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CASES
Para que o juiz consiga garantir os direitos institucionais das partes, ou seja, aqueles que
existem além dos direitos criados por uma decisão judicial ou prática social expressa, deverá
lançar mão de certos princípios, oriundos da norma jurídica, que funcionarão por meio de um juízo
de ponderação. Assim, Dworkin propõe uma teoria dos direitos pragmática, entendendo existir
somente uma resposta correta para cada caso concreto apresentado ao juiz. Esta resposta correta,
a ser empregada nos hard cases, deverá estar fundada em princípios individuais, devendo o juiz
estabelecer o conteúdo moral de sua decisão, e não apenas aplicar a lei de forma mecânica à
hipótese de fato ou ainda ter a liberdade para selecionar a solução que julgar mais certa dentre as
diversas soluções ofertadas pelo ordenamento jurídico[iv].
Desta forma, Dworkin, a uma só vez, refuta os modelos silogístico e postivista da teoria
da decisão judicial: aquele baseia-se no entendimento de que não existiriam hard cases, haja vista
a tarefa judicial ser lógico-dedutiva, resumindo-se à vinculação estrita da atividade do magistrado
ao texto da lei, enquanto que este defende o emprego da discricionariedade dissociada da
preocupação em legitimar as decisões por meio de princípios, considerando-os obrigatórios dentro
do sistema jurídico.
Mesmo nos casos difíceis, onde existem normas que requerem preenchimento de
conteúdo, o aplicador da lei possui limites instituídos pelo direito no momento de emitir sua
decisão. Tais limites não estariam presentes somente nas normas, mas igualmente nos princípios
que determinam aquele direito, os quais, determinando o conteúdo moral daquela decisão, dirigem
o magistrado à escolha da resposta correta. Destarte, o juiz não se encontra totalmente livre na
atividade interpretativa e nem possui carta branca para emitir decisões intuicionistas [xiv], uma vez
que este, sendo uma autoridade política, é responsável politicamente por seus julgamentos.
Assim, mesmo que esta construção da decisão judicial proposta por Dworkin não exclua
totalmente a possibilidade da existência de erros por parte dos magistrados no momento de decidir
os hard cases, ao menos proporciona maior segurança e solidez a todos os integrantes da relação
processual: aos litigantes, porque encontrarão maior substrato nas decisões no momento de
buscarem futuros argumentos para a refutarem ou a esta se conformarem, e, finalmente, ao
magistrado, porque encontrará aprovação perante a comunidade em que atua, uma vez que este,
diferentemente dos legisladores, não é eleito e necessita, de alguma maneira, de conferir
legitimidade às suas decisões, além de ser responsável perante tal comunidade[xv]. Procedendo
desta maneira, tornar-se-á possível preservar a tão necessária segurança jurídica, hoje
grandemente discutida frente à provável mudança de paradigma pela qual passa o Direito nos dias
atuais.
Por fim, Dworkin finaliza a explanação de sua teoria dos direitos nos casos difíceis
lembrando que nunca se poderá excluir a falibilidade judicial, porém que a atitude daquele
intérprete que não faz esforço algum para determinar os direitos institucionais das partes ou não os
decide é, de certo, muito menos digna do que a atitude daquele que reconhece sua falibilidade
como intermediário humano na aplicação da lei ao caso concreto, e que com isso pode adquirir
uma maior capacidade de argumentação moral. Ao menos este é capaz de decidir os casos
difíceis com humildade e reconhecimento de que não existe o juiz perfeito.
Referências Bibliográficas
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1976.
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Responsabilidade civil médica. 2. ed. Rio de
Janeiro: Destaque, 2001.
[i]
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p.127.
[ii]
“Em minha argumentação, afirmarei que, mesmo quando nenhuma regra regula o caso,
uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever,
mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos
direitos retroativamente.” DWORKIN, op. cit., p.127.
[iii]
DWORKIN, op.cit., p.202.
[iv]
“Em seu aspecto descritivo, a tese dos direitos sustenta que, nos casos difíceis, as
decisões judiciais são caracteristicamente geradas por princípios, e não por políticas.” DWORKIN,
op. cit., p.151.
[v]
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1976, p.267.
[vi]
DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Editorial Ariel, 1989, p.78.
[vii]
VIEIRA, Oscar Vilhena. Discricionariedade judicial e Direitos Fundamentais.
Disponível em: <http//:www.dhnet.org.br/ direitos/militantes/ oscarvilhena/
vilhena_discricionalidade.html> Acesso em: 14.dez.2002.
[viii]
Acerca da construção de uma tese de direitos, esclarece Dworkin: “Contudo, se a
decisão em um caso difícil deve ser uma decisão sobre os direitos das partes, as razões que a
autoridade oferece para seu juízo devem ser do tipo que justifica o reconhecimento ou a negação
de um direito. Tal autoridade deve incorporar à sua decisão uma teoria geral de por que, no caso
de sua instituição, as regras criam ou destroem todo e qualquer direito, e ela deve mostrar qual
decisão é exigida por essa teoria geral em um caso difícil.” DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.163.
[ix]
DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Editorial Ariel, 1989, p.78.
[x]
op. cit., p.80.
[xi]
“...os juízes parecem concordar que as decisões anteriores realmente contribuem na
formulação de regras novas e controvertidas de uma maneira distinta do que no caso da
interpretação. Eles aceitam, por unanimidade, que as decisões anteriores têm força gravitacional,
mesmo quando divergem sobre o que é essa força. É muito comum que o legislador se preocupe
apenas com questões fundamentais de moralidade ou de política fundamental ao decidir como vai
votar alguma questão específica. Ele não precisa mostrar que seu voto é coerente com os votos de
seus colegas do poder legislativo, ou com os de legislaturas passadas. Um juiz, porém, só muito
raramente irá mostrar este tipo de independência. Tentará, sempre, associar a justificação que ele
fornece para uma decisão original às decisões que outros juízes ou funcionários tomaram no
passado.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p.175.
[xii]
“A força gravitacional do precedente não pode ser apreendida por nenhuma teoria que
considere que a plena força do precedente está em sua força de promulgação, enquanto uma peça
de legislação...A força gravitacional de um precedente pode ser explicitada por um apelo, não à
sabedoria da implementação de leis promulgadas, mas à equidade que está em tratar os casos
semelhantes do mesmo modo.” op. cit., p.176.
[xiii]
Dworkin, ao utilizar-se da análise de um caso concreto para defender a sua tese dos
direitos, assevera como seu juiz ideal, Hércules, deve proceder: “Assim, ao definir a força
gravitacional de um precedente específico, Hércules só deve levar em consideração os
argumentos de princípio que justificam esse precedente. Se a decisão favorável à sra. MacPherson
supõe que ela tem um direito à indenização, e não simplesmente que uma regra a seu favor
promove alguma meta coletiva, então o argumento da eqüidade, no qual se fundamenta a prática
do precedente, ganha precedência. Daí não se segue, por certo, que qualquer pessoa que de
algum modo tenha sido prejudicada pela negligência de uma outra deva ter o mesmo direito
concreto a uma indenização, como a outra teve.” DWORKIN, Ronald. op. cit., p.179.
[xiv]
Dworkin toma emprestada a denominação de Raws para defender uma doutrina que
ressalta a responsabilidade do magistrado na atividade interpretativa: “A doutrina parece inócua
nessa forma geral, mas ela condena, mesmo em tal forma, um estilo de administração política que
poderíamos chamar, com Rawls, de intuicionista. Ela condena a prática de tomar decisões que
parecem certas isoladamente, mas que não podem fazer parte de uma teoria abrangente dos
princípios e das políticas gerais que seja compatível com outras decisões igualmente consideradas
certas.” DWORKIN, Ronald. op. cit., p.137.
[xv]
“Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão
respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo”. Op. cit., p. 129.