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1

DO TELÉGRAFO À REDE: O TRABALHO DOS MODELOS E A


APREENSÃO DA COMUNICAÇÃO*

Vera R. Veiga França - UFMG

Introdução

Rede, estrutura reticular, malha, teia são as novas metáforas que surgem nesse final de
século, substituindo o modelo do telégrafo que ao longo de décadas serviu, de maneira
explícita ou implícita, para nomear e representar o funcionamento dos meios de
comunicação na sociedade. Debruçarmo-nos sobre essa substituição dos modelos torna-
se, portanto, um exercício interessante. Neste sentido, quero iniciar minha reflexão
ressaltando a pertinência e importância não apenas da iniciativa deste evento –
Seminário Interprogramas -, mas também das temáticas recortadas, e em particular desta
que tratamos hoje – redes de comunicação, a comunicação em rede. Trata-se de uma
temática relevante, porque está na ordem do dia; uma temática suspeita, porque está
excessivamente na ordem do dia.

Explico-me melhor: em cada época, algumas temáticas ou conceitos convergem as


atenções e se tornam nucleadores do trabalho reflexivo. Esse processo não é aleatório; a
concentração em torno de certas modas teóricas não traduz um capricho ou o caráter
influenciável dos pesquisadores, mas algo mais consistente. Às vezes é a força analítica
de uma nova obra que abre possibilidades e instiga os espíritos; outras, é o surgimento
de novos fenômenos, a mudança da realidade que força o pensamento a tentar novos
caminhos. De tal maneira que essa evidência de algumas temáticas é sempre indício do
novo – um novo pensamento, uma nova realidade, com frequência os dois -, o que lhe
atribui um lugar de importância.

Por outro lado, o modismo às vezes provoca aplicações mecânicas, soluções rápidas e
fáceis – e o conceito se torna auto-evidente. Por esse caminho, as modas teóricas podem
levar ao empobrecimento da reflexão. De qualquer maneira, um e outro aspecto (a
contribuição e os riscos da temática) confluem, reforçando a pertinência de colocá-la em
discussão. Esse é o caso da temática que motiva hoje nossos debates.

*
Trabalho apresentado no 1º Seminário Interprogramas de Pós-Graduação em Comunicação, promovido
2

Redes: dimensão empírica e conceitual

A temática das redes possui uma dupla natureza – ou possibilita duas formas de
abordagem.

a) Primeiramente ela se refere a um fenômeno empírico, uma dimensão tangível da


realidade contemporânea, um aspecto de absoluta força e evidência, que é o
desenvolvimento e expansão da tecnologia da informação, a globalização econômica e
informacional, o sistema de funcionamento das novas técnicas de comunicação - com
tudo o que isto implica e tem significado.

Naturalmente essa dimensão empírica da noção de rede se abre para um sem número de
objetos de estudo: o funcionamento das redes telemáticas, a criação dos espaços
virtuais, as novas formas de sociabilidade, as relações global/local, as artes digitais etc...
Indo mais além, o conceito de sociedade em rede, ou sociedade informacional tem sido
reivindicado por alguns autores1 para caracterizar as transformações atuais e nomear a
nova forma de organização social: “..... a informação representa o principal ingrediente
de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e imagens entre as redes
constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social”2.

b) A segunda forma de abordagem diz respeito ao próprio estatuto teórico da noção de


rede, ao seu poder explicativo. Rede é também uma metáfora, um novo conceito ou
dispositivo analítico que permite interpretar o funcionamento da sociedade e traduzir a
dinâmica dos processos comunicativos. A rede pode ser vista (e analisada) enquanto
modelo. É por este caminho que procurei construir minha reflexão; a propriedade da
metáfora, ou conceito, para melhor compreender a lógica intrínseca da comunicação (e
do mundo social, construído através das práticas comunicativas).

Numa primeira definição, resgatando seu sentido mais literal, rede se refere a um
entrelaçamento de linhas, a um conjunto de nós interconectados. Rede assim remete à
forma, à morfologia de um sistema. Comunicação em rede, sociedade em rede são

pela COMPÓS – PUC/SP , nos dias 18 e 19 de outubro de 2000.


1
Conforme distinção apresentada por M. Castells: “O termo sociedade da informação enfatiza o papel da
informação na sociedade. (..........) Ao contrário, o termo informacional indica o atributo de uma forma
específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação
tornam-se fontes fundametais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas
nesse período histórico”. (grifo nosso) In: CASTELLS, M. A sociedade em rede. A era da informação:
economia, sociedade e cultura; v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 2ª ed., p. 46.
3

expressões para significar a interconexão de elementos, processos, sentidos que marcam


as relações comunicativas e a construção da vida social.

Aí então faço a pergunta óbvia (com o objetivo de provocar meu próprio pensamento):

- É possível pensar a sociedade, senão enquanto rede?

- É possível pensar em construção da vida social, senão como produção/ circulação de


informações e sentidos?

A resposta também óbvia é que a noção de rede é adequada para pensar a estruturação
da sociedade hoje – como sempre foi. A vida social é morfologicamente disposta
enquanto rede (ou se presta muito bem para ser pensada assim). Portanto, ao falar do
contemporâneo, das profundas transformações que temos assistido nas últimas décadas,
precisamos ter claro que o elemento distintivo não é bem este; o novo não é a
configuração em rede (poderíamos dizer isto, ou olhar assim para outras situações e
agrupamentos sociais3) – mas estaria antes no desenho e extensão das redes, na
diversidade dos cruzamentos, na quantidade / qualidade dos elementos conectados ou
desconectados, na sua dinâmica espaço-temporal.

Então, constatar a rede é muito pouco. O desafio que está colocado hoje – e
notadamente para nós, no domínio da comunicação - são os operadores teórico-
metodológicos que nos permitam compreender, de forma adequada, o funcionamento e
a lógica das dinâmicas relacionais do mundo contemporâneo. A noção de rede – na
acepção de rede de sentidos, rede de informações, rede de homens – é preciosa porque
nos incita a pensar nos nós, conexões, interseções, inclusões e exclusões que se
processam no âmbito das práticas sociais, realizadas comunicativamente. É preciso
perguntar, no entanto, pelo avanço dos nossos instrumentos analíticos para empreender
sua efetiva aplicação, para transformar a metáfora ou imagem da rede em dispositivo
analítico que de fato nos possibilite uma outra e mais rica incursão e leitura da
realidade. Esta indagação suscita uma rápida retrospectiva (o “antes da rede”).

2
Idem, p.505.
3
Nas culturas indígenas, por exemplo, a interligação mágico-religiosa que unifica os seres vivos (homens,
animais e plantas) e as forças cósmicas e naturais – quebrando a idéia de individualidade e constituindo
uma totalidade complexa – apenas pode ser compreendida sob a forma de rede, de teia simbólica.
4

Antes da rede, o telégrafo

Se hoje absorvemos com naturalidade a idéia de rede, é preciso lembrar que ela
contrasta fortemente com a maneira como o processo comunicativo era percebido até
bem pouco tempo atrás. Do paradigma informacional de Shannon e Weaver (1948),
passando por vários outros modelos e metáforas – modelo telegráfico, modelo da agulha
hipodérmica, a pergunta-definição de H. Lasswell, a comunicação em duas etapas de P.
Lazarsfeld – a comunicação veio sendo estudada e compreendida de forma quase
hegemônica neste século não como rede, mas como vetor; como um fluxo linear de
informações entre um Emissor (E) e um Receptor (R).

Não por acaso, no mesmo momento a sociedade era representada pela sociologia
positivista através da metáfora do organismo. Era um outro tempo, em que os Estados
Nacionais queriam se pensar como um corpo unificado, regido pelos princípios da
divisão de funções, integração e harmonia. Os fluxos lineares de comunicação (como
comandos cerebrais), atuavam no sentido dessa unificação das partes do corpo social
(para o bem, ou para o mal ...)

Se esta era a visão que orientava a pesquisa em comunicação, sobretudo os estudos


empreendidos pelos pesquisadores norte-americanos (a chamada “pesquisa
administrativa”), também no campo oposto – das correntes marxistas e do pensamento
crítico – prevalecia o mesmo paradigma linear da comunicação. Lembremos
rapidamente do conceito de Indústria Cultural (apresentado por T. Adorno e M.
Horkheimer no final da década de 40), dando conta do processo de massificação e
alienação promovido através da prática cultural-mercadológica dos meios de
comunicação. Ou dos estudos sobre o Imperialismo Cultural (desenvolvidos na década
de 70), retratando um mundo alimentado por uma poderosa indústria da informação,
entretenimento e dominação ideológica, sediada notadamente nos Estados Unidos. Do
ponto de vista da comunicação, trata-se do mesmo esquema: um emissor (dominador e
todo poderoso) produzindo mensagens para um receptor (dominado, passivo).

Esse paradigma dominante estabelecia a correspondência direta – e natural – com o


modelo de funcionamento dos meios de comunicação de massa, particularmente a
televisão, funcionamento este marcado pela centralização da produção e difusão em
larga escala. A determinação tecnológica, que promove “a palavra sem resposta”, que
realiza o novo panopticum, é denunciada, entre outros, por J. Baudrillard em seu
5

clássico estudo Réquiem para os media 4. Mais recentemente L. Sfez fala da bola de
bilhar5. Obras literárias – 1984, Farenheit 451 – enfatizam o papel da tecnologia da
comunicação na criação de sociedades totalitárias.

É bem verdade que naquele momento, a tecnologia de comunicação desenvolvida e


utilizada era basicamente de distribuição – portanto, uma tecnologia não interativa. Mas
devemos concordar que, utilizando essa tecnologia, os processos comunicativos sofriam
da mesma intransitividade? Em outras palavras, a dinâmica comunicacional, a natureza
do processo comunicativo é meramente expressão das possibilidades do suporte
tecnológico?

Só o é à custa da redução e enrijecimento do modelo analítico: atribuindo onipotência e


auto-suficiência a alguns pólos de produção; reduzindo os homens ao papel de
receptores passivos; adotando uma concepção fechada e simplificadora dos processos
simbólicos e da dinâmica de produção cultural. Ou seja: a era do telégrafo, do
panopticum, do Grande Irmão são construções, são interpretações desenvolvidas a partir
de uma certa perspectiva. Situações vividas na “era da tv”, por exemplo, poderiam ser
lidas hoje de outra forma; aspectos negligenciados poderiam ser resgatados (o que não
significa minimizar, por outro lado, a dimensão mercadológica e a tendência
monopolista que veio marcando a dinâmica da produção cultural neste século).

É interessante registrar o relativo ostracismo a que foram legadas – no mesmo período,


por parte dos estudiosos da comunicação – outras concepções e autores (como A.
Schutz, G. Simmel, G. H. Mead e o interacionismo simbólico, a Escola de Chicago, a
Escola de Palo Alto) que, numa perspectiva completamente distinta, enfatizam a
natureza interativa das trocas simbólicas, a intervenção criativa dos homens, o
dinamismo inscrito no terreno da experiência e do vivido, a diversidade e pluralismo
que marcam as pequenas cenas do cotidiano. A explicação da pouca importância
atribuída a essas contribuições pode ser imputada ao fato de que tais autores nadavam
contra a corrente, num século e numa ciência social voltados para a construção das
grandes verdades e das generalizações totalizadoras.

4
BAUDRILLARD, J. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes,
1972.
5
‘Tudo se passa como se o mecanismo de ligação fosse extremamente simples: como uma bola num
flipper. Introduz-se a bola num circuito (aqui denominado “canal”), e ela atinge seu alvo (o receptor) o
qual a devolve, no momento oportuno, através de intermediários. Emissor, canal, receptor. Dentro, uma
mensagem.” In: SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Loyola, 1994, p. 41.
6

Conforme ressalta Z. Bauman, a propósito da rejeição sofrida por um desses autores, G.


Simmel,

“Simmel foi acusado de uma certa fragmentação nas suas análises. Ele abordava a
realidade social ora de uma perspectiva, ora de outra, cada vez focalizando apenas um
fenômeno, tipo ou processo social. Com tal prática, a realidade emergia de seus textos
como um punhado de estilhaços de vida e migalhas de informação, longe dos modelos
completos, abrangentes, harmoniosos e sistemáticos de “ordem” ou “estrutura social”
oferecidos por outros sociólogos considerados de rigueur pelas ciências sociais da
época. (.........) Hoje vemos que a “fragmentação” das análises de Simmel era algo sob
medida para a condição humana que ele, ao contrário dos colegas, percebia por trás da
fachada das ambições totalizantes dos poderes instituídos; (.........). Pode-se dizer que
Simmel desmascarou a imaginada totalidade numa época em que a maioria dos
contemporâneos ainda lhe cantava louvores.” 6

O panorama hoje é outro – e essas contribuições já são bem vindas. Tendências mais
recentes (alimentadas sobretudo pelos estudos culturais ingleses, pelo pós-
estruturalismo, por uma sociologia do cotidiano, entre outras) vêm questionar a
simplificação promovida pelo modelo informacional (a metáfora do telégrafo) e
enfatizar o papel ativo dos receptores, a natureza produtiva do consumo, as complexas
mediações culturais.

Mas é sobretudo o advento de profundas modificações no domínio da realidade – a


“revolução” das tecnologias de informação, o desenvolvimento das redes digitais, a
globalização – que vem de fato derrubar a concepção linear da comunicação.
Desenvolvem-se tecnologias interativas (cresce a internet, o universo on line altera a
prática e os usos dos meios tradicionais, assistimos a um sistema de informação
operando em rede etc) – e a interatividade entra na ordem do dia.

Redes, hipertextos – e a busca da complexidade dos processos comunicativos

Nem tudo é tão simples. Com esse breve percurso na nossa tão conhecida história das
teorias da comunicação, quis ressaltar minha preocupação com o “impressionismo” do
real (o peso da técnica “marcando” o modelo conceitual). Como registrei no início,
nossos modelos teóricos devem poder ir além da descrição dos novos cenários, e evitar
os riscos das aplicações mecânicas. As modificações na realidade exigem também o
desenvolvimento dos nossos instrumentos conceituais, que não podem simplesmente
reiterar as mudanças, mas devem ser capazes de compreendê-las. Como diz E. Morin, é
7

preciso que sejamos capazes de ler a complexidade do mundo; de buscar um método


que, captando a interação e o entrelaçamento dos elementos da realidade, produza um
conhecimento complexo comportando sua própria reflexividade7. Também M.
Maffesoli nos lembra que uma realidade plural exige um pensamento plural, ou
“dionisíaco”, o mais próximo possível da riqueza, do dinamismo e vitalidade “deste
mundo aqui”8.

As redes de comunicação experimentam hoje dinâmicas e velocidades completamente


distintas; o número de conexões, o volume e alcance das informações superam tudo já
vivido anteriormente. Os modelos topológicos inspirados por essa realidade podem ser
frutíferos – desde que exploremos bem seus desdobramentos. E, sem dúvida, estamos
avançando neste terreno; as contribuições vêm numerosas. Mas é preciso saber tirar
suas consequências. São muitos os que falam em rede; essa nomeação de fato traduz
(para além da caracterização do fenômeno) uma visão mais rica (e complexa) da
complexidade que estamos vivendo?

A. Rodrigues9, numa discussão consistente sobre a emergência da problemática


comunicacional na modernidade, refere-se aos reflexos que ela provoca no campo
epistemológico, e se utiliza de duas imagens para apresentar os aspectos originais dessa
nova epistemologia (inscrita no terreno de uma filosofia do aleatório e de singularidades
complexas): a rede rodoviária10, constituída por uma série de vias e pontos de
entroncamento, e o jogo de xadrez11, marcado pela sequência dos posicionamentos, pelo

6
BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 196-197
7
“Mas a diferença aqui é precisamente o paradigma. Não se trata mais de obedecer a um princípio de
ordem (excluindo a desordem), de claridade (excluindo o obscuro), de distinção (excluindo as aderências,
participações e comunicações), de disjunções (excluindo o sujeito, a antinomia, a complexidade), ou seja,
um princípio que liga a ciência à simplificação lógica. Trata-se, ao contrário, a partir de um princípio de
complexidade, de ligar o que estava separado.” In: MORIN, E. La méthode. 1. La nature de la nature.
Paris: Seuil, Col. Points, 1977, p. 23.
8
“Para dizer em outros termos, é preciso elaborar um saber “dionisíaco” que se aproxime o máximo
possível de seu objeto. Um saber capaz de integrar o caos ou pelo menos de lhe atribuir o lugar que é o
seu. Um saber que possa, por mais paradoxal que pareça, traçar a topografia da incerteza e do aleatório,
da desordem e da efervescência, do trágico e do não-racional. Todas as coisas incontroláveis,
imprevisíveis, mas nem por isto menos humanas. Todas as coisas que, em graus diversos, atravessam as
histórias individuais e coletivas. Todas as coisas, pois, que constituem a via crucis do ato de
conhecimento.” In: MAFFESOLI, M. Eloge de la raison sensible. Paris: Grasset, 1996, p. 13.
9
RODRIGUES, A.D. Estratégias da comunicação. Lisboa: Presença, 1990.
10
“A rede rodoviária é constituída por uma multiplicidade de nós ou de pontos definidos pela sua
natureza ambivalente, dado que cada materialidade singular, cada nó, é ao mesmo tempo ponto de
chegada, ponto de partida e local de passagem. Qualquer nó rodoviário é ponto de chegada de um
percurso antecedente e ponto de partida para um percurso subsequente.” (Rodriques, 1990-b, p. 14)
11
“O jogo de xadrez ajudará a compreender outros aspectos dessa lógica tabular. Apesar de o número das
peças e de as regras que regulam a sua deslocação no decorrer da partida permanecerem inalterados,
enquanto regime abstracto de determinações absolutas e indiscutíveis, o jogo desenrola-se entre um ponto
8

jogo das probabilidades, pelos processos seletivos de escolha, pela tensão determinação
/ indeterminação.

No entanto, não é esse desenho – marcado pelas injunções, pelo aleatório e pela
presença de singularidades complexas – que o mesmo autor utiliza, ao falar da nova
sociedade da informação e das novas sociabilidades12. Ao contrário, ele identifica uma
realidade cindida, ou dois domínios distintos da experiência: no que tange ao domínio
dos meios eletrônicos de informação, estaríamos vivendo processos de transmissão
unilateral ou unidirecional de saberes – relações de informação. No domínio da
experiência cotidiana, das relações interpessoais e na esfera das tradições realizar-se-
iam efetivas relações de comunicação.13 Essa leitura – de tom maniqueísta - não
conjuga os entroncamentos, o jogo das posições e a presença do imponderável trazidos
pelas duas imagens evocadas. Ou seja: estou chamando a atenção para o fato de que não
necessariamente as imagens da complexidade (que são da ordem da abstração) se
traduzem ou se vêem refletidas em nossos trabalhos analíticos mais específicos.

Outro autor bastante conhecido (hoje quase um porta-voz da sociedade informacional),


P. Levy, vem trabalhando com as novas configurações provocadas pelas tecnologias da
informação, e, sobretudo em seus primeiros trabalhos, trouxe questões interessantes
para este debate. Na presente discussão, centrada mais especificamente na questão dos
modelos, destaco particularmente a metáfora do hipertexto apresentada por ele14. Para
Levy, o fundamento transcendental da comunicação é a produção de sentido; os atores
da comunicação produzem continuamente o universo de sentido – os textos simbólicos -
que os unem ou que os separam. Essa grande atividade conjunta de produção de
sentidos, por sua vez, é marcada por operações de associação, de conexão de um texto
com outros textos - enfim, se realiza enquanto construção de uma rede intertextual.

Tomando, portanto, a significação como centro de suas preocupações, o objeto principal


de uma teoria hermenêutica da comunicação não é, diz Levy, nem a mensagem, nem o

zero e um ponto de determinismo total, entre o primeiro e o último lance. Entre estes limites, os limiares
inferior e superior de determinação, realizam-se estados diversos de saturação relativa das probabilidades
de escolha dos jogadores. Cada lance altera a configuração do todo mas é determinado pela disposição
que resulta das posições precedentes.” (Rodriques, 1990-b, p. 16)
12
RODRIGUES, A.D. Comunicação e cultura. A experiência cultural na era da informação. Lisboa:
Presença, 1993; RODRIGUES, A.D., As novas fronteiras culturais das tecnologias da informação. In:
Comunicação & Política na América Latina,ano XIII, nº 22-23-24-25. São Paulo, CBELA, 1993.
13
Essa distinção entre relações de comunicação (bilaterais) e relações de informação (unilaterais) foi
bastante explorado por autores latino-americanos na década de 70, dentre os quais destacamos o trabalho
A. Pasquali, da Venezuela.
14
LEVY, P. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
9

emissor, nem o receptor, mas sim o hipertexto. Este se torna então a metáfora da
comunicação – e é regido por alguns princípios abstratos:15

- princípio de heterogeneidade;
- princípio de multiplicidade e de encaixe de escalas;
- princípio de exterioridade;
- princípio de topologia;
- princípio de mobilidade dos centros.

Não é o caso de nos alongarmos na discussão desses princípios, já bastante conhecidos,


ou na contribuição que eles trazem na compreensão da complexidade dos processos de
significação (vale destacar os dois primeiros princípios: o princípio de heterogeneidade,
marcando a diversidade das conexões e as possibilidades sempre abertas do hipertexto;
o princípio de multiplicidade e de encaixe de escalas, que desconstrói a imagem da
superfície plana e incorpora os cruzamentos transversais, o movimento dos “fractais”).
A metáfora do hipertexto dá conta de aspectos importantes, e capta com riqueza o
universo da construção dos sentidos, ressaltando com propriedade as mutações,
diferenças e mobilidade que caracterizam o processo.

No entanto, ao pretender representar a comunicação, o esquema produz uma redução –


quase uma ausência – que é da figura do homem, da intervenção dos homens. Ao
colocar o fundamento transcendental da comunicação na produção de sentidos (que se
torna seu estatuto ontológico), Levy oblitera a dimensão relacional da comunicação – a
presença rugosa do “um” e do “outro”. Na verdade, Levy não fala do outro; no máximo
fala de homens e textos. Esses homens não são tomados enquanto inscritos em relações,
e têm seu papel de sujeito um tanto neutralizados. Donde os riscos da interpretação
muito estreita de dois outros princípios: o princípio de exterioridade (a rede é movida de
fora, por forças externas) – que dilui a imprevisibilidade e potencialidade criadora das
conexões, minimiza o lugar da experiência; e o princípio de mobilidade de centros (a
rede é descentrada) – que obscurece a questão do poder e das determinações estruturais.

Então Levy promove sem dúvida ênfases pertinentes – mas faz isso com prejuízo de
outros aspectos. Realçando a força das imagens, dos sentidos construídos, da produção
de textos, ele conclui: “podemos certamente afirmar que o contexto serve para
determinar o sentido de uma palavra; é ainda mais judicioso considerar que cada palavra

15
Op.cit., pp. 25-26.
10

contribui para produzir o contexto”16. Aqui ele está deslocando a perspectiva (já
consensual) de que as palavras ganham seu sentido (e devem ser analisadas) em
contexto, e chamando a atenção para o outro lado: para a dimensão de realidade das
formas simbólicas, para o fato de que as imagens produzidas / disseminadas ganham
vida própria e atuam nos seus ambientes. A colocação é apropriada17 – mas
insuficiente, se não vem acompanhada por outras perguntas: quem diz a palavra, e para
quem? Como se posicionam os atores nesse processo produtivo? Como se dá a
intervenção dos homens estabelecendo as conexões, fazendo escolhas, esquivando-se de
alguns sentidos, perseguindo outros? São essas as perguntas que seu modelo não
formula.

O pensamento de Levy produz uma quase autonomização da materialidade significante.


E é essa concepção que sustenta seu olhar um tanto otimista de um coletivo cosmopolita
democrático, expansivo, aberto – como uma grande onda, dotada de impulsão própria,
que vem atravessando e engolfando o mundo. Ao retirar a intervenção dos homens, os
processos de escolha, os jogos e injunções de interesse e o embate das posições de
força, seu hipertexto se constrói acima do terreno da experiência e da história. A
metáfora do hipertexto, tomada como representação do mundo e da comunicação, e não
como esquema operatório para dar conta de alguns aspectos do processo, se converte de
novo em modelo redutor. O mundo em rede de Levy, marcado pela pluralidade de vias
de acesso e de imagens, e por uma dinâmica de junções é injunções, é sem contradições.

Resumindo, então, as críticas ou inquietações provocadas por tal modelo – que tomei
como referência, mas podem ser estendidas a outros autores e ao uso mais corrente da
noção de rede - destacamos os seguintes pontos:

- ênfase excessiva nas vias mediadoras (vias de acesso) em detrimento do estudo dos
processos relacionais estabelecidos (que tipo de relação está sendo vivenciada; que
tipo de uso, de apropriação dos materiais e das posições; quem está de um lado,
quem está de outro etc.);

16
Levy, op. cit., p. 24.
17
Podemos lembrar Neruda: “SIM SENHOR, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as
que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as,
derreto-as ... (.....) Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar
ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ...
Têm sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo
rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ...” (NERUDA, P. Confesso que vivi. São Paulo:
Difel, 1982. 15ª ed., p.51)
11

- autonomia das informações e imagens (das formas simbólicas disponibilizadas) com


relação aos processos de produção e interpretação – e com relação aos homens, em
última instância;

- anulação do terreno da experiência, da intervenção concreta dos homens (conforme


registrado acima, em ressalva feita ao uso do princípio de exterioridade);

- neutralização da idéia (e do lugar) do poder quando se toma ao pé da letra o


princípio de mobilidade dos centros – o que levaria à diluição dos nexos de poder,
da lógica estrutural dos fluxos.

Esse quase enrijecimento na aplicação da noção de rede pode ser percebido em certas
afirmativas de outros autores, que acabam com isto construindo visões totalizantes e
homogeneizadoras - e expulsando as ambivalências e o contraditorial.

Como exemplo, remeto-me ainda a duas colocações de Castells. A primeira diz respeito
à discussão que ele faz sobre espaço, e à identificação e distinção (interessante e
apropriada) entre “espaço de lugares” e “espaço de fluxos”. Ao tecer essa distinção, o
autor não apenas aponta uma realidade cindida e uma relação de oposição entre esses
diferentes espaços - “uma esquizofrenia estrutural entre duas lógicas espaciais que
ameaça romper os canais de comunicação da sociedade”18– como registra a tendência a
uma subjugação e substituição do espaço de lugares pelo espaço de fluxos. Há que se
tomar essa discussão com mais cuidado – a criação de antinomias, bem como o
ofuscamento da criatividade e resistência que marcam a intervenção cotidiana dos
homens impede a compreensão dos movimentos, das formas ambivalentes de
convivência, da hibridação das experiências.

Uma segunda colocação refere-se ao grau de determinação que esse autor atribui às
redes e à tecnologia da informação:

“.... essa lógica de redes gera uma determinação social em nível mais alto que a dos
interesses sociais específicos expressos por meio das redes: o poder dos fluxos é
mais importante que os fluxos do poder.” (19grifo nosso)

Não posso aqui me alongar muito nessa discussão, mas quero pelo menos registrar o
que considero três pecados capitais incorridos pela afirmação acima:

18
Castells, op. cit., p. 451.
19
Castells, op. cit., p. 497.
12

- primeiro, um determinismo absoluto (num momento em que o pensamento está


buscando se desvencilhar das causalidades únicas e relativizar, entrecruzar as
relações de determinação);

- por outro lado, no que ele tem de interessante, esse jogo de palavras – “o poder dos
fluxos é mais importante que os fluxos do poder” – não diz nada além do que já
disse McLuhan, com sua célebre frase “o meio é a mensagem”;

- por último, traz um problema de fundo, grave – que é a separação forma-conteúdo.


Pode-se falar em poder senão enquanto poder encarnado, poder realizado (tornado
real sob certas formas)? O que é o poder para além das formas e mediações através
das quais exatamente ele se faz?

Com estas críticas não quero invalidar o uso ou as possibilidades da noção de rede, mas
apontar os riscos das aplicações mecânicas.

Buscando então a noção de rede não como modelo que enquadra, mas como noção que
abre pistas e possibilidades de leitura, fazemos apelo agora à instigante contribuição de
M. Serres, (num texto publicado em 1964 - A rede de comunicação: Penélope, -
anterior, portanto, à realidade das redes digitais), em que ele opõe à linearidade do
argumento dialético tradicional (guiado por uma cadeia unívoca de determinação), um
modelo de representação em forma de rede:

“Imaginemos um diagrama em rede, desenhado num espaço de representação. Ele


é formado num dado instante (pois veremos que ele representa qualquer estado de
uma situação móvel) por uma pluralidade de pontos (extremos) ligados entre si por
uma pluralidade de ramificações (caminhos). Cada ponto representa, ou uma tese,
ou um elemento efectivamente definível de um conjunto empírico determinado.
Cada via é representativa de uma ligação ou de uma relação entre duas ou mais
teses, ou de um fluxo de determinação entre dois ou mais elementos desta situação
empírica.” 20

Esse modelo contempla os seguintes aspectos (premissas que podemos desdobrar em


indagações)21:

1. Enquanto o modelo dialético tradicional supõe que existe apenas um caminho para
ir de um elemento a outro em uma dada situação (estabelecendo, portanto, uma

20
In: SERRES, M. A comunicação. Porto: Rés, s/d., p. 7.
21
Os itens abaixo foram apresentados pelo autor no texto citado (pp. 8-15); a citação / recorte do texto
original (itálico) foram feitas de forma mais ou menos livre.
13

relação unilinear), o diagrama em rede indica que as vias mediadoras são plurais
e complexas – e um caminho (ou caminhos) é escolhido entre outros possíveis, num
movimento tanto marcado pelo aleatório quanto pela decisão e seleção (a mediação
única é substituída pela seleção de uma mediação entre outras). É importante
registrar que, além da pluralidade das vias, essa premissa ressalta o processo de
escolha;

2. A substituição da linearidade pela “tabularidade” não apenas registra o aumento


do número de mediações possíveis, como torna possível distinguir a natureza e a
força das diferentes conexões – o que permite compreender também que cada
caminho representa um tipo de ação e relação diferenciadas. Premissa que traz as
perguntas: os caminhos escolhidos implicam que tipo de ação dos sujeitos? Quais
interações?

3. Uma vez que cada vértice, ou ponto, pode ser plurideterminado, e sofre a influência
das interseções que o atravessam, portanto também dos outros pontos, podemos
concluir que a situação dos elementos na rede é instável – e cada um tem seu poder
avaliado segundo uma situação de reciprocidade, no contexto dos diferentes
posicionamentos e face à rede do jogo contrário. Donde cabe perguntar, no
momento da análise: qual é esta situação? Como estão se dando / evoluindo os
posicionamentos?

4. A diferenciação pluralista e a irregularidade da distribuição espacial dos vértices e


dos caminhos permitem conceber associações locais e momentâneas de pontos e de
ligações particulares - a rede contêm “famílias” (ou subconjuntos de elementos) de
poder determinante local, inscrita num jogo de relações que escapa, por sua vez, a
explicações simplistas da força do local ou da determinação do global. Trata-se
aqui de identificar essas “famílias”, as filiações locais do nosso objeto de estudo,
tanto quanto sua inserção em configurações maiores, entendendo o jogo de forças e
determinações advindas dessas diferentes inserções (ou movimentos);

5. O diagrama em rede representa uma situação marcada pelas mudanças, variações


nas relações de determinação, agrupamentos de subconjuntos locais semelhantes a
um jogo; a visão possibilitada por esse modelo permite uma nova articulação entre
estrutura e acontecimento – articulação marcada pela imprevisibilidade e
pluralismo do ocorrencial; pelas regras e encadeamento dos momentos de uma
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sequência. O que significa fugir da clássica dicotomia elemento/todo, singular/geral


– e conjugar a atenção ao singular com o contexto (e regras) no qual está inserido.

6. A articulação dos pontos e caminhos, a sobredeterminação de um elemento pelo


movimento dos outros implica retomar as noções tradicionais de causa, condições,
efeito – mas de outra maneira. A pluralidade das conexões que unem os vértices
evidencia a idéia de uma retroação, de uma retumbância imediata do efeito na
causa; o fluxo causal já não é causa, uma vez que a causalidade não acontece em
uma única direção (quem quer influenciar é de repente influenciado pelo resultado
de sua influência); a origem e a recepção são simultaneamente causa e efeito.
Escapando do reducionismo trazido pelo modelo linear, o diagrama em rede traz a
circularidade, a retroação, a reversibilidade que marcam os movimentos do real.

Essa discussão trazida por Serres se apresenta como uma matriz epistemológica bem
mais rica e complexa, abrindo-se para as ambivalências, para o móvel, para a diferença.
As pistas que oferece podem nos ajudar na superação definitiva do modelo redutor
através do qual sempre pensamos a comunicação – e a ultrapassar o pensamento
simplificador. Ela abre caminhos, e nos incita a novas buscas.

Tomada enquanto rede, ou teia complexa, percebemos inicialmente que a comunicação


não tem limites definidos (a delimitação de uma situação é uma operação do
pensamento) e deve sempre ser buscada na pluralidade de seus elementos e injunções;
que suas variações refletem a dinâmica dos posicionamentos. E cada situação
comunicacional, em sua realização particular, traz a interseção dessa particularidade (do
ocorrencial) e do contexto em que se insere (a intervenção do estrutural).

Nessa perspectiva, a noção de rede se apresenta como uma metáfora promissora – que
aparece e ganha pertinência enquanto princípio de inteligibilidade, uma nova ordem
lógica que indica uma outra forma de aproximação da concretude dos fenômenos
comunicativos. A comunicação, que não pode ser explicada como relação unilateral
entre dois pólos, também não se reduz à intertextualidade (que é apenas um de seus
aspectos).

Levando adiante a crítica feita a Levy – e tirando dela suas consequências – realçamos a
importância de não tomar a rede como algo em si (o que seria hipostasiar a forma), mas
como o viés adequado para apreender a dinâmica relacional que marca os processos
15

comunicativos (os processos de produção e troca de sentidos). Em outras palavras –


não se trata da rede, mas de entender o desenho das relações que constituem o processo
comunicativo, dispostas na forma intrincada de redes.

Por último, queremos lembrar que entrada na rede supõe “cortes”- a ênfase em um
ponto, a escolha de um ou mais fluxos com temporalidade e mediações variadas. A
rede é uma abstração, que se realiza em situações particulares. Então nosso trabalho de
análise, se quer escapar ou ir além das grandes generalizações, deve fazer cortes, ir em
busca dos fenômenos na sua dimensão empírica – o que significa recortar situações
específicas, objetos específicos, produtos, relações. O trabalho de apreensão, de
interpretação, assim, tem início com uma escolha, com o recorte de nosso objeto – para
então percebê-lo não como um “em si”, mas como um elo, um nó, um vértice,
atravessado por vários caminhos, na grande rede do social.

Um estudo de caso

Até então vim desenvolvendo uma reflexão mais abstrata, promovendo a discussão de
uma matriz paradigmática. Para dar um pouco mais de concretude a essas questões (ou
possibilidades de caminho) falarei muito rapidamente de um projeto de pesquisa do qual
participo, e de como viemos buscando construir nosso problema à luz das preocupações
formuladas por um modelo diagramático, ou por um paradigma relacional. O projeto –
entitulado Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver22 - se constrói em torno
da construção discursiva das relações de identidade e alteridade no contexto da
sociedade brasileira, e trabalha com diferentes recortes empíricos. Um desses recortes
refere-se a uma favela de Belo Horizonte (o Aglomerado da Serra) tomada enquanto
“lugar de fala”23. Buscamos flagrar as diferentes situações em que o favelado –
claramente o “outro” dentro do grande “nós” da identidade brasileira – se coloca não
como o “falado”, o referente de construções externas de representação, mas como

22
Este projeto vem sendo desenvolvido pelos pesquisadores do GRIS (Grupo de Estudo e Pesquisa sobre
Imagem e Sociabilidade), da FAFICH/UFMG, e conta com auxílio do CNPq e FAPEMIG.
23
Usamos o conceito de “lugar de fala” da forma como foi discutido por J.L. Braga, enquanto lugar de
integração entre fala (o enunciado, ou discurso), textos disponíveis (intertextualidade) e situação (evento).
“... esse ‘lugar de significação’ não é inteiramente pré-existente à fala: ele se constrói na trama entre a
situação concreta com que a fala se relaciona, a intertextualidade disponível e a própria fala como
dinâmica selecionadora e atualizadora de ângulos disponíveis e construtora da situação interpretada.”
BRAGA, J.L. Lugar de fala como conceito metodológico no estudo de produtos culturais e outras falas.
In: FAUSTO NETO, A. e PINTO, M. (org.). Mídia e cultura. Rio de Janeiro: Diadorim – Compós,
1997, p. 107.
16

enunciador. Fomos em busca de diferentes situações de enunciação: onde os favelados


falam, como eles falam, para quem falam? Estes seriam os fios da rede. Estamos
trabalhando com alguns:

- uma rádio (a rádio Favela FM), sediada no Aglomerado, que se apresenta como “a
voz da periferia”; pretende falar o “favelês”; tem uma página da internet; trata das
questões do cotidiano da favela e discute temáticas tais como violência, drogas,
cidadania, vivência urbana;

- um grupo de “Folia de Reis”, enraízado no terreno da tradição, ligado às origens


religiosa e interiorana dos participantes, mas também atravessado por novas
influências e apelos;

- um grupo de jovens ligado ao movimento hip hop, voltado mais especificamente


para a street dance;

- lugares cotidianos de fala, de interação – como a escola, a família.

Em cada um desses lugares (através de um trabalho que alia métodos etnográficos e


análise do discurso), buscamos caracterizar a situação de enunciação, captar falas,
posicionamentos, e perceber as junções, o movimento, o trabalho de produção e
interpretação dos sentidos – enfim, identificar a tessitura da rede.

Ouvi em algum lugar (acho que a expressão de uma criança) uma definição curiosa de
rede: “rede é um monte de buracos costurados juntos”. É engraçado pensá-la assim – já
que essa “definição”, assim como aqueles quebra-cabeças infantis que brincam com a
forma e o fundo, inverte a ênfase do olhar – dos fios para os “buracos”. Pode ser rico
pensá-la desta maneira, brincar com a inversão – tomando os buracos não como vazios,
mas potencialidades que se realizam (ou não) nessa costura transformadora, que é a
relação com o outro, o viver em sociedade.

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