Sabemos pouco de Calvino. Na verdade, o que conhecemos dele muitas vezes
depende de imagens desfiguradas ou rótulos depreciativos: ora se fala do ditador de Genebra, ora daquele que teria levado Serveto à fogueira, ora de sua difícil doutrina da predestinação... O que falta quase sempre é saber que por trás de um homem com muitos defeitos sim, havia um dedicado servo de Jesus Cristo, cuja espiritualidade ainda hoje marca aqueles que o conhecem – mas não o idolatram! João Calvino (1509–1564) nasceu na França mas viveu grande parte de sua vida na cidade de Genebra. Aí ele foi acolhido como professor de Bíblia, pregador e pastor. Encaminhado a princípio para o sacerdócio, depois para a advocacia, buscou seu próprio caminho como escritor inspirado no Humanismo de seu tempo. Até então, a Europa vivia sob as sombras de uma religiosidade estéril e supersticiosa, e o povo praticamente desconhecia a verdade viva e libertadora do Evangelho. Foi a leitura dos escritos proibidos de Lutero e o testemunho dos mártires da nova fé, queimados na fogueira na França, que levaram este francês franzino e tímido a encontrar a nova verdade, que tanto ameaçava o clero e os poderosos de seu tempo. A luta de Calvino consigo mesmo foi intensa. Resistiu o quanto pôde. Deus teve de dobrar este homem que, passou a ser perseguido (cassado) e exilado. Embora pouco afirmativo a respeito de si mesmo, deixou claro seu testemunho sobre este momento de sua vida, por volta dos 24 anos: “Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou minha mente.... Tendo conhecimento da verdadeira piedade, imediatamente me senti inflamado...” . Os sonhos de se tornar um intelectual humanista foram se esfriando: “embora não tivesse abandonado totalmente os outros estudos, me ocupei deles com menos ardor.” Servo obediente ao Senhor Jesus, percebeu que esta verdade só estaria clara através de uma prática (práxis) de vida cristã verdadeira. Agora não havia mais tempo a perder! As crianças e os jovens desconheciam Jesus Cristo e as Escrituras? Preparou-lhes um claro e instrutivo Catecismo. A cidade tinha outras necessidades que precisavam ser atendidas. Faltava moradia para os refugiados que chegavam de toda parte? Casas eram erguidas, escolas construídas. Faltava emprego? Uma indústria têxtil foi inaugurada. Os professores reclamavam dos baixos salários? A Igreja precisava estar do lado deles. Os banqueiros abusavam dos juros, os ricos só pensavam em si? Do púlpito, ele lembrava que os pobres eram a oportunidade para testemunhar o amor de Deus para com todos. Os velhos não podiam se locomover até o Hospital? Então deveriam ser atendidos em suas casas, pelos médicos contratados pelo Conselho da cidade. Algo mais? Sim. Por que não um lema que expressasse a essência dessa vida frutífera? E ele foi adotado: Ofereço-te meu coração, Senhor, pronta e sinceramente.
Revista Visão, 1ª. IPI de São Paulo, dezembro 2008