Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS AGENTE Nº do Documento: RL Data do Acordão: 16-06-2005 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Sumário: 1 - O artigo 40º do Código das Sociedades Comerciais adiciona à responsabilidade da sociedade a responsabilidade dos agentes 2 - Estes respondem ilimitada e solidariamente pelos negócios realizados em nome da sociedade no período compreendido entre a celebração da escritura e o registo definitivo do contrato de sociedade cessando a sua responsabilização se a sociedade assumir tais negócios nos termos do artigo 19º/2 do C.S.C. 3 - Aquela responsabilização não exclui que tais agentes disponham do benefício da excussão. Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
G… Ldª intentou acção declarativa com processo
ordinário contra Gil… e António… alegando que celebrou com a sociedade P… Ldª contrato de aluguer de automóveis ao abrigo do qual alugou dezenas de veículos no período compreendido entre 1-4-1995 e 1- 9-1995. No entanto a aludida sociedade não pagou as facturas que lhe foram enviadas para pagamento no montante de 13.719.433$00.
Reclama ainda a A. os juros vencidos (6.359.802$00)
desde a data de vencimento da última factura peticionada até integral pagamento e juros vincendos.
A responsabilização dos réus, e não da sociedade,
funda-a o A. no facto de a dívida ter sido contraída depois da escritura, mas antes do registo da sociedade, o que, nos termos da lei (artigo 40º do Código das Sociedades Comerciais) determina a responsabilização ilimitada e solidária de todos os que no negócio agiram em representação da sociedade bem como os sócios que tais negócios autorizaram.
Na sua contestação o réu Gil… refere que a sociedade
se encontra registada desde 12-9-1997; alega que o A. devia ter demandado a sociedade pois foi ela que contraiu dívida; refere ainda que em 20-3-1995 enviou carta à A. onde se ressalvava que os negócios celebrados apenas vinculariam a sociedade, ou seja, que todos os negócios ficavam condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta dos referidos efeitos.
A acção veio a ser julgada procedente.
Nas suas alegações de recurso sustenta o réu recorrente que os factos quesitados ( 1. A carta datada de 27-3-1995 de fls. 7 foi precedida do envio, em 20-3-1995, da carta reproduzida a fls. 74? e 2. Tal carta foi recebida pela A.?) deveriam ter sido julgados provados, atento o depoimento das testemunhas.
Sustenta o recorrente que as facturas foram emitidas
depois da data em que foi outorgada escritura de constituição da sociedade ocorrendo uma assunção ex lege dos direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos celebrados pelos gerentes, administradores ou directores ao abrigo de autorização dada por todos os sócios na escritura da sociedade (artigo 19º/1d) do CSC).
Essa autorização pode ser tácita, valendo para actos
futuros, assim se liberando as pessoas que seriam responsáveis nos termos do artigo 40º/1 do CSC.
Factos provados:
1- No exercício da sua actividade o A. celebrou com
o primeiro réu o contrato que constitui fls. 8 a 15 dos autos no qual este último interveio em representação de P… Ldª. 2- Entre 1-4-1995 e 1-9-1995 o A. cedeu à sociedade P… Ldª, sob solicitação dos réus, dezenas de veículos tendo facturado os serviços à mencionada sociedade que aceitou as facturas. 3- Em consequência disso resultou para a A. um crédito de 13.719.433$00 correspondente à diferença entre a totalidade das facturas referenciadas em 2 (17.688.935$00) e os valores pagos ou creditados pela A. na conta-corrente contabilística (3.969.502$00). 4- O contrato de sociedade de Príncipe… Ldª foi celebrado em 31-3-1995 no Cartório Notarial de… mas o registo foi lavrado em 12-9-1997. 5- Os RR são sócios gerentes da sociedade mencionada no facto antecedente. 6- O réu Gil… em representação da sociedade P… dirigiu à A. a carta que constitui fls. 7 dos autos, datada de 27-3-1995. 7- O contrato referido em 1 foi outorgado pelo Réu Gil… com a autorização do réu António...
Apreciando:
1. Pretende a recorrente que os quesitos sejam dados
como provados com base nos depoimentos das testemunhas Marco… e Joaquim… que afirmam expressamente (a) que tiveram conhecimento de uma carta envida à recorrida pelo recorrente, (b) que houve um documento que foi enviado, (c) que (c) se falou numa carta.
Ora, tais depoimentos, não justificam que se dêem
como provados os aludidos quesitos tanto mais que é inequívoco que em 27-3-1995 foi enviada pela Sociedade Príncipe… Ldª uma carta à A. e, por isso, as testemunhas poderiam sempre referir-se a tal carta e não a uma outra, anterior, datada de 20-3- 1995 (a fls. 74 dos autos).
Não está em causa que a A. tenha facturado os
valores em débito á sociedade P… Ldª e que lhe tenha atribuído um número de cliente.
A A. foi informada pela sociedade do seu número de
contribuinte (carta datada de 27-3-1995 a fls. 7 onde se refere expressamente “ assim sendo agradecia que a partir de todo o momento, toda a facturação fosse emitida em nome de P… Ldª e assim que receber o número de contribuinte definitivo informar-vos- ei...”).
Não há, assim, nenhuma surpresa pela circunstância
de a sociedade ter sido facturada indicando-se o seu número de contribuinte e fazendo-se constar da facturação o seu número de cliente.
2. Não está em causa nesta acção, neste momento, a
questão de saber se a sociedade poderia ter sido demandada conjuntamente com os sócios por se entender que o artigo 40º do Código das Sociedades Comerciais não exclui a responsabilização conjunta.
Prescreve o artigo 40º/1 do C.S.C. que “ pelos
negócios realizados em nome de uma sociedade por quotas, anónima ou em comandita por acções no período compreendido entre a celebração da escritura e o registo definitivo do contrato de sociedade respondem ilimitada e solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios que a tais negócios autorizarem; os restantes sócios respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas”.
No caso vertente não há duvida de que estamos face a
contratos sucessivos de aluguer realizados, ao abrigo de contrato-quadro, no período que decorre entre 1-4-1995 e 1- -9-1995, outorgada já a escritura de constituição da sociedade (dia 31-3- 1995), mas ainda não registada a sociedade o que só aconteceu no dia 12-9-1997.
O disposto no nº1 cessa se os negócios forem
expressamente condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta dos respectivos efeitos: é o que prescreve o artigo 40º/2 do CSC
A matéria que integraria esta previsão legal não se
provou.
Tem-se entendido que a responsabilização solidária e
ilimitada de todos os que no negócio agiram em representação da sociedade não exclui a possibilidade de a sociedade ser com eles simultaneamente responsabilizada pelas dívidas contraídas em seu nome.
Considerando os casos em que foi já realizada a
escritura de constituição da sociedade, mas não o registo, “pergunta-se se será possível intentar a acção de responsabilidade contra a sociedade, directamente. O artigo 40º, nomeadamente, não pretende restringir a actuação contra os sócios, apenas?
A resposta é negativa. O sentido dos artigos 38º a
40º é o de adicionar à responsabilidade da sociedade a responsabilidade dos agentes, não a de excluir a responsabilização daquela. Seria absurdo que a responsabilidade da sociedade após a escritura fosse menor do que quando esta não houvesse sido ainda celebrada. Ora nesse caso, como sabemos, a sociedade responde em primeira linha perante os credores, por aplicação das regras da sociedade civil. A isso leva a coerência da lei o sentido de valorizar o significado do património autónomo formado” (Direito Comercial Sociedades Comerciais, Parte Geral. Vol. IV, Oliveira Ascensão, 2000, pág. 110/111).
Houve nos autos a pretensão de fazer intervir a
sociedade. O réu, na tréplica, veio requerer a intervenção principal provocada de P… Ldª (ver fls. 1458), mas tal pretensão foi indeferida com fundamento na intempestividade da dedução de tal incidente (ver fls. 1498).
Houve depois um pedido de intervenção principal
espontâneo da aludida sociedade (ver fls. 1507) nos termos dos artigos 320º,alínea a) e 323º do C.P.C. - aproveitando a interveniente a oportunidade para negar que efectivamente a alegada dívida existisse - mas tal pretensão foi indeferida (ver despacho de fls. 1548/1549).
Nesse despacho, transitado em julgado, considerou-se
que a requerente (P… Ldª) não se podia associar aos réus por inexistir interesse litisconsorcial (necessário ou facultativo) “uma vez que tais interesses se excluem reciprocamente; a interveniente não foi demandada exactamente porque a referida norma imputa aos réus a responsabilidade pelos negócios por eles celebrados em seu nome antes do registo do contrato de sociedade. Por isso...não poderia na petição inicial ter sido demandada a sociedade e os réus primitivos pois, tal como na configurada relação material controvertida na mencionada peça, o requerente seria parte legítima” (ver fls. 1549).
Defendeu-se, portanto, a ideia de que a
responsabilização a que alude o artigo 40º/1 do CSC é incompatível com a simultânea responsabilização da sociedade. No entanto, a ser assim, uma sociedade seria beneficiada visto que os terceiros veriam assim coarctado o seu propósito de obter pagamento da sociedade pelas dívidas por ela contraídas em momento anterior ao registo, mas já depois da sua constituição.
Aquele entendimento não é efectivamente inequívoco.
Assim, “ o conhecimento do circunstancialismo histórico e jurídico-científico que rodeia o artigo 40º/1 permite responder às questões porventura em aberto. Nos negócios celebrados pelos seus representantes: os que agiram nessa representação e os que autorizaram tais negócios respondem (portanto: garantem, em termos de responsabilidade patrimonial) por eles, solidária e ilimitadamente. O artigo 40º/1 acrescenta ainda, no fim, que os restantes sócios respondem até à importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas.
A responsabilidade dos representantes e dos sócios
que tenham autorizado os negócios não isenta - como vimos suceder com as sociedades de pessoas - o património social da responsabilidade principal. Além disso, mercê do artigo 997º/1 e 2 do Código Civil, os representantes e sócios demandados dispõem, do beneficium excussionis” (Manual de Direito das Sociedades, Menezes Cordeiro, Vol. I, 2004, pág. 451).
A invocabilidade de tal benefício em sede própria
levantará dificuldade à A. que não dispõe de título executivo contra a sociedade.
Não é, pois, uma questão de legitimidade como se
sustentou o que está em causa - questão sobre a qual o tribunal se pronunciou por decisão transitada em julgado (ver fls. 1555) - visto que o réu foi demandado, e bem.
O problema está em saber, não obstante a
legitimidade do réu, se à A. não teria interessado demandar a sociedade pois afinal foi com ela que contratou (ver 1.2 e 3 dos factos provados supra) a fim de obter também a condenação da sociedade no pagamento da dívida invocada.
Não consta que da escritura de constituição da
sociedade (ver fls. 42/44) tenham sido assumidos para futuro os direitos e obrigações decorrentes do negócio-quadro consubstanciado no doc. de fls. 8 e seguintes dos autos; nem é possível pressupor uma tal anuência quando não se sabe se tal acordo foi celebrado depois da escritura de constituição da sociedade que ocorreu no dia 31-3-1995.
Não é, pois, invocável o disposto no artigo 19º/d)
do C.S.C. A responsabilização dos RR poderia advir do disposto no artigo 19º/2 do CSC, mas a verdade é que se não provou que a administração da sociedade assumisse os direitos e obrigações de outros negócios jurídicos realizados em nome da sociedade antes de registado o contrato.
O registo definitivo da sociedade importaria a
liberação dos RR se se verificasse alguma das situações previstas no artigo 19º/1 e 2 pois assim o prescreve a regra constante do artigo 19º/3 do C.S.C.
A recorrente tem razão apenas na parte em que parece
entender que a liberação dos sócios não é o reverso da responsabilização da sociedade, pois esta existe independentemente da responsabilização daqueles a que se refere o artigo 40º.
No entanto, para a presente acção declarativa tal
aspecto não tem relevância.
Não pode, portanto, o recurso deixar de improceder.
Decisão: nega-se provimento ao recurso confirmando-