gráfico a respeito da “Saúde Mental no Território”, na página 22 do trabalho
citado de Pedro Gabriel e Paula Cerqueira, aparece, aí sim, a “Rede Básica de Saúde – PSF”,
entre os dispositivos citados acima. O gráfico tem o “Serviço-Dia” como centro. (Cf.
DELGADO & GOMES, 2000). Desta forma, as ações de Saúde Mental na Atenção Básica
são listadas como possibilidade, mas sem prioridade estratégica. Prioridade é decisão política,
com os objetivos podendo ser alcançados através de diversos caminhos. A eleição dos CAPS
como prioridade é válida mas, se outros caminhos não são apontados com firmeza, traz um
problema: a necessidade de convencimento dos gestores municipais de que devem investir em
uma casa, material para colocá-la em funcionamento, pessoal, antes que a remuneração
comece. Temos visto municípios esperando o CAPS, como se só com a sua colocação em
funcionamento, teria início um bom trabalho em Saúde Mental. Quanto ao trabalho com a
Atenção Básica, não há necessidade de construção, aluguel, instalação. Além da Equipe de
60
Saúde Mental, a base de que precisamos para o trabalho já está alocada: a equipe do Programa
de Saúde da Família e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde.
Como ações estratégicas de trabalho, a Assessoria implantou o Colegiado de
Coordenadores Municipais de Saúde Mental, que se reúne mensalmente para troca de
informações e discussão geral. Foi também tomada a decisão, pela Secretaria de Estado de
Saúde e pela Comissão Intergestores Bipartite, de reorientação dos recursos das AIHs para o
sistema ambulatorial. (CIB 54). Como linhas de ação, foram eleitas: Padronização de
informações, Implantação dos CAPS, Programa de Educação Continuada para atendimento
psicossocial, Política de Medicamentos, Implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos,
Programa de Saúde Mental para crianças a adolescentes, Política intersetorial para
atendimento do usuário de drogas, Programa de atenção à população em situação de rua. (Cf.
DELGADO & GOMES, 2000, p. 19).
O diagnóstico da situação encontrada, relatada no trabalho que está sendo citado,
constatou que “[...] a assistência psiquiátrica pública no Estado do Rio de Janeiro ainda tem
como característica a hegemonia do dispositivo hospitalar e das longas internações”
(DELGADO & GOMES, 2000, p. 20). Constatou-se a falta de acompanhamento dos egressos
de internações e falhas na rede ambulatorial e na atenção diária. Naquele momento existiam
25 CAPS no estado, sendo 15 na Região Metropolitana e 10 no Interior. O trabalho coloca o
CAPS, como “[...] dispositivo estratégico, capaz de funcionar como centro articulador, em
uma lógica de rede, das instâncias de cuidados básicos em saúde [...]” (DELGADO &
GOMES, 2000, p. 21), o que é visto graficamente com a presença desse dispositivo no centro
dos recursos da rede de atenção psicossocial. O problema dessa definição do CAPS como
pólo articulador, repetimos, está em que ele só pode exercer tal função caso exista. O CAPS é
realmente estratégico, mas também o é prescindir dele, enquanto não se torna realidade,
praticando, então, as ações de atenção diária onde e como for possível.
psiquiátricos no Brasil” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 15). Como fatores que impedem um
ritmo maior de queda dos leitos psiquiátricos, destacou-se a ação do “sindicato de
empresários”, organizados na Federação Brasileira de Hospitais e as “[...] forças corporativas
e profissionais reativas e reacionárias a um projeto de horizontalização das relações entre os
assistidos e os que assistem” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 15).
O Fórum estava sob o impacto da edição da Portaria 106, de 11/2/2000, que instituía o
Serviço Residencial Terapêutico. As críticas eram a respeito da não inclusão de pessoas que
têm família, mas são abandonados por elas, e pela demora da regulamentação da Portaria, que
só viria em 7/11/2000. (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 94). As respostas a
essas críticas mostravam que cabe aos Municípios partir para as ações práticas em Saúde
Mental, sem esperar pelo Ministério da Saúde.
Alfredo Schechtman, do Ministério da Saúde, após assinalar a fertilidade da primeira
metade da década de 90, quando a área de Saúde Mental do Ministério da Saúde era
coordenada por Domingos Sávio, lembra, dentre outras análises, que já existe em andamento
proposta de introdução da Saúde Mental no Programa de Saúde da Família e no Programa de
Agentes Comunitários de Saúde, por parte do Ministério.
David Capistrano Filho define a base da ação política em Saúde, citando a sua
experiência: “solidez dos apoios” [...] e “[...] amplitude das alianças [...]” (VÁRIOS
AUTORES, 2000, p. 23), sem que com isso deixe de ter claro que é necessário o conflito:
“Quando falo de falta de audácia de certos gestores progressistas é porque eles, na minha
opinião, evitam o conflito. Querem, a todo custo, ser algodão entre cristais. Não podem. Tem
que haver conflito” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 27).
Segundo David, há “dois grandes inimigos” da Reforma Psiquiátrica: “[...] o sindicato
dos donos de hospitais [...]” e “[...] um pensamento acadêmico, biologicista, reducionista [...]”
(VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 24). Mas, aponta “[...] problemas do nosso lado” [...] “uma
incompreensão ou uma idéia de não entender a reforma psiquiátrica como uma parte da
reforma sanitária” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 24). David também sugere que os
profissionais de Saúde Mental tenham menos timidez em abrir a discussão com a sociedade e
diz:
Tem que ser um serviço de atenção diária ancorado no território. Acho que
essa é uma questão teórica que temos que enfrentar. Através desse serviço de
atenção diária, são articuladas propostas interessantes – é fundamental que
entrem na agenda do movimento – relativas ao PSF – Programa de Saúde da
Família (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 39).
Pedro Gabriel conclui sua fala dizendo que “[...] a relativa paralisia da reforma deve-
se, também, a uma forma que me parece pouco eficaz do movimento social que sustenta a
reforma [...]” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 39) e que “[...] talvez nós tenhamos que modificar
a nossa estratégia de lidar com o Estado” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 40).
Muitos participantes se manifestaram para afirmar a necessidade de estados e,
principalmente, os municípios, assumirem as suas responsabilidades com as ações da Reforma
Psiquiátrica. (Cf. VÁRIOS AUTORES).
Outras intervenções apontaram para o trabalho na Atenção Básica, como a de
Fernando da Cunha Ramos, que disse da “[...] importância de se utilizar, entre outras coisas,
recursos previstos e disponíveis no SUS, como os Programas de Saúde da Família e de
Agentes Comunitários de Saúde” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 45) e a de Gisele Bahia, que
opina que
Isabel Cristina Lopes, da Associação SOS Saúde Mental, mandou um texto onde
informa que essa Associação promove a “[...] formação popular de agentes comunitários de
saúde mental” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p 68) e no qual afirma que “[...] a unidade básica
de saúde, como preconizada pela VIII Conferência Nacional de Saúde, carece ser recuperada
como espaço privilegiado para se fazer saúde mental” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 67).
Fernanda Nicácio toca num aspecto básico, que é o financiamento das ações em Saúde
Mental. Citando a máxima de Benedetto Saraceno, “o dinheiro segue o paciente”, pergunta:
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“[...] como podemos, efetivamente, enfrentar a questão de como uma parte dos recursos
destinados à AIH, hoje, passe para a mão dos usuários?” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 77).
Uma das críticas que se faz às Reformas na Saúde adverte que o principal, para elas, é
fazer economia dos custos do setor. De fato, o que foi feito do dinheiro que pagava
mensalmente, há anos, os trinta mil leitos que foram fechados? Se, antes, não estávamos
atentos para isso, agora não é mais possível perder essa fonte de financiamento.
O Deputado Marcos Rolim anuncia que, de 15 a 25 do mês seguinte ao Fórum,
portanto quinze dias depois deste, estará sendo realizada a Primeira Caravana de Direitos
Humanos, com ida aos Hospitais Psiquiátricos com mais denúncias, em oito estados. A
Caravana pretende “[...] que haja retomada do debate público a respeito das condições de
privação de liberdade no Brasil, na área psiquiátrica [...]” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p. 81).
O Deputado defende a idéia de “[...] abrir denúncias e acusações por tortura mental em alguns
manicômios e instituições psiquiátricas para se abrir uma nova disputa, que é processar
criminalmente os que submetem outros a sofrimento mental” (VÁRIOS AUTORES, 2000, p.
81).
A Primeira Caravana Nacional dos Direitos Humanos foi composta por Deputados
Federais, que, nos estados, nas visitas, se faziam acompanhar, de acordo com a ocasião, por
representantes de Conselhos e Sindicatos das categorias profissionais da área de saúde,
membros dos Conselhos Municipais de Saúde, Associações de usuários, Fóruns regionais de
Saúde Mental, Deputados Estaduais, Vereadores, representantes do Movimento da Luta
Antimanicomial, representantes da OAB, usuários do sistema, profissionais de Saúde Mental,
Promotores de Justiça, Coordenadores Municipais de Saúde Mental, ONGs. (Cf. PRIMEIRA
CARAVANA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS).
Iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a Caravana
teve como resultado apresentar uma amostra do que ainda acontece nos hospitais psiquiátricos
no país, criar o fato político e apresentar recomendações ao Ministério da Saúde. Foram
encontrados casos de clínicas que realizam psicocirurgia regularmente, uso generalizado de
eletrochoque, um número grande de pacientes cronificados, contenção mecânica fora das
recomendações técnicas, falta de Programa de Saúde Mental estadual e de rede de atenção
psicossocial, superlotação, abandono, relatos de violência, celas fortes, banho coletivo,
depositação de pacientes neurológicos.
A visita à Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, Estado do Rio de Janeiro, detectou
o seguinte quadro de tempo de internação: “até cinco meses - 203 pacientes, de 06 a 1 ano -
83 pacientes, de 01 a 05 anos - 474 pacientes, de 05 a 10 anos - 257 pacientes, mais de 10
65
item específico, com relatos de trabalhos em andamento. No capítulo III faremos referência a
esses textos.
Percorreremos, no Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental, os
“Princípios e Diretrizes” de cada subtema e citaremos os itens aprovados que têm relação com
as ações de Saúde Mental na Atenção Básica.
Sob o título de “Reorientação do Modelo Assistencial em Saúde Mental”, a
Conferência reafirma os princípios do SUS e recomenda que “[...] as políticas de saúde
mental devem ter como pressupostos básicos a inclusão social e a habilitação da sociedade
para conviver com a diferença” (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, 2002, p. 23). Para isso,
indica que “[...] os municípios desenvolvam [...] políticas de saúde mental mediante a
implementação de uma rede de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, territorializados
e integrados à rede de saúde [...]” (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, 2002, p. 24). Assinale-se
com ênfase, que na “Apresentação” do Relatório Final, está colocado que a Conferência
elaborou “[...] propostas e estratégias para efetivar e consolidar um modelo de atenção em
saúde mental totalmente substitutivo ao manicomial” (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, 2002,
p. 19). Esta é uma definição que não deixa margem a dúvidas: estamos no caminho, agora
fazendo parte do discurso oficial, da extinção dos hospitais psiquiátricos. Mas, como vimos
em Foucault, os poderes têm artes sutis com efeitos violentos. Entendemos, assim, que não
basta acabar com a organização hospital psiquiátrico, mas também com a internação e a
exclusão em todas as suas formas. Estamos no ambiente da cultura e do imaginário social,
campos importantes de enfrentamento da questão. A definição oficial mostra o avanço que foi
obtido e uma posição definida.
A III Conferência Nacional de Saúde Mental progride significativamente, em relação à
II, quanto ao conteúdo das propostas que focalizam a Atenção Básica.
Dos itens aprovados no título “Reorientação do Modelo Assistencial em Saúde
Mental” que tratam da Atenção Básica temos os que citaremos a seguir. Os números referem-
se à seqüência em que aparecem no Relatório Final.
Também foi enfatizada a necessidade de reorientar os recursos das AIHs para a rede
de atenção psicossocial. A Saúde Mental na Atenção Básica surge como um dos alvos do
redirecionamento financeiro.
O subtítulo “Financiamento das ações de saúde mental na Atenção Básica” tem o
seguinte preâmbulo:
Dentro deste princípio, foi aprovada, com algumas modificações, a proposta que
levamos, representando o Estado do Rio de Janeiro, que determina:
Como uma advertência para o que temos pela frente em termos de financiamento, além
de ser uma cobrança, temos a “Moção de repúdio ao Governo Federal e ao Ministério da
Saúde”, que diz:
Para uma avaliação da importância do que consta dessa Moção, em dinheiro e valores
de hoje, a retirada desses leitos economizam um total de 21 milhões de reais por mês, ou 252
milhões de reais por ano. Esse montante deixou de ser gasto pelo Ministério da Saúde por
obra dos profissionais de Saúde Mental, associados a usuários e familiares na luta diária da
Reforma Psiquiátrica e não foi reinvestido no sistema. Com os instrumentos de
redirecionamento hoje existentes tal distorção começa a ser corrigida, mas fica a dívida que a
Moção cobra.
A III Conferência Nacional de Saúde Mental tem grande importância por reafirmar os
princípios da Reforma Psiquiátrica, propondo avanços, e por ter proporcionado, em todo o
país, o debate sobre os rumos das transformações que queremos. No aspecto específico da
Saúde Mental na Atenção Básica, o tema surge com uma força que não existiu nas
Conferências anteriores e vimos o lançamento do “Relatório Sobre a Saúde no Mundo 2001.
Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança”, da Organização Mundial da Saúde, que
sugere que a Saúde Mental deve ser abordada preferencialmente na rede primária. Voltaremos
a essa publicação no Capítulo IV.
Depois da III Conferência, o Ministério da Saúde editou Portarias que redefinem
alguns procedimentos. A Portaria 251, de 31/01/2002, estabelece normas para a assistência
em hospitais psiquiátricos, estimulando a “[...] substituição progressiva dos macro-hospitais”
(BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 105). A Portaria 336, de 19/02/2002, atualiza
a Portaria 224, de 1992, definindo normas e diretrizes para os CAPS de adultos, infantil e para
o problema do álcool e outras drogas. A Portaria 336 também tem o mérito de criar “[...]
mecanismo de financiamento próprio, para além dos tetos financeiros municipais, para a rede
CAPS” (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 120).
75
conduzido de modo a garantir uma transição segura, onde a redução dos leitos hospitalares
possa ser planificada e acompanhada da construção concomitante de alternativas de atenção
no modelo comunitário”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004, c.). Numa afirmação da política
de Saúde Mental do Ministério da Saúde, nos últimos anos, diz a Portaria 52:
CAPÍTULO 4
Neste capítulo veremos algo a respeito das origens das orientações para o trabalho na
Atenção Básica, os Programas que surgiram no Brasil e algumas críticas às Reformas na área
de Saúde.
A Declaração de Alma-Ata, de 1978, resultado da “Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde”, teve por objetivo expressar a
A Declaração de Alma-Ata tornou-se uma referência central para todos os que pensam
a saúde coletiva, e seus princípios estão presentes nos projetos de saúde que trabalham com o
coletivo.
Num de seus primeiros itens, a Declaração diz: “É direito e dever dos povos participar
individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde”
(DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA). Trata-se de uma definição simples e de profunda
significação. Hoje existe uma tentativa de incorpora-la no modo de agir dos que planejam e
executam as ações de saúde, mas ainda foi alcançada a sua plena potência.
A Declaração dá total ênfase ao que chama de “cuidados primários em saúde” e muitos
dos seus principais itens são voltados para esse conceito, assinalando que esses cuidados
seriam a chave, para que a meta de saúde para todos no ano 2000 fosse atingida.
A Declaração define:
Como poderemos ver, o que consta dessa citação estará presente nas práticas do
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), do Programa de Saúde da Família e
nas ações da Saúde Mental na Atenção Básica.
A Declaração trata de esmiuçar a definição e o alcance dos cuidados primários de
saúde. Num dos pontos, diz que os cuidados primários de saúde: “Têm em vista os principais
problemas de saúde da comunidade, proporcionando serviços de proteção, cura e reabilitação,
conforme as necessidades” (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA).
Coerente com a visão ampla a respeito do que é saúde, a Declaração recomenda a
educação para a saúde, o controle do meio ambiente e da água, o saneamento básico. Aponta
para a política intersetorial, principalmente no aspecto de produção de alimentos, habitação,
educação e comunicação.
Uma definição preciosa para os propósitos da Saúde Mental nas comunidades diz que
os cuidados primários de saúde:
Possui grande implicação para as práticas atuais um dos itens que define os cuidados
básicos em saúde:
Hesio chama a atenção para o fato de que o modelo proposto se propõe a algo muito
maior do que “[...] um apelo às tecnologias simplificadas, inspiradas em Alma-Ata, visando
apenas à redução de custos e, muito menos, representando uma proposta de ‘medicina pobre
para pobres’” (CORDEIRO, 1996, p. 12).
Hesio recorre à crítica à divisão do trabalho, no caso, na área da saúde, para dizer que
o complexo médico-empresarial, dominante, com base nas relações sociais que predominam
na sociedade, impõe a fragmentação em especialidades valorizadas e a “[...] parcialização e
fragmentação do cuidado médico entre diversos profissionais que exercem trabalhos múltiplos
sobre múltiplos ‘objetos’ de trabalho – o corpo do usuário subdividido pelo olhar das várias
especialidades médicas” (CORDEIRO, 1996, p. 12). Podemos compreender, com base nas
linhas acima, que a divisão mente/corpo, histórica, está nas origens do aparecimento de
profissionais exclusivamente preparados para tratar dos corpos e de outros que se dedicam
apenas às mentes, numa seqüência de empobrecimento da compreensão global do ser humano
que ainda dará muito trabalho para reverter.
Dentro do contexto das declarações internacionais e da necessidade de avanços na área
de saúde no Brasil, coloca-se, portanto, o problema da mudança do Modelo Assistencial.
Segundo TEIXEIRA (1998, p. 8):
[...] o sistema de saúde brasileiro é, hoje, [...] palco de disputa entre modelos
assistenciais diversos, com a tendência de reprodução conflitiva dos modelos
hegemônicos, ou seja, o modelo médico-assistencial privatista (ênfase na
assistência médico-hospitalar e nos serviços de apoio diagnóstico e
terapêutico) e o modelo assistencial sanitarista (campanhas, programas
especiais e ações de vigilância epidemiológica e sanitária), ao lado dos
esforços de construção de ‘modelos’ alternativos (TEIXEIRA, 1998, p. 8).
De acordo com o trabalho citado, a “Vigilância da Saúde” pode ser “[...] entendida
como eixo de um processo de reorientação do(s) modelo(s) assistencial(ais) do SUS”
(TEIXEIRA, 1998, p. 9). O trabalho define a Vigilância da Saúde como um Modelo
Assistencial que tem como “Sujeito a Equipe de Saúde e a População (cidadãos)”
(TEIXEIRA, 1998, p. 18), como “Objeto os danos, riscos, necessidades e determinantes dos
modos de vida e saúde (condições de vida e trabalho)” (TEIXEIRA, 1998, p. 18), como “[...]
meios de trabalho as tecnologias de comunicação social, de planejamento e programação local
81
Com a evolução da crise na área da Saúde, de demanda e de oferta (Cf VIANA &
POZ 1998, p. 5), deu-se início ao que os autores chamam de “reforma da reforma da saúde
no Brasil, ou, do processo de reforma incremental do sistema público de saúde” (VIANA &
POZ 1998, p 5).
Exemplificando o modo como a reforma incremental se deu e quais as suas estratégias,
Viana & Poz destacam a importância do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e o
Programa de Saúde da Família. Desta forma, destacam:
82
Essa definição já abre a possibilidade da entrada da Saúde Mental nas Equipes do PSF,
ou sob a forma de profissionais incorporados às Equipes de PSF, ou como “equipes de
apoio”.
Na definição das atribuições de cada membro da Equipe do PSF, destacamos as do
Agente Comunitário de Saúde, pela importância que tem, não só para o trabalho em geral,
mas em especial para as pretensões da Saúde Mental:
O assessor citado, segundo Maria de Fátima, apresentou estudo que mostrava os bons
resultados do trabalho de 4 mil Agentes Comunitários de Saúde no Ceará. Antes disso,
segundo a mesma autora, já havia movimentação, em Brasília, para transformar as ações dos
ACS num Programa nacional. (Cf SOUSA, 2001). Segundo a autora citada:
No texto citado acima existem algumas características que serão preciosas para o
trabalho com a Saúde Mental: o compromisso social, o estímulo ao autocuidado, a educação
mútua, a interlocução entre comunidade e serviços de saúde.
Os ACS podem ter influência na mudança da mentalidade tanto da população, quanto
dos profissionais de saúde, no estímulo aos cuidados com a saúde e no incremento da
participação ativa do cidadão na discussão a respeito dos condicionantes da saúde e das
doenças. Maria de Fátima assinala:
Tentando esboçar uma análise em termos de que tipo de proposta política está contida
nas mudanças praticadas na área de Saúde, e o PACS é um exemplo, a autora que vem sendo
citada diz que o decorrer dos acontecimentos nas últimas décadas fez com que
No aspecto da capacitação dos ACS, Maria de Fátima assinala que “[...] o custo de um
agente bem treinado é insignificante, quando comparado à formação de qualquer outro
profissional” (SOUSA, 2001, p. 56). Voltaremos, adiante, muitas vezes, ao tema da
capacitação dos ACS, dentro e além do detalhe da economia de recursos.
No “Guia Prático do Programa de Saúde da Família”, do Ministério da Saúde, 2001,
existem as atribuições de cada componente da Equipe de Saúde da Família (ESF). Dentre as
atribuições do Agente Comunitário de Saúde destacam-se algumas que são da maior
importância para o trabalho em Saúde Mental (ressalvando-se que todas elas formam um
conjunto que, na sua harmonia, colabora para a assistência e promoção da saúde):
O autor da tese, no entanto, prefere fugir dos maniqueísmos e avaliar o que de positivo
o Programa de Saúde da Família traz para a mudança da abordagem aos problemas de saúde
no Brasil e para a promoção de melhores condições de vida. Deste modo, sugere que
Citando Vuori, Goulart diz que a “Atenção Primária à Saúde” vem praticar a:
[...] podem ser encontradas várias das categorias-chave que contribuem para
a definição ora procurada, como por exemplo: (a) ser a porta de entrada de
um sistema regionalizado e hierarquizado de saúde; (b) ter um território
definido com uma população delimitada sob sua responsabilidade; (c) ter
como centro de atenção a família, inserida em seu meio social; (d) intervir
sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; (e) prestar
assistência integral, permanente e de qualidade; (f) realizar atividades de
educação e de promoção da saúde; (g) estabelecer vínculos de compromisso
e de co-responsabilidade entre o serviço de saúde e a população; (h)
estimular a organização das comunidades para exercer o efetivo controle
social das ações e serviços de saúde; (i) utilizar os sistemas de informação
para o monitoramento das ações e para a tomada de decisões (GOULART,
2002, p. 51).
Para uma compreensão histórica dos sistemas de saúde, o autor citado adverte, citando
Rosen, que
90
Valiosa para os nossos tempos, a citação nos permite refletir a respeito de que modo a
atual sociedade procura resolver os problemas de Saúde Mental. Até há pouco predominou a
exclusão. Estamos exercitando meios efetivos que tentam mudar a forma da sociedade
resolver os problemas da Saúde Mental?
A história novamente nos traz ensinamentos e nos abre os olhos para as origens e as
intenções iniciais do que estamos praticando hoje. Já no século XVII, na Inglaterra, foram
criadas as workhouses, instituições descentralizadas que tentavam recuperar pelo trabalho.
(Cf. GOULART, 2002, p. 60). Posteriormente, no século XVIII, os cuidados a domicílio
também apareceram na Inglaterra, com atendimento a crianças e em obstetrícia. (Cf.
GOULART, 2002, p. 61).
O autor situa a década de 60 como o tempo em que os acontecimentos e as idéias
colaboraram para o aparecimento do Programa de Saúde da Família no Brasil. Diz ele que,
através de uma luta contra-hegemônica e
[...] substrato teórico, político e ideológico [...] da [...] política externa norte-
americana dos anos 60, voltada para os países pobres da América Latina,
também conhecida como Aliança para o Progresso, que difundiu nos países-
alvo sua proposta de saúde, com o apoio das agências internacionais
(GOULART, 2002, p. 93).
O autor comenta que as críticas à importação de modelos de saúde, de que estes teriam
a intenção de mero controle das camadas pobres da população, eram fortes na década de 70,
mas diminuíram de intensidade na década de 90, com o detalhe:
[...] quem agora estava com a palavra e a vez não eram apenas as academias,
nem os organismos internacionais, nem mesmo os órgãos centrais dos
governos federal e estaduais. Havia simplesmente novos atores no jogo, os
quais passaram também a formular e colocar em prática novas propostas no
cenário – os municípios – como de resto o fizeram em relação a todo um
conjunto de políticas públicas a partir dos anos 90 (GOULART, 2002, p.
97).
Com a evolução dos fatos, de acordo com Goulart, na década de 80 começam a surgir
as experiências do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, no Nordeste. Ainda na
década de 70, “[...] destacam-se as experiências pioneiras realizadas em Porto Alegre (Vila de
São José do Murialdo) [...] e no Estado de São Paulo” (GOULART, 2002, p. 97). O autor
também cita Niterói, Campinas e Londrina como exemplo de municípios que tiveram
experiências pioneiras de reorientação do modelo assistencial “[...] com extensão de
cobertura, participação social, integração docente assistencial, etc.” (GOULART, 2002, p.
100).
92
CAPÍTULO 5
Para chegar ao que hoje está sendo praticado como Saúde Mental na Atenção Básica,
percorreremos, inicialmente, alguns precursores. Depois, chegaremos aos textos e trabalhos
atuais e ao que está sendo colocado nos textos oficiais.
Forçoso é partir de algum momento e autor. Comecemos, então, com a chamada
“Psiquiatria de Setor”, francesa, que provocou tanta discussão e ainda permanece em debate.
Um exemplo típico dessa corrente é Jacques Hochmann, com seu livro “Hacia uma
psiquiatria comunitária”, escrito entre 1965 e 1968. Antes mesmo de qualquer tentativa de
crítica a esse livro (ou ao “setor”), é necessário observar a lista de autores em que Hochmann
se baseia: Bachelard, Balint, Bastide, Bion, Cooper, Foucault, Freud, Goffman, Jones,
Marcuse, Marx e Engels, Sartre, Saussure, Spinoza, Szasz, entre outros.
Hochmann retoma a discussão a respeito do “tratamento” do hospital psiquiátrico, a
psicoterapia institucional, para introduzir a questão do seu livro, que é o tratamento dos
conjuntos humanos: instituição, família, bairro. (Cf. HOCHMANN, 1972). Criticando a
filosofia dualista, que influencia a psiquiatria na sua divisão estanque entre social e individual,
Hochmann ataca violentamente a nosografia, que chama de “[...] coraza ideológica, uma
categorización de los enfermos, que poco a poco se organizó como un catálogo de
enfermidades mentales […]” (HOCHMANN, 1972, p. 15) e vai propor o conceito de
“sociopatia”, enquanto “[...] una enfermedad del lazo que une los hombres entre si”
(HOCHMANN, 1972, p 24). A todo o momento Hochmann aponta para a necessidade de
desenvolver novos conceitos, para “[...] que rompan de manera radical con los antiguos
marcos de referencia” (HOCHMANN, 1972, p. 17).
Como exemplo de mudança, Hochmann define “o setor” e explica, numa nota
instrutiva:
Podemos observar, no texto citado, os sinais de avanço e o que, hoje, podemos notar
como repetição sob nova roupagem: Hochmann já fala em serviços extra-hospitalares, mas
ainda sob a forma de instituições; depois de criticar a nosografia, refere-se às pessoas a serem
abordadas como “enfermos”; naquela época, como podemos notar, os avanços ainda eram
“uma nova corrente da psiquiatria”. Mas traz o que praticamos, agora, no PACS/PSF: um
setor geográfico restrito para o trabalho de cada equipe.
Defendendo a sua proposta diante das resistências, e compreendendo-as, Hochmann,
no seguinte trecho, é bastante avançado para a época:
Por primera vez desde la edad clásica, el lugar ideal para realizar el
tratamiento ya no es más la institución especializada, que vigila al loco y
previene el contagio, sino el medio de vida del enfermo, su familia, su casa,
su barrio, su lugar de trabajo. Se asocian al psiquiatra, considerado durante
mucho tiempo el agente terapéutico específico, los demás trabajadores de la
salud mental (enfermeros psiquiátricos, asistentes sociales, psicólogos o
educadores especializados), y también los trabajadores sociales de la
comunidad, los médicos clínicos y, por último, todos que se vinculan con el
enfermo, en particular su familia y amigos. Sobre todo, al dejar de estar
aislado en el asilo, el proceso patológico ya no impregna solo al enfermo,
único beneficiado de la intervención terapéutica, sino que engloba a su
medio y a la comunidad toda, considerada ‘enferma’ de sus locos y objeto
nuevo de un tratamiento original, la terapia comunitaria (HOCHMANN,
1972, p. 18).
Os méritos do texto acima são: situar aqueles que tratam no mesmo sistema ao qual
pertencem as pessoas a serem tratadas e apontar que a estrutura social precisa estar em
questão, visto também ser parte do “mal”.
Hochmann discute o papel do profissional de Saúde Mental com bastante avanço para
a época em que escreveu. Ao negar os enfoques que colocam os profissionais com o saber,
seja interpretação, conselho ou remédio (Cf. HOCHMANN, 1972), a respeito do que acontece
com as pessoas que estão sendo tratadas, o autor diz que: “El centro del interés del profesional
lo constituye uma red de interacciones evolutivas en la que él se compromete personalmente”
(HOCHMANN, 1972, p. 25).
Hochmann entra na discussão do possível desaparecimento dos desviantes em
sociedades futuras negando essa possibilidade. Mas aponta muito claramente que a mudança
radical dar-se-á na forma como a sociedade poderá se organizar e, conseqüentemente, lidar
com seus “diferentes”:
Podemos ver, no texto acima, uma seta apontada para um futuro em que a exclusão
terá sido elaborada pela Humanidade, as manifestações hoje abordadas com métodos
reducionistas compreendidas no conjunto social e a função terapêutica espalhada pelos
membros das comunidades?
Para chegar a uma sociedade que integre suas diferenças de modo radical, a função
atual do terapeuta, trabalhando com a consciência de que opera num sistema do qual faz parte
é: “[...] contribuir a que en el interior de este sistema, al que pertence, se libere el discurso
reprimido” (HOCHMANN, 1972, p. 25).
Hochmann utiliza, para os capítulos do seu livro que tratam da prática da psiquiatria
comunitária, a experiência, que então durava quatro anos, nas cidades de Bron, Villeurbanne e
Vaulx-en-Velin, na França. Trabalharam com ele médicos, assistentes sociais, psicólogos,
enfermeiras e uma socióloga. (Cf. HOCHMANN, 1972)
Hochmann, ao descrever o que então conceituava como “atenção extrahospitalar”,
descreve as ações do “[...] dispensário de higiene mental” (Hochmann, 1972, p. 193),
95
semelhante aos nossos Ambulatórios, mas com algumas diferenças no sentido da ação na
comunidade. Já, então, afirmando que psicóticos e alcoólatras necessitam de atendimento de
Equipes e não se beneficiam de abordagens com apenas um profissional, Hochmann relata
que os dispensários de higiene mental se encarregavam dos egressos das internações e que os
médicos e a Equipe que atendiam os pacientes nos hospitais psiquiátricos, freqüentemente
eram os mesmos que o faziam nos dispensários. Isso, segundo o autor, facilitava uma
mudança na relação dos pacientes com seus problemas, ao poderem conviver com os
membros dos hospitais num outro tipo de relação, não carcerária. (Cf. HOCHMANN, 1972).
É interessante o registro histórico que faz Hochmann, ao citar o psiquiatra Sassolas,
como o primeiro, no contexto francês, que utilizou a “[...] consulta grupal” (HOCHMANN,
1972, p. 195). Este psiquiatra se colocava à disposição de um grupo de pacientes por um
período de três horas semanais, com freqüência livre e possibilidade de consulta individual.
Aos poucos, esse grupo recebeu pacientes que nunca estiveram internados e outros
profissionais, transformando-se “[...] em una especie de foro, en un club, pero com clara
orientación terapêutica” (HOCHMANN, 1972, p. 196), inclusive com pacientes assumindo
papéis de cuidadores. Note-se a semelhança do que está descrito com o que praticamos, agora,
nos Ambulatórios Ampliados.
Criticando as práticas profissionais isoladas, ainda freqüentes entre nós, atualmente,
Hochmann reforça a necessidade de intervenção de uma Equipe e diz:
Por desgracia, pareciera que, en cuanto sale del asilo, el psiquiatra tiende a
reconstituir, con a complicidad del cuerpo social, una fortaleza, una baronía.
Le es necesaria una vigilancia particular para evitar un nuevo encierro en
algún Centro de Salud. La visita a domicilio es un elemento indispensable
para la higiene mental de los propios asistentes. Es el virus antijerárquico y
antiinstitucional más poderoso que conocemos (HOCHMANN, 1972, p.
200).
atuais de Saúde Mental na Atenção Básica e que requer muita atenção: “En la llamada
psiquiatría de ‘setor’, no debe crearse ninguna institución especializada antes que hayan sido
investigadas y utilizadas todas las posibilidades terapéuticas de la comunidad”
(HOCHMANN, 1972, p. 204). Mais adiante vamos ver esse conceito surgir, entre nós, com o
termo “recursos ocultos da comunidade”.
Hochmann afirma o caráter desinstitucionalizador do seu trabalho, a valorização dos
espaços e recursos comunitários e tenta frear os impulsos de abordagens especializadas dos
profissionais da Saúde Mental.
Seguindo a regra citada acima, Hochmann diz que se
Impide una fácil reconstitución del asilo fuera de sus limites, es decir, de un
nuevo espacio especializado, percibido de inmediato como hostil y
rápidamente excluido, en el que personas especiales (los psiquiatras) curen
a otras personas especiales (los locos) (HOCHMANN, 1972, p. 204).
Dentro de sua conceituação, que utiliza o termo “sociopatia”, conforme vimos acima,
e ainda coloca o trabalho que faz como uma modificação da psiquiatria, Hochmann chama de
“[...] acción sociopsiquiátrica” (HOCHMANN, 1972, p. 204) a prática que desenvolveu.
Como exemplo dela, Hochmann cita as ações junto às instituições que existem na
comunidade, como, por exemplo, a Escola, os Centros Médicos e Sociais, os abrigos para
jovens, os grupos de ex-alcoólatras, as associações de pacientes mentais (Cf. HOCHMANN,
1972). A “Equipe Psiquiátrica” estabelece colaboração com as Equipes das instituições, num
trabalho conjunto, que Hochmann exemplifica com a Escola, onde professores, psiquiatra do
setor, assistente social e psicólogo educacional funcionam juntos, para resolver os problemas
de modo coletivo (Cf. HOCHMANN, 1972).
Hochmann enfatiza a necessidade de que a Equipe se integre verdadeiramente à
comunidade, mantendo contato e trabalhando junto com as estruturas políticas e
administrativas. De alguma forma o trabalho político-administrativo deve ser organizado, com
assembléias, campanhas de esclarecimento, contatos com as instâncias policiais e políticas e o
grande público. (Cf. HOCHMANN, 1972). Hochmann diz que
[...] solo se unen en razón del caso tratado (y no por una organización
jerárquica o la pertenencia a determinado servicio), que se realizan entre
servicios y son interdisciplinarios, se organizan y desaparecen según la
demanda y, de esta manera, están mejor protegidos contra los peligros de la
esclerosis institucional (HOCHMANN, 1972, p. 210).
Hochmann aponta que essas reunioes de equipe devem servir para o desenvolvimento
do que chamou de “[...] sustitutos terapéuticos” (HOCHMANN, 1972, p. 210), que são
membros da comunidade que já eram importantes na vida das pessoas e famílias atendidas e
que podem se transformar em importantes formadores de opinião e ajudantes terapêuticos.
Hochmann se dispõe a discutir as críticas que já então surgiam a respeito da psiquiatria
de setor, que seria uma forma especializada, mais “leve”, de controlar os indesejáveis. De um
modo um tanto conformista, Hochmann diz que “La psiquiatría que hagamos (sea hospitalaria
99
o extrahospitalaria), será a imagen y semejanza de la sociedad y del lugar que esta reserve a la
locura” (HOCHMANN, 1972, p. 222). Desta forma, foge da crítica ao postular que o que faz,
de qualquer modo, é produto da sociedade. Bem como a crítica, poderia completar. Assim,
isenta-se de afirmar que propõe mudanças na sociedade e de valorizar o caráter transformador
que sua própria prática contém, postura esta que não coincide com sua crítica social e com a
até violenta crítica à psiquiatria organicista e à nosografia. Concluindo sua resposta a
possíveis questionamentos, Hochmann diz que
Vemos, no trecho citado, diversos detalhes que ao longo do presente capítulo serão
retomados, pois fazem parte da atual discussão a respeito da Saúde Mental na Atenção Básica.
Hochmann se refere ao setor como um instrumento e não como um fim. Perguntamos: para
que fim?
Hochmann responde, de modo novamente contraditório com o seu próprio discurso
crítico, que o fim é assistir enfermos mentais. Ao negar-se a dar conseqüência social e política
à sua prática, repleta delas, Hochmann recai na razão nosográfica, que tanto abomina. Mais
uma vez, também, Hochmann mostra que vê o seu trabalho como uma evolução da psiquiatria
e não, como agora podemos colocar, como resultante das mudanças sociais, políticas e
econômicas, que levaram a psiquiatria a ser apenas mais uma dentre várias formas de
compreender e agir em relação aos denominados “problemas mentais”. E a quais resultados
Hochmann se refere? Assistir enfermos mentais de modo avançado, é um resultado
necessário, mas acanhado em face dos muitos outros possíveis resultados que o próprio
Hochmann aponta: mudar a forma da sociedade encarar a loucura, questionar a exclusão,
fazer a sociedade criticar e mudar as suas formas doentias de relacionamento e produção,
tornar a comunidade mais autônoma em relação aos poderes estabelecidos.
100
Nas conclusões do seu livro, Hochmann volta a dar conseqüência social e política às
suas proposições e ações. O título do capítulo já é significativo: “Hacia uma política de salud
mental” (HOCHMANN, 1972, p. 226). Nele, Hochmann diz
De acordo com o autor que vem sendo citado, a sociedade americana passava por uma
crise, na época das propostas descritas acima, com incidência na forma de lidar com os “[...]
conflitos e tensões sociais resultantes de determinantes mais profundos e estruturais na sua
formação social” (ROCHA, 1979, p. 11). Característico da forma de os Estados Unidos
lidarem com seus problemas, predominava, com abordagem dos mesmos, a “[...] concepção
funcionalista que entende os problemas sociais, como resultantes de um ‘desvio’ ou
‘desajuste’ de uma pressuposta e dada sociedade equilibrada, estável, funcionando
harmonicamente [...]” (ROCHA, 1979, p. 11). Surgem as propostas de atacar os focos de
problemas, como, por exemplo, a pobreza, dentro dessa visão funcionalista.
A pobreza, então, não teria sua resolução com base nas origens da desigualdade, mas
“[...] dando ‘oportunidade’ de participação social: acesso a escolas, acesso a habitações,
acesso à assistência médica, acesso a centros comunitários para melhoria da saúde mental
[...]” (ROCHA, 1979, p. 11). A América Latina absorve, como conseqüência da dependência,
segundo Paulo Rocha, “[...] essas práticas de saúde, [...] a partir de 1960, com grande ajuda
dos organismos internacionais – OMS/OPAS” (ROCHA, 1979, p. 12), com os problemas
decorrentes da importação de modelos de Saúde.
Talvez tentando encontrar trabalhos que fugissem da lógica de repetição de modelos, o
autor da dissertação cita Lubchansky, argentino, que desenvolveu um trabalho comunitário a
respeito do qual saiu uma publicação em 1972. Lubchansky, segundo Paulo Rocha, dizia que
Ao chegar, na sua pesquisa e análise, ao Brasil, Paulo Rocha começa por situar a “[...]
Campanha Nacional de Saúde Mental esboçada a partir de 1964” (ROCHA, 1979, p. 67)
como representante direta das “[...] proposições norte-americanas sobre assistência aos
doentes mentais (Kennedy, no Congresso em 1963), bem como da nossa situação político-
econômica vigente pela implementação do novo governo militar” (ROCHA, 1979, p. 67).
Mesmo com um discurso onde aparece a intenção de desenvolver a “psiquiatria preventiva”, a
Campanha Nacional de Saúde Mental “[...] constituiu-se basicamente num plano hospitalar-
psiquiátrico, privilegiando as instituições hospitalares no sentido de internações, reforçando a
106
Paulo Rocha, a exemplo de Luiz Cerqueira, cita a tese de Ellis Busnello, “Integração
da Saúde Mental num Sistema de Saúde Comunitária” como de grande importância para a
compreensão dos inícios da Saúde Mental Comunitária, fazendo da tese, talvez, o ponto
central de seu estudo. (Cf. ROCHA, 1979).
A dissertação de Paulo Rocha, sempre com a atenção voltada para os conceitos que
embasam os trabalhos no que eles têm de ruptura com as formas alienantes de tratamento ou
sua repetição, é bastante crítica em relação ao trabalho de Busnello, desde o início das suas
observações. Por exemplo, detecta que Busnello ainda estava utilizando o antiquado binômio
saúde/doença e, além disso, “[...] colocado dentro de um prisma dos mais criticados
ultimamente: a adaptação” (ROCHA, 1979, p. 73).
Paulo Rocha percebe que Busnello, ao iniciar as ações de psiquiatria na comunidade,
o fez, seguindo “[...] os princípios gerais de implantação dos centros comunitários de saúde
mental conforme desenvolvidos nos EUA, na década de 60, estudando possibilidades de
adaptação dos mesmos ao nosso contexto sócio-cultural” (ROCHA, 1979, p. 76). Busnello
recai em repetições de modelo e em reforço do conceito de doença mental mesmo com as
boas intenções que demonstra ao criticar o modelo assistencial dominante na época, que
privilegiava as internações. (Cf. ROCHA, 1979).
Observando as bases conceituais de Busnello e sua prática e, mais uma vez mostrando
o que parece ser um dos focos principais de atenção da dissertação, o grau de participação da
comunidade nos Programas de Saúde Mental que se propõem comunitários, Paulo Rocha diz
que “Chama nitidamente a atenção nesses fundamentos a ausência da comunidade como
agente principal nesse trabalho, no sentido de participação ativa e decisória em todos os
níveis” (ROCHA, 1979, p. 77).
107
1930 e 1950 “[...] emerge o conceito de controle [...]” (ROCHA, 1979, p. 97) e entre as
décadas de 50 e 70 “[...] surge marcadamente o novo conceito: vigilância” (ROCHA, 1979, p.
98). Esta forma de situar o problema das ações de Saúde serve de base para que o autor da
dissertação entre no estudo das implicações político-ideológicas das práticas de psiquiatria
comunitária.
O primeiro autor que Paulo Rocha estuda é Caplan, de quem retira como bases para o
trabalho em prevenção primária, a psicologia do Eu e estudos de adaptação realizados no
exército americano, ambas conduzindo ao controle dos desvios. (Cf. ROCHA, 1979). A
prevenção para Caplan, segundo Paulo Rocha, é evitar o aparecimento de casos novos. Para
esse fim, inclusive, deveriam ser utilizadas técnicas de eugenia.
Caplan, de acordo com Paulo Rocha, coloca a situação sócio-econômica das pessoas
ao lado de características como sexo, idade e raça, portanto sem possibilidade de mudança.
Para concluir o que percebe em Caplan, Paulo Rocha diz:
Paulo Rocha, ao estudar o que Blaya publicou, na década de 70, destaca que esse autor
fez uma comparação entre a psiquiatria que queria ver comunitária com a psiquiatria que foi
praticada na Segunda Guerra Mundial, já com os ensinamentos obtidos durante a Primeira
Guerra Mundial. (Cf. ROCHA, 1979). Também adaptativa, a psiquiatria comunitária que
Blaya sustentava não esconde a sua condição de mantenedora da ordem. Paulo Rocha cita
palavras muito significativas de Blaya: “[...] os princípios de organização são os mesmos
experimentados na guerra, com uma adaptação às condições sociais que desejamos servir”
(ROCHA, 1979, p. 104).
Paulo Rocha, apresentando o que percebeu em Hochmann, critica-o por observar que,
ao situar nas relações interpessoais o problema da saúde mental e suas dificuldades, poderia
estar isolando essas relações da dinâmica da sociedade e reduzindo “[...] a problemática da
loucura nesse nível de ‘interpessoalidade’ com um caráter de nítida psicologização,
escamoteando, evidentemente, outros determinantes” (ROCHA, 1979, p. 107). Os serviços
psiquiátricos organizados com base nessa concepção de Hochmann seriam, então, mais do
que qualquer outra coisa, uma “[...] rede ideológica” (ROCHA, 1979, p. 107).
109
Paulo Rocha recorre a Basaglia para continuar a situar o problema do desvio e seu
controle no campo econômico. As instituições psiquiátricas seriam, para Basaglia, segundo
Paulo, correlatas ao tipo de desenvolvimento do capitalismo, a cada momento dado. (Cf.
ROCHA, 1979). Na linha de pensamento de Basaglia, ao descrever como as ações
comunitárias lidam com o “social”, Paulo Rocha afirma:
Salvo o fato de estar nos terrenos de uma Colônia, o que está colocado acima é o que
hoje estamos organizando sob o nome de “Serviço Residencial Terapêutico”.
Ulysses Pernambucano implantou, em 1931, o Serviço Aberto - uma forma de evitar a
internação psiquiátrica, que retirava os direitos civis das pessoas - abriu o primeiro
Ambulatório de Psiquiatria do Brasil e organizou a primeira equipe multiprofissional e uma
“[...] ação comunitária extra-hospitalar” (CERQUEIRA, 1984, p. 29).
Como tendências da psiquiatria social, Cerqueira aponta a psiquiatria de setor
(Lebovicci, Paumelle, Ajuriaguerra), a psiquiatria democrática (Basaglia), a psiquiatria
112
Do Brasil, Cerqueira cita Ellis Busnelo, que produziu a tese “A Integração da Saúde
Mental num sistema de saúde comunitário”, em 1976, na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, baseada na experiência de Murialdo. (Cf. CERQUEIRA, 1984).
Em termos de análise do que estava ocorrendo na organização da assistência à Saúde
Mental no país (lembremos, o texto é de 1978), Cerqueira aponta o que os poderes
dominantes ainda tentavam esconder: a privatização da assistência, isto é, o que chamou de
“indústria da loucura”, levaria os cofres públicos à insolvência e à destruição de muitas vidas:
“Não mais de 10 anos e a empresa de saúde terá comido a galinha dos ovos de ouro, que é a
Previdência Social. O colapso virá” (CERQUEIRA, 1984, p. 32). Cerqueira percebe que, com
o que já se gasta com internações psiquiátricas, “[...] já podíamos ter um funcionamento
harmonioso, em moldes de vasos comunicantes, todo um sistema hospitalar conjugado com
um extra-hospitalar” (CERQUEIRA, 1984, p. 32).
Luiz Cerqueira apresentou, no V Congresso Mundial de Psiquiatria, no México, em
1971, um artigo que consta de seu livro de 1984. Trata-se de “Resistências às Práticas
Comunitárias”. (CERQUEIRA, 1984). Nele, Cerqueira vai buscar em Hipócrates “[...] as
resistências às práticas comunitárias [...]”, já que “[...] o caráter individualista da profissão
médica ainda hoje é ensinado aos psiquiatras, ensejando uma série de racionalizações, para
postergar o advento das socioterapias” (CERQUEIRA, 1984, p. 106).
113
Luiz Cerqueira diz que os obstáculos colocados pelos interesses da indústria da loucura
já não são novidade, preferindo analisar outras resistências, “[...] como a de certos sanitaristas,
esmagados com as endemias, a se recusarem, de modo geral, a admitir saúde mental em suas
preocupações” (CERQUEIRA, 1984, p. 107) e, “[...] a mais grave das resistências [...] a
generalizada dificuldade dos psiquiatras em considerar saúde mental como um problema de
saúde pública” (CERQUEIRA, 1984, p. 107).
Luiz Cerqueira tem um artigo, publicado no livro que está sendo citado, que é um
relatório que apresentou ao “Simpósio de Psiquiatria Comunitária”, que aconteceu em junho
de 1975, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. (Cf. CERQUEIRA, 1984). Nele,
Cerqueira dá notícia do que estava sendo desenvolvido em São Paulo: uma integração
docente-assistencial, envolvendo Universidade e Coordenadoria Estadual de Saúde Mental,
com a criação de “[...] uma prática de uma psiquiatria setorizada, pré-requisito para o centro
comunitário [...]” e “A possibilidade de aplicação de técnicas de saúde pública com vistas,
principalmente, à prevenção primária” (CERQUEIRA, 1984, p. 258).
Ellis Busnello, em palestra com debates no I Simpósio de Alternativas no Espaço Psi,
que aconteceu em Porto Alegre, em 1981 (Cf. I SIMPÓSIO DE ALTERNATIVAS NO
ESPAÇO PSI, 1982), apresenta a sua participação na experiência pioneira de Murialdo, Rio
Grande do Sul, que começou em 1966, e que integrou a Saúde Mental na saúde comunitária.
Busnello coloca-se como “psiquiatra de comunidade” e diz que “Eu vim falar sobre saúde
comunitária e sobre a integração da saúde mental em serviços comunitários de saúde”
(BUSNELLO, 1982, p 371).
Busnello inicia sua palestra diferenciando medicina tradicional, aquela das práticas
populares, da medicina convencional, dita científica, que atende por demanda, e da saúde
comunitária, que
deve ser substituída por um ou vários profissionais para alguns milhares de pacientes, para
atender populações e não apenas indivíduos” (BUSNELLO, 1982, p. 375). Recomendava que
“[...] deve-se atender, na saúde comunitária, com técnicas grupais e com auxílio e participação
dos doentes e das comunidades” (BUSNELLO, 1982, p. 375).
Busnello cita pesquisas, então em andamento no Brasil e em outros países, que
adiantavam o que hoje se constatou: “[...] um percentual muito grande de pessoas que vão à
consulta em Postos de Saúde tem definido problema de saúde mental. Esta percentagem varia
de país para país, de cerca de 20% a quase 50%” (BUSNELLO, 1982, p. 376).
Novamente tentando definir saúde comunitária, Busnello diz que “[...] é aquela que
atende uma população definida, de forma integral, continuada, personalizada e participativa”
(BUSNELLO, 1982, p. 377). Chama a atenção para a semelhança com o que está
estabelecido, hoje, para o Programa de Saúde da Família e para o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde, semelhança que se estende ao quantitativo populacional para cada
posto de saúde. Desta forma, Busnello advoga que
Busnello diz que o trabalho em Saúde Mental deve ser uma prioridade e, para isso,
argumenta com as estatísticas que mostram o grande número de pessoas necessitando de
atendimento e com o fato de que, muitas vezes, os profissionais de saúde não reconhecem os
problemas ligados à Saúde Mental. (Cf. BUSNELLO, 1982, p. 378).
Busnello chama a atenção, ainda, para a necessidade de atendimento às famílias das
pessoas com diagnósticos mentais, para a urgente saída da postura tradicional das profissões
do espaço psi, para a viabilidade da capacitação do pessoal médico e leigo para o trabalho na
comunidade e para as possibilidades que se abrem com o trabalho em conjunto com os
curandeiros. (Cf. BUSNELLO, 1982).
No mesmo Simpósio em que Busnello proferiu a palestra citada acima, Joel Birman
apresentou um trabalho em que pretendeu equacionar e analisar o que estava sendo colocado
como mais uma reforma da psiquiatria. A explanação de Birman nos interessa muito, na
medida em que retoma o mote em relação às propostas de mudança na Assistência à Saúde
Mental: transformação ou conservação? Senão vejamos:
115
Consoante com seu rigor conceitual, Birman, para a análise mais aproximada da
questão que está colocada pela psiquiatria preventiva e comunitária, pretende responder a
algumas indagações que considera da maior importância: “[...] de que psiquiatria se fala nisso
tudo, quais são as suas pretensões? E centrada em que forma de sociedade se coloca tudo
isso?” (BIRMAN, 1982, p. 160).
Birman diz que, após uma linha de pesquisa e ação que não questionava a psiquiatria
enquanto instituição, apenas acrescentando etiologias sociais ao que deveria ter resposta pela
psiquiatria estabelecida, surge “[...] um novo limiar na reflexão das relações da psiquiatria
com a sociedade, a partir dos meados dos sessenta [...] sobretudo as implicações da psiquiatria
como prática social até então inquestionável” (BIRMAN, 1982, p. 163). Remontado ao
trabalho de transformação dos Hospitais Psiquiátricos, Birman alude a que a psicoterapia
institucional francesa, nascida revolucionária, “[...] ficou reduzida a uma experiência
reformista de melhorias das condições hospitalares” (BIRMAN, 1982, p. 166), ao contrário da
prática de Franco Basaglia, que questiona o conceito de doença mental. Ao se referir ao
trabalho de Basaglia, Birman diz que
[...] não cabe apenas pensar a relação com a loucura em termos de cura, pois
isso seria continuar no mesmo campo ideológico tradicional que
identificou-a com a doença mental, mas procurar transformar a relação da
sociedade ocidental com a loucura que está cristalizada no asilo e na
exclusão social, já que constituem elementos fundamentais de controle da
marginalidade social e de suas implicações políticas (BIRMAN, 1982, p.
166).
Birman faz essa crítica histórica, para dizer que o mesmo rigor deve recair sobre as
práticas da psiquiatria preventiva e comunitária no que “[...] estas pensam a saída do hospital
psiquiátrico meramente como um problema técnico, sem colocar em questão o conjunto de
116
[...] que seriam enlouquecidas com mais facilidade, caso não existissem
medidas corretivas adequadas. [...] Foi em relação a esses bolsões de
miséria urbana, produto da própria sociedade capitalista na sua primeira
Revolução Industrial, seja para controlá-los, seja para discipliná-lo e retirar
seu capital explosivo, que a idéia de prevenção se organizou em psiquiatria
(BIRMAN, 1982, p. 172).
117
Voltaremos, mais adiante, a esse aspecto dos efeitos limitadores da crítica inicial às
tentativas de ações de Saúde Mental nas comunidades.
Mostrando a riqueza do I Simpósio de Alternativas no Espaço Psi, de 1981, de cuja
publicação citei os últimos dois trabalhos, existe, também, uma apresentação de um grupo de
voluntários, o GUSP – Grupo Unido de Saúde Pública que, desde 1978, realizava um trabalho
comunitário numa região periférica de Viamão, RS. O trabalho apresentado pelo grupo faz
contraponto, ao mesmo tempo, com as críticas de Birman e com a prática de Murialdo. Desta
forma, define-se como um trabalho que busca “[...] uma mudança social, partindo para uma
118
sociedade mais democrática, mais justa.” (GUSP, 1982, p. 340). Uma de suas referências era
Paulo Freire, como instrumento para elaborar a relação dominador/dominado dentro da
Equipe e com a comunidade (Cf. GUSP, 1982). O grupo definia que “Dentro da área de saúde
mental, o que a gente tem como prioridade é a promoção da saúde mental, num nível de
prevenção primária de saúde” (GUSP, 1982, p. 342), referindo-se a “[...] um novo enfoque de
atuar em saúde, lançado pela Organização Mundial de Saúde, em 1978” (GUSP, 1982, p.
346).
O grupo citado define sua concepção de promoção de saúde mental: “[...] seria um
estímulo à crença da pessoa na sua capacidade de trabalhar pelas suas coisas, dentro de si, no
seu meio ambiente, para tornar este meio mais favorável à sua evolução” (GUSP, 1982, p.
342).
Portanto, temos um grupo politizado, atualizado em relação aos documentos
internacionais, atuando em uma área pobre, fazendo a crítica constante do próprio trabalho e
percebendo a dimensão política do mesmo. E isso tudo num momento difícil da vida nacional.
Em relação à experiência de Murialdo, numa reposta específica quanto às diferenças de
enfoque, a resposta que o representante do GUSP deu foi:
Para fazer incidir com mais nitidez sua crítica, Lancetti tenta perceber qual o conceito
de transtorno mental com que trabalha Caplan e cita o autor norte americano: “[...]
inadaptação ou desajustes aos princípios sociais e aos valores da cultura” (LANCETTI, 1989,
p. 77). Deste modo, Caplan se insere na linha da psiquiatria tradicional, que ignora qualquer
determinação do sofrimento mental que possa questionar as estruturas sociais. Lancetti
também considera a Declaração de Alma Ata na mesma linha, que supõe a “[...] comunidade
harmônica” (LANCETTI, 1989, p. 78).
Surge, portanto, o preventivismo como o fantasma teórico do qual temos que nos
afastar, caso a opção seja por uma prática que pretenda gerar movimentos autônomos nas
comunidades, afirmar diferenças, respeitar as culturas locais.
Lancetti desenvolve, no texto, ácida crítica ao preventivismo, do que temos o seguinte
exemplo:
Tornando positivo o que está negado no trecho acima, podemos traçar algumas
diretrizes para nossas ações de Saúde Mental na comunidade. Ficaríamos com: reconhecer o
conceito de classe social, estimular a politização dos movimentos comunitários e
autogestivos, eximindo-nos de conduzi-los. Por último, estabelecer dispositivos de produção
de sujeitos potentes.
Diante de tantas críticas e, ao mesmo tempo, tantas propostas de trabalho em Saúde
Mental, temos que fazer perguntas que de certo não terão respostas imediatas, mas que devem
nortear nosso trabalho diário: quais são os parâmetros que nos informam a respeito de se
estamos ou não controlando a comunidade? Quais os indicadores que evidenciam que as
nossas ações estão colaborando para a emancipação da comunidade? Indicadores existem
diversos: número de internações, número de suicídios, ocorrências de violência, prevalências
e incidências várias. Mas, como avaliar se estamos sufocando os protestos inconscientes ou
levando-os a produzir mudanças?
120
Das metas do Internato Rural constavam, dentre muitas outras, as de “Criar cursos de
Agentes de Saúde”, e “Realizar projeto de pesquisa sobre alcoolismo e uso de
benzodiazepínicos” (INTERNATO RURAL DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO, 1994, p. 14).
A prática do Internato Rural desenvolvia-se, desde 1986, como um verdadeiro
precursor do que mais tarde veio a se constituir como o Programa de Saúde da Família.
Depois que me integrei à Equipe, surgiu a prática da Saúde Mental, desde o início com a
tentativa de questionamento da divisão mente/corpo e seus especialistas.
A respeito da integração do Internato Rural com os Programas do Município de
Resende, na parte dedicada à Saúde Mental há referência à “desospitalização”, à
“desmedicalização”, à abordagem familiar e coletiva do alcoolismo e do uso de
benzodiazepínicos e que o estudo desses temas “[...] tem propiciado com os internos
importantes reflexões que transcendem em muito os limites convencionais da terapêutica,
extrapolando para o campo filosófico e sócio-politico” (INTERNATO RURAL DA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1994, p. 14).
Os temas referidos acima, alcoolismo e uso abusivo de benzodiazepínicos, eram
levantados pela comunidade como suas prioridades.
Do programa do Internato Rural constam as “Atividades com Abordagem
Interdisciplinar”, onde inseri o “Estudo e Prática do Trabalho com Grupos”, o “Estudo e
supervisão da relação profissional de saúde/paciente”, a “Abordagem multidisciplinar do
alcoolismo” e a abordagem à “Dependência de benzodiazepínicos”. (Cf. INTERNATO
RURAL DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1994, p. 27).
122
Ao dar início a essa etapa da minha vida profissional, a bagagem teórica que trazia era
a psicanálise, as teorias psicanalíticas de grupo (principalmente Pichon-Riviére e os
argentinos), Basaglia, Foucault, Goffman (Cf. PINTO, 1998) e um estudo de Filosofia que
chegou em Deleuze e Guattari. Alguns desses autores, dentre outros, como Laing e Cooper,
possibilitaram referências para tentativas de transformação dos hospícios e de modificação do
trabalho ambulatorial, dos quais participei, bem como para a atuação num grupo para a
criação de um Programa Municipal de Saúde Mental (Niterói). Tinha, também, conhecimento
da Declaração de Caracas, com sua recomendação para a atuação no nível primário.
No Internato Rural encontrei, no seu Coordenador em Resende, o Dr. Maurício
Schneider, um companheiro de trabalho com quem pude dialogar e produzir com grande
prazer e criatividade. Maurício vinha de lutas da categoria médica e pretendia levar à prática
uma assistência efetivamente enraizada na comunidade e discutir conceitos e visões de mundo
com os estudantes a respeito da transformação social.
Estava criado, então, um campo de trabalho muito fértil em relação às possibilidades
de praticar uma assistência à saúde com estreito vínculo com a comunidade e com a
colocação em discussão, com a população, dos temas ligados às suas condições de saúde e de
vida.
Observando o que seria possível fazer na área da Saúde Mental, sempre unida às ações
gerais de saúde (as supervisões dos dois preceptores de medicina eram feitas em conjunto),
logo surgiu o estudo, supervisão e modificação da relação profissional de saúde/paciente, com
repercussões tanto do lado da população, quanto do lado dos estudantes.
No trabalho que apresentei no Seminário “Subjetividade e Serviço Público”, na
Faculdade de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, em 1994, “Uma crítica à
Formação na Área de Saúde; uma experiência de ensino no Internato Rural da UERJ”, relato
o modo de atuar do conjunto preceptores/alunos, com as mudanças ocorridas ao longo da
experiência. (Cf. PINTO, 1998). Partindo da modificação da relação profissional de
saúde/paciente, no sentido de uma crítica ao modelo médico curativo estrito, com a rígida
divisão mente/corpo, os estudantes puderam abrir suas percepções para a vida afetiva e social
das pessoas atendidas, passando a observar esses componentes na determinação dos
problemas de saúde. Com a prática constante da visita domiciliar, que teve sua função e
modos de realizar bastante discutidos, a realização de grupos de discussão sobre saúde, nos
Postos, e visitas às lideranças comunitárias, após pouco tempo surgiram, em todas as
localidades onde os estudantes atuavam, fóruns comunitários de saúde. (Cf. PINTO, 1998).
123
diária dos profissionais. Existia um programa para a capacitação, mas todo ele era percorrido
com base em situações do trabalho de cada profissional ou equipe. Os assuntos e casos eram
trazidos pelos membros da Equipe, discutidos, relacionados com o conteúdo do programa e as
novas intervenções eram decididas em conjunto.
Estabeleci, então, uma capacitação para todo o pessoal que atuava na Atenção Básica:
cinco médicos, quatro enfermeiros e 12 Agentes Comunitários de Saúde. (Cf. PINTO, 1997).
A freqüência da capacitação com os Agentes Comunitários de Saúde era quinzenal, com
reuniões de duas horas e meia de duração. De acordo com a minha compreensão, na época,
esta capacitação se deu devido à “[...] necessidade de melhorar o atendimento ambulatorial
em psiquiatria, que encontrei ao iniciar o atendimento no Centro de Saúde” (PINTO, 1997, p.
166). O que estava colocado como intenção era a
b, p. 18). Note-se que Lancetti havia sido convidado para “[...] inventar um Programa de
Saúde Mental para o Projeto Qualis/PSF” (LANCETTI, 2000 b, p. 11), tendo optado pela
aproximação com o PSF, após notar as suas características, pela necessidade de “[...] criar
um dispositivo articulado à rede tecida pela organização de saúde [...]” e para “[...] radicalizar
na desinstitucionalização” (LANCETTI, 2000 b, p. 19). Com essa compreensão, utilizou as
“[...] equipes volantes de saúde mental” (LANCETTI, 2000 b, p. 19).
Lancetti e seu grupo decidiram que
-[...] tratar o grupo familiar para que este possa lidar de maneira mais
salutar com seu membro mais doente. [...]
-[...] a responsabilidade pelo cuidado pelo cuidado dessas famílias é da
equipe de saúde da família e da equipe de saúde mental. [...]
-[...] será dada prioridade às famílias que se encontram em maior
dificuldade. [...]
-[...] quando a equipe de saúde mental intervém, elabora um programa para
cada família. Este programa é monitorado [...]
-[...] as famílias serão atendidas preferencialmente na hora em que todos ou
a maioria dos familiares estejam em casa. Em muitas oportunidades vamos
ao encontro de surpresa. A estratégia de aproximação será sempre decidida
previamente pelas equipes de saúde da família e de saúde mental, mesmo
nos casos de emergência (LANCETTI, 2000 b, p. 22, grifo do autor).
Destaque-se uma estratégia e um modo de operar, que já foi aludido, mas, que pela
sua importância, merece destaque:
Considero que essa é uma decisão fundamental para a entrada da Saúde Mental na
Atenção Básica. Desta forma, fica logo claro para todos que não mais se repetirão os
encaminhamentos que, de fato, diminuem a responsabilização, marcando, também, que a
atuação com as pessoas e a comunidade é de responsabilidade conjunta. Esse fato potencializa
a capacitação, une as equipes, impede jogos de empurra, enfim, torna o trabalho
verdadeiramente de equipe, estimulando a integração, quebrando os especialismos. Mostra
para a comunidade, por outro lado, que a Saúde Mental está integrada aos demais cuidados
em saúde.
Especificando mais o seu trabalho e teorizando sobre ele, Lancetti situa todo o grupo
familiar como o paciente do Programa de Saúde Mental e que escutá-lo era “[...] conhecer a
estrutura ou sistema que organiza a vida desses grupos antropológicos e os seus interlocutores
invisíveis” (LANCETTI, 2000 b, p. 36). Como instrumento de ação, o autor citado, na linha
de Deleuze e Guattari, propõe uma “[...] clínica cartográfica” (LANCETTI, 2000 b, p. 37),
onde “Era premente produzir agenciamentos que conectassem as pessoas com as redes
130
trançadas pela organização sanitária, e com o que Benedetto Saraceno chama de recursos
escondidos da comunidade” (LANCETTI, 2000 b, p. 37).
No final de seu artigo, Lancetti sugere que, para cada duas equipes de saúde da
família, deve existir um técnico de saúde mental, para que o trabalho que organizou seja
desenvolvido a contento (Cf. LANCETTI, 2000). Voltaremos ao assunto, mas desde já
adiantamos que chegamos a números diferentes, que apontam para a necessidade de mais
profissionais de Saúde Mental por Equipe de Saúde da Família.
Quanto ao importante tema dos indicadores, Lancetti propõe que, para a avaliação do
Programa de Saúde Mental sejam levados em consideração “[...] a redução de internações
psiquiátricas, de suicídios, de violência familiar e comunitária e do uso abusivo de drogas”
(LANCETTI, 2000 b, p. 51).
Solange Mattos, uma Agente Comunitária de Saúde, relata, em um artigo do livro
organizado por Lancetti, a sua marcante experiência com uma pessoa, um homem de 57 anos.
A descrição dos acontecimentos é importante, tanto em termos do relato em si, como pelo
exemplo de mudança nas relações dos profissionais de saúde com a população que o trabalho
com a Saúde Mental pode proporcionar. Partindo de uma situação em que não sabia muito o
que fazer, para ajudar o paciente, que vivia isolado da família e da comunidade, surgem, após
discussão da situação com a Equipe de Saúde Mental, novas perspectivas, onde o papel da
Agente Comunitária de Saúde é determinante. (Cf. MATTOS, 2000).
Walter Augusto Bahia Pereira, psiquiatra, no início de seu artigo no livro que vem
sendo citado, traz uma definição importante a respeito do trabalho no Projeto Qualis:
Esta é a introdução que Walter faz, para refletir a respeito da nova posição do
psiquiatra na Equipe de Saúde Mental e também introduz o tema do trabalho em Saúde, sem
as referências tranqüilizadoras e limitadoras das instituições conhecidas. Walter ressalta a
mudança que ocorre, em vários níveis, com a nova situação do profissional:
Vânia Casé descreve, num artigo do livro organizado por Lancetti, a experiência de
aproximação da Saúde Mental com o Programa de Saúde da Família realizada no município
pernambucano de Camaragibe. A partir de demandas da comunidade por consultas
psiquiátricas e psicológicas, a equipe de Saúde Mental decidiu-se pela aproximação com o
Programa de Saúde da Família, em 1995, por características deste, que a autora descreve:
lugar, a fim de construir algo por meio de um dialogo verdadeiro” (CABRAL et. al. , 2000, p
152). Citamos, também, o poema chinês que fecha o texto:
Vá ao povo
Viva com ele
Ame-o
Comece com o que ele sabe
Construa com o que ele tem... (CABRAL, 2000, p. 152).
e os CAPS, com base numa perspectiva de uma política municipal de saúde mental e das
estratégias de atenção primária” (SAMPAIO & BARROSO, 2000, p. 168).
Trata-se, portanto, de matéria da maior importância, que já foi tocada ao longo do
texto desta monografia e que voltará mais adiante.
O primeiro CAPS do Ceará foi inaugurado em 1991, num processo que evoluiu para
mais oito em 1999 e estava previsto que, no final de 2000, estariam em funcionamento 16
CAPS. O PSF já aparecia como parceiro privilegiado do trabalho do CAPS. (Cf. SAMPAIO
& BARROSO, 2000).
Os autores vão situar o trabalho na experiência de Sobral, município de 150 mil
habitantes
Consoante com a prática de virar “para fora” as ações, os autores dizem que “[...] o
CAPS de Quixadá tem optado, estrategicamente, pelo reforço dos vínculos diretamente com a
sociedade organizada, como as associações e federações de bairro” (SAMPAIO &
BARROSO, 2000, p. 175).
Os autores dizem que, a partir do inicio dos trabalhos do PSF, em 1994:
Trata-se de mais uma forma de a Saúde Mental atuar na Atenção Básica, desta vez
com o CAPS, mantendo-se, principalmente, como retaguarda e fonte de supervisão. Já vimos
o Projeto Qualis, onde os especialistas freqüentam a comunidade, para desfazer as
especialidades, já vimos os especialistas atuarem como supervisores das Equipes de PSF, mas
sem pertenceram aos CAPS, até porque na maioria dos municípios não há CAPS e, nesse
último trabalho, temos a definição acima.
Como um dos resultados, os autores citam a enorme queda na quantidade de
benzodiazepínicos receitadas. (Cf. SAMPAIO & BARROSO, 2000).
Outro dado significativo foi a queda de oito por semana, para seis por ano, no número
de pessoas enviadas para hospitais psiquiátricos, já que as internações passaram a ser feitas no
Hospital Geral. Neste, a circulação de visitas e agentes de saúde colaboraram para mudar a
forma da população encarar as crises. (Cf. SAMPAIO & BARROSO, 2000).
e comunitário” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p. 7). Note-se que, da forma como está
colocado, o Objetivo Geral limita-se à capacitação, não apontando para ações que envolvam
diretamente profissionais de Saúde Mental na comunidade, como já vimos em algumas
experiências relatadas.
Dos “Objetivos Específicos” consta a construção regional de planejamento e metas
para a implantação das ações de Saúde Mental na Atenção Básica, o desenvolvimento de
capacitação para as Equipes de PSF, o enfrentamento dos problemas de uso de álcool e
drogas, a atenção a grupos familiares de risco. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p. 7).
Também nos objetivos específicos estão os seguintes pontos muito importantes:
Desta forma, está apontado o caminho para a avaliação pública das ações de Saúde
Mental e sua inserção nas Redes Sociais, balizando o caráter participativo da proposta, o que
é uma definição política.
O documento coloca “Metas” para 2001 e para 2002, que, pelas informações que
tenho, não foram cumpridas integralmente, em sua maioria.
Para o ano 2001, além da realização da “Oficina de Trabalho para Discussão do Plano
Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, as demais metas
ficaram por conta das iniciativas municipais, sem incentivo federal. Constavam das metas:
definir 40 municípios, para iniciar a implantação da Saúde Mental no PSF, criação e
capacitação de Equipes de Saúde Mental para apoio as equipes dos PSF, capacitação dos
recursos humanos dos PSF pelas equipes de Saúde Mental para implementação das ações,
Inclusão dos cuidados de Saúde Mental nos módulos básicos de treinamento para novas
equipes de saúde da família e oficinas regionais de acompanhamento e avaliação da
implantação do Plano Nacional. (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Mesmo não tendo
sido possível realizar todas as metas, o documento deixou as indicações do que deveria ser
feito e, como já foi ressaltado, as iniciativas cabem aos municípios, apesar da dependência de
financiamento federal.
140
Para 2002, o texto propunha a “Implantação de ações de Saúde Mental nos municípios
de mais de 100.000 habitantes” e “Oficinas de acompanhamento e avaliação para as equipes
com programas em andamento” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p. 8).
Note-se que, ao descrever as ações de Saúde Mental no PSF, o documento fala em
capacitação das Equipes de PSF e não de atuação conjunta, com o profissional de Saúde
Mental na comunidade. Este detalhe, da maior importância, foi objeto de debates na “Oficina”
e sofreu mudanças de enfoque, inclusive em documentos posteriores do Ministério.
Na parte inicial do documento reservada às “Etapas para Incorporação da Saúde
Mental na Atenção Básica”, está sugerido “Elaborar o plano municipal de inclusão da Saúde
Mental no PSF, [...] definir o fluxo de referência e contra-referência” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2001, p. 9). Também o tema da referência e contra-referência foi objeto de
acalorados debates na “Oficina”, com novas propostas.
No aspecto institucional, o documento sugere “Apresentar o Plano de Inclusão da
Saúde Mental ao Conselho Municipal de Saúde” e “Pactuar na Comissão Intergestores
Bipartite (CIB) a adesão da saúde mental à estratégia do PSF” (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2001, p. 9).
Como será notado abaixo, na descrição das atividades dos “[...] profissionais do
PSF/PACS com supervisão da equipe de Saúde Mental” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001,
p. 9), as ações no território estão, até esse momento, propostas para serem todas realizadas
pelas equipes de PSF/PACS:
diversificados, articulados dentro da rede geral de saúde e voltado para a atenção integral”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p. 10). Percebem-se, no trecho citado, os dois conceitos
que vêm aparecendo como pilares do trabalho da Saúde Mental nos dias de hoje, tempos de
desinstitucionalização e mobilização social: rede e território. Além disso, aparece um dos
preceitos do SUS: a integralidade.
Para efetuar a proposta, os autores do documento do Ministério da Saúde recomendam
Necessários. Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, de 2004. (Cf.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004), o que faremos adiante.
O documento propõe-se a definir as “Responsabilidades Institucionais”, começando
por aquelas definidas para o Ministério da Saúde. Salvo melhor juízo, nenhuma delas foi
executada até o momento. Faziam parte desse rol a facilitação regional de planejamento para
a inserção das ações de Saúde Mental na Atenção Básica, a implantação de capacitação e
supervisão técnica no tema, a elaboração de material didático, a avaliação com os estados a
respeito do que estaria sendo praticado e a inclusão de base de dados no Sistema de
Informação da Atenção Básica (SIAB).
Quanto às “Responsabilidades das Secretarias Estaduais de Saúde”, a ênfase está
colocada em fornecer capacitação, em parcerias com as Secretarias Municipais de Saúde,
elaboração de material didático, criar de indicadores para avaliação das ações e trabalhar os
dados existentes no SIAB. (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
No Estado do Rio de Janeiro, na Assessoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado
de Saúde, foi criado, no segundo semestre de 2001, um núcleo para encaminhar as propostas
de aproximação Saúde Mental/PSF, tendo como responsáveis Leila Vianna e Carlos Eduardo
de Moraes Honorato.
As “Responsabilidades das Secretarias Municipais de Saúde” são aquelas que
efetivamente aproximam os Programas Municipais de Saúde Mental da Atenção Básica. São
as seguintes:
Também foi discutida, mas não consta do Relatório Final, a sobrecarga de trabalho das
Equipes do PSF. Com a entrada da Saúde Mental, mais trabalho é acrescentado, mesmo que,
depois de implantadas as ações, os problemas não resolvidos possam diminuir. Foi, então,
ventilada a possibilidade de diminuir a quantidade de famílias a serem atendidas pelas
Equipes de PSF que tenham ações de Saúde Mental.
Escrevo no segundo semestre de 2004 e até então nenhum incentivo de financiamento
à entrada da Saúde Mental na Atenção Básica foi regulamentado, por parte do Ministério da
Saúde. Está estabelecida uma definição de investimento em capacitação, como consta no
texto “Saúde Mental e Atenção Básica. O Vínculo e o Diálogo Necessários. Inclusão das
148
Ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, que diz que existem possibilidades de financiar a
Formação Profissional através do Programa Permanente de Formação para a Reforma
Psiquiátrica, da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, em articulação com os
Pólos de Educação Permanente em Saúde e com os gestores estaduais de municipais (Cf.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b).
Foram discutidos e sugeridos indicadores para a avaliação das ações de Saúde Mental
na Atenção Básica. O indicador mais presente nas sugestões foi o número de internações
psiquiátricas, que deveria fazer parte do SIAB. Um dos grupos sugeriu “[...] indicadores que
identifiquem a ampliação de trabalhos comunitários e territoriais” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2001 b, p. 19). Redução da violência na comunidade também foi um dos indicadores
mais citados (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001 b).
Em resumo, a Oficina de 2001 produziu um relatório que é um roteiro para a
implantação da Saúde Mental na Atenção Básica com diretrizes, conteúdo conceitual e de
capacitação, sugestão de ações, indicadores e financiamento.
Durante a 54a. Assembléia Mundial da Saúde, da Organização Mundial da Saúde,
realizada em maio de 2001, ocorreram quatro mesas redondas de Ministros da Saúde dos
países membros, que resultaram no relatório “Mesas redondas: salud mental. Informe de la
secretaria”. Nele está contida a afirmação:
Resta saber a que transição econômica se refere o texto, que chama de “evolução” um
processo que leva ao caos social, isto é, a globalização geradora de mais desigualdade.
Já no campo das ações de saúde, o texto, no capítulo “Mejora de las Políticas y los
Servicios de Salud Mental”, aconselha a “Adopción de la atención basada en la comunidad e
integración de la salud mental en los sistemas nacionales de atención primaria de salud”
(ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2001, p. 3).
No dia 11 de dezembro de 2001, Benedetto Saraceno, Coordenador do Departamento
de Saúde Mental e Abuso de Drogas da Organização Mundial da Saúde (OMS), proferiu a
Conferência de Abertura da III Conferência Nacional de Saúde Mental. A palestra, intitulada
“Saúde Mental, Cidadania e Direito do Cidadão”, foi um resumo, com referências ao Brasil,
da publicação, que então estava sendo lançada, o “Relatório Sobre a Saúde no Mundo 2001.
Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança”.
Inicialmente, o documento lançado chama a atenção para a dimensão dos problemas de
Saúde Mental dizendo:
Com o objetivo de dar a sua orientação atual para a Saúde Mental no mundo, a OMS
utilizou centros de pesquisa em dezenas de países, em todos os continentes, e chegou a dez
recomendações gerais. Ao observar o teor das recomendações, vemos que a primeira delas
situa na Atenção Básica as ações preferenciais da Saúde Mental. São os seguintes os títulos
das recomendações:
Notemos que o que consta dessa declaração também está na Lei 10.216, a Lei Paulo
Delgado, de 2001. Cabe forçar as limitações desse “na medida do possível”.
A Dra Gro faz uma séria acusação, em relação às medidas tomadas para a assistência à
Saúde Mental: “Os governos têm-se mostrado desidiosos, tanto como a comunidade da saúde
pública” (RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 14). O Dicionário Aurélio
Eletrônico dá os seguintes significados de “desídia” : preguiça, indolência, inércia,
negligência, desleixo, descaso, incúria. Assim fica mais claro.
Num tom de exortação, a Dra Gro encerra o seu texto com as seguintes palavras:
Notemos que o item começa focalizando o paciente crônico, mas vai evoluindo até
propor intervenções precoces e apoio em crises, ampliando as ações que o início do texto
poderia sugerir como restritas. Desta forma, a atenção aos problemas graves de Saúde Mental
passa a ser integral.
O item quatro contempla uma das prioridades, segundo a OMS: a luta contra o estigma
e o preconceito. Deste modo sugere que, ao lado de divulgar as opções de tratamento, “Uma
bem planejada campanha de sensibilização e educação do público pode reduzir a
estigmatização e a discriminação, fomentar o uso dos serviços de saúde mental e lograr uma
aproximação maior entre saúde mental e saúde física” (RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO
MUNDO, 2001, p. 16).
O item cinco é uma tomada de posição quanto ao controle social das ações de Saúde
Mental, no seu planejamento e execução. Com o título de “Envolver as comunidades, as
famílias e os usuários”, diz que
O item “Formar recursos humanos” traz detalhes importantes, que nunca é demais
repetir e ver colocado em palavras claras e por uma entidade da importância da OMS. Diz ele
152
Deste modo, a OMS define que a Atenção Básica é o nível privilegiado para a
abordagem à Saúde Mental, não prescindindo, porém, de outros recursos. Destacamos, no
texto a expressão “[...] atenção e [...] integração total dos pacientes na comunidade”
(RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 17), o que parece indicar a
tentativa de tentar não referir o paciente e sua família para outros serviços, se isso for
possível. Voltamos, então, mais uma vez, à definição de que as pessoas devem ser tratadas
com os recursos comunitários sempre que isso for possível.
O item “Monitorizar a Saúde Mental na comunidade” reforça o que entre nós já vem
sendo repetido e proposto: a inclusão de indicadores de Saúde Mental no sistema de
informação da Atenção Básica. O texto diz:
Sartorius 1995 e de Goldberg e Lecrubier 1995, aponta números que, para o Rio de Janeiro
são: 15,8% para depressão atual, 22,6% para ansiedade generalizada e 4,1% para dependência
do álcool. (Cf. RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001). Com esses números
significativos, a OMS chama a atenção para o impacto causado pelos transtornos mentais nas
pessoas, famílias e comunidades. Como “[...] uma em quatro famílias tem, pelo menos, um
membro que sofre atualmente um transtorno mental ou comportamental” (RELATÓRIO
SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 51), é grande o número de lares onde ocorrem
perdas econômicas, necessidade de deslocar pessoas da atividade produtiva para o cuidado
com os membros afetados, além dos gastos com o tratamento e do sofrimento geral causado
pelo estigma e discriminação.
Confirmando a alta prevalência de transtornos mentais na população, Sandra Fortes,
em tese de doutorado de 2004, chegou aos seguintes números, pesquisando em unidades do
Programa de Saúde da Família em Petrópolis, RJ:
Em algumas linhas, antes do trecho citado acima, está uma das razões para a citada
falta de velocidade na expansão das ações de Saúde Mental nas bases da sociedade:
A lista de itens acima citada pode ser comparada com o que estamos realizando no
Brasil. Todos os pontos estão sendo praticados, em diversos lugares, com bons resultados.
Mas é interessante vê-los reunidos, e com a recomendação da OMS, para que a avaliação da
sua importância seja mais bem considerada. O que estamos tocando são as condições para que
a desinstitucionalização funcione. Para que não haja risco para pacientes, famílias,
comunidade e para as propostas da Reforma Psiquiátrica.
A OMS faz, então, três recomendações para o financiamento das ações de Saúde
Mental na sua nova fase e paradigma: “A primeira é liberar recursos para o desenvolvimento
de serviços comunitários mediante o fechamento parcial de hospitais” (RELATÓRIO SOBRE
A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 123).
Já foi mencionada, no capítulo II desta monografia, a Deliberação 54 da Comissão
Integestores Bipartite da Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que
transfere recursos das Internações Psiquiátricas que estão deixando de serem feitas, para os
Serviços Residenciais Terapêuticos, CAPS e Oficinas Terapêuticas. Instrumento útil, mas que
não contempla a Atenção Básica.
“A segunda é usar financiamento transitório para investimento inicial em novos
serviços, a fim de facilitar a passagem dos hospitais para a comunidade” (RELATÓRIO
SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 123). É grave o problema do financiamento inicial
de dispositivos de Saúde Mental entre nós. Os serviços, como CAPS, Residências
Terapêuticas, Emergências Psiquiátricas, que requerem instalações físicas e gastos iniciais,
devem ser bancados inicialmente pelos municípios, o que muitas vezes atrasa o
desenvolvimento dos Programas Municipais de Saúde Mental. A remuneração dos
procedimentos e serviços só começa a ser recebida após o pleno funcionamento e
cadastramento. O incentivo financeiro para municípios que tenham a Saúde Mental na
Atenção Básica é uma medida adequada, aprovada na “Oficina” de 2001, em Brasília, a qual
ainda não se efetivou.
Concluindo as recomendações, o Relatório traz a terceira: “[...] manter financiamento
paralelo para continuar a cobertura financeira de certo nível de atenção institucional depois de
estabelecidos os serviços baseados na comunidade” (RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO
MUNDO, 2001, p. 123). Este item revela claramente a preocupação com a possível
desassistência que poderá ocorrer em determinados momentos, mesmo após os avanços
conseguidos.
158
nem remédios sempre disponíveis, acontece num país que tem, em outras áreas, níveis médios
ou até altos de recursos. Para cada cenário há uma lista de recomendações, cuja consulta pode
trazer avanços.
Para a Atenção Primária, as recomendações para o cenário de recursos escassos são:
Quando passamos para o cenário de nível médio de recursos, para a Atenção Primária
é recomendado “Elaborar material de treinamento com relevância local e [...] Proporcionar
treinamento de atualização a médicos da atenção primária (100% de cobertura em 5 anos)”
(RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001, p. 153). No nível alto de recursos,
temos: “Melhorar a eficiência no manejo de transtornos na atenção primária de saúde e [...]
Melhorar os padrões de encaminhamento” (RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO,
2001, p. 153).
recusará, mas de modo a tornar a situação produtiva, visto que a cada recusa cria-se campo de
capacitação e ação conjunta.
É com a atuação conjunta que a abordagem do sofrimento individual poderá ser
potencializado, de modo a provocar movimentos de mudança nas famílias e na comunidade.
Seguimos, então, as conclusões da “Oficina de Trabalho para Discussão do Plano Nacional de
Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, de Brasília, 2001. (Cf.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001 b).
Foram realizadas reuniões com a Equipe completa do Módulo de PSF, para
apresentações pessoais, discussão a respeito das propostas, estudo dos textos que foram
trabalhados pela Equipe de Saúde Mental na sua capacitação inicial e princípio dos debates a
respeito das ações a serem praticadas.
As primeiras ações com a participação dos profissionais de Saúde Mental foram: “[...]
grupos de sala de espera, Visitas Domiciliares, encontro com os ACS e participação nos
grupos já existentes” (PINTO et al, 2003, p. 5). Também foi realizado um grupo para acolher
pessoas com “sofrimento mental grave” e seus familiares, que foi o início das Oficinas
Terapêuticas que estão em atividade.
Em agosto de 2003 foi realizada uma avaliação, pela Equipe de Saúde Mental na
Atenção Básica, a pedido do nível central do PSF municipal, para efeitos de justificativa de
financiamento junto ao Ministério da Saúde (o Projeto de Apoio à Expansão do Programa de
Saúde da Família (PROESF)). Deste documento tirei a última citação, acima, e dele também
utilizo as seguintes.
A Equipe de Saúde Mental na Atenção Básica reconheceu que a capacitação que
recebeu provocou mudanças, “[...] com plena integração dos profissionais nas ações na
comunidade e na formulação de propostas” (PINTO et al, 2003, p. 5).
Em relação à capacitação das Equipes de PSF, foi estabelecida uma rotina de reunioes
regulares com a Equipe completa do Módulo, para discussão dos casos e das situações
familiares e comunitárias, com as possíveis intervenções conjuntas. Ocorrem também as
reuniões de pequenas equipes, que se formam para intervir em situações que aparecem e que
não podem esperar por reuniões regulares. São praticadas as interconsultas, com o médico do
módulo e outros profissionais da base trocando idéias com a Equipe de Saúde Mental a
respeito de uma situação clínica, examinando a maior parte das informações possíveis.
A capacitação dos ACS está descrita da seguinte forma:
162
diante da enorme carga de trabalho, das cobranças de produção e relatórios, da violência nas
comunidades, miséria, dificuldades do Sistema de Saúde, remuneração não condizente com as
responsabilidades. Acreditamos que podemos cumprir a tarefa de abrir espaços coletivos, para
que esses assuntos sejam abordados e encaminhados de modo produtivo.
Logo após o início do trabalho da Equipe de Saúde Mental na Atenção Básica, o
número de internações psiquiátricas e de idas ao Pronto Socorro de pessoas com diagnósticos
de transtornos mentais graves diminuiu sensivelmente. Trata-se de uma decorrência da
organização inicial da assistência a pacientes que estavam, de um lado, com freqüência
irregular aos Ambulatórios de Saúde Mental e, de outro, sem serem vistos adequadamente
pelo Módulo do PSF. À época, eram vinte e três as pessoas com diagnósticos de transtornos
mentais graves em acompanhamento na comunidade. A situação de uma pessoa com quatorze
anos de internação psiquiátrica, quase contínua, começou a ser trabalhada com a chegada da
Equipe de Saúde Mental.
Abre-se, nesse ponto, um importante campo para pesquisa a respeito da efetividade
das ações de Saúde Mental na Atenção Básica. Devemos examinar os indicadores de Saúde
Mental numa comunidade, mesmo que sejam ainda precários, antes da entrada das ações de
Saúde Mental e compará-los com os obtidos, por exemplo, seis meses, um ano e dois anos
depois.
Após um ano de trabalho no primeiro Módulo de PSF, a Equipe decidiu entrar em
mais dois Módulos com as seguintes ações: “Reuniões de Equipe, Capacitação de toda a
Equipe dos Postos, Grupo de Sala de Espera, Visita Domiciliar, Terapia Comunitária, Oficina
Terapêutica e Interconsulta” (PINTO et al, 2003, p. 8).
O Município de Macaé tem uma região serrana, distante da sede. Para uma dessas
localidades, o Sana, foi pensado um tipo de entrada da Saúde Mental, com poucos recursos
humanos, e que pode servir de método de trabalho para os muitos Municípios do país que não
possuem mão de obra de Saúde Mental disponível com facilidade. Diz a avaliação que está
sendo citada:
Como dificuldades encontradas para o trabalho que vem sendo realizado, a avaliação
de 2003 detectou: a falta de transporte, a falta de espaço para armazenamento de materiais de
trabalho, a dificuldade de encontrar psiquiatras para o trabalho e a violência nas comunidades.
(Cf. PINTO et al, 2003).
Uma das ações de Saúde Mental que aparecem acima, na descrição da situação em
Macaé, é a Terapia Comunitária. Trata-se de uma prática grupal-comunitária que rompe com
os conceitos de terapia, enquanto tratamento individual, para tentar alcançar o coletivo e a
promoção ou a criação de redes de solidariedade e de ação social. A base teórica da Terapia
Comunitária, segundo seu criador, Adalberto Barreto, está articulada em torno da Teoria
Geral dos Sistemas, a Teoria da Comunicação, a Antropologia Cultural e a Resiliência. (Cf.
BARRETO, 2000). O último termo citado, segundo o Dicionário Aurélio Eletrônico é a “[...]
propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida, quando
cessa a tensão causadora de uma deformação elástica” ou “[...] resistência ao choque”. Para
uma explicação do termo, Adalberto Barreto apresenta uma definição que também pode ser
uma das intenções da Terapia Comunitária:
Cada conexão da teia/rede se vista de perto reproduz uma nova rede em si,
e, examinando ainda seus atores constitutivos, com suas raízes e influências
observa-se que um tecido rizomático os organiza (PITTA, 2001, p. 20).
Em “vizinhanças”, está dito que não podemos trabalhar com os conceitos rígidos de
hierarquia de serviços e sim com o acompanhamento dos acontecimentos ditados por “[...]
percursos ou atalhos regidos pela topologia e conhecimento ora de usuários, ora de
profissionais, ora de vizinhos” (PITTA, 2001, p. 20). A multicentralidade indica que os
167
A advertência que encerra a citação acima refere-se ao que Gilles Deleuze diz em seu
artigo “Post-Scriptum sobre as sociedades de controle”, de 1990, em que examina a passagem
da sociedade disciplinar, onde o domínio era exercido por instituições fechadas (prisões,
hospícios), para a sociedade de controle, atual, onde o domínio é desempenhado pela mídia,
principalmente. Deleuze diz que “O marketing é agora o instrumento de controle social”
(DELEUZE, 1992, p. 224), e que
No trabalho que apresentei em Itaipava, faço uma avaliação das experiências que tive
nos municípios de Quissamã e Carapebus, para chegar ao que então estava sendo iniciado em
168
Macaé. A ênfase foi na abordagem aos transtornos mentais graves, mas também na incidência
das ações na mudança do modelo assistencial. Destaco dois aspectos na avaliação das
experiências de Carapebus e de Quissamã. Em primeiro lugar, teve grande avanço a
abordagem aos transtornos mentais graves depois da capacitação constante e em serviço dos
ACS e das Equipes de PSF. O número de internações psiquiátricas caiu a quase zero, os
pacientes passaram a ter outra inserção na comunidade, saindo do isolamento, o tema da
loucura e a forma de a sociedade vê-la passou a ser discutido, as Equipes de PSF passaram a
ajudar nos tratamentos e as situações de crises, que necessitavam de idas ao Pronto Socorro,
eram acompanhadas pelos ACS, dando um novo aspecto à presença dos pacientes no Hospital
Geral. (Cf. PINTO, 2002).
Mas, em decorrência de avaliação posterior à Oficina de Brasília de 2001, da
publicação da OMS de 2001 (RELATÓRIO SOBRE A SAÚDE NO MUNDO, 2001) e das
compreensões e discussões que se deram nesses últimos dois anos, chamei a atenção para as
limitações que tem o tipo de trabalho de supervisão com manutenção da referência para o
ambulatório. Não estaríamos, dessa forma, no caminho de uma efetiva mudança do modelo
assistencial, mas sim melhorando o modelo existente, de ambulatório de especialidades, no
caso, apoiado por um trabalho na Atenção Básica. (Cf. PINTO, 2002).
Tentei, no trabalho, discutir algo a respeito das dificuldades para a entrada mais rápida
da Saúde Mental na Atenção Básica e sugeri que
O passo para o trabalho direto nas comunidades ainda não havia sido dado,
em parte devido à pressão da demanda ambulatorial tradicional, em parte
fruto da manutenção interna do papel profissional. Esses dois fatores,
pressão da demanda ambulatorial tradicional e manutenção de papéis
profissionais, devem ser objeto de aprofundada elaboração, agora, quando
estamos em vias de avançar na introdução das ações de saúde mental na
atenção básica. (PINTO, 2002, p. 2).
implantado em Macaé: uma equipe de Saúde Mental exclusiva para a Atenção Básica. (Cf.
PINTO, 2002).
Como instrumentos para uma atenção aos transtornos mentais graves na Atenção
Básica, indiquei, naquele momento:
foram, na sua quase totalidade, dadas no modelo organicista, as ações de Saúde Mental são
revestidas de uma aura de mistério para esses profissionais e, talvez o detalhe mais
importante, do ponto de vista das intenções de introduzir a Saúde Mental na Atenção Básica,
existe o medo de que a entrada da Saúde Mental represente mais um fardo no cansativo dia a
dia do trabalho.
Notamos a sensação de esgotamento das Equipes, no seu trabalho diário, bem como a
má disposição em relação às capacitações que, em geral, representam mais trabalho sem
muita discussão, uma espécie de “cumpra-se”. Esses dados reforçam a nossa conduta em
relação às capacitações em Saúde Mental na Atenção Básica de que temos participado: não há
como negar que a entrada da Saúde Mental representa mais trabalho para as Equipes.
Se lembrarmos o que foi dito na Oficina de Brasília 2001, que “o PSF convive com o modelo
manicomial”, representando essa opinião o fato de que, formadas no modo organicista e
participantes do imaginário geral da sociedade, excludente, percebemos que as Equipes não
têm condições, por si mesmas, de reverter os dispositivos de exclusão.
Podemos compreender que não dá maior trabalho chamar uma ambulância e mandar
uma pessoa para o Pronto Socorro e daí para os hospícios. Perder essa pessoa de vista, não
saber onde está internada Repetir receitas de benzodiazepínicos dá muito menos trabalho, do
que questionar o porquê do uso, abrindo perspectivas que não se sabe em que resultarão.
Portanto, nas capacitações, a verdade precisa ser dita: é mais trabalho. O que podemos e
devemos fazer é abrir espaço para discutir a carga de trabalho e as angústias decorrentes e
apontar para a satisfação profissional que virá da nova prática. É possível que, depois da
capacitação adiantada, das ações de Saúde Mental implantadas, dos resultados aparecendo,
das novas formas de trabalho em Equipe surgindo, a carga de trabalho se amenize pelos
efeitos que a correção dos procedimentos produz, bem como com a função do cuidado já
tendo sido espalhada pelas Equipes e comunidade.
Depois do final da tarefa de dar as aulas, o Grupo de Trabalho produziu uma proposta
de capacitação de Coordenadores Municipais de PSF e de Saúde Mental, de modo a estimular
a entrada da Saúde Mental na Atenção Básica. Foi sugerida a divisão do Estado em três
grupos de municípios, com um total de cerca de 30 municípios por grupo (o Estado do Rio de
Janeiro tem 92 municípios). Os municípios enviariam os Coordenadores de PSF e de Saúde
Mental, para um trabalho de capacitação, conduzido pelo Grupo de Trabalho, que se
desdobraria em outras reuniões, após alguns meses, para avaliação do que estivesse sendo
realizado nas práticas que surgissem. Até agora essa proposta não foi efetivada.
171
mas se for para a Equipe de Saúde Mental atuar nas comunidades, a proporção inviabiliza a
proposta, de acordo com o que observo na prática.
Senão, vejamos. Pelos cálculos da OMS e do Ministério da Saúde, 3% da população
necessitam de cuidados constantes e prolongados em Saúde Mental. Apenas esse número
representa um total entre 648 e 1.080 pessoas. Estão nesses números apenas as pessoas
chamadas de “pacientes graves”, que teriam que receber o tipo de assistência qualificada
proposta, com ações de inserção social, geração de renda, articulação de condições de vida.
Tarefa difícil de ser realizada apenas pelas Equipes de PSF. Para apenas uma Equipe de
Saúde Mental, o número é excessivo, considerando que muitas outras ações estão previstas e
propostas. O Relatório que está sendo citado, na sua “Consolidação dos Trabalhos de Grupo”,
não deixa explícita a opção pela presença dos profissionais de Saúde Mental diretamente na
comunidade, mas fala em “Atuação e sensibilização para a escuta e compreensão da dinâmica
familiar e das relações sociais envolvidas;”, em “Acompanhamento/Acolhimento de usuários
egressos de internações psiquiátricas, egressos dos NAPS e outros recursos ambulatoriais
especializados” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, p. 6, grifos meus), que indicam a
presença na base, diretamente. E, depois, relaciona todas as ações já propostas na Oficina de
Brasília 2001.
Quanto à ligação que essas Equipes de Saúde Mental têm com os serviços de
referência da rede de Saúde Mental, parece-me que a forma mais correta de situa-la é no
Programa de Saúde Mental, este sim, organizador do sistema e não o NAPS, CAPS ou outro
dispositivo. A articulação deve ser entre todos os serviços, organizada no Programa de Saúde
Mental. Do contrário, condiciona-se a entrada da Saúde Mental na Atenção Básica e até
mesmo a melhor organização da rede de assistência à existência de CAPS. O que pode ser
destacado dessa discussão é que o que importa é o CAPS como conceito, como sempre
assinala Domingos Sávio, e não apenas como estrutura física ou serviço. CAPS enquanto
conceito que envolve integralidade, continuidade de atenção, clínica ampliada, inserção e
articulação familiar e comunitária, cidadania.
Dos relatórios apresentados pelos Grupos de Trabalho, citarei apenas os itens que não
repetem o que foi descrito a respeito da Oficina de Brasília 2001 e aqueles que são mais
prioritários, a meu ver.
A criação de indicadores de Saúde Mental na Atenção Básica foi mais uma vez
lembrada nesse encontro, com o destaque para a utilização de indicadores que já podem ser
incorporados no trabalho diário: “[...] diminuição de prescrição de medicamentos; diminuição
174
O texto da Carta destaca que, além dos transtornos mentais mais graves, existem as
diversas formas de sofrimento mental que têm na Atenção Básica seu primeiro recurso de
atendimento: as ansiedades, os “distúrbios nurovegetativos”, as tentativas de suicídio, a
violência. (Cf. SES-RJ, 2003).
A Carta tem como objetivos “Estabelecer o conjunto de princípios e diretrizes [...]”
(SES-RJ, 2003, p. 2), para “[...] o desenho das ações de saúde mental na atenção básica dos
92 municípios do Estado do Rio de Janeiro” (SES-RJ, 2003, p. 2), afirmando o papel da SES-
RJ na “[...] integração das políticas de Saúde Mental e de Saúde da Família no âmbito do
Estado do Rio de Janeiro” (SES-RJ, 2003, p. 3).
Dentro dos Objetivos Específicos, a Carta reafirma a orientação de mudança do
modelo hospitalocêntrico, a reversão dos especialismos, a ação da Saúde Mental para além da
remissão dos sintomas. (Cf. SES-RJ, 2003). A Carta sugere a ampliação dos “[...] espaços
tradicionalmente reconhecidos como lugares de atendimento: além do consultório e sala de
procedimentos, o domicílio, a escola, o bairro, a rua, etc.” (SES-RJ, 2003, p. 3). Como meio
de chegar a esses Objetivos, a Carta indica a capacitação das Equipes de PSF na atenção à
Saúde Mental, na forma de mútuo aprendizado. (Cf. SES-RJ, 2003). Um importante
pronunciamento é o que diz que “É fundamental que o(s) profissional(is) de Saúde Mental
que atua(m) no PSF esteja(m) ligado(s) ao Programa Municipal de Saúde Mental” (SES-RJ,
2003, p. 3).
Mais uma vez é sugerido, dentro dos Objetivos Específicos, que o Sistema de
Informação em Saúde Mental se articule com o Sistema de Informação da Atenção Básica
(SIAB), “[...] possibilitando a criação de indicadores de acesso e impacto bem como o
acompanhamento e monitoramento das ações em curso” (SES-RJ, 2003, p. 3).
Como estratégias, a Carta recomenda a capacitação das Equipes de Saúde da Família,
a inclusão da Saúde Mental no Treinamento Introdutório das Equipes de PSF e a realização
de “[...] oficinas regionais de acompanhamento e avaliação da integração dos Programas de
Saúde Mental e Saúde da Família” (SES-RJ, 2003, p. 3).
A Carta não entra na questão da inserção de Equipes de Saúde Mental na comunidade,
limitando-se a sugerir a integração entre os Programas Municipais de Saúde Mental e de
Saúde da Família. Esta integração deve se dar com o conhecimento mútuo, o estabelecimento
de contato entre os Programas, a definição do fluxo de pacientes, dos encaminhamentos. (Cf.
SES-RJ, 2003).
177
O texto traz uma declaração importante, já que vinda do Ministério da Saúde, que
reforça os documentos já produzidos: “[...] urge estimular ativamente, nas políticas de
expansão, formulação e avaliação da atenção básica, diretrizes que incluam a dimensão
subjetiva dos usuários e os problemas mais graves de saúde mental” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2003 b, p. 3).
Ressaltando que as ações de Saúde Mental na Atenção Básica “[...] devem estar
fundamentadas nos princípios de SUS e nos princípios da Reforma Psiquiátrica”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p 3), o documento sintetiza esses princípios
fundamentais, o que ajuda a fornecer uma base para a capacitação das Equipes:
Noção de território
Organização da atenção à saúde mental em rede
Intersetorialidade
Reabilitação psicossocial
Multiprofissionalidade/interdisciplinaridade
Desinstitucionalização
Promoção da cidadania dos usuários
Construção da autonomia possível de usuários e familiares. (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2003 b, p. 3).
Para produzir as suas diretrizes, o documento toma por base a Oficina de Brasília de
2001, o “Seminário Internacional sobre Saúde Mental na Atenção Básica”, realizado por
parceria entre o Ministério da Saúde, a OPAS, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a
Universidade de Harvard, em 2002, e a “Oficina de Saúde Mental no VII Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva”. (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p. 4).
O documento tem início com a definição do “Apoio Matricial da Saúde Mental às
Equipes da Atenção Básica”:
responsáveis pela capacitação e supervisão, definida como Apoio Matricial, estão presentes
nas Equipes e nas ações na comunidade, presença essa que serve de exemplo, demonstração,
responsabilização compartilhada, base mesmo para o Apoio Matricial. O texto aponta
possibilidade de, aos poucos, essa presença ir tornando-se desnecessária:
lógica de Apoio Matricial descrita na última citação. (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003
b).
No capítulo “Responsabilidades Compartilhadas entre as Equipes Matriciais de Saúde
Mental e da Atenção Básica”, vemos uma declaração de princípios que resume o que já foi
dito: “As equipes de saúde mental de apoio à atenção básica incorporam ações de supervisão,
atendimento em conjunto e atendimento específico, alem de participar das iniciativas de
capacitação” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p. 5). Não fica claro, porém, o que é
“atendimento específico”. Além das ações acima, o documento reafirma as ações a serem
desenvolvidas em conjunto pelas Equipes e que já foram descritas anteriormente, quando da
exposição da Oficina de Brasília 2001 e da Oficina de Saúde Mental no VII Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva. São elas, resumidamente: ações conjuntas priorizando casos de
transtornos mentais graves, de uso abusivo de álcool e outras drogas, egressos de hospitais
psiquiátricos, pacientes de CAPS, tentativas de suicídio e vítimas de violência doméstica.
Discussão de casos que envolvam o aspecto emocional. Reverter a medicalização. Ações
contra o preconceito e a segregação da loucura. Mobilização de recursos comunitários.
Desenvolver práticas grupais e coletivas. Desenvolver estratégia de redução de danos no
consumo de álcool e outras drogas. Trabalhar o vínculo com as famílias e articular redes de
apoio. (Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b). A lista de ações dá a dimensão da enorme
tarefa que as Equipes tem diante de si.
No penúltimo capítulo do texto, o Ministério da Saúde traz recomendações para a
formação de pessoal, com o título “Formação como Estratégia Prioritária para a Inclusão da
Saúde Mental na Atenção Básica” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p. 5). O documento
reconhece que
com o texto, esses são “[...] instrumentos de apoio/cooperação para os municípios que
estiverem realizando ações de saúde mental na atenção básica no sentido de qualificar a rede
e o cuidado, e de repensar as estratégias de formação” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b,
p. 6). Devemos supor que a determinação de apoio para a Formação, que está sendo descrita,
também englobe os municípios que querem investir na Saúde Mental na Atenção Básica e
mesmo uma divulgação ampla do que já é possível realizar.
A Formação que o MS se propõe a proporcionar consta de cursos a serem oferecidos
ao pessoal da rede básica, e “[...] suporte e orientação técnica aos núcleos em formação e aos
gestores locais” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p. 6).
Para concluir o capítulo sobre Formação, uma importante observação:
Estão lançadas, portanto, mais uma vez, as diretrizes em nível nacional para a Saúde
Mental na Atenção Básica. O que dá maior importância ao texto citado é que, desta vez,
existe a proposta de financiamento da capacitação, com divisão de tarefas entre as três
instâncias de gestão do SUS.
O documento diz que o financiamento da Formação/Capacitação proposta terá as
seguintes fontes:
outras drogas, número de pessoas com transtornos mentais graves, percentual de pessoas
egressas de internações psiquiátricas e prevalência das epilepsias. (Cf. MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2003 b). Estão, ainda, sugeridos indicadores que revelem o “Número de pessoas que
utilizam benzodiazepínicos atendidas pela rede básica [...]” e o “Percentual de pessoas com
tentativa de suicídio acompanhadas pela rede básica” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003 b, p
6).
A redação desta monografia, nos seus momentos finais, toma o aspecto de uma
reportagem, tendo em vista a dinâmica dos acontecimentos. Mas uma reportagem onde o
repórter está em ação no campo reportado. Assim sendo, prossigamos.
Em abril de 2004, a Assessoria de Saúde Mental da SES-RJ promoveu, numa das suas
reuniões bimensais com os Coordenadores Municipais de Saúde Mental, como forma de
estimular a que os Coordenadores Municipais insiram ações de Saúde Mental na Atenção
Básica, uma apresentação do já citado trabalho de Leila Vianna e Carlos Eduardo Honorato
(Cf. VIANNA & HONORATO, 2003), a respeito da “Integração entre os Programas de
Saúde Mental e de Saúde da Família no Estado do Rio de Janeiro”. Logo após a esta
apresentação, coube-me expor o que está sendo praticado em Macaé, com uma introdução
teórica, e um exemplo de ação da Equipe em torno de uma pessoa com diagnóstico de
transtorno mental grave. Nos debates, foram explorados os temas de integração Saúde Mental
na Atenção Básica com os CAPS, a diversidade de práticas da Equipe, detalhes das
capacitações, a rapidez dos resultados das ações implantadas, a mudança do tipo de prática
que o profissional de Saúde Mental está sendo instigado a fazer.
Em julho de 2004, com a saída de Leila Vianna da Assessoria de Saúde Mental da
SES-RJ, fui convidado para colaborar, junto a Carlos Eduardo Honorato, na referida
Assessoria, nas tarefas de continuar a estruturar a entrada da Saúde Mental na Atenção Básica
nos Municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Em julho de 2004, a Equipe de Saúde Mental na Atenção Básica de Macaé realizou
seu Primeiro Fórum Interno de Saúde Mental na Atenção Básica. Os temas foram:
Infraestrutura e realidade no trabalho dos profissionais de Saúde Mental na Atenção Básica;
Oficinas Terapêuticas na Atenção Básica e no CAPS (discussão com a presença de um
Terapeuta Ocupacional do CAPS); Abordagem de pessoas com diagnósticos de transtornos
mentais graves; Visita Domiciliar e Interconsulta: quando fazer?; Expansão e Capacitação de
novos profissionais.
Neste momento a Equipe de Saúde Mental na Atenção Básica estava composta por:
Naly Soares de Almeida, Psiquiatra, Supervisora; Débora Oliveira B. Jeovani e Maria do
184
Maria do Carmo, que iniciou sua atuação oferecendo-se para Visitas Domiciliares, junto com
ACS, para situações de pedido de intervenção à Saúde, que partem da Escola. Depois das
primeiras Visitas, a comunidade mobilizou-se e surgiram solicitações para atendimento de
pessoas graves, alguns acamados, outros com diagnóstico de psicose, sem tratamento, alguns
confinados em casa. Nesta localidade, está em atuação regular uma Reunião de Saúde
Comunitária, que surgiu do trabalho do Módulo do PSF com a Saúde Mental.
Foram discutidos, no Fórum, casos de abordagem a pessoas com transtornos mentais
graves. Em todas as situações estudadas, as pessoas não estavam em tratamento regular e
tinham histórias de longo curso do problema e/ou de diversas internações psiquiátricas. As
abordagens seguem a forma de trabalhar já descrita, de individualização do atendimento (cada
caso é um caso...) e máxima expansão, familiar e social, do alcance das ações.
A discussão a respeito de Visitas Domiciliares e Interconsulta levou a algumas
conclusões: a Visita Domiciliar é pouco discutida no PSF, muitas vezes sendo realizada
apenas visando os sintomas. O tema já foi assunto de capacitação da Saúde Mental e deve
voltar a ser mais discutido, portanto. Foi decidido tornar a Visita Domiciliar mais “precisa”,
isto é, mais importante, na medida em que discute-se previamente com mais intensidade os
seus motivos e a história do que está sendo abordado e, depois da Visita, cria-se um campo
mais efetivo de capacitação e de conclusões para as ações.
A Interconsulta ainda não está completamente absorvida no dia a dia do profissional
dos módulos, notando-se alguns bons resultados e, também, situações de adiamentos e
impedimentos. Foi decidida uma reunião que terá como participantes os médicos de áreas
onde já esteja em atuação a Equipe de Saúde Mental, a Supervisora, o Psiquiatra e o autor
dessa monografia.
Quanto à Capacitação dos novos profissionais de nível superior que estão para serem
integrados à Equipe de Saúde Mental na Atenção Básica, através de Concurso Público,
decide-se que passarão por observação do trabalho que está sendo realizado, estudo de textos.
Uma Equipe completa entrará em dois Módulos de PSF, inicialmente, com as ações de
Capacitação, Visita Domiciliar e Interconsulta.
Um fato que considero como um dos resultados mais positivos do trabalho implantado
em Macaé foi a solicitação, feita pela Coordenadora do PSF, para que a Equipe de Saúde
Mental atuasse com mais determinação, isto é, que fosse mais adiante, na ajuda às Equipes
dos Módulos de PSF na resolução de seus conflitos internos e na ajuda para que essas Equipes
realizem trabalhos comunitários.
186
promoverem ações junto à Atenção Básica, é pequeno o número de municípios que as têm
realizado de modo efetivo.
Coube-me coordenar a mesa de apresentação dos trabalhos dos municípios, que se
revelaram singulares, diferentes e unidos pelas diretrizes dos últimos textos e encontros a
respeito do tema. Foi sugerido que os apresentadores ressaltassem as ações que estão
produzindo bons resultados, os pontos de impasse e as possíveis modalidades de capacitação
que podem ser úteis. Esta solicitação, aos apresentadores, deveu-se à intenção dos
organizadores do Encontro de que um debate, ao final do mesmo, aprovasse meios de
estimular as ações de Saúde Mental na Atenção Básica.
No debate final foram aprovados os seguintes itens:
- continuar a discussão a respeito da inclusão de ações de Saúde Mental na Atenção
Básica, nos Fóruns Regionais de Coordenadores de Saúde Mental, com atenção para
cada município. Utilizar os Fóruns, também, para debater a respeito dos Núcleos de
Saúde Integral.
- realizar pesquisa, em algum município a ser escolhido, antes e depois de capacitação
em Saúde Mental na Atenção Básica;
- realizar um Fórum de Agentes Comunitários de Saúde, em que eles mostrem o que
têm para ensinar e as suas experiências;
- discutir, em Seminário, a articulação entre Serviços Residenciais Terapêuticos, PSF,
desospitalização e o “Programa de Volta pra Casa”;
- realizar Supervisão de Saúde Mental na Atenção Básica integrada e por Regiões de
Saúde;
- discutir, regionalmente, as ações de Saúde Mental na Atenção Básica, tomando como
estimuladores as experiências apresentadas, pelos municípios, no Encontro;
- divulgar amplamente as conclusões do Encontro.
O Encontro renovou, portanto, as diretrizes e as intenções dos textos e eventos da
área, até o momento. Ficou destacada a necessidade de incrementar a aproximação entre a
Saúde Mental e a Atenção Básica, utilizando os espaços de discussão já existentes, mas com a
sinalização de que será preciso criar novos campos, específicos para a realização da tarefa.
188
CAPÍTULO 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia, para chegar ao seu objetivo principal - observar como está
acontecendo, hoje, a entrada das ações da Saúde Mental na Atenção Básica - percorreu a
história da exclusão praticada pela ciência oficial em nome do encobrimento e do controle de
emergentes sociais indesejáveis. Podemos dizer que os conteúdos da exclusão são o
inconsciente, as diferenças de classe e a miséria.
Ao pesquisar como alguns autores e programas lidaram com tentativas de reverter o
quadro de práticas de exclusão, pudemos perceber que as histórias da Reforma Psiquiátrica e
dos Programas de Atenção Básica são marcadas pela luta constante entre controle e
transformação social.
A história da abordagem ao que chamamos hoje de sofrimento psíquico, termo geral
que contém o conceito questionável de “doença mental”, nos mostra uma imensa variedade de
enfoques.
Os emergentes pessoais, que denotam algum funcionamento fora dos padrões da
normalidade eventual, têm diferenças consideráveis de tratamento, quando variam os lugares,
épocas e culturas. Exaltação, idolatria, execração, torturas, alvo de caridade, assassinato,
curiosidade científica e fonte de lucro são alguns dos destinos daqueles que, por seu
comportamento ou modo de pensar, não se incluem na maioria.
A ciência médica em ascensão organizou, em conformidade com as determinações
políticas e econômicas, a Grande Exclusão, sob a forma dos hospícios, com mais desenvoltura
no século XVIII.
Depois de dois séculos do isolamento que tentava proteger a sociedade de suas
próprias contradições, e da tentativa de expulsão do trágico da existência, a ciência oficial
entra em crise. A visão do horror dos campos de concentração nazistas e a perda das ilusões a
respeito da excelência da sociedade ocidental, com seus modos de produção e de exclusão,
colaboraram para o questionamento do que estava sendo feito com seres humanos nos
hospícios, sob a justificativa de tratá-los.
189
Das tentativas iniciais de abordar a Saúde Mental na comunidade, tanto nos trabalhos
nacionais como nos estrangeiros, ficaram: as propostas de integração entre as Equipes
Clínicas e de Saúde Mental; a noção de população adscrita; o questionamento da divisão entre
profissionais do corpo/profissionais da mente; a necessidade de trocar conhecimentos com a
população; a entrada em campo de diversas categorias profissionais; a correlação entre
sofrimento mental e organização da sociedade; a perspectiva de mudar a forma da sociedade
lidar com o diferente; a percepção das diferentes formas com que a loucura é encarada ao
longo da história.
Os Programas de Atenção Básica, no Brasil, tiveram influência de orientações
internacionais. Mesmo criticada por alguns autores, a Declaração de Alma-Ata ainda é um dos
marcos de orientação para que as políticas públicas de Saúde definam-se pelas ações
comunitárias e incluam a população na condução dos programas. O que se pretende é
ultrapassar as definições de Alma-Ata, com o Programa de Saúde da Família como estratégia
para a mudança do Modelo Assistencial.
A mudança do Modelo Assistencial em Saúde, que tem no PACS e no PSF as suas
bases, possui diversos pontos de semelhança com o que tem sido proposto pela Reforma
Psiquiátrica, principalmente nos últimos anos. Os conceitos de território, rede,
responsabilidade e de integralidade, são comuns à Reforma Psiquiátrica e ao PSF/PACS,
assim como a orientação geral de que o trabalho de promoção da Saúde, a discussão a respeito
das condições de vida e o estímulo à organização das comunidades são partes inerentes do
trabalho.
A proposta do PSF como estratégia para a mudança do Modelo Assistencial tem
recebido atenção especial de Profissionais de Saúde, população, gestores da área da Saúde e
autores ligados, ou não, à Universidade. Porém, existem dois graves fatores de limitação das
possibilidades de efetiva mudança na forma de atuar dos serviços de Saúde, através do PSF: a
definição de um quantitativo populacional excessivo, para cada Módulo de PSF, para a tarefa
proposta, e a falta de capacitação de muitos profissionais para o trabalho de mobilização das
comunidades. Desta forma, o risco é a proposta de mudança resumir-se a uma expansão de
ambulatórios, melhorados, pelas comunidades, sem que as condições de vida e de saúde sejam
discutidas e transformadas.
De forma semelhante às críticas que recebem as tentativas de mudança na área da
Saúde Mental, que seriam meras formas renovadas de controle, também os Programas de
Atenção Básica são alvos de questionamento. A prática de cada Equipe responderá, bem
como o farão os resultados, em termos sociais, ao dilema controle/transformação.
191
Oficina saíram diretrizes básicas para a condução dos trabalhos da Saúde Mental na Atenção
Básica.
Foi aprovada, ainda em 2001, pelo Congresso Nacional, a lei 10.216, que “Dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o
modelo assistencial em saúde mental”. Na Lei, é exigido que o poder público organize modos
comunitários de tratamento dos pacientes com transtornos mentais e coloca a internação
psiquiátrica como exceção.
A Organização Mundial da Saúde elege o tema “Não à exclusão, sim aos cuidados”,
para o Dia Mundial da Saúde, dedicado, em 2001, à Saúde Mental.
Foi realizada, em Brasília, em dezembro de 2001, a III Conferência Nacional de Saúde
Mental, repleta de itens aprovados que indicam a importância estratégica das ações de Saúde
Mental na comunidade. Durante a III Conferência, a OMS lança o documento “Relatório
Sobre a Saúde no Mundo 2001. Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança”,
significativo estímulo para as ações comunitárias em Saúde Mental.
A Lei, os documentos e os encontros citados, de profissionais e usuários, convergem
para a definição da mudança do Modelo Assistencial em Saúde Mental.
A III Conferência, que teve uma das suas mesas dedicadas à Saúde Mental na Atenção
Básica, recomenda que a implantação da rede de serviços em Saúde Mental substitua
totalmente o Hospital Psiquiátrico, numa afirmação inédita para textos oficiais.
A III Conferência reforça o conceito de uma rede de assistência em Saúde Mental com
base territorial e ligada à rede geral de Saúde. Além dessa definição, a Plenária Final da III
Conferência aprovou diversos itens que reforçam a necessidade das ações de Saúde Mental na
Atenção Básica, mostrando que foi grande, no evento, a atenção para o tema.
De acordo com os itens aprovados, a atenção ao sofrimento mental nas ações básicas
de saúde garante o princípio da Integralidade, e a estratégia, para alcançar esse fim, é a
articulação da Saúde Mental com o PSF.
A III Conferência reforça a exigência de repasse financeiro para a Saúde Mental,
redirecionando a verba alocada nas Internações Psiquiátricas para as ações que a substituem.
Pela primeira vez, numa Conferência Nacional de Saúde Mental, a Saúde Mental na Atenção
Básica é citada, com destaque, como uma das modalidades de trabalho a serem contempladas
com o financiamento. Por exemplo, é sugerido que Municípios que tenham a Saúde Mental na
Atenção Básica recebam incentivo mensal, sem redução de outras dotações da Saúde Mental.
O documento do Ministério da Saúde, “Proposta Preliminar. Plano de Inclusão de
Ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, base de discussão para a “Oficina de Trabalho
197
para Discussão do Plano Nacional de Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção
Básica”, é uma importante declaração de intenções da esfera Federal do SUS, trazendo
definições básicas.
A opção pela mudança do Modelo Assistencial é reforçada, estando presentes os
conceitos de território, rede e integralidade como pilares da mudança.
O texto da “Proposta Preliminar” define como função da Equipe de Saúde Mental na
Atenção Básica fornecer supervisão às Equipes de PACS e PSF. Nas discussões e conclusões
da “Oficina” esta diretriz foi ampliada, mudando significativamente o teor das tarefas a serem
desenvolvidas. Não apenas supervisão, mas trabalho conjunto, responsabilidade mútua. Na
prática, o que temos visto são trabalhos que optam por uma ou outra forma de agir e outros
que associam as duas possibilidades. Na nossa experiência, o trabalho conjunto deve ser a
meta a ser alcançada logo que possível.
No trabalho conjunto Saúde Mental/PACS-PSF, com as ações sendo praticadas pelos
dois grupos de profissionais, fica estabelecido que a entrada da Saúde Mental na Atenção
Básica nem é uma prática de supervisão, para que os profissionais da base executem melhor
as tarefas, nem é um posto avançado, comunitário, do Ambulatório de Saúde Mental. Esta é
uma fértil conclusão da “Oficina”: o trabalho deve ser conjunto.
As etapas que faziam parte do cronograma firmado na “Proposta Preliminar” não
foram totalmente concretizadas, ficando a iniciativa da inserção da Saúde Mental na Atenção
Básica por conta do empreendimento dos municípios. Tal fato causa dificuldades e atrasos,
levando-se em consideração o ineditismo da proposta para a maioria dos profissionais de
Saúde Mental e a falta de informação dos Coordenadores Municipais de Saúde Mental e de
PACS/PSF a respeito do assunto. Portanto, as ações do Ministério da Saúde e das Secretarias
Estaduais de Saúde são fundamentais e urgentes, para induzir práticas de saúde que
apresentam resultados rápidos, com impacto nos indicadores.
A questão dos resultados das ações de Saúde Mental na Atenção Básica abre um
interessante campo de pesquisa. Poderá ser pesquisado, por exemplo, um conjunto de
indicadores numa região onde já exista o PSF, de preferência já há algum tempo, mas que
ainda não tenha ações de Saúde Mental da forma que estamos desenvolvendo. Depois da
implantação das ações de Saúde Mental, a coleta dos dados deverá ser repetida, mais de uma
vez, ao longo do tempo, com comparação para efeitos de avaliar os resultados.
A “Oficina de Trabalho para Discussão do Plano Nacional de Inclusão das Ações de
Saúde Mental na Atenção Básica” chegou a conclusões em relação à prática das ações da
Saúde Mental na Atenção Básica que passaram à condição de diretrizes. Dentre elas
198
atenção especial que a questão da Saúde Mental deve ter. Estudos internacionais e também
nacionais, recentes, demonstram que cerca de 50% das pessoas que são atendidas em
unidades de Saúde, nas comunidades, apresentam alguma forma diagnosticável de transtorno
mental. Esse grande número de pessoas freqüentemente não tem seu problema reconhecido,
devido à falta de capacitação do pessoal que as atende, ou são encaminhadas a ambulatórios
de Saúde Mental abarrotados e onde, em geral, não vão ter as dimensões familiares e sociais
do sofrimento abordadas. Os problemas de Saúde Mental que não os considerados mais
graves, são a maioria nos atendimentos na Atenção Básica e constituem-se em importante
campo para capacitação e interconsulta, resultando em nova visão dos profissionais a respeito
do sofrimento mental.
A OMS, na publicação indicada acima, define que os problemas de Saúde Mental
devem ser abordados, preferencialmente, nas comunidades, onde deverão ser feitos o
atendimento às crises, o acompanhamento dos tratamentos e a reabilitação. Para esse fim, a
capacitação é citada como estratégia fundamental.
A OMS dá destaque especial à luta contra o preconceito e o estigma em relação às
pessoas que necessitam de tratamentos mentais, o que pode ser feito com o trabalho de
inserção na vida das comunidades das pessoas que apresentam essas necessidades.
A OMS afirma a necessidade de participação das pessoas assistidas, seus familiares e
população em geral, em todas as etapas da organização dos Programas de Saúde Mental na
comunidade. Trata-se de importante manifestação de intenções e uma diretriz. Mas apenas a
prática dirá de que forma essa participação é estimulada, visto que a população pode ser
chamada a participar de forma ativa ou passiva. O fator “participação popular” é um tema
constante de trabalhos que se dedicam a avaliar as ações de Saúde Mental na Atenção Básica,
cujo enfoque inicial teve aspecto eminentemente controlador. Como o controle é uma das
funções precípuas do Estado, devemos sempre ter presente o questionamento a respeito do
que predomina nas nossas ações: o controle ou a mobilização das comunidades?
O Relatório da OMS, ao levantar as possíveis causas da demora de os países adotarem
as ações de Saúde Mental nos cuidados primários de Saúde, adverte que essas práticas
colocam a Saúde Mental na agenda da população e não mais, apenas, na dos profissionais de
Saúde Mental. É uma grave afirmação.
Podemos, então, listar alguns dos motivos que fomos encontrando, ao longo da nossa
pesquisa, que podem explicar o adiamento que vem sendo observado na efetiva entrada da
Saúde Mental na Atenção Básica. Para cada um deles deve haver uma forma de solução, que
faça adiantar o processo de mudanças.
201
superiores do PSF. Desde que esses temas sejam trabalhados e bem elaborados pela Equipe
de Saúde Mental, estas ações podem ser de utilidade numa parceria constante.
Com as repostas à capacitação das Equipes de Saúde Mental para atuar na Atenção
Básica apresentando bons resultados, com a adesão das Equipes de PACS/PSF às ações de
Saúde Mental (com repercussões na assistência, mobilização comunitária e relacionamento de
Equipes), ficamos com a tarefa urgente de pensar e executar a capacitação em larga escala.
Textos recentes do Ministério da Saúde estimulam a formação de Equipes de Saúde Mental
para capacitação e ação conjunta com as Equipes de PACS/PSF.
Encontramos, na prática, algumas variações na forma de praticar a capacitação em
larga escala e, conseqüentemente, a introdução das ações de Saúde Mental na Atenção Básica.
O momento nos exige união de esforços, e que cada forma de praticar as capacitações e ações
possa dialogar com as outras.
O que está proposto é a mudança do Modelo Assistencial em Saúde e em Saúde
Mental. Dentro dessa concepção, e de acordo com diversos argumentos ao longo desta
monografia, não estamos tratando de capacitar Equipes da Atenção Básica para “ajudar” a
assistência à Saúde Mental. A pretensão é muito mais ambiciosa. Trata-se de mudar a forma
de lidar com o que historicamente foi abordado de modo dividido: corpo, mente e mundo
social. Trata-se, também, de uma aproximação com a loucura e outros fenômenos humanos
ditos “mentais” radicalmente oposta à exclusão. Portanto, a forma de capacitação que pode
produzir resultados mais consistentes é aquela que tem as características de ser em serviço,
constante e fornecida por Equipe responsável pela atuação conjunta na base.
As capacitações que são praticadas sem essas características ajudam, em muito, o
avanço das ações da Saúde Mental na Atenção Básica e a integração com seus Programas,
mas me parecem etapas preparatórias para a efetiva entrada das ações conjuntas.
Temos, de um lado, Coordenadores Municipais de Saúde Mental que, em grande
parte, ainda não despertaram para a potencialidade das ações de Saúde Mental na Atenção
Básica e não conhecem com detalhes a filosofia do PACS e do PSF. Por outro lado, temos os
Coordenadores dos Programas de Atenção Básica que, na sua maioria, não tem suficientes
esclarecimentos a respeito da Reforma Psiquiátrica, suas práticas e suas propostas atuais. Essa
desinformação permanece nas bases, nos profissionais dos dois lados que pretendemos
aproximar.
Uma forma de potencializar a entrada das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica
é a proposta, feita do início de 2003, pelo Grupo de Trabalho de Saúde Mental do Pólo de
Capacitação/Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro. De acordo com esse texto, o estímulo às
203
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Ficha Catalográfica
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