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ciência

Saúde mental

Por um fio
Mais atenção e alguns telefonemas reduzem em
dez vezes as novas tentativas de suicídio
Ricard o Zorzet to e Carlos Fioravanti | ilustrações Hélio de Almeida

U
ma sessão de aconselhamento, seguida sobre os fatores psicológicos e sociais que levam alguém a
de uma chamada telefônica a interva- tentar o suicídio e sobre aqueles que protegem. Também
los de algumas semanas durante um aprenderam sobre os índices de suicídio na população e
ano e meio, bastou para reduzir em dez sobre a probabilidade de quem já tentou se matar voltar
vezes a taxa de suicídio entre pessoas repetir o ato, além de serem orientadas sobre a disponi-
que já haviam tentado pôr fim à vida. bilidade de serviços públicos de saúde mental.
Esse resultado chama a atenção por Uma semana depois de deixar o hospital, cada um
demonstrar que uma estratégia simples e praticamente dos 922 pacientes do segundo grupo recebeu uma pri-
sem custos pode salvar vidas ao criar laços entre um pro- meira ligação de um membro da equipe que o atendeu.
fissional de saúde disposto a ouvir, de um lado da linha, Quando não havia telefone, os pesquisadores visitavam
e, do outro, alguém com necessidade de falar sobre um as pessoas em suas casas – no Vietnã, por exemplo, ti-
sofrimento psíquico tão intenso que não lhe deixa ver veram de usar bicicletas para chegar aos participantes.
alternativa a não ser a extinção da própria vida. Os contatos, num total de nove, seguiram a intervalos
“Depois do contato inicial, feito ainda no hospital, foi cada vez maiores e funcionavam de modo semelhante ao
preciso apenas ter um psicólogo e uma linha telefônica à trabalho feito pelo Centro de Valorização da Vida (CVV),
disposição”, conta o psiquiatra Neury Botega, professor entidade filantrópica criada em 1962 em São Paulo em
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bo- que voluntários ouvem as pessoas que ligam para um
tega coordenou o grupo que testou no Brasil a eficácia número telefônico – uma das diferenças é que a equipe
dessa estratégia de intervenção, parte de uma iniciativa do CVV não faz aconselhamento. Em cada conversa o
da Organização Mundial da Saúde (OMS) destinada a pesquisador da OMS perguntava como a pessoa estava
diminuir a mortalidade por suicídio, em especial nos se sentindo e tentava estimulá-la a seguir um tratamento
países mais pobres, que concentram 85% dos casos de médico e a buscar forças para superar as adversidades.
morte autoinfligida. Dezoito meses depois da internação os pesquisadores
De janeiro de 2000 a abril de 2004 especialistas em voltaram a procurar as pessoas que haviam atendido.
saúde mental de cinco países reuniram informações so- Dos 827 integrantes do primeiro grupo que puderam ser
bre 1.867 pessoas que haviam tentado o suicídio e foram localizados, 18 ou 2,2% morreram por suicídio, enquanto
atendidas em oito hospitais do Brasil, da Índia, do Irã, apenas 2 das 872 pessoas do segundo grupo (0,2%) se
da China e do Sri Lanka. Depois de tratados os eventu- mataram, relatam os pesquisadores em um artigo pu-
ais ferimentos causados pela tentativa de suicídio, cada blicado no final de 2008 no Bulletin of the World Health
indivíduo passou por uma entrevista com um profissio- Organization. “Os contatos regulares indicavam aos pa-
nal de saúde mental (psiquiatra, psicólogo e enfermeiro cientes que alguém se preocupava com eles”, explica Bo-
psiquiátrico) e foi convidado a participar do estudo. tega. “O mecanismo de ação dessa estratégia é semelhante
Quem aceitou entrou em um de dois grupos. Os 945 ao do aconselhamento psicossocial: funciona como uma
integrantes do primeiro grupo foram avaliados e enca- rede de apoio emocional de emergência para quem não
minhados para um serviço apropriado da rede de saúde. tem uma rede de apoio eficiente”, escreveram os pesqui-
No segundo grupo, além disso cada pessoa era informada sadores no artigo em que detalham o trabalho.

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O resultado impressionante dessa saúde que trabalhavam na subprefei-
iniciativa, conhecida pela sigla Supre- tura da Sé, na região central da capital
Miss (Estudo de Intervenção sobre o paulista, onde vivem 415 mil pessoas, e
Comportamento Suicida em Múltiplos na subprefeitura do Jabaquara, na zona
Locais, em inglês), deixa claro que, com Sul, com população de 210 mil habitan-
um mínimo de estrutura e preparo téc- tes. “Quem era atendido nos hospitais
nico, é possível evitar a morte de quem dessas duas subprefeituras saía com ho-
não deseja de fato morrer. Antes mes- rário marcado para retorno e o nome
mo de concluir a etapa brasileira do do profissional que o atenderia”, conta
trabalho, em que foram acompanhadas Botega. Os psicólogos ligavam para a
cerca de 120 pessoas que haviam tenta- casa de quem não comparecia à con-
do o suicídio em Campinas, a segunda sulta e, se não o encontrassem, pediam
maior cidade do estado de São Paulo, a um agente do Programa de Saúde da
Botega vinha mostrando ser viável im- Família que fosse visitá-lo em casa.
plantar essa estratégia, ainda que com Meses depois do treinamento, o psi-
adaptações, na rede pública de saúde. quiatra da Unicamp, que há quase duas
Em 2003, a convite da prefeitura de décadas investiga as razões que levam as
São Paulo, Botega e sua equipe treina- pessoas a tentarem a autoaniquilação,
ram por seis meses 90 profissionais de surpreendeu-se ao saber que o grupo
por ele treinado continuava se reunin-
do para acompanhar as pessoas com
risco de tentar se matar. Desde 2008
Botega e sua equipe já prepararam cer-
ca de 300 profissionais da rede de saúde
de Campinas para identificar, atender
e prevenir tentativas de suicídio. Ele
aguarda agora a liberação de verba do
Ministério da Saúde para iniciar um
projeto aprovado em 2008: preparar
700 profissionais de saúde de diferentes
municípios que deverão disseminar o
conhecimento sobre como lidar com
pessoas sob risco de suicídio.
No curso são apresentadas infor-
mações sobre as taxas de suicídio e os
grupos considerados de maior risco.
Ensina técnicas para lidar com quem
se encontra em desamparo profundo a
ponto de pensar em se matar e também
a prestar atenção aos sinais de alerta
que essas pessoas emitem. “Elas podem
dar indícios mais diretos e dizer ‘Não
quero mais viver’, ‘Um dia eu vou sumir’
ou ‘Vocês ainda vão sentir minha fal-
ta’, ou dar pistas indiretas como alterar
hábitos, começar a distribuir objetos
pessoais ou visitar amigos e familiares
que há muito tempo não vê”, conta a
psicóloga Blanca Guevara Werlang, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS), que com Bo-
tega integra o grupo do Ministério da
Saúde que desenvolve uma estratégia
nacional de prevenção ao suicídio.
Um dos desafios do psiquiatra da
Unicamp é desfazer os preconceitos e
as ideias erradas que muitos profissio-
nais de saúde têm a respeito do sucídio.
Segundo ele, é comum se imaginar que
quem ameaça se matar não o faz ou que e entre mulheres aumentou 33% para Se as tentativas são menos comuns
falar do assunto com quem se encontra 7 por 100 mil. Nesse período o perfil entre os adolescentes, há ao menos si-
em estado de desesperança e desam- da população que tira a própria vida nais de que uma proporção bastante
paro profundos pode induzir ao auto- também sofreu alterações. Diminuiu elevada deles já pensou em suicídio. Há
extermínio. É possível que essa crença o número de idosos que se matam e cerca de cinco anos Blanca Werlang e a
venha de caso histórico: uma sequência aumentou o de jovens. Até meados do psicóloga Viviane Roxo Borges entre-
de suicídios ocorridos na Europa em século passado 60% das pessoas que vistaram 730 adolescentes com idade
fins do século XVIII após a publicação cometiam suicídio tinham mais de 45 entre 13 e 19 anos de Porto Alegre, a ca-
em 1774 do romance Os sofrimentos anos. Hoje 55% têm menos de 45. pital gaúcha, e de Erechim, uma cidade
do Jovem Werther, do escritor alemão Por razões não totalmente com­ de médio porte no norte do Rio Grande
Johann von Goethe, no qual a persona- preendidas, o Brasil e a maior parte do Sul. Descobriram que 35% deles já
gem principal se mata por causa de um dos países da América Latina registram haviam pensado em suicídio, a maioria
amor não correspondido. Para Botega, índices de suicídio considerados baixos. garotas, muitas das quais apresentavam
porém, falar sobre planos de suicídio Mas não há motivo para acomodação. sinais de depressão.

C
pode ajudar o paciente a procurar ou- Em apenas uma década a proporção de
tras saídas para seu sofrimento. brasileiros que se matam cresceu em
“Por isso trabalhamos para mudar a média 15%: subiu de 3,9 casos por 100 Curiosamente os estados do Sul do país
maneira como os profissionais de saúde mil habitantes em 1994 para 4,5 por 100 concentram os índices mais elevados de
veem o problema, para que percam o mil em 2004 – os homens costumam suicídio, em especial o Rio Grande do
medo de se aproximar de quem está usar formas mais violentas, como en- Sul, onde essa taxa é de 11 por 100 mil,
em risco”, conta Botega. “Quanto mais forcamento ou armas de fogo, enquan- duas vezes e meia superior à média na-
abertamente a pessoa fala sobre per- to as mulheres se intoxicam. Também cional. Atrás de respostas para números
da, isolamento e desvalorização, menos por aqui essa atitude vem se tornando tão elevados, a médica Stela Meneghel,
confusas suas emoções se tornam. A mais comum entre os mais jovens, em da Universidade do Vale do Rio dos Si-
pessoa, então, se torna reflexiva, o que é especial na faixa dos 20 aos 40 anos, que nos (Unisinos), em São Leopoldo, ava-
crucial, porque ninguém, senão o pró- em geral consomem medicamentos e liou os índices de morte por suicídio
prio indivíduo, pode revogar a decisão drogas na tentativa de se matar. no Rio Grande do Sul de 1980 a 1999 e
de morrer”, explica o pesquisador da Os índices brasileiros seguem dis- notou que nesses 20 anos cresceu 50%
Unicamp, que auxiliou o Ministério da tantes dos observados em países do Les- a taxa de suicídio entre os homens, che-
Saúde a elaborar a Estratégia Nacional te Europeu como Lituânia (38,6 por gando a 20 para cada 100 mil. É o dobro
de Prevenção do Suicídio, lançada em 100 mil), Rússia (32,2 por 100 mil) ou da média de suicídios registrados no
2006, e um manual sobre o assunto pa- Hungria (26 por 100 mil), ou mesmo estado, que também cresceu, descreve

A
ra profissionais de saúde mental. de países com taxas moderadas, a exem- Stela em estudo publicado em 2004 na
plo dos Estados Unidos e do Canadá, Revista de Saúde Pública. Em números
onde 11 em cada 100 mil pessoas se absolutos, os casos de morte provocada
Ainda que não sejam impossíveis, ra- matam. Mas o tamanho da nossa po- – geralmente por enforcamento – pas-
ros casos de suicídio são fruto de uma pulação coloca o Brasil entre os dez saram de 642 para 1.093 por ano.
decisão racional ou de convicção polí- países com maior número de suicidas. Inicialmente, Stela atribuiu a maior
tica, ideológica ou moral – a exemplo Segundo o Ministério da Saúde, 8.550 incidência de suicídios no Rio Grande
dos atentados cometidos por homens- pessoas se mataram no país em 2005 – do Sul à crise econômica do país que en-
bomba, da autoimolação de monges uma a cada hora. tre o início da década de 1980 e meados
budistas ou do ato voluntário de rasgar Mas esses são apenas os casos co- da de 1990, que resultou em taxas cres-
o abdome com uma espada (harakiri nhecidos. Para cada pessoa que mor- centes de desemprego e, no Rio Gran-
ou seppuku) adotado pelos samurais no re, muitas outras tentam e não conse- de do Sul, um estado essencialmente
Japão feudal como forma de resgatar a guem – ou nem chegam a tentar, mas agrícola, à perda das terras de pequenos
honra. “O suicídio racional ou filosó- já pensaram seriamente no assunto. Em produtores proprietários rurais, ao en-
fico, fruto de um ato livre e pensado 2003 a equipe de Botega entrevistou dividamento e à desagregação social,
e sem influência exagerada de algum 515 moradores de Campinas com mais quando os pais e os filhos se separam,
transtorno mental, é raro”, diz Botega. de 14 anos que haviam sido sorteados normalmente migrando para as cidades
Tolerado por algumas sociedades aleatoriamente de modo que repre- maiores tentando sobreviver. “Houve
e condenado por outras, o suicídio é sentassem a população do município. um empobrecimento do Rio Grande do
considerado um problema de saúde pú- Descobriram que, de cada 100 pessoas, Sul”, comenta Stela, que trabalhou com
blica mundial, responsável pela morte 17 já pensaram algum dia em se ma- pesquisadores da Universidade Federal
de quase 1 milhão de pessoas por ano. tar, 5 chegaram a elaborar um plano do Rio Grande do Sul, da Universidade
Hoje 17 pessoas se matam em cada gru- e 3 tentaram de fato. Segundo artigo Federal de Pelotas e da Agência Nacio-
po de 100 mil, segundo dados da OMS. publicado em 2005 na Revista Brasi- nal de Vigilância Sanitária.
De 1950 para cá, o índice de suicídio leira de Psiquiatria, de três pessoas que Aprofundando as análises em busca de
entre os homens subiu 49%, chegando põem o plano em ação, uma acaba no explicações mais consistentes, porém, essa
a quase 30 casos por 100 mil habitantes, pronto-socorro. equipe verificou que não era nas regiões

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suicidou apresentava algum transtorno
psiquiátrico. “As doenças psiquiátricas

“Vocês ainda vão sentir são um fator de risco importante que


aumenta a probabilidade de uma pes-
soa cometer suicídio”, explica Botega.
A mais comum dessas enfermida-
minha falta” é um dos des é a depressão, marcada por uma
tristeza profunda que dura a maior
parte do tempo e aparece associada à

alertas dados por quem perda de interesse por atividades antes


prazerosas. Ao longo da vida, de 5% a
12% dos homens e de 10% a 25% das
mulheres desenvolvem depressão e,
pensa em se suicidar entre os gravemente deprimidos, 15%
se matam. O segundo problema mais
frequente é o consumo de álcool e dro-
gas. Em quase 23% dos casos, quem se
matou estava alcoolizado ou sob efeito
de outras substâncias. Outros dois pro-
mais pobres que mais viviam gaúchos de- À formação protestante, marcada blemas comuns entre os que cometem
sesperançados a ponto de passarem ao re- pela extrema valorização do esforço in- suicídio são a esquizofrenia, que atinge
dor do pescoço a corda que antes usavam dividual e do trabalho, o grupo coor­ 1% da população e provoca sintomas
para trabalhar. Os suicídios se concentra- denado por Stela somou a rigidez da graves como delírios e alucinações, e o
vam em áreas de pequenas propriedades, cultura alemã. Então se tornou claro transtorno bipolar do humor, em que
a sul, leste e norte do estado, ocupadas que o empobrecimento poderia ser o oscilam períodos de euforia e depressão.
por descendentes de alemães adeptos de gatilho para levar adiante a ideia de se Em um trabalho publicado em 2003 no
religiões marcadas pelo rigor moral. Onde matar, mas nessa decisão havia também British Journal of Psychiatry, Bertolote
havia mais protestantes, especialmente uma forte influência da religião e da calculou que, ainda que os medicamen-
luteranos e evangélicos adventistas, como etnia. “Para um brasileiro de qualquer tos não funcionem em todos os casos, se
em Santa Cruz, Três Passos, Gramado, outra origem, perder tudo não é o fim esses transtornos psiquiátricos fossem
Canela, Lageado e Estrela, as taxas de sui- do mundo”, diz Stela, cujas conclusões devidamente tratados evitariam 165 mil
cídio eram até duas vezes mais altas que contaram com o apoio da Federação das mortes por suicídio a cada ano.
nas cidades ocupadas por seguidores do Paróquias Luteranas. “Mas os alemães Além dos problemas psiquiátricos,
catolicismo, do espiritismo ou de religiões ou os descendentes de alemães não re- outro fator que aumenta a probabili-
de origem africana. sistem porque têm um código moral dade de alguém desistir de seguir ba-
Em um estudo clássico de 1897, o bastante rígido. Para eles, ver-se desem- talhando são as características de per-

O
sociólogo francês Émile Durkheim já pregado ou hipotecar a terra para pagar sonalidade. Durante seu doutoramento
havia verificado que a taxa de suicídio dívidas é extremamente doloroso.” na Unicamp, sob orientação de Neury
era muito mais elevada nos países pro- Botega, Blanca Werlang traçou o perfil
testantes do que nos de maioria cató- psicológico de quem havia cometido
lica. Vários estudos confirmaram essa Os especialistas não duvidam de que suicídio, usando uma estratégia cha-
ideia, encontrando uma baixa taxa de os fatores sociais, culturais e até econô- mada autópsia psicológica. Desenvol-
suicidas também entre muçulmanos e micos influenciem as taxas de suicídio. vida na década de 1950 pelo psicólogo
judeus, embora outros, feitos principal- Mas sabem que esses fatores estão longe norte-americano Edwin Schneidman,
mente nos Estados Unidos, não consi- de explicá-las completamente. “O sucí- consiste em um verdadeiro trabalho de
derem o catolicismo fator de proteção dio é um problema de causas múltiplas detetive: reconstruir a personalidade do
contra o suicídio. Com base em um e complexas”, diz Botega. morto a partir de pistas que deixou e
levantamento de 1999 da OMS, apa- Nos últimos tempos têm crescido as de informações obtidas com amigos e
rentemente a tradição religiosa ajuda evidências de que por trás do suicídio parentes vivos.
a deter os ímpetos suicidas. A taxa de há quase sempre um problema de saúde Entre 1999 e 2001, Blanca identificou
suicídio situa-se próxima a zero em paí- mental – muitas vezes não tratado. Al- 100 casos de suicídio no departamento
ses muçulmanos como o Kuwait, já que guns anos atrás o psiquiatra brasileiro médico legal de Porto Alegre e procurou
o islamismo proíbe o suicídio. É maior José Manoel Bertolote, do Departa- as delegacias em que haviam sido regis-
em países católicos como a Itália (11,2 mento de Saúde Mental da OMS, anali- trados. Acompanhando os inquéritos
suicídios por 100 mil habitantes) ou sou informações sobre 15.629 suicídios instaurados para apurar as mortes, con-
budistas (Japão, 17,9 por 100 mil habi- ocorridos em diferentes regiões, prin- seguiu contato com parentes e amigos
tantes). E bem mais alta em países com cipalmente na Europa e nos Estados de 21 pessoas que haviam se matado.
população formada principalmente por Unidos. Em 97% dos casos de que se A leitura de cartas e bilhetes e a conversa
cidadãos ateus, como a Rússia. dispunha de dados completos, quem se com familiares e pessoas próximas de

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quem cometera suicídio levaram Blan-
ca a concluir que o fato imediato que
pesquisadores da McGill identificaram
algumas vias bioquímicas do cérebro > O Projeto
havia induzido o suicídio variava mui- que poderiam se encontrar alteradas,
1. Estudo multicêntrico de
to – da perda do emprego a uma briga reduzindo a atividade da região frontal, intervenção no comportamento
familiar. Por trás desse fato havia um responsável pelo controle da impulsivi- suicida (SUPRE-MISS), da
histórico de transtornos psiquiátricos dade. Parte das pessoas que se mataram Organização Mundial da Saúde
(uso abusivo de álcool, inclusive) e de apresentava uma versão alterada de um 2. Plano de prevenção do
relacionamentos complicados entre os gene fundamental para a atividade dos comportamento suicida
membros da família que alimentavam o astrócitos, células cerebrais responsáveis
modalidade
desenvolvimento de uma personalidade pela nutrição dos neurônios, segundo 1. Auxílio Regular a Projeto
com dificuldade de enfrentar os proble- artigo publicado em janeiro nos Archives de Pesquisa
mas corriqueiros da vida. “Essas pessoas of General Psychiatry. O resultado mais 2. Programa Políticas Públicas 1
em geral incorporam características da recente, anunciado na edição de março
família e apresentam um estreitamento da Nature Neuroscience, reforça a ideia Co­or­de­na­dor
psicológico que não lhes permite enxer- de que a propensão ao suicídio é de- Neury José Botega - Unicamp
gar saídas para determinados proble- terminada durante o desenvolvimento investimento
mas”, diz Blanca. “Sentindo-se incapazes ao mostrar que os suicidas vítimas de R$ 44.260,55 (FAPESP)
de reagir, optam pela morte como forma abuso na infância apresentavam redu- R$ 16.038,82 (FAPESP)
de se livrar do sofrimento intolerável ção da atividade do sistema que regula

Q
por que estão passando.” a resposta ao estresse.
Enquanto equipes ao redor do mun-
do trabalham para entender o que le-
Quem comete suicídio costuma ser va algumas pessoas a abrirem mão da
mais agressivo e agir de modo irrefle- vida, a saída possível é preparar pro-
tido, por impulso. “A decisão de dizer fissionais da saúde e de outras áreas
‘chega’ é mais facilmente tomada por para identificar quem está em risco e
pessoas impulsivas”, diz o psiquiatra orientar a buscar ajuda. Blanca defende
brasileiro Gustavo Turecki. Coorde- inclusive que a discussão sobre suicí-
nador do grupo multidisciplinar de dio seja aberta para a população. “Falar
estudos do suicídio da Universidade de morte é difícil, ainda mais quando
McGill, no Canadá, Turecki acredita autoinfligida”, afirma. “Mas, se não se
que o desenvolvimento desse traço de falar, como as pessoas vão saber onde
personalidade depende das condições procurar ajuda?” n
vividas na infância.
Depois de analisar cerca de 200 tra-
balhos sobre suicídio, Turecki e Alexan-
der McGirr sugerem em um estudo de
2007 na Current Psychiatry Reports que
a rejeição dos pais e os abusos físicos ou
sexuais na infância funcionariam como
um fermento, favorecendo o desenvol-
vimento de personalidade impulsiva.
“Ainda que a personalidade se consoli-
de depois da adolescência, intervenções
em períodos sensíveis de seu desenvol-
vimento poderiam produzir efeitos du-
ráveis e diminuir a vulnerabilidade ao
suicídio”, comentam no artigo.
O acompanhamento de um grupo
de 4.488 crianças canadenses da infância
até o final da adolescência permitiu à
equipe de Turecki constatar que o com-
portamento impulsivo aparece associado
a maior risco de suicídio, independen-
temente do surgimento de transtornos
psiquiátricos. Comparando o nível de
atividade de genes no cérebro de pes-
soas que cometeram suicídio com o de
pessoas que morreram em acidentes, os

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