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"Erro" de gramática:
"Pilhei a senhora num erro!", gritou Narizinho. "A senhora disse: 'Deixe estar que já te curo!'
Começou com o Você e acabou com o Tu, coisa que os gramáticos não admitem. O 'te' é do
'Tu', não é do 'Você'"...
"E como queria que eu dissesse, minha filha?"
"Para estar bem com a gramática, a senhora devia dizer: 'Deixa estar que já te curo'."
"Muito bem. Gramaticalmente é assim, mas na prática não é. Quando falamos naturalmente, o
que nos sai da boca é ora o você, ora o tu; e as frases ficam muito mais jeitosinhas quando há
essa combinação do você e do tu. Não acha?"
"Acho, sim, vovó, e é como falo. Mas a gramática..."
"A gramática, minha filha, é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos
nós, o povo; e a gramática - o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo
de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática. Se todos nós começarmos a usar o tu e
o você misturados, a gramática só tem uma coisa a fazer..."
"Eu sei o que é que ela tem a fazer, vovó!", gritou Pedrinho. "É pôr o rabo entre as pernas e
murchar as orelhas..."
Dona Benta aprovou
. (...)
(Monteiro Lobato. Obra Completa. "Fábulas", São Paulo, Editora Brasiliense)
A gramática e a fala
No Brasil, é comum usar às vezes "tu" e às vezes "você. E esse é apenas um exemplo da
diferença que há entre o que diz a regra da gramática normativa e a língua falada.
Quer outro exemplo? Leia um conhecido poema de Oswald de Andrade, um dos organizadores
da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, em 1922. Naquele momento, os artistas queriam
uma nova arte brasileira, incluindo a literatura, com mais liberdade estética em suas criações.
pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da nação brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Analise bem o primeiro verso ("Dê-me um cigarro") e o último, ("Me dá um cigarro"). No
primeiro caso, temos o pronome "me" colocado depois do verbo - a regra da gramática
normativa diz que se deve usar a ênclise, ou seja, o pronome deve ser colocado depois do
verbo, quando não há nenhuma palavra que atraia o pronome.
No segundo, o pronome "me" vem antes do verbo, o que contraria a regra citada. No entanto,
a forma "Me dá" no lugar de "Dê-me" é bastante usada, até mesmo pelos falantes mais
escolarizados. Essa é uma clara demonstração de que há regras diferentes sendo acionadas
em cada caso.
Por que isso acontece? Uma boa forma de explicar é conhecer a complexidade da língua e de
suas gramáticas. É, você não leu errado, não. Existem diversas "gramáticas".
Tipos de gramática
Vamos falar de três deles, retomando, no quadro a seguir, o que o conceituado linguista
brasileiro - Sírio Possenti - defende.
Então como ficam os chamados erros gramaticais? Vamos a mais algumas reflexões:
Exemplo 1
Um velhinho chega à médica e pergunta:
"A senhora é a consultadeira?"
A professora levou um instante até entender o que o homem estava dizendo. Na verdade, o
velhinho estava querendo saber se ela era a médica oftalmologista que iria fazer "exame de
vista" nos idosos do local.
Ao usar "consultadeira", o homem cometeu um erro? Por quê? Procure no dicionário se existe
essa palavra. Não há. Mas e se afirmássemos que o velhinho demonstrou conhecer a língua
portuguesa ao criar a palavra "consultadeira"? Veja:
• sapato/sapateiro sprofissional que conserta sapatos)
• costurar/costureira (profissional que confecciona roupa)
Em "sapateiro" e costureira", temos o sufixo "eiro/eira" que se refere ao profissional relativo à
raiz de cada palavra (sapato, costura). Portanto, ao criar a palavra "consultadeira", o idoso
estava se referindo ao "profissional que faz consultas", ou seja, no caso, uma médica.
Podemos dizer que o velho é um ignorante em termos gramaticais? Podemos dizer que ele tem
uma gramática internalizada que o levou a criar a palavra "consultadeira", que está fora da
norma gramatical, mas está dentro do "sistema da língua"?
Exemplo 2
(a)
Adequação da linguagem
A gramática normativa chama de "erro de concordância" as construções do caso (a) e do caso
(b). A gramática descritiva procura explicar os usos da língua, no caso (a) - e daí, essas formas
não seriam erros - e preconiza que o caso (b) não existe na língua.
Podemos afirmar que as construções do caso (a) podem ser inadequadas em determinadas
circunstâncias ou contextos de uso, quando precisamos escrever ou falar de maneira mais
formal, ou ainda, de acordo com as regras da gramática normativa: aquelas que, enfim,
padronizam os usos da língua, em especial quando se escreve. Os bens culturais, como as
artes e as ciências, são expressos em gramática normativa, por isto, conhecê-la permite que
desenvolvamos ferramentas necessárias para dominar a língua escrita, o que pode significar
uma participação social maior e mais qualificada.