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Resumo
A música tem princípios que permitem que se expressem sentimentos, sensações e
idéias ao mesmo tempo em que se estabelece uma relação entre os indivíduos
envolvidos, o intérprete/compositor e o ouvinte. É uma forma de expressão e de obra
artística que está constantemente a nossa volta, envolvendo e até mesmo influenciando
nossos pensamentos e ações. Muitas canções imprimem, mesmo que implicitamente ou
involuntariamente, além da carga emocional, mensagens com uma considerável carga
social ou política, a tornando, de alguma forma, crítica ou panfletária. O presente artigo
propõe uma análise do discurso da canção Subúrbio, de Chico Buarque. Uma canção
que retrata em sua letra a periferia da cidade do Rio de Janeiro. Portanto, este trabalho
pretende fazer uma leitura sócio-histórica da canção, por meio do discurso poético e
crítico que ela sugere, sob uma perspectiva da arte como meio de formação de uma
consciência crítica.
Palavras chaves: Discurso; crítica social; canção.
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Trabalho apresentado ao GT de Mídia Sonora, do Regiocom’2007.
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SILVA, Maria Samara Jorge da. Graduanda do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal
do Ceará – habilitação em Publicidade e Propaganda.
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música “lavar a alma”, ficando “tomado pela música”); e
cognitivamente (estimulando o pensamento, concebendo percepções,
processando informações). (SHUKER, 1999, p.72).
Essas formas de recepção surgem da própria natureza da música, mais do que ser
uma arte de combinar sons harmonicamente, a música tem uma grande capacidade de
tocar as pessoas:
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Na literatura e na poesia, usa-se muito polissemias e figuras de linguagem, que se
relacionam diretamente com a criatividade. A criatividade se dá quando se constrói um
dizer novo, um modo de falar diferente. O discurso poético conduz à imaginação, à
construção de uma fantasia. Com isso, o discurso poético é capaz de retratar a realidade
à luz da estética. Nessa prática poética, Chico Buarque compõe canções que nos levam a
identificar discursos críticos, como encontrado na canção em questão.
Podemos pensar no compositor como aquele que tem o poder e a aptidão de
transmitir uma determinada mensagem em forma de arte, de maneira que o ouvinte se
identifique com ela:
Sendo assim, uma canção está vinculada ao contexto que a ação se desenvolve, ao
lugar, ao tempo e a cultura dos envolvidos. Fora de contexto a mensagem pode se tornar
incompreensível ou tomar outras dimensões: “Mudadas as circunstâncias, o sentido e a
função social do texto recebido se modificam: um canto revolucionário torna-se hino
militar; uma canção de amor, canto de contestação política”. (ZUMTHOR, 1997, p.
157).
Numa análise geral de Subúrbio, vemos referências à atmosfera carioca da Zona
Sul em comparação a do subúrbio da cidade. Quando pensamos nas belezas do Rio de
Janeiro, nos vem a imagem da chamada “Cidade Maravilhosa”: praias, turistas, Cristo
Redentor, Pão de Açúcar, artistas, Lagoa Rodrigo de Freitas. Ou seja, tudo que está
relacionado à Zona Sul da cidade, onde se localiza os principais pontos turísticos e os
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bairros nobres. Mas também, quando se pensa nas mazelas do Rio, a imagem que nos
vem à cabeça é a dos morros, das favelas dominadas pelo tráfico, da miséria que faz
parte também da paisagem na Zona Sul e arredores. Tudo parece girar em torno dessa
região. Subúrbio desloca nossa atenção para além disso, para um lugar onde o drama
social parece condenado ao esquecimento.
Para compreendermos melhor essa crítica social, vamos partir para análise de
alguns trechos da canção:
“Lá não tem brisa/ Não tem verde-azuis/ Não tem frescura nem atrevimento/ Lá
não figura no mapa/ No avesso da montanha, é labirinto/ É contra-senha, é cara a tapa”
O advérbio de lugar “Lá” se refere ao subúrbio, o que nos leva a concluir que o
sujeito locutor gera seu discurso como se estivesse fora do subúrbio. Notamos também
logo de início a concepção de imagens contrastadas, que vai se seguir durante toda a
canção, num detrimento do subúrbio em relação à Zona Sul. No verso “É contra-senha,
é cara a tapa”, remete à condição passiva das pessoas que moram no local, elas estão à
mercê das classes superiores, economicamente e socialmente.
Na passagem “Lá não figura no mapa”, ratifica-se a idéia de que o subúrbio é uma
parte ignorada da cidade, como se o mesmo não fizesse nem parte do mapa do Rio de
Janeiro. Essa mesma idéia está no trecho “No avesso da montanha, é labirinto”, que se
refere diretamente às montanhas que circundam o Rio. O subúrbio está no avesso delas,
pois fica por trás das montanhas que são cartões postais da cidade, ficam a margem de
tudo isso. E é labirinto, porque é uma incógnita para aqueles que não vivem lá, que
desconhecem esse outro lado da cidade, sua cultura, seus costumes, suas condições de
vida, etc. O termo labirinto também pode se referir à concepção de suas ruas, como
vemos nos versos a seguir que descreve o lugar:
“Casas sem cor/ Ruas de pó, cidade/ Que não se pinta/ Que é sem vaidade”
A descrição é feita com uso de metáforas, que mostram que não há uma
preocupação com a beleza: são sem cor, não se pinta, não têm vaidade. Mas isso é uma
condição de ser que parte daqueles que fazem o lugar ou são impostas pelo descaso que
sofrem? Toda a construção da canção aponta para a segunda opção. E, nessa exposição
da periferia carioca, das suas ruas, seus casebres e sua gente, o compositor produz
imagens com um perspicaz realismo poético, também encontradas em:
“Lá não tem moças douradas/ Expostas, andam nus/ Pelas quebradas teus exus/
Não tem turistas/ Não sai foto nas revistas/ Lá tem Jesus/ E está de costas”
Nesse trecho, como em toda canção, há comparações com a outra parte da cidade,
a turística, a que sai nas revistas e em outros veículos de comunicação, aquela que tem
moças a tomar sol nas praias.
O verso “Lá tem Jesus/ E está de costas” aponta mais uma vez para o descaso que
têm com essa parte da cidade. Esse Jesus é referência ao monumento Cristo Redentor
que fica no alto do morro do Corcovado. O trecho é uma metáfora de que até Jesus não
liga para essa parte da cidade, já que a estatua está de costas para o subúrbio, no entanto,
está de frente para a Zona Sul. Pode-se também ter outra interpretação em relação ao
trecho, a de que está se falando de religião. No subúrbio há muita religiosidade, há de
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certa maneira a presença de Jesus, nem que seja através de imagens num altar ou de
crucifixos, mas mesmo assim parece que Deus está sempre castigando seus fiéis, que
vivem em péssimas condições, passam fome, frio, estão desempregados, etc.
“Fala na língua do rap/ Fala no pé/ Dá uma idéia/ Naquela que te sombreia”
No trecho acima o compositor faz uso de gírias próprias do lugar que está
descrevendo. Dar uma idéia para alguém faz parte da língua culta, mas dar uma idéia
em alguém tem outro significado, faz parte da “língua do rap”, só compreendida
totalmente por aqueles que a domina. Usando dessas expressões o compositor também
fala na “língua do rap”, que se refere a essas gírias da localidade, já que o rap é um
gênero musical notório no subúrbio e, usando desse linguajar, se aproxima mais das
pessoas do lugar. Ao se expressar, através de palavras ou gestos, para que haja uma
comunicação, é necessário um entendimento entre os interlocutores, e para isso, os
interlocutores usam código comum a ambos, é o quê Winkin chama de regras:
“Chapa quente”, que pode ser entendida como algo que está preste a acontecer ou
algo decisivo, é outra gíria que ele também usa em outro verso a seguir:
“A chapa é quente/ Que futuro tem/ Aquela gente toda/ Perdido em ti/ Eu ando em
roda/ É pau, é pedra/ É fim de linha/ É lenha, é fogo, é foda”
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choro-canção, que convivem com o rap, o hip-hop, o funk, o rock, ritmos novos
incorporados pela cultura local.
Ao lado da cultura de elite das classes superiores, Raymond Williams (1992) diz
que sempre existiu outra, em nada inferior, a cultura do povo, por meio da qual o povo
manifesta a sua identidade social. Assim, Chico Buarque fala da riqueza musical dos
subúrbios, e mais, convoca o subúrbio a desbancar “a tal que abusa de ser tão
maravilhosa” - em mais uma referência à parte do Rio que se deve a alcunha de Cidade
Maravilhosa. Essa convocação fica mais explícita nos trechos que cita o nome dos
bairros após o verbo “falar” na forma imperativa:
“Fala, Maré/ Fala, Madureira/ Fala, Pavuna/ Fala, Inhaúma/ Cordovil, Pilares/
Espalha a tua voz/ Nos arredores/ Carrega a tua cruz / E os teus tambores”
Mais do que falar do Rio, o locutor quer ouvir o quê o Rio tem a dizer. A canção,
assim como toda obra de arte, tem a capacidade de atingir as pessoas. “A música
popular como uma forma de discurso, apresenta sentidos que refletem e constituem
sistemas sociais mais amplos e estruturas de significado” (SHUKER, 1999, p.23). Na
medida que há uma identificação desses indivíduos que estão sendo convocados a falar,
o discurso pode despertar a consciência crítica. Existe na canção essa intenção de fazer
a periferia cantar, ou em outras palavras, se rebelar, se fazer notar.
Como já dito, Chico Buarque tem o costume de trabalhar com sujeitos excluídos
em suas canções e dar voz a eles. Esse tipo de discurso implica em uma reflexão àqueles
que se mostram alienados às condições sociais em que vivem. Ele fez muito isso na
época da ditadura, por meio de suas canções que iam de encontro ao regime militar, ele
denunciou e levou a população a pensar a respeito da situação em que o país estava. No
contexto atual, e mais precisamente relacionado à canção Subúrbio, podemos encontrar
uma crítica a sociedade brasileira, mas especificamente a do Rio de Janeiro, com
disparidades econômicas e sociais.
Foucault (2004) trabalhando com a idéia marxista de lutas de classe para se chegar
a uma mudança social, política e econômica, aponta para uma análise que relaciona
saber e poder na sociedade contemporânea. Para ele o poder não se refere a uma classe
dominante ou ao Estado, mas se estende por todas as camadas da sociedade. No entanto,
aqueles que detêm o poder, geralmente, são aqueles que com um maior grau de saber
especifico. Desse modo, ficam excluídos os sujeitos que não possuem um grau de saber
legitimamente reconhecido. O saber pode ser subsidio para o poder, portanto, conclui-se
daí a importância de se ter conhecimento de si e daquilo que nos cerca. É isso que Chico
Buarque aparentemente almeja despertar com seu discurso poético e crítico, e convida
ao subúrbio a se manifestar, quando apela:
“Fala, Maré/ Fala, Madureira/ Fala, Meriti, Nova Iguaçu/ Fala, Paciência...”
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moram nessa periferia, acreditando que esse seja o primeiro passo para solucionar os
problemas que os atingem. Pode-se dizer também que esse despertar crítico não se
limita só as pessoas do subúrbio do Rio, visto que outros lugares se encontram em
situações semelhantes.
Referências Bibliográficas
BAUER, Martin W. e GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem
e Som: um manual prático. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1993.
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Anexo:
Subúrbio
(Chico Buarque)