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UMA TRILOGIA POSSÍVEL: O MEIO DO MUNDO E OUTROS

CONTOS (1999), ABERTO ESTÁ O INFERNO (2004) E CINE PRIVÊ (2009)

Por Paulo André de Carvalho Correia

1. A noção de trilogia supõe uma unidade de sentido ou temática entre


obras autônomas. O que perpassaria os três livros recentes do escritor
sergipano Antonio Carlos Viana - O meio do mundo e outros contos (1999),
Aberto está o inferno (2004) e Cine privê (2009) - constituindo uma unidade
entre eles? Várias linhas temáticas estão presentes nos três livros. A
exploração do universo da infância e a encenação da perspectiva infantil
poderiam ser destacados como aspectos para ilustrar como é possível explorar
a unidade de sentidos dos livros. Mas o erotismo é o aspecto mais
preponderante na constituição dessa suposta trilogia. Mais especificamente, o
tratamento que o autor dá a esse aspecto humano. O erotismo é encenado e
reencenado ao extremo. Ao lermos as obras referidas, temos a sensação de
que o autor explorou todas as possibilidades de sua ficção na abordagem deste
aspecto. Aliás, o próprio autor já comentou sobre isso após a publicação de
Cine Privê. Fica-nos a seguinte inquietação: o que vem depois disso?
Conseguirá o escritor reinventar-se?

No laboratório da ficção de Antonio Carlos Viana, o erotismo instaura,


sempre, no plano da narrativa, uma experiência extrema (ligada ao sexo,
morte, loucura), em que o real se desvela em todo o seu horror; no plano da
criação metaforiza o tumultuado processo de criação ficcional do autor. “Neste
sentido, o erotismo configura-se como um “inventor de caminhos”, uma “força
de saber”

2. Para o filósofo Georges Bataille, o erotismo é um aspecto da vida


interior do homem. Articula-se em torno de dois movimentos opostos: a busca
da continuidade dos seres humanos, a permanência além de um momento
fugaz, versus o caráter mortal dos indivíduos, sua impossibilidade de superar a
morte. Neste sentido, o erotismo é sempre a transgressão que surge do
embate destes dois movimentos, configurados no mundo da festa e da
desmedida e no mundo do trabalho, das interdições. Para Camile Dumoulié em
Bataille, “o erotismo é o campo privilegiado [da] transgressão afirmativa que,
todavia, nada afirma senão o desejo e abre o limite ao ilimitado”.

O erotismo, ainda na visão do autor seria uma forma de conhecimento


arrebatadora que implica “uma experiência interior”, como menciona Bataille,
que corresponda à necessidade humana de colocar em jogo tudo “aquilo que o
homem sabe pelo fato de ser”. Seria uma forma de conhecimento que nos leva
a encruzilhada de “violências fundamentais”.

Esse sentido encontramos, em certo sentido, nas narrativas de Antonio


Carlos Viana. Seus personagens estão vivendo experiência extremas em que
tudo é posto em questão. Mas parece que, gradativamente, as narrativas
encenam muito mais a descontinuidade dos personagens, desvelando sua
individualidade e sua impossibilidade de superar a morte e o mundo em que
está posto. A continuidade perdida que se associa-se à noção de prazer é cada
vez menos vislumbrada pelos personagens vianianos. O erotismo, ao longo
dos livros, vai se tornando grotesco e cruel. Explorando uma afirmativa de
Nelson de Oliveira a respeito da literatura contemporânea, em Viana “quem dá
as cartas é o grotesco, o perverso, o escabroso, o hediondo”. E novamente
Oliveira: “Tanatos, senhor dos suicidas, encampou todo o território de Eros, que
acuado, resume-se agora ao sexo violento, frenético, insaciável. Se há beleza
no mundo, não é para nós”. Enfim, em Viana, cada vez mais, o continuidade
perdida, a “outra margem”, configura-se como ausência, como um elo perdido
que só o jogo ficcional é capaz de desvelar. É esse sentido de erotismo que vai
sendo configurado nos três livros que compõem a trilogia que estamos
aventando.

3. O Meio do mundo e outros contos (1999) faz uma balanço da


produção anterior do autor e sugere os rumos dos livros subsequentes. Como
sugere o título, o livro configura-se como um “entre-lugar”, liminar e disjuntivo
entre os dois momentos na produção do autor. Muitas das histórias do livro nos
remetem a esse espaço liminar, haja vista as narrativas que encenam os ritos
de passagem para a idade adulta.

Aberto está o inferno, publicado em 2004, está na epígrafe do livro de Jó


que abre a coletânea: “Aberto está o inferno e não há véu algum que cubra a
perdição. Jó, 26,6”. Como Também sugere o título, o livro escancela as portas
a um erotismo torpe desvinculado da noção de prazer, que talvez tenha como
referência a crueldade de Os cantos de Maldoror (2005), de Lautreamont.

Cine Privê, publicado em 2009, segue as tendências do livro anterior.


Também sob o signo da epígrafe bíblica : “Toda a cabeça está enferma, e todo
coração abatido. Isaías, 1,5”, abre ainda mais as portas ao erotismo torpe,
levando ao paroxismo e nos fazendo perguntar o que virá depois dele, pois
temos a impressão de que o autor e a obra chegaram a um limite extremo de
criação e de sentido. Para tentar flagra a unidade que constituiria a possível
antologia, vejamos, respectivamente, três narrativas dos livros em questão.

4. ”O meio do mundo”, que abre a coletânea de título homônimo,


apresenta o relato da experiência erótica do menino-narrador. Certo dia, o pai o
leva pelo espaço ermo do sertão a uma casa perdida do meio mundo. Lá o pai
o deixa com uma mulher suja de carvão. Dá-se então a experiência erótica:

[…] A muda, ela só podia ser muda, quem nem gemido dava,
puxou o peito para fora e fez como que ia dar de mamar. O
tempo parecia se encompridar como meu corpo naquela hora,
se estender para um nunca acabar de horas, e de repente
parou nas cigarras cantando. E o calor amornando meu
pescoço. A mulher fedia. A blusa toda aberta, um peito pulando
quente em minha boca, fornido, preto de carvão aqui e ali, até
no bico de um rosado triste. Levou minha mão com jeito e a
dela se encaminhou para onde nenhuma outra tinha se
encaminhado ainda, a não ser a minha. Escolado no saber dos
pastos, nem me assustei com o molhado de suas entrepernas.
Deixei que fosse até onde quisesse e quando arrebentou a saia
já era outra mulher, mais ainda pintalgada de carvão, mas com
força igual a de égua quando entestava de ir beber no poço.
Sentada em meu colo, se ajeitou inteira e poderosa, eu magro
demais para sustentar seu corpo e minhas pernas parecia que
iam estalar se ela fizesse movimentos bruscos, se ajeitando
toda, eu como a me perder no sumidouro do mundo.
Escanchou-se que nem eu correndo em cima do cavalo de seu
Zé do Adobe pelo pasto estorricado. Agora era tudo nos
descaminhos e pela primeira vez adivinhei o que era uma
campina verde, devia ser assim, diferente de tudo que eu tinha
visto até então. Adeus, pai, adeus mãe, foi o que me veio a
cabeça, como se fosse uma despedida de viagem, que eu
nunca que fosse ser o mesmo quando fosse pedir a benção no
outro dia à minha mãe.

Dessa experiência, o menino-narrador sai com a consciência de que foi


uma experiência inaugural que o faz imaginar até aquilo que é ausência em
seu espaço e o faz saber que já não é o mesmo. Ao terminar a experiência e se
preparando para ir embora, o menino-narrador diz: “Nada de sombra de pai, e
eu achei a vida a coisa mais estranha do mundo, assim de repente, depois de
uma caminhada sem fim, eu ali outro mas o mesmo”. Tudo no conto nos leva a
pensar no entre-lugar liminar e disjuntivo que é próprio erotismo e a própria
ficção. Afinal, ambos (erotismo ficção) nos fazem vislumbrar a continuidade
perdida ou, como diria Octávio Paz, a “outra margem”. O título, a experiência e
o próprio narrador personagem, que vivem um momento liminar entre a infância
e a idade adulta, tudo nos leva a este espaço intersticial.

“Ana Frágua” é o conto que abre Aberto está o inferno. O relata narra a
história de um menino que economiza dinheiro para realizar sua primeira
relação sexual com Ana Frágua, uma puta que iniciou seus irmãos. O
personagem vai num dia em que ela arrancara três dentes, mesmo assim
solidariza-se com o menino e realiza sua experiência. A primeira diferença em
relação à narrativa anterior é que este menino não relata sua história, ele
precisa de alguém que lhe empreste a voz. A segunda é que ele tem
consciência do que vai fazer. O ambiente também já não é o ermo sertanejo,
mas um povoado de características urbanas. É um ambiente mais degradado,
talvez por isso, o personagem precise de alguém que lhe empreste a voz.

Mas se a narrativa já desvela uma experiência mais torpe que a do conto


anterior, na experiência erótica, o menino personagem ainda vislumbra de
forma tênue a continuidade perdida. Ao realizar a experiência, ele diz: “Puxou-o
pra cima dela e o conduziu pela primeira por caminhos escuros, mas ele nunca
viu tanta claridade na escuridão”. No entanto, é o narrador que relata isso,
talvez o menino não consiga perceber e relatar a epifania vivida na experiência.

“Cine privê”, conto que empresta título ao último livro e em que o


narrador mantém uma falsa distancia da personagem para garantir a secura de
sua voz e o distanciamento emocional, conta a vida de velho que ganha a vida
limpando as cabines de um cine privê, “depois que saem aqueles homens
cabisbaixos, envergonhados do que andaram fazendo lá dentro”. Impiedoso,
como o próprio autor com seus personagens, o narrador nega ao personagem
até mesmo a possibilidade do sonho: “Mais uma cabine se abre e acaba com o
sonho de seu Manuel, que pega a vassoura de franja mole para limpar, mais
uma vez, toda a porra do mundo”.

Seu Manuel, personagem do conto, é um sujeito esmagado pelo mundo,


não há nenhuma redenção para ele, até o sexo lhe é negado. Resta-lhe, como
um Sísifo-Quasímodo, limpar as cabines infernais do cine pornô. Nesse conto,
a descontinuidade do personagem é desvelada em todo o seu horror. O prazer,
associado ao vislumbre da unidade primordial perdida, só é percebido pela sua
total ausência.

5. Nos três livros que formam essa trilogia possível aventada por nós, o
erotismo é explorado ao extremo. Temos a impressão de que autor e obra
chegaram ao limite da criação e de sentido. Neste sentido, este aspecto
humano metaforiza o processo de criação ficcional do autor. Esse aspecto
instaura um tumultuoso processo de criação ficcional, levando o autor a, como
suas personagens, um momento extremo em que o real é desvelado em todo o
seu horror.
A maior objeção a este trabalho é que o autor está no auge de seu
processo criativo. Um próximo livro, e essa suposta trilogia iria por água abaixo.
Mas o que postulamos é que Cinê privê fechou um ciclo em torno de um
sentido de erotismo perseguido pelo autor. Um novo livro talvez abra uma nova
perspectiva em sua obra. A ficção como toda a literatura é o laboratório do
possível. Cabe-nos esperar. Talvez o novo livro seja um irmão que guarde mais
diferenças do que semelhanças com anteriores.

Paulo André de Carvalho Correia é Mestre em Literatura e Diversidade


Cultural. Publicou, em parceria com Thiago Lins e Georgio Rios, o volume de
poemas Só Sobreviventes (Tulle Editora, 2008). Mantém o blog Intestino
Grosso II (intestinogrossoii.blogspot.com).

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