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A Roça de Teresa

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Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 29/5/2007

Juro, de pés juntos, que é tudo verdade.

Numa noite de 1973, na quadra de uma Escola de Samba em Cascadura, fiz uma entrevista
impressionante. Eu e um grupo de amigos (entre os quais estava o radialista Rubens
Confeti, da Rádio nacional aqui do Rio de Janeiro). O impressionante era que a entrevistada
estava prestes a completar 117 anos e...havia sido escrava! Quem já ouviu, ou mesmo viu,
uma pessoa de 117 anos? São pessoas raras. Muitos eventos que só conhecemos pelos
livros, foram para elas corriqueiros. A visão clara que elas tem do passado remoto, para nós
é tão desconcertante que parece mentira. Mas juro. Não minto e repito: Isto não é ficção.
Desta vez, a história é a mais pura realidade. Os incidentes que a entrevistada nos dá conta
são de 1874, quando ela estava com 15 anos. Aconteceram, numa fazenda de café do Vale
do Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, chamada Santa Teresa, num município denominado hoje
Avellar (que, na época, ainda pertencia à cidade de Paraíba do Sul). O nome Avellar é
emblemático pois o patrão de nossa entrevistada era, ninguém menos, que o Visconde do
Paraíba, João Gomes Ribeiro de Avellar. O nome de nossa entrevistada é Maria Teresa dos
Santos, matriarca de uma espécie de dinastia que, sediada no morro da Serrinha, em
adureira, não só implantou no lugar o Jongo trazido da roça, como ajudou a criar, em 1947
a Escola de Samba Império Serrano (Teresa foi a orgulhosa mãe de Antônio dos Santos, o
Mestre Fuleiro, histórico diretor de harmonia desta escola). O registro foi feito num
gravador K7, cuja fita, mídia fantástica que é, sobrevive intacta em meu arquivo (o arquivo
do grupo Vissungo), aguardando digitalização. O documento - que eu tenho um orgulho
enorme de ter produzido - é um dos mais impressionantes registros históricos em áudio, que
eu conheço sobre o assunto e será, assim que digitalizado, posto à disposição dos
interessados em algum acervo público, dos poucos que o Brasil possui. O primeiro destes
arquivos poderá ser, com certeza, o Overmundo. Decidi dar a este post, que reproduz a
transcrição da entrevista também extraída, em parte, do meu livro 'O Samba e o Funk do
Jorjão), um jeito menos formal. A idéia foi deixar Teresa falar sem edição, diretamente,
para nós, seus leitores. Teresa morreu dois ou três anos depois da entrevista. Tinha, pelas
contas que fazia, 120 anos. Ao final deste post, alguns comentários se fizeram necessários,
já que a entrevista gerou uma série de questões inéditas, a serem respondidas por uma
pesquisa, de veios muito ricos, que, pelo visto não vai acabar tão cedo. Um destes veios é
sobre o Jongo, enquanto ingrediente importante do caldo de cultura que é o Samba e que, a
partir dos elementos trazidos à luz pela entrevista, ganha contornos muito mais nítidos, no
tempo e no espaço. Contudo e por tudo, mais uma vez afirmo, é Maria Teresa, a ex-escrava
quem fala sobre o que viu em 1874. Por mais desconcertante que isto possa parecer, é tudo
verdade.

A Roça na voz de Teresa

.."Queria dizer que naquele tempo eles sabia fazer o que agora num vejo ninguém fazer.
Faziam! Se você estava com dor de cabeça ou uma dor de barriga, eles passavam a mão
assim na tua cabeça e a dor de cabeça ia embora, passavam a mão assim na tua barriga e
dor de barriga ia embora. Agora não. Agora eles não faz nada. Eles não sabem é nada. Eu
não...Naquele tempo era bom. Eu não. Não sabia (curar). Só o Jongo. Num podia nada. E,
depois...naquele tempo não podia aprender mais nada porque o Sr. num deixava. Nós
carregava os filhos deles. Ah!.. Deus me livre se agora fosse como naquele tempo! Nossa
Senhora! Se agora fosse como naquele tempo...O Visconde era de Paraíba. De Avellar.
Visconde de Avellar. Num sabe aquela família Avellar?Ainda está lá. O sobradão branco,
diz que tá cheio de cobra. Num tem mais nada daquilo. Num tem mais nada daquilo, meu
filho. Fui uma vez lá depois que eu vim pra aqui, com alguém. O sobrado tá a mesma
confusão mas, o sobrado eu conheço por dentro. Um apartamento, lá no alto. Sobrado
grande. Só a fazenda! Só o pessoal que tinha! O Visconde tinha escravo de pagode! Tinha
escravo pra duas forma. Duas forma (cerca de 300 escravos)! O visconde botava duas
forma. Visconde de Avellar. Foi senhor do meu pai. ...Pra quem viu o cativeiro como eu
vi....É triste. Olha...se você não queria dançar,você tinha que levar couro. Se não queria
fazer qualquer coisa, tinha que apanhar. Tinha tronco. Tinha tronco de campanha, tinha
tronco de botar nos pés, tinha tronco de botar no pescoço, tinha isso tudo."

A fuga da fazenda

..."Meu pai era capataz da fazenda. Meu avô criador de porco, mas era porco mesmo, num
era esses porquinho de hoje não. A gente passava bem e passava mal. Mas morreu muita
gente e, depois o Dr. Avellar era muito ruim! O pai dele num era ruim como ele não mas ele
era. É brincadeira? Botar 'bacalhau'? Não sabe o que é 'bacalhau'?! Aqui na cidade tinha que
ainda quando eu vim aqui pra cidade eu vi 'bacalhau', vi tronco aqui na cidade. 'Bacalhau é
aquilo que é como se diz?...Como aquilo que é couro, enroscado assim...Um relho! Mas
não era chicote não. Chicote era trançado e não era trançado não. É. É o que fazia...Dr.
Avellar. Ele era filho do Visconde. ...Se fugia muita gente? Fugia! Fugia! Chamava Capitão
do mato. Procurava eles. O que procurava eles era o Capitão do Mato. Coitados! Vinha tudo
amarrado, algemado assim, tudo algemado, heim!(perguntada se lá tinha quilombo, não
entende a pergunta): Em Paraíba tinha tudo. Pra onde eles fugia? Era no mato virgem. Era
mais na roça. Paraíba, Campo Verde, Boa Vista, Conceição, Santa Teresa. Eu fui criada na
fazenda da Santa Teresa. Era do Visconde de Avellar. Ficavam lá no mato, coitados. As
vezes eles vinham, roubavam um porco do senhor e iam comer no mato. Fazia fogo no
mato pra comer. Ficava. No mato eles ficava escondido. Quando pegavam eles...meu
senhor! Como passavam mal, como eles passavam mal no bacalhau...Olhe! Deus soube o
que fez. Deus soube o que fez, meu filho! Eu vi isso tudo, sabe? Esse tempo eu tinha meus
15, 16 anos. Eu vi muita coisa, né? Eu era Ventre Livre, eles queriam me bater, eu disse
não! Eu sou forra! Eu sou ventre livre, não sou escrava não! Escravo é minha mãe e meu
pai! Queriam me bater? Não. Não me batem não! Aí eu fugi. Eu fugi e fui encontrar com
meu pai, aí meu pai era fugido...Que ele vinha fugindo do serviço, ora! Que vinha fugindo
da roça!...Aí meu pai me disse: O que que ocê está fazendo aqui, minha filha? Eu falei: Eles
queriam me bater, eu fugi! Meu pai: Você não pode apanhar, porque você é forra, minha
filha. Escravo sou eu, que sou seu pai! Agora você não vai mais pra lá! Aí eu fui lá pela
roça, com meu pai. Ia pra roça com meu pai e minha mãe. Deus faz a verdade, o que eu vi
aquele pessoal passar aquele tempo. Dava tapa na cara das criada, dos escravo. Olha!.. Eu
tinha raiva de um tal de nome Lulu. Era filho do Dr. Avellar, de que meu pai era escravo.
Eu não sei o que foi que meu pai fez, meu pai ia levar o... ele foi, veio de lá, e mandou um
tapa na cara de meu pai. Aí meu pai ficou revoltoso. Ai meu tio disse assim: Vamo embora!
E o meu pai, não sei se queria matar ele. Eu num sei. Foi embora. Pra roça. Aí eu tomei
raiva dele. Aí ele falou: Ô crioula! Eu falei: Crioula é a sua mãe! Que ocê deu um tapa na
cara do meu pai agora! Se eu fosse meu pai eu te capava a barriga agora! E ele: Ó sua
negrinha! Negrinha, não. Não sou negrinha. Tava com 15 anos. Aí eu fui indo pra roça. Aí
meu pai: Mas ocê veio pra roça? Falei: Vim que eu não quero mais ficar na fazenda. Que
eles botava as crianças, as pequena, as negrinha, pra brincar com os filhos, pra carregar os
filhos dela."

O Munhambano

..."Tinha festa. Eles davam muita festa pros escravos. Muito. Eles davam S.João, Santo
Antônio, tudo. Eles davam...Natal. Tudo eles davam festa. No Natal eles davam roupa...Os
fazendeiros é que dava. Dava tudo. Graças á Deus! Dava tudo mas...era aquilo. Mas, era ali,
ó! Minha avó era lavadeira dos escravos. Meu avô era tratador de porco. Minha avó era
Benta! Benta da Silva e meu avô também era Bento. Antônio Bento da Silva. Ela era
Munhambana. Ele também era." É. Todos dois eram Munhambanos. Ah...Eles num contaro
como era de onde eles vinham não. Eles num contaro que a gente era criança naquele
tempo...Meu avô num era preto não. Meu avô, o cabelo dele era aqui (mostra abaixo do
ombro) Minha avó também. Meu pai era mulato mas casou com a minha mãe que era preta.
E as outras minhas irmãs eram tudo mulata. Eu e meu irmão saiu da cor da minha mãe.
Mas, meu avô? Meu avô o cabelo dele parava aqui (mostra de novo o ponto). Nós penteava
o cabelo:(imitando avô:)' Ara! Ara eu! Ara eu pega ocê!' Tudo assim que ele falava. (imita
de novo:) 'Oça o tutra!" Sei lá, colher que ele pedia, a gente não sabia, se era uma coisa que
ele pedia e a gente não sabia. (imita de novo:) ' Mim dá essa coisa aí o ningrinha!': Nós
pidia a ele. Aí ele sabia o que era. Meu avô Antônio. Ele não era preto. Era mulato. Se era
mulato de cabelo liso? Era mulato de cabelo liso. É. Veio da África. Meu avô, minha avó
contava, porque na fazenda tinha muita gente africana, tinha...Angola, isso...D'Angola...
isso tudo tinha. Os português trazia ele pra aí. Tudo era assim.(Se irritando): Meu avô era
africano! Meu avô, minha avó, era tudo africano....(de novo irritada com a insistência da
pergunta sobre o estranho biotipo de seu avô): É. Africano. Gente africano. Pois ele era
africano! Munhambano é África! É África. meu avô era africano! Quantas vezes quer que
eu falo? (mais irritada ainda): Não! É África! Lugar na África (se acalmando:)... Aqui não
tem Madureira? É como assim. É África. É mesmo que lugar da África. Aqui não tem
cidade? Num tem Paraíba do Sul? Então? É como a África. É assim.""Aquele tempo...A
gente morria de medo de fazer filho. De que jeito que a gente vivia? O filho lá....Um dia
chegava, tirava o filho da gente pra vender. Hum! Minha mãe num foi vendida? Minha mãe
num era daqui. Minha mãe era lá da Bahia. Foi. Vendero aí pra um vendedor aí, ó! Meu avô
num foi vendido? Meu avô era africano e foi vendido. Então? Foi vendido, num é? Foi o
Visconde! Minha avó foi vendida. Isso tudo foi vendido. Agora vai vender quem é? Vão
vender quem é? Vai vender ocê?...(Solta uma gargalhada) Vão vender quem é?"

Teresa e a República

..."Hoje é tudo diferente, meu filho. Óia...Porque que eles tiraram o Deodoro, da Fonseca?
Porque Deodoro sabia governar!.Inda outro dia (imitando questionamento dos filhos)... Aí,
oh mãe...Ó mãe, a Sra...(como se a interromper os filhos)...O que?? Deodoro sabia
governar!! Assim que acabou o cativeiro, foi Deodoro que tomou conta. Deodoro botava
tudo ali, na linha. Agora não. A mulher dele era boa. Ele era muito bom. A gente comia
bem, bebia bem. Aquelas coisa que ficava ruim nas venda...ele mandava jogar tudo fora.
Aí...Óia a gente panhando na rua! Que é de que tá assim agora? Que é de? Que é de?..
Peixeiro, que chegava aí, da praia, lá do lado de lá, da praia de Niterói,...Chegava os
peixeiros ? Dava tudo pro home. Ah...!Ele botava aqueles peixes tudo fora. A gente
panhava aqueles peixes grandes. Ficava bem bom. Óia a gente se espanando nos peixes.
Mas, agora trabalhei pra Deodoro da Fonseca! Eu que tô aqui! Não me incomoda. Aqueles
soldados (imitando o soldado lhe fazendo a corte:) ..Ih! De adonde ocê é, heim? E eu: Num
tem conversa! Subia. Levando a roupa que minha tia lavava, eu ajudava ela a lavar, ajudava
a engomar, viu? E tô aí, com a graça de Deus! Eu agora nem sei o que é soldado!? Soldado
hoje é porcaria, não vale nada, não vejo nada. Eu ando na rua e num sei quem é soldado!
Porque, aquele tempo...era SOLDADO! Aquele tempo ocê conhecia GENERAL! Hoje em
dia num sabe quem é general, não sabe quem é doutor, num sabe nada nesta vida!...Aquela
época tinha (imitando marcha:) báu, báu, báu, báu! Aquelas fardas, que a gente passava, as
fardas alumiando o sol, assim...ninguém podia. Agora, hoje em dia num se vê nada. Num vê
nada. Anda de calça arregaçada. Aquele tempo, ocê via isso aqui do general, dos soldado...
Você dizia: Ih!, fulano, eles vem lá! Hoje em dia ocê até empurra eles assim...Soldado
muito bem vestido, a roupa bem engomada. Quando era gala, a roupa branca...a coisa ali, ó!
Eu tinha (respeito)! Eu tinha! Tanto que as vezes até tomava benção. Ocês sabe que general
naquele tempo era General. Hoje eu não sei quem é general! General assim, com estrela,
(imitando marcha de novo:)...Táu, táu, táu, táu, chega só...só naquele pisar dele eu sentia
medo. Soldado que ocê tem aí? As vezes eu fico assim oiando. Lá perto de mim mora um
soldado. Eu falo (desalentada:)... Isso é soldado?! Ah...Eu tinha respeito de soldado. Hoje
em dia não tenho respeito de soldado. Tinha".

Jongo em 1874

..."O Jongo é dos africanos. É do meu avô...Meu avô era do cativeiro. Chamava Antônio
Munhambano, africano. Eu sou de Paraíba do Sul. Ele primeiro era do Dr. Avellar. Ele era
escravo do Dr. Avellar, num sabe? Ele era escravo do Visconde e do Visconde ele foi para o
Dr. Avellar. O Visconde era o pai do Dr. Avellar. Não sei Visconde de quê. Só sei que é
visconde, seu conde...naquele tempo, num é ? Foi lá em Paraíba do Sul, na fazenda de
Avellar, num sabe? Meu avô era africano. Foi achado. A parte da África eu não lembro. Só
sei que ele era africano. Era 'munhambano'. Era de Munhambá e quem trouxe ele pra aqui
foi o português, né? Foi quem trouxe ele. O meu avô. Ele tinha raiva de português porque
trouxeram ele pra aqui. Diz que abanavam lenço encarnado e eles vinham chegando. Eles
não sabiam naquele tempo quem eram e aí, trouxeram ele....O Jongo representa pra mim a
mesma coisa que é: Negócio da gente africana. O Jongo era festa dos cativos. Era
Caxambu, viola...Tinha viola. Meu pai era tocador de viola. Antônio Bento da Silva. Tocava
viola...e meu avô, tocava urucungo. Não...cantado mesmo em...O Jongo era a festa dos
pretos. Se era dos preto velho? Não. Era festa dos pretos. Pros brancos vê a gente dançar.
Era um terreiro grande, tocava o caxambu e os brancos vinham e a gente cantava pra eles
vê a gente cantar e dançar. Era só pra eles vê. Que a gente era escravo, tava na fazenda. O
que é que ia fazer? E se não dançasse, ó...! Era sábado e domingo. As vezes fazia na festa
de São João. Foi meu avô quem trouxe o Jongo da África e botou na fazenda pra todo
mundo. Até hoje eu danço, canto o Jongo.

Os instrumentos? O que eu sei era caxambu...É aquele de bater: caxambu. A viola era de
tocar e o pandeiro acompanhava a viola e o meu avô tocava urucungo, sabe o que é não é ?
Botava na barriga ...O senhor não sabe o que é urucungo?! Pois então!? É igual a berimbau.
Só que naquele tempo não era berimbau. Era urucungo. Botava aqui, ó (mostra a barriga).
Botava no umbigo a cuia e batia.

Eu achava o Jongo daquela época mais bonito. Agora eu faço o desse tempo mesmo. Deixa
eu lembrar...Um bom...Jongo dele mesmo, do meu avô. Quando ficou forro e a gente
cantava. 'Carolina'. Cantava assim:"

(cantando)

(Áudio e partitura:Arquivo grupo Vissungo, RJ)

Oh pra que pente carorina?


Num tem cabelo
Pra que pente Carorina?
Sem cabelo
Pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Sem cabelo, pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Não tem cabelo,
pra que pente Carorina?"
...”Mas era eles que cantavam e a gente respondia...Era língua africana sim, uai?! Assim. A
gente até caçoava deles (zombando): Canta assim, num é ? (enfática): Era língua sim!
(repete a letra do ponto de Jongo sem explicar)...essa era na língua deles (canta mais) ...mas
a gente não respondia assim. Respondia depois.”

Jongo 100 anos depois

...”Hoje num tem mais nada. De primeiro, na casa dessa só tinha Jongo. Todos os sábados
nós dançava mas...o pessoal morreu. Num ficou ninguém. Cada casa tinha Jongo. Cada
casa tinha Jongo. Era todo sábado. Ah...Quem canta o Jongo sou eu...tem essa outra aqui
mais...as outra precisa...Pode aprender. Nós aprendemo, num é? Elas pode aprender, vê a
gente dançar, cantar e elas aprende também.

...Tem. Tem. Em Madureira tem muito. Tem muito, oh!.. A Maria quando deu o Caxambu
teve gente lá assim, ó! Na casa dela. Agora eu não. Se ocês for lá vê. Eu nunca mais dei. Eu
não. Meu marido morreu, eu fiquei eu com meus filhos, sabe. Graças a Deus. Fiz
Jongo! Óia...Ainda hoje eu soube que lá na minha terra tem Jongo quase todo sábado. Diz
que tem Jongo. Naquela casa que ocês....diz que eu vou lá. Ela disse que qualquer tempo
ela vai me levar lá. Diz que o Jongo, que o bagúio lá é assim! O Caxambu lá é de arromba.
(para Joana):..Ocê tem num vontade de pular no Caxambu de lá não, Maria? O Caxambu lá
é de fato. E a gente sabe cantar aqui? Num sabe cantar. Num tem voz! Essa gente aqui num
tem voz pra cantar. Quem vai cantar o Caxambu sou eu...Aquela pequenazinha hoje num
sei se vem, é só. E lá não...todo mundo à cantar, todo mundo à dançar! Lá em minha terra.
Graças a Deus! Óia...Todo mundo fala: A Sra., já tá com essa idade e ainda dança? Danço!
Inda pulo o meu Caxambu! Graças á Deus!"

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Notas finais:
Maria Teresa teria nascido em 1859. Os fatos dos quais nos dá conta são de quando ela
estava com cerca de 15 anos. Logo, o Jongo que descreve é, portanto, aquilo que sobre a
manifestação poderia saber uma adolescente. São preciosas no entanto as descrições sobre
uso no Jongo da época, de instrumentos como o Urucungo (um arco musical tipicamente
Bantu) e a viola. Em 1874, já com o processo de decadência das fazendas da região se
aguçando, sabe-se que foi hábito comum entre os 'Barões do Café' demonstrar,
ostensivamente, os resquícios de fausto que lhes restavam, forçando seus escravos a se
exibir para visitas, vindas, não raro, da Corte. Foram, certamente, a partir destas viagens,
que danças como o Lundu, por exemplo, migraram para a os salões da Corte.São
importantíssimas as informações que presta, no sentido de que seu avô, africano de nação
'Munhambano', foi quem trouxe a prática do Jongo para o local (não o seu avô,
pessoalmente, é claro, mas africanos bantu, trazidos para aquela região, de cultura similar a
dele). O fato curioso dela falar e insistir que seus avós eram mulatos de cabelo liso, pode
ser, definitivamente, explicado pelos dados a seguir.

Num gráfico sobre a demografia escrava na região de Vassouras, RJ, está demonstrada a
existência na região de Vassouras e Paraíba do Sul de indivíduos da etnia Inhambane,
associação evidente com o 'Mu-nhambano' citado por Maria Teresa.

Inhambane é de fato, um povo que habita uma vasta região ao norte de Maputo, em
Moçambique, no litoral do país e que foi, por conta disso, exposta, durante muito tempo, às
influências gerais das históricas relações entre Ásia e África, ocorridas na costa africana do
Oceano Índico, relações estas que produziram, entre outros efeitos, alguma mestiçagem de
negros com árabes (cujos interesses comerciais penetraram ali antes dos portugueses) e
indianos (que marcaram fortemente o perfil étnico da população do Madagascar, por
exemplo, ilha muito próxima à costa a Moçambique).

Por esta hipótese, os avós de Maria Teresa foram pegos no território Inhambane e postos
num navio que, atravessando o cabo da Boa Esperança, deu no oceano Atlântico, seguindo
para o Brasil.
Segundo o gráfico acima citado (de Flávio G. dos Santos), haviam apenas 8 indivíduos de
origem Inhambane na região de Vassouras entre 1837 e 1840, seis deles residindo em
fazendas nas quais pode ser incluída a Santa Teresa, citada por Maria Teresa. A hipótese de,
pelo menos, dois destes seis escravos serem parentes (dois seriam os próprios avós
'Munhambanos') de Maria Teresa é de todo modo, impressionantemente plausível.

Precioso é, do mesmo modo, seu testemunho pessoal - e ocular- de que eram comuns na
região as torturas, as fugas e os 'aquilombamentos'. Os locais descritos por ela,
correspondem a onde está circunscrito hoje parte do Município de Avellar, vizinho de
Paraíba do Sul. Na crônica da insurreição de escravos conhecida como 'Quilombo do
Manoel Congo', ocorrida em 1838 nesta região), tem papel importante nos conflitos a
fazenda de Santa Teresa, já pertencente naquela época a João Gomes Ribeiro de Avellar, o
Visconde do Paraíba (chamado de Visconde de Avellar por Maria Teresa). O Barão de São
Luiz, Paulo Gomes Ribeiro de Avellar, filho do visconde, (talvez o tal que bateu na cara do
pai de Teresa e é chamado por ela de 'Lulu') é citado no processo que condenou Manoel
Congo à morte, como dono do escravo citado como sendo o próprio 'Vice Rei' do quilombo,
um tal de Epifânio Moçambique, morto na refrega. Não tendo feito qualquer comentário
sobre o retorno de seu pai, de sua mãe ou dela mesma para a fazenda, depois da fuga
narrada, fato que, por sua relevância dramática, com certeza teria sido citado na entrevista,
pode-se deduzir que Maria Teresa (e toda a sua família), viveu na condição de quilombola a
partir de 1874.

A afirmação que faz de que ainda viu instrumentos de tortura na Corte, atesta o fato
surpreendente de que ela já estava residindo no Rio de Janeiro, na proclamação da
República, havendo ficado livre, portanto, cerca de 14 anos antes da Abolição.
comentários

Parabéns Spirito, acabo de produzir um Cd-livro chamado JONGOS do BRASIL com a


participação de 14 grupos de jongo rurais ainda em atividade. Acho que você gostaria de
conhecer ! Uns bem próximos de onde Vovó Teresa nasceu como o Jongo do Quilombo São
José.
Se tiver interesse entre em contato. Gde abraço, parabéns e muito

axé pra você.

Marcos André · Rio de Janeiro (RJ) · 4/6/2007

Oi Marcos, Na verdade, de certo modo, eu conheço você (não pessoalmente) da Ong Jongo
da Serrinha. Gostaria de conhecer o CD-Livro sim. Como é que se encontra?
Abs
Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 4/6/2007

Acredito que o Visconde de Paraíba ou Braão de garibú, ser meu tatatravô, poi pelo que eu
sei um de seus filhos, João gomes Ribeiro de Avelar, casado com Emerenciana Calvet, um
dos fundadores das Docas de Santos era pai da minha bisavó, Leocádia de Avelar Simões,
casada com Arthur Quirino Simões e meu avô, José Quirino de Avelar Simões, foi
secretário de obras da cidade de Recife, gostei muito de ler esse relato, parabéns.
Beto Quirino · Cotia (SP) · 12/7/2007 13:19

Beto,
Que achado este seu. Gostaria muito que você contasse mais sobre isto. Que tal um post
linkando o João Gomes Ribeiro de Avellar com seu ramo recifense.
Que história, Beto!
Grande abraço
Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 12/7/2007 20:44

Oi Spirito, juro que não estou te perseguindo. Resolvi fazer umas andanças pelo
overmundo (estou com insônia) e não é que vc apareceu de novo? Credo parece até
"assombração" rsrsrsr Nossa, o depoimento da Teresa é simplesmente indescritível.

Registro histórico da maior importância. Vc não acha que ele precisava ser disponibilizado,
Spirito? O Museu da Imagem e do Som não seria o lugar? Tenho uma colega no Programa
de Pós da UERJ que pesquisa jongo (veja um texto dela aqui . Vou mandar o link do seu
artigo pra ela.
Vou tentar dormir pensando na carorina
Abrç
Ize · Rio de Janeiro (RJ) · 25/7/2007 02:19

Que bom, Ize!


Que esta perseguição seja sempre implacável.

O Jongo tem sido uma presença constante na minha vida há mais de 30 anos. Foi o primeiro
tema ao qual me dediquei (minha mãe é da Roça capixaba, meu pai da Minas Gerais mais
profunda) e o fiz, intensamente. Acho até que, de certo modo assimilei a filosofia, o sentido
político da manifestação, cujo sentido histórico e antropológico, é bem mais complexo do
que se diz por aí. Gostei do artigo de sua amiga e vi que o site é de Portugal. Não encontrei
o nome dela no artigo.
Mesmo sendo aqui um chato de galochas, no entanto, me permita dizer-lhe que existe um
aspecto essencial no que eu penso sobre o Jongo (e que, na verdade, considero um
problema) que me afasta da maioria dos atuais pesquisadores sobre o assunto. Assim, a
grosso modo, falo dos procedimentos e métodos muito superficiais empregados nas
pesquisas (principalmente acadêmicas), que as encaminham para equívocos importantes e,
o que é pior, o quanto elas, por conta desta impropriedade de seus métodos (que, a meu ver,
ocorrem com toda a pesquisa antropológica sobre a cultura do negro no Brasil) acabam se
emiscuindo nas manifestações, contaminando-as, confundindo e 'desvirtuando' as matrizes
que foram objeto de seu estudo, criando uma cópia 'fake', que passa a competir com a
matriz, com o original, acabando por se firmar como versão 'real', embora seja falsa.
Chamei isto, na falta de um nome melhor, de 'Influência reversa'. Não falo do caráter
evolucionista contido em qualquer manifestação cultural humana, mas sim de um
falseamento intrínseco mesmo, com impacto social negativo muito relevante porque
transfere o poder simbólico sobre a manifestação , os valores emocionais nela contidos (a
propriedade intelectual, com todas as suas implicações pecuniárias, inclusive)das mãos de
uma classe social para outra.

Isto acontece muito fortemente com o Jongo e é o cerne da minha 'tese' de antropólogo de
botequim que sou. Escrevi um livro inteiro (citado na matéria) tentando identificar e
desvendar o processo de formação destes mitos e mistificações interpostas por estes, a meu
ver, e equívocos antropológicos um tanto ou quanto oportunistas. Você ficará de cabelo em
pé quando se inteirar disso. A simpatia que todos nós temos por uma manifestação cultural
tão antiga quanto o Jongo (como exemplo), involuntariamente, costuma facilitar estas
distorções cuja denúncia, de modo algum estão ligadas a intenções preservacionistas da
minha parte. É um buraco mais em baixo, mais um reflexo do caráter predatório de nossas
aristocráticas 'elites'. Pena que não cabe todo este o papo neste post.
Preocupado, tenho debatido isto há anos, com muita gente. Gostaria muito de debater isto
com sua amiga também (nem sei qual é a posição dela, a respeito).
Persiga-me. A captura do que é virtual nos traz vantagens emocionais até que bem reais. Eu
por exemplo, estou honrado com a sua perseguição. Este é o lado bom da Matrix.
(desculpe a 'longuidão' do post)

Grande abraço
Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 25/7/2007 07:06

Sem rasgação de seda (mesmo vc gostando do barulhinho), eu é que tenho ganhado mto
com essa interlocução com vc. Agora, por ex., vc faz considerações sobre a Academia,
sobre seus "procedimentos e métodos muito superficiais empregados nas pesquisas
(principalmente acadêmicas)", que me gelou as entranhas. Essa reflexão é boa pra pensar
qualquer investigação, mas principalmente as que se voltam para as culturas populares.
Esse pedaço aqui - "por conta da impropriedade dos seus métodos [...] acabam se
emiscuindo nas manifestações, contaminando-as, confundindo e 'desvirtuando' as matrizes
que foram objeto de seu estudo, criando uma cópia 'fake', que passa a competir com a
matriz, com o original, acabando por se firmar como versão 'real', embora seja falsa" - eu
tinha vontade de citar na discussão teórico-metodológica do meu próximo projeto. No atual,
cujo objeto me escolheu, estou olhando o interesse de crianças e jovens pelos produtos da
indústria cultural japonesa (HQs - os chamados mangás, filmes de animação -animes e
videogames).
Mas voltando ao que interessa, o nome da autora está no canto direito do Jornal (Mailsa
Carla Passos). É mesmo uma publicação do Porto/Portugal. Lá na Programa de Pós da
UERJ tem um grupo de profs (eu, inclusive) que colaboramos para a seção "Fora da escola
também se aprende". Tem uns artiguetes interessantes. Mandei esse link pra Mailsa, e ela já
me respondeu que amou e que tem interesse em debater a questão do jongo com vc. Me
disse até, que por conta disso, vai se cadastrar no overmundo. O e-mail
dela, pra qualquer precisão mais imediata, é mailsa@globo.com Eu tb tenho gostado dessa
imersão no virtual. No início, me cadastrei, com muita má vontade, aqui pra ver como
funcionava essa coisa de orkuts, blogs e quetais por causa dos jovens. Eu precisava
entender sua imersão tão empolgada no virtual. Imersão que, do alto de minha "sabedoria"
(que não era outra coisa senão o que a academia chama de olhar etnocêntrico), eu achava
limitada porque não permitiria o aprofundamento das relações humanas.

Tanto que me inscrevi em fevereiro e só me animei a começar a participar em maio ou


junho. E, claro, já estou revendo minhas apressadas considerações. Tenho me espantado
com o tanto que tenho expandido minhas relações. Claro que, em alguns casos, fica tudo no
nível do superficial, da conversa que não deslancha, do tema que não é aprofundado, mas
nada mto diferente do que é hoje na vida real. Veja vc, apesar de tudo isso, minhas
conversas com vc são mais interessantes e profundas do que as que tenho nos encontros
cara a cara com meus amigos e amigas. Parece até que na internet a gente dá mais tempo ao
tempo. Enfim, é isso, já estava eu entrando no terreno da divagação. Só mais uma coisinha,
juro. Éssa é outra coisa boa da Matrix. Na vida real a gente não pode mais entrar nesse
terreno, pq os sinais de pressa estão sempre aparentes na cara do outro, e a gente tem que
engolir a fala. Aqui não, não tem nenhum coelho com o relógio na algibeira mostrando que
"é tarde, é tarde, é tarde até que arde".
De qualquer maneira, desculpe-me se tomei seu tempo mais do que devia. Da Teresa para o
coelho foi um enorme pulo, mas é ela a rainha deste comentário. Graças a vc.

Abraço apertado

Ize · Rio de Janeiro (RJ) · 25/7/2007 13:46

Já que você falou no coelho, vou deixar um boa noite com uma frase da Duquesa que eu
uso como dístico no meu projeto: "Cuide dos sentidos que os sons cuidarão de si mesmos"

Grande abraço
Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 25/7/2007 21:41

Adorei! E estou aqui com a mão na boca pra não começar a falar desesperadamente nos
sentidos e nos sons. E, pronto, pq agora é hora de dormir e vc veio com essa, tô roubando
essa frase pra mim.
Boa noite!!!

Ize · Rio de Janeiro (RJ) · 25/7/2007 22:19

gente,
Só para registrar o quanto é o tempo impoderável: Encontrei , agora em novembro, assim
na rua, depois de trocentos anos, o meu amigo fotógrafo Zé Ricardo que, vejam só, estava
na mesa da entrevista acima, clicando a Vovó Teresa. Implorei a ele pelos fotogramas do
encontro, que ele (ai meu Deus!) disse que não sabe onde andam. O encontro, como vocês
viram, ocorreu há 33 anos atrás (!). Para anima-lo, não que ele já não esteja animado,
permitam-me linkar um dos seus interessantes blogs: O Atabaqueblog

Abs,

Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 8/1/2008 17:47

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