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Palestra 01 - Semana Cultural Igor Xavier (2011.

1)
Mesa-Redonda - “Gênero e Diversidade: onde está a homofobia?”

(versão prelimiar, favor não citar sem a autorização do autor)

Transversalizando gênero e sexualidade no campo das violências:


a noção de “transfobia”1

Felipe Bruno Martins Fernandes


PPGICH/NIGS/UFSC
complex.lipe@gmail.com

! Vivemos uma conjuntura sobre direitos de pessoas LGBT favorável, no âmbito das
políticas públicas federais e desfavorável, no âmbito das violências cotidianas (letais e
simbólicas). De um lado o governo federal, os estados e municípios, os poderes
legislativo e judiciário têm, mesmo que timidamente, avançado na garantia de direitos a
essas populações, ampliado o acesso cidadão aos serviços públicos e benefícios sociais
e atuado na prevenção às violências homofóbicas, lésbofóbicas e transfóbicas. Tomando
como pano de fundo as especificidades das violências homofóbicas optei por compartilhar
com vocês as particularidades das violências direcionadas às travestilidades,
transexualidades e transgeneiridades, ou seja, as formas específicas de violência que
impactam diferencialmente as sujeitas travestis, transexuais e transgêneros. Para
responder a pergunta que intitula esta mesa, “onde está a homofobia?”, tentarei montar
um quadro geral da transfobia como um sistema de valores de exclusão de sujeitas e

1Agradecimentos especiais à equipe do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades, coordenado


pela Profa. Miriam Pillar Grossi, com a qual pude discutir versão preliminar deste texto. www.nigs.ufsc.br.
sujeitos que vivem as travestilidades, transexualidades e transgeneiridades. Apesar de
compreender a gravidade da homofobia como um sistema de exclusão amplo que informa
as sociedades sobre o padrão considerado correto e normal de sexualidade, defendo que
a violência contra travestis, transexuais e transgêneros, a transfobia, apresenta várias
particularidades em relação às violências que afetam lésbicas, gays e bissexuais.
! Montei uma fala “didática” no sentido de pós-modernidade de Françoise Lyotard, ou
seja, organizei uma pequena bibliografia específica para tentarmos cercar o tema. Desta
forma a originalidade do que falo aqui reside nessa organização e não nos argumentos
propriamente ditos. Os argumentos devo a importantes pesquisadoras do campo de
Estudos Gays e Lésbicos e Estudos de Gênero, especialmente a Gayle Rubin, Gaëlle
Krikorian e Michel Foucault. De muita utilidade também foram as reflexões do antropólogo
francês Lèvy-Strauss.
! Há uma hierarquia sexual em nossa sociedade na qual os comportamentos sexuais
entre as pessoas são rankeados como “bons” e “maus”, “normais” e “anormais” conferindo
diferentes graus de prestígio e legitimidade às pessoas pela classificação da forma como
vivem sua vida sexual. Esse rankeamento produz a hierarquia sexual na qual há um
ponto relevante para o argumento que tento empreender: na hierarquia sexual só há um
comportamento sexual considerado “bom” e “normal”, aquele do casal heterossexual
marital e reprodutivo. Todos os outros comportamentos sexuais experenciados pelas
pessoas enfrentam diferentes desafios na negociação de sua “bondade” e “normalidade”
e é nessa negociação que se encontram comportamentos tidos, em diferentes graus,
como maus e anormais: a gravidez na adolescência, as homossexualidades, a
prostituição, os casais heterossexuais que vivem juntos e não desejam ter filhos, e
também a problemática que quero focar aqui hoje, aquela das travestilidades,
transexualidades e outras formas de transgeneiridades como a questão das drag queens
e dos cross-dressers. A noção de hierarquia sexual cunhada pela antropóloga norte-
americana Gayle Rubin, portanto, nos é útil por possibilitar esquadrinharmos o tecido
social com base na variância do comportamento sexual e analisar a variância a partir dos
valores atribuídos a cada um destes comportamentos considerados “maus” e “anormais”.
Passo a partir de agora a focar nas questões específicas de pessoas travestis,
transexuais e transgêneros, que chamarei a partir de agora de “pessoas trans”, uma
forma de questionar o mais cruel efeito da transfobia que é, como dito pela antropóloga
Berenice Bento, a quitação do status de humano das sujeitas das travestilidades e
transexualidades.
! Pessoas trans são sujeitas e sujeitos que não se identificam primariamente a partir
de uma sexualidade que se relaciona com o modelo heterossexual, o que faz com que
estas sujeitas e sujeitos se distanciem ainda mais do círculo do “bom sexo” se
comparadas às pessoas lésbicas e gays. Tanto os modelos de comportamento sexual gay
como o lésbico mantém relação direta com a heterossexualidade uma vez que não é a
identidade de gênero (baseada nas formas como valoramos diferencialmente as
feminilidades e masculinidades com base no sexo biológico) a problemática na gayfobia e
na lesbofobia, mas sim a orientação sexual (formas através das quais classificamos o
desejo sexual na contemporaneidade). A homossexualidade, seja ela masculina ou
feminina, é fundamental na definição do lugar da heterossexualidade, uma vez que é
através da nomeação dos limites de anormalidade que podemos, dentro do campo da
lógica, definir a normalidade. Foi na definição da homossexualidade, primeiramente
masculina e posteriormente feminina, no final do século XIX que se pôde, nos anos 1970
definiar a heterossexualidade. Como nos informa Michel Foucault primeiro se investe de
conhecimento a anormalidade, para, depois de dominada teoricamente e politicamente,
se definir a normalidade. Quero dizer, fundamentado no pensamento antropológico, que
não há frio sem o quente ou que não há limpo sem o sujo. O antropólogo francês Lévi-
Strauss inclusive aponta o binarismo como A FORMA com a qual pensamos e nos
expressamos em sociedade. Quando se tenta posicionar travestis, transexuais e
transgêneros no binarismo que organiza nosso pensamento sexual sua posição enfumaça
nossas certezas ao incluirem nas classificações, além da orientação sexual que guia os
preconceitos e violências contra gays e lésbicas, a identidade de gênero, o que garante,
de forma cruel e violenta para não dizer à força, o questionamento da humanidade
mesma destas populações. Se incluiriam nessas concepções de transfobia as
performances de gênero que transgridem os limites das identidades de gênero, como é o
caso de mulheres masculinizadas ou gays afeminados.
! No que tange as performances de gênero e os binarismos, pessoas trans, ao
apresentarem uma relação entre sexo, gênero e aparência física (fenótipo) enfumaça
nossas certezas centradas nos binarismos homem-mulher e homossexual-heterossexual.
Este enfumaçamento afeta diferencialmente estas sujeitas e as localiza, portanto na base
da hierarquia sexual, abaixo de todos os outros comportamentos sexuais, como aponta
Gayle Rubin. É importante ressaltar que falamos da produção de exclusão de
comportamentos consensuais em uma sociedade democrática, ou seja, apesar das
transexualidades e travestilidades não serem consideradas crime no Brasil tratamos de
legislar sobre elas em nossas práticas cotidianas, julgando um comportamento sexual
consensual entre adultos. Desta forma, a transfobia é uma forma de julgamento de valor
sobre o comportamento sexual consensual adulto que fazemos cotidianamente e afeta
especialmente aquelas sujeitas e sujeitos que transgridem os papéis de gênero e papéis
sexuais e também transformam o corpo seja em sua dimensão biológica (silicone,
cirurgias, plásticas) seja em sua dimensão cultural (roupas, maquilagem, gestuário).
! Como há um único comportamento sexual considerado normal em nossa
sociedade, as pessoas trans compartilham com o restante dos comportamentos sexuais
ditos “anormais” algumas semelhanças como as màs representações da mídia, do senso
comum, os textos que patologizam essas experiências, etc. Mas quais seriam,
concretamente, as particularidades da transfobia? Trarei apenas quatro pontos, dentro de
um universo maior, para refletirmos sobre essas particularidades. Falarei da maior
vulnerabilidade dessas sujeitas à violência letal e física, às formas específicas de
violência simbólica, o fato da injustificável transfobia institucional que essas sujeitas
sofrem no acesso a serviços e benefícios e o sofrimento a que são submetidas pelo fato
de recorrerem à transformação física para se constituirem como sujeitas (o que ressalto é
feito por tod@s nós, mas no caso de travestis, transexuais e transgêneros é valorado
negativamente).
! As pessoas trans são mais vulneráveis a violência letal e violência física. Segundo
o Grupo Gay da Bahia foram assassinados 198 pessoas LGBT em 2009 no Brasil.
Lembro que esses assassinatos apresentaram como causa mortis a sexualidade da
vítima. Cerca de 37% desses assassinatos foram de travestis. Como analisa o Prof. Luiz
Mott, o risco de uma travesti ser assassinada é  262 vezes maior que um gay. “Nos dois
primeiros meses de 2010 já foram documentados 34 homicídios contra homossexuais”,
afirma o Professor. A tendência mostrada pelo estudo é de aumento de assassinatos
desde os anos 1980 e não sua diminuição como uma interpretação das conquistas e
avanços no tema poderia apontar.
! Pessoas trans enfrentam tipos particulares de violência simbólica. Um dos mais
marcantes dentre um quadro amplo de exemplos é a vigilância constante que se faz sobre
seu comportamento, buscando “furos” e “erros” nas performances de gênero supondo que
há uma forma certa de se viver as feminilidades e masculinidades. É comum travestis
escutarem: “você tem a mão muito grande para ser mulher”, “nossa, como fica feio seu
rosto com esse acinzentado da barba”, ou até mesmo “que voz grossa você tem”. Esses
mecanismos que podem ser xingamentos diretos ou através de piadas e jocosidade
funcionam para localizar as travestis e transexuais como seres incompletos ou até mesmo
em busca de algo. Nunca como pessoas protagonistas em sua vida, em suas escolhas.
Os protagonistas são sempre aqueles no lugar da normalidade.
! Pessoas trans sofrem de uma transfobia institucional injustificável em uma
sociedade democrática. Todos os serviços do Estado de uma forma ou outra submetem
as sujeitas e sujeitos das travestilidades e transexualidades a situações de exclusão. Seja
na retirada de documentos, nos serviços de saúde, no acesso à justiça e na área que
estudo, a educação. No ano passado Keila Simpson, travesti baiana integrante da da
Articulação Nacional de Transgêneros, afirmou em audiência com o Ministro da Educação
Fernando Haddad que “saí da escola aos 16 anos porque não conseguia estudar. Era
motivo de piadinha e exclusão”. Apenas recentemente o nome social de travestis vêm
sendo reconhecido no Sistema Educacional em vários estados brasileiros, dentre eles
Santa Catarina, estado em que estudo, através do Parecer 277/09 do Conselho Estadual
de Educação.
! Um último ponto que chamo a atenção é que as pessoas trans fazem uso da
transformação da aparência física no processo de sua constituição como sujeitas e
sujeitos. Não que pessoas não trans não o façam. Eu por exemplo estou com um
determinado tipo de roupa, de corte de cabelo, penteado – estou vestido de menino, de
homem. Entretanto a forma como transformo o meu corpo é considerada “normal” pois
supostamente está de acordo com as expectativas hegemônicas relacionadas ao meu
gênero e sexo biológico. As pessoas trans têm na transformação corporal uma marca de
sua identidade que transgride certas regras da hierarquia sexual. No momento de
transformação as redes de sociabilidade destas sujeitas e sujeitos se restringem a uma
rede trans. A transformação faz com que outras redes que lhe seriam de direito em tese
lhes dêem as costas. Por exemplo as redes da família, do trabalho e da escola. Como
disse a escritora Sarah Schulman, que tive a oportunidade de traduzir em texto publicado
online na revista Bagoas, todas nós precisamos, para vivermos em sociedade, de certo
apoio e solidariedade em nossas redes para que possamos nos tornar cidadãs
autônomas e felizes. A recusa de apoio no momento de transformação é uma grave
violência e na maioria dos casos deveria se enquadrar na tipologia do assédio infantil,
uma vez que grande parte das travestis e transexuais iniciam a transformação na infância
ou adolescência.
! Refletir sobre homofobia como uma categoria “geral” das violências a que são
vítimas as populações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros
é fundamental na construção de respostas políticas a esse quadro de total desrespeito
aos direitos humanos dessas populações. Entretanto é necessário, ao mesmo tempo,
percebermos que há nuanças na homofobia o que faz com que, como abordarei amanhã
na UNIMONTES, a homofobia seja um sistema estruturante que deve ser dito e nomeado
sempre no plural. Se por um lado há avanços no âmbito das políticas públicas baseado
no uso da homofobia como uma categoria unitária de políticas públicas, no âmbito da vida
cotidiana a homofobia como categoria unitária têm obscurescido as particularidades da
violência experenciadas por sujeitas e sujeitos cujo comportamento é ainda mais
estigmatizado como é o caso das pessoas trans. Creio que devemos, a partir de agora no
estado da arte dos Estudos Gays e Lésbicos e no momento que vivemos da política anti-
homofobia no Brasil refletirmos sobre como a focalização nas especificidades é uma
forma, também, de defesa dos direitos humanos, produção de categorias analíticas e
garantia de cidadania plena.

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