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RACIOCÍNIO CLÍNICO

Artigo Especial

Raciocínio clínico – o processo de decisão diagnóstica e


terapêutica
A.RÉA-NETO
Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.

RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as tica é realizada quando uma hipótese atinge um
fases e os principais constituintes do processo certo grau de verossimilhança. A decisão tera-
cognitivo que os médicos empregam no raciocínio pêutica depende dos objetivos pretendidos e da
clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. efetividade esperada entre as diversas alternati-
O processo de solução dos problemas clínicos uti- vas disponíveis.
liza-se do método científico hipotético-dedutivo
de resolver problemas. Tão logo um médico en-
contra um paciente, várias hipóteses diagnós- U NITERMOS : Raciocínio clínico. Solução de problemas.
ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas Tomada de decisão. Competência clínica. Diagnóstico.
e refutadas ou corroboradas. A decisão diagnós- Relação médico-paciente.

O raciocínio clínico é uma função essencial da a uma situação que pode ser verdadeira ou falsa
atividade médica 1. Embora o desempenho médico (embora uma incerteza sobre sua verdade ou falsi-
seja dependente de múltiplos fatores, seu resulta- dade sempre exista na prática). O método hipoté-
do final não poderá ser bom se as habilidades de tico-dedutivo é o procedimento de testagem da
raciocínio forem deficientes2. A eficiência do aten- hipótese. A hipótese permite a dedução de quais
dimento médico é altamente dependente da análi- testes podem ou devem ser realizados para avaliar
se e síntese adequadas dos dados clínicos e da sua verossimilhança (grau de verdade ou falsidade
qualidade das decisões envolvendo riscos e benefí- de uma hipótese).
cios dos testes diagnósticos e do tratamento.
Tem havido, nas duas últimas décadas, um O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS
grande crescimento na nossa capacidade de com- PROBLEMAS CLÍNICOS
preensão do raciocínio humano e, em particular,
do raciocínio clínico. As pesquisas realizadas nas Várias pesquisas têm mostrado que quando o
disciplinas da ciência cognitiva, teoria de decisão médico se defronta com um paciente que apresenta
e ciência da computação têm fornecido uma ampla um problema, ele se utiliza de um método cognitivo
visão do processo cognitivo que forma a base das de resolver problemas muito semelhante ao méto-
decisões diagnósticas e terapêuticas em medicina3. do científico hipotético-dedutivo 6,7 . Recentemente,
vários trabalhos procurando identificar os passos
O MÉTODO CIENTÍFICO cognitivos que os médicos realizam no processo
HIPOTÉTICO-DEDUTIVO diagnóstico têm demonstrado uma rápida geração
de hipóteses diagnósticas 8,9. Na seqüência, os mé-
O método hipotético-dedutivo também pode ser dicos realizam testes para corroborar ou refutar
chamado de método crítico ou da tentativa e erro e cada hipótese até obter uma que tenha forte veros-
foi descrito por Popper no início do século 4. Apre- similhança e que possibilite uma tomada de ação,
sentado o problema, o investigador lança uma como, por exemplo, o início de um tratamento.
hipótese para explicá-lo. Depois, deduz-se da hipó- O processo de solução dos problemas clínicos é
tese os testes com potencial para refutá-la. Se o constituído por dois grandes componentes que
resultado dos testes refutar a hipótese, ela é elimi- necessitam ser considerados separadamente, em-
nada. Se o resultado dos testes não refutar a bora eles não possam ser separados na prática. O
hipótese, ela é suportada ou corroborada. primeiro deles é o conteúdo, uma base de conheci-
É importante definir exatamente o que significa mento rica e extensa que reside na memória do
uma hipótese e o método hipotético-dedutivo5. Uma médico. O outro é o processo, o método de aplicação
hipótese é uma declaração afirmativa relacionada do conhecimento utilizado pelo médico na busca de

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uma solução do problema do paciente. Os médicos


experientes empregam esses dois componentes de Problema → Hipóteses → Teste(s) → Resultados
Clínico Diagnósticas
forma totalmente entrelaçada. A presente revisão


procura descrever o processo de utilização do co- →
nhecimento segundo o método científico hipoté-
Fig. 1 – O método hipotético-dedutivo aplicado na
tico-dedutivo.
solução dos problemas clínicos.
O modelo que os médicos utilizam para solucio-
nar problemas clínicos é muito semelhante à abor-
dagem dos detetives diante de um crime ou dos Essa abordagem seqüencial de testagem de
cientistas quando confrontados com fenômenos múltiplas hipóteses no processo de solução dos
inexplicados 10. Em cada uma dessas situações, um problemas clínicos é mais eficiente que o acúmulo
problema surge para o qual uma explicação segu- de dados sem propósito, um processo no qual todos
ra não é imediatamente evidente e várias hipóte- os dados coletados são revisados de uma só vez na
ses são levadas em consideração. As informações esperança de reconhecer um padrão diagnóstico11.
necessárias à decisão sobre qual das hipóteses é Essa última abordagem é altamente sujeita a er-
correta requer a coleta de outras informações, a ros, ineficiente e custosa, além de não permitir a
interrogação de testemunhas e a busca de pistas formulação de conceitos, elementos fundamentais
pelo detetive; a observação e a experimentação na compreensão do problema do paciente.
pelo cientista; e a entrevista, o exame físico e
testes laboratoriais pelo médico.
O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS
Com esse método, tenta-se resolver um proble-
PROBLEMAS CLÍNICOS
ma, quer seja ele clínico, uma pesquisa científica
ou um crime, sempre começando com uma hipótese. O processo de solução de um problema clínico
O detetive levanta sua lista de suspeitos; o cientis- começa quando o paciente se apresenta ao médi-
ta, suas hipóteses a serem pesquisadas; e o médico, co 12. O sucesso na resolução do problema do pacien-
seus diagnósticos possíveis. Cada um sabe que a te, que é o objetivo de todo o processo, é a obtenção
maioria de suas hipóteses é incorreta e que seu de um diagnóstico correto e de um tratamento
trabalho é eliminar as hipóteses incorretas e esco- efetivo. A solução desse problema é caracterizada
lher a correta, dois processos complementares mas por duas grandes fases de tomada de decisão: a
muito diferentes. Por exemplo, o detetive usa o designação de um diagnóstico num nível de espe-
álibi na eliminação e o motivo ou a evidência da cificidade adequado para as considerações tera-
presença na cena do crime, ou ambos, na incri- pêuticas e a seleção de um tratamento que afete o
minação. O cientista propõe uma hipótese, define problema de forma a resolvê-lo ou aliviá-lo. Além
suas implicações e delineia experimentos para dessas duas grandes fases de tomada de decisão, o
testar a hipótese. Se o experimento contradiz sua processo de resolver problema clínico é repleto de
hipótese, ela é eliminada; se confirma as expecta- muitos outros estágios de tomada de decisão de
tivas, a hipótese é suportada. menor ordem (seleção de que perguntas fazer,
O número de locais possíveis onde os detetives decidir que respostas são confiáveis, interpretar
podem procurar pistas é virtualmente infinito. um sinal físico, selecionar um ou mais testes de
Os delineamentos, seleções de amostras, aferi- laboratório, escolher uma das formas alternativas
ções e análises que os cientistas podem utilizar de tratamento etc.). Como veremos, a tomada de
nas suas pesquisas são inúmeros. Da mesma decisão está tão envolvida no processo de solução
forma, os médicos poderiam fazer milhares de dos problemas clínicos que é essencial a ele. No
perguntas, realizar várias manobras no exame entanto, é preciso reconhecer que, embora as to-
físico e solicitar centenas de testes laboratoriais. madas de decisões sejam necessárias para se resol-
No entanto, nenhum desses profissionais faz ver o problema, o objetivo final não está nelas (na
isso. Haveria um gasto enorme de tempo, esforço tomada de decisão em si), mas sim na melhor
e dinheiro antes que informações relevantes solução possível do problema.
pudessem ser coletadas para resolver o proble-
ma. O que esses profissionais fazem é usar hipó- A formulação de um conceito inicial
teses sugeridas pelo problema para, a partir O primeiro elemento na tentativa de solucionar
delas, determinar exatamente quais informa- um problema clínico é obter informações relacio-
ções são necessárias para deduzir qual das hipó- nadas ao problema do paciente. Quando o médico
teses é a mais correta 7,8 . Um típico método hipo- encontra o paciente pela primeira vez e após uma
tético-dedutivo (fig. 1). ou duas perguntas abertas, o paciente começa a

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descrever seus sintomas ou suas preocupações, ele mais freqüentemente, os médicos utilizam-se de
oferece ao médico várias informações, além de heurísticas 15. Heurísticas são associações rápidas
suas respostas e comentários iniciais, como sua que os médicos fazem entre dados (manifestações
aparência, sexo, idade, postura, expressão facial, clínicas) e explicações potenciais (processo fisio-
linguagem, aflições etc. Outras informações já patológico, síndrome ou uma doença específica),
podem estar disponíveis também nessa fase, como baseadas nas suas experiências pregressas com
o prontuário antigo ou notas de referência. Com situações similares. Elas surgem mediante associa-
esses dados bem iniciais, o médico percebe que há ções entre o conceito inicial formulado e os conheci-
um problema e qual a sua natureza inicial, ponto mentos que os médicos têm na memória, a longo
de partida na procura de outras informações que prazo. As heurísticas são essenciais para reduzir a
lhe parecem mais importantes na busca de uma necessidade de fazer muitas perguntas ou realizar
solução. Esse é o conceito inicial ou a síntese testes supérfluos de laboratório e para tornar prá-
inicial do problema 13. tica e eficiente a tarefa de analisar e sintetizar
Esse conceito inicial formulado pelo médico é dados.
fortemente influenciado pela circunstância do A base de conhecimentos que os médicos utili-
atendimento (consultório ou serviço de emergên- zam para gerar hipóteses pode ser dividida em
cia), pelas características demográficas do pacien- conhecimento centrado no dado e conhecimento
te, pela sua aparência, pela capacidade de percepção centrado na doença 12. O conhecimento centrado no
e da especialidade do médico, além da queixa dado capacita o médico a avaliar um sintoma, ou
inicial. Por exemplo, um paciente agitado, com 50 um sinal, ou um resultado laboratorial em particu-
anos de idade, levemente obeso, queixando-se de lar. Com esse conhecimento, quando um determi-
uma dor precordial que se iniciou há uma hora, nado dado qualquer (fadiga, esplenomegalia ou
poderá ter o seguinte conceito inicial: “um homem uma elevação da fosfatase alcalina) é observado,
de meia-idade com uma dor precordial por prová- suas possíveis causas são lembradas e avaliadas. O
vel insuficiência coronariana”. E uma paciente conhecimento centrado na doença permite ao mé-
com 32 anos de idade, olhar cabisbaixo, com pouca dico conhecer as manifestações clínicas que, tipi-
expressão facial, voz vagarosa, queixando-se de camente, caracterizam uma doença. Esse conheci-
uma dor precordial que se iniciou há uma hora, mento pode ser dividido em de protótipo e de
poderá ter como conceito inicial “uma mulher jo- sistemas. O conhecimento de protótipo é o das
vem, deprimida, com uma provável dor precordial doenças como elas estão descritas na maioria dos
de origem psicossomática”. Embora as queixas livros de textos e se compõem do conjunto de
principais sejam essencialmente as mesmas, os manifestações que um doente freqüentemente
conceitos iniciais foram muito diferentes para apresenta quando portador de determinada doen-
ambos os pacientes porque o médico percebeu ou- ça. O conhecimento de sistemas consiste em prin-
tros elementos que mudaram seus conteúdos. cípios fisiopatológicos que explicam as relações
dos dados com as doenças incluídas nos protótipos.
A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas O conhecimento mais utilizado pelos médicos, na
Tão logo o médico formula seu conceito inicial, fase de geração de hipóteses, é o centrado no dado.
várias hipóteses brotam-lhe na mente8,11. Isto ocor- A fase de geração das hipóteses diagnósticas é
re bem precocemente no encontro com o paciente. fortemente dependente da memória e do conhe-
Pelo menos uma hipótese é inicialmente gerada; cimento dos médicos 16. Tanto a disponibilidade
freqüentemente, três a cinco hipóteses e raramen- quanto a recuperação dos conhecimentos relevan-
te mais de cinco hipóteses são geradas após a tes guardados na memória são variáveis críticas
formulação do conceito inicial. Esses resultados no processo de raciocínio clínico e se relacionam
estão em conformidade com as avaliações realiza- intensamente com a qualidade da solução dos pro-
das por psicólogos sugerindo que a nossa memória blemas clínicos.
de trabalho não suporta mais de quatro a sete As hipóteses geradas no início são freqüen-
idéias ou conceitos separados ao mesmo tempo 14. temente abertas ou pouco específicas e estrutu-
As hipóteses geradas nessa fase dependem, fun- radas em bases anatômicas ou fisiopatológicas13.
damentalmente, da natureza do conceito inicial e Cada uma das hipóteses iniciais é deduzida a
da capacidade do médico em conceber explicações partir dos dados ou conjunto de dados do conceito
plausíveis 8. Nesse processo, o médico pode basear inicial. E, principalmente, se a queixa inicial for
suas hipóteses em dados estatísticos de preva- muito vaga, o médico fará questionamentos para
lência das possíveis explicações para cada dado ou clarificar a natureza do conceito inicial e estreitar
conjunto de dados clínicos obtidos. Entretanto, suas hipóteses. Os questionamentos iniciais são

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focos de pesquisa para avaliação dos sintomas. solução do problema médico. O que interessa são
Eles auxiliam na compreensão acurada e precisa os seus conteúdos. Como as hipóteses científicas,
das queixas, no entendimento do possível processo uma vez que as hipóteses médicas sejam claras (na
fisiopatológico de base e na obtenção de infor- mente do médico que a gera) e estabeleçam rela-
mações adicionais, todos úteis na elaboração das ções entre seus elementos (manifestações clíni-
hipóteses. cas), elas serão válidas e úteis neste momento do
Devido à grande incerteza que caracteriza a fase processo de solução dos problemas clínicos.
inicial do encontro clínico, as hipóteses têm uma A formulação de uma hipótese inicial baseada
função primordial: elas estruturam o problema em apenas umas poucas observações clínicas é
clínico e fornecem um contexto para a progressão dependente da habilidade cognitiva em relacionar
do raciocínio clínico e da exploração diagnóstica6-8,13. situações novas com as experiências anteriores.
O contexto estrutura o problema e restringe o Experiência clínica, claramente, aumenta a quali-
número de explicações possíveis, limita as ações dade das hipóteses geradas. Um grande conheci-
necessárias na busca da solução do problema e mento das informações de livro é insuficiente para
fornece uma base para as expectativas. Essas uma eficiente geração de hipóteses, em parte por-
expectativas são predições de achados clínicos ba- que, no mundo real, as doenças e as síndromes
seados no modelo mental da síndrome ou da doença variam mais em seus atributos constituintes que
do contexto. Por isso, a representação mental que nas descrições típicas dos livros. Mas habilidades
o médico tem das síndromes e das doenças é um cognitivas bem desenvolvidas são, também, insufi-
fator crítico na eficiência do processo de solução cientes para se atingir eficiência na geração de
dos problemas clínicos. hipóteses, se o médico não possui conhecimento
Cada hipótese diagnóstica evoca um modelo com teórico suficiente. Mesmo o uso brilhante do racio-
o qual as manifestações clínicas do paciente podem cínio não é capaz de reconhecer uma doença ou uma
ser comparadas11. Uma hipótese diagnóstica de síndrome desconhecida.
“síndrome nefrótica”, por exemplo, demanda a O diagnóstico de um problema médico é fre-
presença de proteinúria maciça, tipicamente qüentemente comparado com a resolução de um
acompanhada de hipoalbuminemia e edema, com complicado jogo de quebra-cabeça ou com as histó-
fatores predisponentes (diabetes melito, amiloi- rias de ficção de detetives 17. Mas uma análise
dose, lúpus eritematoso sistêmico), complicações atenta desses processos mostra que o processo
potenciais (trombose venosa, aterosclerose), asso- diagnóstico é diferente. Quando compramos um
ciações fisiopatológicas (ingesta de sódio, pressão jogo de quebra-cabeça, junto com as peças vem
oncótica diminuída e edema) e correlações histo- uma figura, elemento importante como orientação
patológicas (nefropatia membranosa) característi- na montagem lógica das peças. Nas histórias de
cas. Então, quando síndrome nefrótica se torna detetive, o final está na mente do autor. Embora
uma hipótese, suas características formam um em ambas as situações haja sempre um problema
contexto para avaliar outros dados clínicos do a ser resolvido no começo, o fim já é conhecido,
paciente. Dentro desse contexto, novos dados são servindo de guia para a montagem do jogo ou para
coletados e avaliados, preservando e refinando a o desenrolar da história. Quando o médico se de-
hipótese ou rejeitando-a. fronta com um problema clínico, as soluções em
Clinicamente, as hipóteses devem ser vistas potencial são desconhecidas. Somente uma hipó-
como rótulos pessoais que os médicos aprenderam tese pode lhe permitir encontrar o final correto.
a usar para identificar um conjunto de elementos
A avaliação e regeneração das hipóteses
que caracterizam uma doença, um conceito fisio-
patológico, etiologias etc. 13 . São idiossincrasias As hipóteses geradas no início do encontro com
usadas para um arquivo pessoal de fatos ou concei- o paciente representam possíveis causas expli-
tos clínicos de forma a facilitar o acesso à memória. catórias do conceito inicial. À medida que a avalia-
Embora dois médicos possam chamar a mesma ção ocorre ao longo da entrevista, inicialmente
hipótese pelo mesmo nome, suas definições e com- com perguntas abertas e, posteriormente, com
preensões daquela hipótese podem ser muito dife- perguntas fechadas, as hipóteses são freqüen-
rentes. O contrário também é verdadeiro. Os con- temente eliminadas e substituídas por novas, sem
ceitos relacionados com cada termo em particular serem alteradas ou modificadas ao longo da avalia-
são produto do estudo e da experiência passada com ção. Uma hipótese é uma constelação fixa de fatos
outros pacientes, vivenciados de forma pessoal por ou idéias guardada na memória dos médicos.
cada médico. O nome que o médico dá a cada uma Quando ela se mostra incapaz de explicar o concei-
de suas hipóteses não tem valor nesta fase da to inicial é substituída por outra ou simplesmente

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eliminada. O que se transforma ao longo da avalia- A formulação de uma estratégia de avaliação


ção é o conceito inicial, a representação que o Após o médico ter construído seu conceito inicial
médico faz do problema a ser resolvido, a qual e várias hipóteses terem surgido na sua cabeça,
cresce e se desenvolve durante o processo de solu- por associação ou de forma criativa, é necessário
ção do problema clínico13. iniciar um processo de avaliação (ou testagem)
Durante a avaliação, o médico processa um con- das hipóteses. Quais informações são necessárias
ceito do problema, o qual reúne um conteúdo que (advindas da entrevista, do exame físico, do labo-
se amplia continuamente a partir dos dados cole- ratório ou de procedimentos) para estabelecer uma
tados, guiados pelas hipóteses. Os novos fatos que hipótese apropriada?
são acrescentados ao conceito inicial são continua- Diante de praticamente todos os problemas, o
mente usados para reformular esse conceito que é, clínico necessita, após ter construído seu conceito
então, sucessiva e repetidamente comparado com inicial e gerado inúmeras hipóteses, de novas in-
as hipóteses, suportando-as, refutando-as ou subs- formações para testar essas hipóteses e chegar ao
tituindo-as. Cuidado especial deve ser tomado diagnóstico. Ele tem que decidir quais informações
para que não seja forçada a conveniência do con- adicionais são necessárias a partir da história
ceito dentro da hipótese. O conceito é confrontado clínica, do exame físico e do laboratório, para
com a hipótese, e não forçado a se encaixar nela. então tomar uma decisão diagnóstica. Essa deci-
No início do processo de avaliação das hipóteses, são, a escolha da hipótese correta, é o caminho
quando somente um pequeno número de dados para a seleção do tratamento apropriado para o
clínicos significativos estão disponíveis, as hipóte- paciente. A seqüência de perguntas a serem feitas,
ses tendem a ser mais numerosas e abertas 3,8. de manobras semiológicas a realizar no exame físi-
Nesse estágio, a entropia diagnóstica (incerteza) é co e de testes laboratoriais a solicitar para decidir a
alta, a diferenciação entre as hipóteses é pequena hipótese correta é a estratégia de avaliação13.
e o número de expectativas do médico é enorme. A A estratégia de avaliação pode ser descrita como
eficiência do processo requer que os caminhos tendo dois grandes componentes que se inter-
escolhidos pelo médico (perguntas, manobras no relacionam constantemente: a investigação e o
exame físico, testes) sejam os mais prováveis de rastreamento.
reduzir a incerteza diagnóstica. Isso requer que
cada dado novo obtido consiga aumentar ou dimi- A estratégia de investigação
nuir consideravelmente a verossimilhança de pelo A investigação é uma atividade orientada pelas
menos uma das hipóteses consideradas. No final hipóteses. Novas informações são deliberadamen-
do processo, a discriminação entre as hipóteses te procuradas para avaliar as hipóteses ativas.
restantes pode exigir testes específicos e custosos. Perguntas, pontos específicos do exame físico e
As hipóteses diagnósticas iniciais são empíricas ou resultados laboratoriais são pesquisados na busca
plausíveis. Ao longo do processo, apenas a(s) de dados significativos para suportar ou refutar
hipótese(s) validada(s) sobrevive(m). hipóteses. O conhecimento utilizado nessa fase é o
Esse processo de geração, avaliação e regenera- centrado na doença. A investigação é planejada
ção das hipóteses médicas assemelha-se em muito com dedução a partir da hipótese para atingir seus
ao racionalismo crítico na avaliação das hipóteses, objetivos. Ou seja, com uma hipótese em mente, o
como descrito por Popper, e à seleção natural na médico deduz quais dados são significativos para
evolução biológica, como descrito por Darwin 18. A suportá-la ou refutá-la.
teoria de Darwin repousa na afirmação de que a Dedução é o processo de análise e síntese dos
seleção natural é a força criativa da evolução, na dados que serão usados para fortalecer e suportar
medida em que somente as variações casuais (mu- ou enfraquecer e refutar uma hipótese. O sucesso
tações) mais aptas ao ambiente são preservadas e da dedução depende de a informação produzida
transmitidas às gerações futuras. A “luta” da evo- ser ou não um bom teste para avaliar as hipóte-
lução seria a busca de uma melhor adaptação ses. A nova informação produzida aumenta ou
ambiental e só. O mesmo ocorre com as hipóteses diminui a probabilidade de uma ou várias hipóte-
médicas. Uma hipótese gerada só “sobrevive” se ses? Se a informação produzida pela avaliação
estiver adaptada ao seu ambiente (conjunto não altera a verossimilhança de qualquer das
de manifestações do paciente). Modificações no hipóteses, a estratégia de avaliação utilizada é de
ambiente (novas manifestações clínicas) alteram a baixa qualidade.
adaptação da hipótese; enquanto as hipóteses Informações clínicas englobam dados obtidos
adaptadas são mantidas, as hipóteses não adapta- pela anamnese, exame físico, testes de laboratório
das são eliminadas. e procedimentos. Embora diferentes técnicas sejam

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necessárias para a coleta desses diferentes tipos de pudesse estar escondido, assegurando que todos os
informações, muitas são as características comuns dados fundamentais estão sendo considerados.
na avaliação de todas essas informações. Como não
O desenvolvimento da síntese do problema
é possível nem desejável obter todos os dados pos-
síveis em todos os pacientes, é necessária uma Guiado por múltiplas hipóteses, o médico dese-
seletividade na determinação de quais informações nha uma estratégia para avaliar os dados necessá-
são necessárias. Essa decisão é dependente dos rios para solucionar o problema clínico. Através de
atributos comuns a tais informações, como os se- suas habilidades, ele colhe dados e os adiciona
guintes: acurácia, precisão, sensibilidade, especi- continuamente ao conceito inicial. Durante esse
ficidade, valor preditivo, benefícios, custos e riscos19. processo, novas hipóteses são geradas e novas
A maior utilidade dos testes diagnósticos ocorre estratégias são desenhadas no caminho da decisão
nos pacientes com a probabilidade pré-teste da diagnóstica e terapêutica. Quando a análise suge-
doença intermediária20. Nesses pacientes, a proba- re que uma nova informação é relevante, positiva
bilidade pós-teste da doença aumenta considera- ou negativa, ela deve ser adicionada ao conceito
velmente com o teste positivo (principalmente se o inicial. Essa adição de um novo dado ao conceito
teste for bem específico) e diminui notavelmente prévio aumenta e modifica o conteúdo significativo
com o teste negativo (principalmente se o teste for do problema clínico. Como um processo contínuo e
bem sensível). Nos pacientes com probabilidade cíclico de raciocínio, a adição de novos dados trans-
pré-teste alta, a probabilidade pós-teste tem pouco forma o conceito inicial na direção de uma síntese
aumento com o teste positivo. Porém, se o teste for do problema13 .
negativo, não há grande queda na probabilidade A síntese do problema é o elemento resultante
pós-teste e a probabilidade de falso-negativo do da análise e síntese científica do problema e é um
teste é alta. Nos pacientes com probabilidade pré- produto essencial do bom uso do raciocínio clínico.
teste baixa, a probabilidade pós-teste não diminui Quando um médico experiente é questionado sobre
notavelmente com o teste negativo, e se o teste for um determinado problema, ele oferece um resumo
positivo, não há grande aumento na probabilidade com dados altamente significativos que estão sen-
pós-teste e a probabilidade de falso-positivo do do usados no processo de solução de problemas
teste é alta. médicos. Esse resumo, a síntese do problema, ra-
ramente tem dados sem importância e está, ge-
A estratégia de rastreamento ralmente, organizada dentro de um contexto fisio-
Além da investigação, a outra estratégia de patológico. Os dados incluídos nessa síntese são o
avaliação é o rastreamento. Assim como o radar resultado da avaliação orientada pelas hipóteses.
rastreia um segmento do espaço aéreo na procura Mesmo que a síntese do problema seja muito
de objetos significativos, não facilmente detecta- sugestiva de um diagnóstico, a hipótese desse
dos de outra forma, os médicos também utilizam diagnóstico é somente um rótulo conveniente. A
uma estratégia similar na busca de informações. síntese do problema é a verdadeira representação
Rastreamento é uma estratégia de avaliação não do paciente. O conteúdo da síntese do problema
diretamente orientada pela hipótese. Nesse caso, deve ser descrito e guardado na memória durante
procuram-se fatos, sintomas e achados semioló- todo o processo. Quando novos dados são disponí-
gicos que possam estar relacionados com o proble- veis, eles podem mudar esse conteúdo e sugerir
ma ou possam representar um outro problema que novos diagnósticos.
também necessite ser investigado. Revisão de sis-
A decisão diagnóstica
temas, palpação do abdome em pacientes com quei-
xas respiratórias e alguns testes de laboratório de A solução do problema clínico passa por duas
rotina podem se prestar para essa estratégia. grandes decisões: a diagnóstica e a terapêutica12.
Aqui, os atributos de benefícios, riscos e custos Uma decisão diagnóstica sempre tem que ser feita
também devem servir de guia. antes do tratamento. Na maioria das vezes, nem
Rastreamento é especialmente útil quando o todos os dados desejados estão disponíveis no mo-
processo de raciocínio encontra-se encalhado. A mento que uma decisão terapêutica precisa ser to-
produção de novas informações pode gerar novas mada. Mesmo assim, o médico tem que decidir pelo
hipóteses ou sugerir novos caminhos de investiga- mais provável, mesmo que um diagnóstico seguro
ção. Rastreamento também é utilizado para aumen- ainda não seja possível. A decisão deve ser sempre
tar a confiança do médico na hipótese escolhida feita em favor do paciente. Existe risco e responsabi-
por descobrir novos fatos que lhe dão suporte ou lidade em jogo nessa tarefa. A decisão diagnóstica é
por não fornecer qualquer dado adicional que um dos maiores desafios da prática médica.

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Após estabelecer a síntese do problema, o médico evitar, a todo custo, é o estabelecimento de falsas
deve decidir qual das hipóteses ativas tem maior conclusões a partir de evidências verdadeiras.
poder explicativo para solucionar o problema clí- Entretanto, o uso do raciocínio lógico não é uma
nico 10,11 . Para se chegar a essa decisão, o médico garantia de conclusões verdadeiras. A lógica pos-
avalia se a síntese do problema se encaixa em uma sui regras úteis para processar as informações
das hipóteses ativas. Esse “encaixe” ocorre quando clínicas na busca de uma solução adequada para o
o paciente apresenta um número suficiente de problema clínico, mas não integra nenhuma segu-
achados positivos e negativos esperados em uma rança de que as informações clínicas e suas inter-
determinada hipótese diagnóstica, suficientes pretações estão corretas. A lógica estuda somente
para dar ao médico a segurança de que a hipótese as formas de raciocínio e, não, os seus conteúdos.
explica o problema do paciente. Um encaixe perfei- O médico necessita obter, analisar, sintetizar e
to raramente ocorre, já que a expressão das doen- avaliar adequadamente informações clínicas pre-
ças é variável. Cada paciente é único em resposta cisas e acuradas para, depois, processá-las de for-
e estilo. A aferição da integridade funcional dos ma lógica. Somente assim ele estará próximo do
órgãos é limitada e muito suscetível a erros (ne- raciocínio correto e da decisão certa.
nhuma aferição tem acurácia e precisão absolu- Com esses conceitos em mente, o clínico, usando
tas). Mesmo assim, o papel do médico é interpretar a lógica no diagnóstico diferencial, testa uma de
os sintomas, sinais e resultados de exames labo- suas hipóteses de cada vez, tentando refutar as
ratoriais e de procedimentos de maneira individual incorretas e suportar a correta. Ele faz isto respon-
e avaliar seus resultados nos termos das mani- dendo a duas perguntas: 1ª) o diagnóstico explica
festações das doenças. Uma decisão diagnóstica todos os achados clínicos?; e 2ª) todos os achados
tem de ser feita! O médico deve praticar para estar clínicos esperados estão presentes?
confortável em tomar decisões, ainda que diante Com a resposta da primeira pergunta, procura-
de dados inadequados e conflitantes, mais regra mos saber se o problema se encaixa na hipótese
que exceção no processo de solução de problemas proposta. O problema de um paciente idoso, com
clínicos. dor óssea, emagrecimento, anemia e uma velocida-
de de hemossedimentação acelerada se encaixa na
Os princípios lógicos do diagnóstico diferencial hipótese de mieloma múltiplo? Para a segunda
O processo diagnóstico é realizado tão freqüen- pergunta, nossa perspectiva é invertida e exami-
temente pelos médicos que se torna espontâneo e namos a hipótese para avaliar se os seus atributos
inconsciente. A experiência torna nossas tarefas (critérios diagnósticos) são congruentes com o pro-
ordinárias tão fáceis de reconhecer quanto os ros- blema. O referido paciente tem lesões osteolíticas
tos que nos são familiares. Mas, mesmo sendo o no esqueleto? A eletroforese de proteínas demons-
processo de reconhecimento uma parte essencial tra um pico monoclonal das gamaglobulinas? Há
do diagnóstico, ele falha quando o problema é proteínas de Bence-Jones na urina? Nesse proces-
complicado ou não habitual. O diagnóstico por so lógico de raciocínio, o clínico precisa ter em
estereótipo restringe o diagnóstico apenas aos mente que o problema é real e existe; a doença é
casos comuns, como quando a avó reconhece o apenas um construto lógico, um agrupamento con-
sarampo no neto. veniente, sem nenhuma outra existência além
Para usarmos o raciocínio dedutivo com um dessa.
mínimo de erro, é preciso conhecer as falácias O delineamento demonstrado na fig. 2 refere-se
lógicas que o médico pode cometer21. Diagnósticos às perguntas realizadas no suporte ou refutação
corretos são baseados em raciocínios adequados e das hipóteses 21. Baseia-se no uso de um teste espe-
em informações válidas. O médico que descarta a cífico positivo para suportar um diagnóstico e um
lógica pode assumir ingenuamente que provou um teste sensível negativo para refutá-lo.
diagnóstico, quando apenas estabeleceu um diag-
nóstico provável ou possível. O conhecimento da A validação diagnóstica
base lógica da prova ou da refutação pode não Antes que um diagnóstico seja aceito como base
somente dar maior precisão ao diagnóstico indivi- para uma ação (terapêutica ou prognóstica), ele
dual como, também, fornecer uma base racional deve ser submetido a uma avaliação de sua valida-
para avaliar as decisões diagnósticas. de. Esse processo de verificação da validade diag-
A lógica estuda as formas corretas de raciocí- nóstica compõe-se de uma comparação final entre
nio 10 . Existem regras para guiar o uso de argumen- os achados clínicos (presentes e ausentes) e a
tos válidos e sólidos por caminhos que nos condu- doença ou doenças suspeitas22. Quando o problema
zam ao encontro da verdade. O que se deseja clínico é idêntico a uma entidade clínica conhecida,

Rev Ass Med Brasil 1998; 44(4): 301-11 307


NETO, AR

achados específicos → hipótese suportada


1) O diagnóstico explica →
sim
achados inespecíficos → hipótese possível
os achados clínicos? →
não
somente uma doença provável → hipótese refutada
mais de uma doença provável → hipótese não refutada

achados específicos → hipótese suportada


2) Os achados esperados s→
im achados inespecíficos → hipótese possível
estão presentes?

não
dado ausente sine qua non → hipótese refutada
dado ausente não sine qua non → hipótese não refutada

Fig. 2 – O delineamento da lógica diagnóstica (adaptado da referência 21).

pouca ou nenhuma investigação diagnóstica futu- uma hipótese é usado para descartá-la. A credibi-
ra, geralmente, é necessária e uma ação pode ser lidade de um diagnóstico é, também, uma função
tomada. Quando alguma manifestação difere do de sua probabilidade. O diagnóstico com maior
padrão clínico conhecido, uma decisão sobre se a probabilidade é o que mais, provavelmente, repre-
manifestação é meramente uma variação clínica senta o problema clínico do paciente 1.
ou se ela invalida o diagnóstico deve ser feita pelo A aprovação de uma hipótese diagnóstica antes
médico. Esse dilema é mais provável de ser encon- da sua validação é conhecida como “fechamento
trado quando o médico tem pouca experiência prematuro”23. Isto, muitas vezes, ocorre quando o
pregressa com a hipótese diagnóstica. Em todas médico deixa de obter todos os dados clínicos rele-
essas situações, uma revisão detalhada das mani- vantes ou quando, da decisão diagnóstica, não leva
festações clínicas pode auxiliar a decidir se um em consideração todo o conjunto de manifestações
achado clínico em particular é consistente com a clínicas significativas (presentes e ausentes).
hipótese ou a invalida definitivamente. Quando, após uma validação adequada, o médico
Essa fase de validação das hipóteses visa obter não obtém um diagnóstico aceitável, ele deve con-
um diagnóstico que auxilie na planificação de tinuar à procura por novos dados clínicos ou
ações futuras. Como o processo diagnóstico é reexaminar todos os dados disponíveis e conside-
inferencial, ele reflete, necessariamente, uma rar novas hipóteses diagnósticas.
crença ou uma convicção do médico com relação às O resultado do processo de validação diagnós-
manifestações clínicas do paciente. Em virtude da tica, geralmente, resulta num diagnóstico simples
natureza das evidências clínicas, o médico deve (parcimônia) e altamente provável, capaz de expli-
sempre manter uma dúvida saudável quanto aos car as principais manifestações clínicas do pacien-
dados clínicos, bioquímicos, radiológicos ou histo- te (adequação) e coerente nas suas relações cau-
lógicos dos dados disponíveis. Para diminuir as sais e fisiopatológicas 1,11. E nenhuma manifes-
possibilidades de erro, o médico deve buscar, en- tação clínica presente é inconsistente para invali-
tão, uma validação do seu diagnóstico. Esse teste dá-lo completamente. Após a sua validação, o diag-
de validade envolve avaliar cada hipótese para a nóstico clínico permite que decisões terapêuticas e
presença de coerência, adequação e parcimônia11 . prognósticas possam ser implementadas.
A coerência busca uma consistência entre as mani-
festações clínicas do paciente e o modelo da doença A decisão terapêutica
hipotetizada (suas causas, relações fisiopatoló- Uma vez feita a decisão diagnóstica, o médico
gicas, achados clínicos, prognóstico etc). A ade- deve executar a tarefa de selecionar o tratamento
quação requer uma hipótese que explique todos os apropriado (fig. 3). O tratamento deve ser dirigido
achados clínicos normais e anormais do paciente. ao paciente com o diagnóstico em questão e não ao
E a parcimônia é a procura da hipótese mais diagnóstico propriamente dito24. Apesar dos esfor-
simples para explicar os achados clínicos. A coe- ços da medicina moderna em procurar estabelecer
rência é a resposta à primeira e a adequação é a o melhor tratamento para cada doença em particu-
resposta à segunda pergunta da lógica no diagnós- lar, a escolha terapêutica é influenciada pelas
tico diferencial. condições clínicas do paciente, pela presença de
O processo de falsificação também é usado nessa doenças intercorrentes, complicações, riscos tera-
fase para eliminar hipóteses diagnósticas4. Um pêuticos, disponibilidade de recursos, custos e ex-
dado clínico que, claramente, é inconsistente com periência do médico25. Então, essa decisão repou-

308 Rev Ass Med Brasil 1998; 44(4): 301-11


RACIOCÍNIO CLÍNICO

tação das respostas individuais. Para se evitar


Informações disponíveis vícios de confusão, os médicos devem preferir ava-
no início do encontro liações terapêuticas advindas de estudos controla-
médico-paciente dos, randomizados e duplo-cegos. Esses estudos
Avaliação são caros, trabalhosos e também sujeitos a falhas,


1) I n v e s t i g a ç ã o mas fornecem uma valiosa informação terapêuti-
2) Rastreamento Percepção ca. Os resultados dos ensaios clínicos rando-
mizados são guias importantes na seleção de trata-


→ mentos individuais 19,25. No entanto, devem ser uti-
lizados de forma criteriosa pelo clínico. Muitas

Análise
vezes, seus pacientes diferem em um ou mais
→ aspectos dos pacientes incluídos no estudo, fazen-
Múltiplas → Síntese do a resposta do paciente ao tratamento variar
hipóteses
do também em alguma extensão. Essas diferenças
problema
incluem o sexo, idade, raça, constituição genéti-

ca, intensidade da doença, doenças e tratamentos


concomitantes, complicações presentes e estágios
Decisão
diagnóstica
→ Decisão
terapêutica de evolução clínica. Quando o paciente não se
assemelha àqueles incluídos numa coorte de estu-
dos controlados ou quando nenhum estudo é dis-
Fig. 3 – As decisões diagnóstica e terapêutica (adapta- ponível, o julgamento do médico se torna crítico,
do da referência 13). fazendo-o retornar aos princípios da tomada de
decisão em face da incerteza.
Antes de finalizar sua decisão quanto ao trata-
sa, principalmente, no conhecimento do médico e mento, o médico deve tentar estreitar suas possí-
de sua avaliação da possível utilidade que cada veis alternativas terapêuticas, que são lançadas e
tratamento alternativo teria para cada um dos testadas de modo semelhante à avaliação das hipó-
problemas do paciente. teses diagnósticas. Nesse processo, a resposta a
As decisões terapêuticas, no processo de solução duas perguntas são úteis no auxílio da escolha da
dos problemas clínicos, envolvem a idealização de melhor alternativa 13: 1ª) Qual é o objetivo do trata-
planos ou cursos de ação que tenham por objetivos mento? É a cura do paciente, correção do estado
mudar a situação atual do problema para uma fisiopatológico alterado, alívio dos sintomas, pre-
outra melhor. A mudança pode ser a cura, o alívio venção de complicações ou o prolongamento da
de um sofrimento, a prevenção de uma doença vida? Embora, freqüentemente, sejam distinções
grave iminente ou de uma complicação, a redução difíceis de fazer, o médico deve sempre procurar
das preocupações do paciente ou a compreensão estabelecer claramente seus objetivos. Sem conhe-
realista do problema. Em todas essas situações, cer seus objetivos previamente, o médico nunca
entretanto, o médico deve ter uma síntese do pro- saberá se seu tratamento foi efetivo. 2ª) Qual é o
blema e uma hipótese diagnóstica adequada para grau de efetividade esperada? Só a definição do
permitir a planificação do tratamento. A avaliação objetivo não é suficiente. É preciso conhecer quanto
cuidadosa e científica do paciente é apenas um do objetivo previamente definido se quer obter e em
meio para a escolha do tratamento apropriado13. O que se baseia essa efetividade esperada. Prolongar
diagnóstico, embora um caminho fundamental no quanto a vida? Aliviar totalmente ou parcialmente
processo da solução do problema clínico, não é o os sintomas? Qual a base de conhecimento que
seu objetivo final. O objetivo final do processo é a permite esperar tal efetividade? Os estudos que
solução do problema com a terapêutica dirigida mostraram uma determinada efetividade foram
pelo diagnóstico e pela síntese do problema. feitos em pacientes semelhantes ao seu?
Além das duas questões anteriores, relaciona-
A base científica das decisões terapêuticas
das com o benefício potencial de uma escolha tera-
Muitos princípios científicos auxiliam o médico pêutica, o médico também precisa levar em consi-
na tomada de decisão terapêutica. Deve-se evitar deração seus custos e riscos. Estes envolvem o
as decisões baseadas em descrições não controla- custo financeiro do tratamento, efeitos colaterais e
das de eficácia e risco terapêutico, porque fatores as inconveniências e desconfortos associados a
como efeito placebo e alterações espontâneas nas cada tratamento. Teoricamente, a alternativa com
manifestações clínicas obscurecem a interpre- o menor custo e risco e o com maior benefício deve

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ser escolhida. Muitas vezes, isso não é tão simples ticas ou modificar o tratamento. A monitorização
e o médico tem de avaliar se benefícios adicionais emprega o conhecimento do médico, suas habilida-
compensam maiores custos e riscos. des de observação e a memória dos dados recentes
Ainda, respeitadas todas as outras considera- do paciente, podendo levar a um aumento signifi-
ções, quando a eficácia do tratamento disponível cativo do uso do laboratório.
para uma dada condição clínica é baixa ou o risco Assim como o conhecimento científico cresce às
do tratamento é alto, esse tratamento só deve ser custas de hipóteses, leis e teorias que se suportam
dado se a probabilidade da doença for alta. Se o ao longo do tempo, validadas pelos múltiplos tes-
risco do tratamento é insignificante e sua eficácia tes a que são submetidas, também as decisões
é muito grande, a decisão pode ser iniciar o trata- diagnósticas mantêm seu caráter hipotético ou
mento mesmo quando a probabilidade da doença conjectural ao longo da monitorização clínica.
não é muito ou tão alta 26,27. Como um processo cíclico e dinâmico, os resultados
Outras vezes, o médico tem que decidir se um da monitorização modificam constantemente a
tratamento com significância estatística possui síntese do problema. O médico deve se manter aten-
significância clínica. Quando, avaliando uma deci- to a essas modificações porque elas são essenciais
são entre dois tratamentos, o clínico procura esta- no suporte cada vez mais firme dos diagnósticos já
belecer as vantagens de um sobre o outro. Algumas assumidos, na refutação de hipóteses anterior-
vezes, o benefício é grande e a decisão é fácil. mente tidas como certas, na identificação de novos
Outras vezes, uma diferença de sobrevida de diagnósticos (p. ex. complicações) ou na manuten-
alguns poucos dias ou um controle melhor de uma ção ou modificação do esquema terapêutico esco-
manifestação clínica secundária (embora com sig- lhido. Visto dessa forma, a monitorização não é o
nificância estatística nos estudos) não são sufi- fim do processo de solução dos problemas clínicos.
cientes para justificar a escolha de um dos trata- É um meio para se atingir o fim do processo, ou
mentos (sem significância clínica). Se os riscos e seja, a solução do problema do paciente.
custos também são semelhantes, a decisão é consi-
derada empatada. Nesses casos, a experiência SUMMARY
prévia do clínico ou a preferência do paciente são
essenciais para a escolha. Clinical reasoning – the diagnostic and thera-
peutic decision process
A educação do paciente
The goal of this review is to demonstrate the
Nenhum plano de tratamento é completo se o
steps and the main items of the cognitive process
médico não delineia um plano de educação indivi-
used by doctors in clinical reasoning of diagnostic
dualizado para o paciente13. O sucesso do plano de and therapeutic decisions. The clinical problem-
tratamento depende, muitas vezes e em grande solving process makes use of the hypothetic deduc-
parte, do doente. Então, o plano educacional é um tive scientific method to solve problems. As soon as
componente essencial de virtualmente qualquer the doctor meets his (her) patient, many diagnostic
processo de solução de problemas clínicos. Muito hypotheses emerge in his (her) mind, which are
freqüentemente, ele é o mais importante item da evaluated and refuted or corroborated. The diag-
decisão terapêutica e, algumas vezes, é a única nostic decision occurs when a hypothesis reach a
decisão. certain degree of likelihood. The therapeutic deci-
sion is based on the intended objectives and the
A monitorização
waited efectiveness among many available alter-
Dentro do processo de solução dos problemas natives. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44(4): 301-11.]
clínicos, após as decisões diagnóstica e terapêuti-
ca, a próxima demanda do médico é a monitori- KEY WORDS: Clinical reasoning. Problem solving. Decision
zação dos efeitos do tratamento na progressão da making. Clinical competence. Diagnosis. Physician-
doença 11. Isto é tipicamente feito por meio da ins- patient relations.
peção cuidadosa e repetida de um dado ou de um
grupo de dados, verificando sua estabilidade ou REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sua tendência. Os dados clínicos selecionados para
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