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Educação Unisinos

12(1):35-41, janeiro/abril 2008


© 2008 by Unisinos

Conselho Escolar: mecanismo de


democratização ou burocratização?

School Council: A mechanism of democratization


or bureaucratization?

Arilene Medeiros
arilene.medeiros@bol.com.br
Francisca de Fátima Oliveira
brenovinicius@uol.com.br

Resumo: O presente texto problematiza se o Conselho Escolar serve como um mecanismo


de democratização ou de burocratização. No primeiro momento, verificam-se as contradições
e os limites da legislação vigente no tocante à efetivação da gestão democrática no interior
das escolas públicas. No segundo, discutem-se as dificuldades que o Conselho Escolar enfrenta
para constituir-se e funcionar como espaço democrático. Sendo uma instância representativa
da multiplicidade de vozes, o Conselho Escolar é entendido como a capacidade política de
promover consensos racionalmente motivados e, conseqüentemente, de fortalecer o
desenvolvimento de práticas coletivas nas instituições educativas.

Palavras-chave: democratização, burocratização, Conselho Escolar, legislação.

Abstract: The article asks whether the School Council is a mechanism of democratization
or of bureaucratization. It first describes the contradictions and limits of the legislation with
regard to a democratic administration in public schools. It then discusses the difficulties that
the School Council faces to constitute itself and operate as a democratic space. Since the
Council is a representation of multiple voices, it is understood as the ability to promote
rationally motivated consensuses and to strengthen the development of collective practical
in educational institutions.

Key words: democratization, bureaucratization, School Council, legislation.

Introdução do como ênfase a democratização da é o caso de Minas Gerais, em 1977 e


gestão escolar, cujo substrato con- 1978; São Paulo, em 1978, e Distrito
A discussão acerca dos proces- siste na participação da comunida- Federal, em 1979 (Mendonça, 2000).
sos democráticos no interior das ins- de. São muitos os mecanismos que, Por volta do final dos anos de 1980,
tituições educativas consta de um em termos legais, facilitam a introdu- quando o país vivencia um novo
visível e acelerado crescimento no ção dos processos democráticos na momento de sua história, o da aber-
período pós-Constituição de 1988, escola, sendo o Conselho Escolar tura política, dissemina-se pelos sis-
sendo o mesmo intensificado no pe- objeto de nossa análise. temas estaduais e municipais de en-
ríodo pós-LDB de 1996. Esses dois A criação do Conselho Escolar sino a idéia do Conselho Escolar
períodos proporcionaram novos ru- remonta a períodos anteriores à como meio necessário à gestão de-
mos para a educação no país, trazen- Constituição Federal de 1988, como mocrática. Via de regra, sua existên-

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cia encontra-se diretamente vincula- A produção deste trabalho é re- na mesma velocidade em que a infor-
da à democratização política e social sultado de discussões feitas pela mação e o conhecimento circulam, e
do país, e, embora sua matriz seja equipe pedagógica de uma escola não podemos digeri-los em sua ple-
esta, ele “tem sido tomado, em geral, pública de Ensino Médio em Mosso- nitude. A cada dia publicam-se livros
como uma medida isolada, desloca- ró-RN, que, mediante a necessidade e revistas; defendem-se trabalhos
do de uma política mais ampla e séria da criação de seu Conselho Escolar, que tratam especificamente da ges-
de democratização da escola, eviden- conforme indica a própria legislação tão escolar democrática; realizam-se
ciando muito mais sua face burocrá- vigente, convidou-nos enquanto es- eventos locais, regionais, nacionais
tica do que sua inspiração democrá- tudiosas da gestão escolar para en- e internacionais. A título de exemplo,
tica” (Paro, 2001, p. 80). Experiências caminhar tais discussões, inclusive mencionamos uma pesquisa realiza-
nos mostram que, ao burocratizar-se, com a responsabilidade de sensibili- da pela ANPAE (Associação Nacio-
o Conselho Escolar perde seu con- zarmos os profissionais quanto à im- nal de Política e Administração da
teúdo democrático – propósito basi- portância que este mecanismo exer- Educação), no período de 1991 a 1997,
lar de sua constituição e funciona- ce no conjunto das possibilidades da na qual fica constatado que das 922
mento. gestão escolar democrática. Desafio (novecentas e vinte e duas) teses e
O Conselho Escolar será analisa- não tão pequeno, quando se perce- dissertações defendidas nos Progra-
do sob dois aspectos: (i) como me- be o estado de mal-estar (Dourado, mas de Pós-Graduação em Educação,
canismo que serve para democrati- 2001) com o qual os professores con- no Brasil, com Linha de Pesquisa em
zar ou burocratizar a escola; (ii) como vivem no cotidiano de sua profissão. Política e Gestão da Educação, 134
mecanismo que, para constituir-se (cento e trinta e quatro) referiam-se
como espaço democrático na esco- Gestão democrática: particularmente à gestão da escola.
la, com capacidade política de pro- Depois de muitos ditos, o Embora a farta produção acadêmica
mover consensos racionalmente que temos a dizer... esteja à nossa disposição, isto não
motivados e de fortalecer as práticas diminui as dificuldades e os desafios
escolares, enfrenta inúmeras dificul- Do final dos anos de 1980 para cá, que os sistemas públicos e as unida-
dades, tanto de ordem teórica como a gestão democrática passou a ser des educativas enfrentam para a con-
prática. Para o empreendimento des- uma referência discursiva entre nós. cretização de sua gestão democráti-
sa análise, parte-se do que a política Hoje, ninguém (ou poucos!) ousaria ca. Aliás, uma das grandes dificulda-
educacional defende legalmente em ou desejaria optar por uma gestão des que temos a enfrentar é como
termos de gestão democrática, com escolar não democrática, pelo menos tornar o conhecimento produzido por
vista à sua consolidação no interior no plano do discurso. É fato o quan- nós nas universidades apreensível e
da escola. to a gestão democrática está incor- acessível aos profissionais que es-
No primeiro aspecto da análise, a porada ao discurso dos profissionais tão no dia-a-dia construindo a edu-
ênfase é dada à legislação atual nos da educação e dos dirigentes dos sis- cação pública brasileira.
termos em que a Constituição Fede- temas de ensino. Cotidianamente, Anterior à legislação educacional
ral de 1988 (Brasil, 1998), a LDB 9.394/ estamos recorrendo a ela para de- vigente, a Constituição de 1988, no
96 (Brasil, 1996) e o Plano Nacional monstrar e/ou reforçar que vivencia- seu Art. 206, inciso VI, (Brasil, 1998)
de Educação (PNE) (Brasil, 2001) de- mos, na escola, uma nova fase. En- já determinara a “gestão democrática
fendem a gestão democrática e favo- tretanto, o que precisamos saber para do ensino público, na forma da lei”; a
recem sua implementação no âmbito avançar no debate é se ela está se política educacional, por sua vez, se-
dos sistemas de ensino estaduais e incorporando às práticas escolares. guindo a determinação da própria
municipais. Há uma imensa produção de tra- Constituição Federal, apenas incor-
No segundo aspecto, a atenção balhos acadêmicos, em nível de dou- pora a defesa da gestão democrática
converge especificamente para o torado, mestrado e especialização na do ensino público.
Conselho Escolar (CE), destacando área da gestão escolar. A roda-viva A LDB 9.394/96, no seu Art. 3º, in-
sua importância para a democratiza- do conhecimento é algo que impres- ciso VIII (Brasil, 1996), apresenta a
ção da escola e esclarecendo algu- siona qualquer leitor(a) assíduo(a), “gestão democrática do ensino pú-
mas dificuldades teóricas e práticas, haja vista a velocidade com que o blico, na forma desta Lei e da legisla-
que se interligam e se somam quan- volume de informações nos chega ção dos sistemas de ensino” como
36 do a matéria em pauta é sua consti- diariamente. Em uma sociedade que um princípio. No Art. 14, incisos I e II
tuição e seu funcionamento: as rela- gira em torno da produção do conhe- (Brasil, 1996), a gestão democrática
ções de poder e a falta de diálogo. cimento, a atualização se desatualiza encontra-se reforçada nos seguintes

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termos: “participação dos profissio- onal privado, deixando-o à vontade bou assumindo um caráter presumi-
nais da educação na elaboração do para estabelecer seu “modelo” or- velmente tautológico. Ou seja, quan-
projeto pedagógico da escola” e “par- ganizacional. Notadamente, em de- do a LDB afirma a gestão democráti-
ticipação das comunidades escolar e corrência dessa abertura que se con- ca como fundamento, nisto, inexora-
local em conselhos escolares ou equi- cede aos estabelecimentos privados velmente, já está embutido o pressu-
valentes”. Nesta Lei, a gestão demo- de ensino, encontra-se uma gestão posto da participação.
crática não pára por aí: no Art. 15 (Bra- centralizadora em virtude da concen- A LDB, ao assegurar o fundamen-
sil, 1996), ela é recolocada como uma tração das decisões nas mãos dos to da gestão democrática, deveria
responsabilidade do poder público: dirigentes escolares. mencionar, nalgum lugar, diretrizes e
“Os sistemas de ensino assegurarão parâmetros que auxiliassem os siste-
às unidades escolares públicas de Diz-se que uma organização é o espe- mas de ensino na viabilização de es-
educação básica que os integram pro- lho de seu processo de tomada de de- tratégias de como torná-la concreta no
gressivos graus de autonomia peda- cisão (ou vice-versa). Processos alta- interior das escolas, inclusive acionan-
mente centralizadores refletem orga-
gógica, administrativa e de gestão fi- do as responsabilidades que os siste-
nizações igualmente centralizadoras.
nanceira, observadas as normas ge- Ao contrário, organizações democrá-
mas de ensino deveriam assumir para
rais de direito financeiro público.” ticas são aquelas que possibilitam um a promoção da participação da comu-
Tudo isso nos serve para dizer razoável grau de participação e inter- nidade nos conselhos e equivalentes.
que a LDB respalda a gestão demo- venção de seus membros nos proces- Ao tratar dos obstáculos referentes à
crática na escola pública, entretan- sos decisórios. É possível, portanto, participação da comunidade nas deci-
to, é pouco precisa nos encaminha- classificar as organizações, de acordo sões escolares, Paro (1997) admite que,
mentos práticos para sua efetivação. com seus processos decisórios, em interna ou externamente, ela enfrenta
democráticas, mais ou menos autori-
A referida Lei apresenta limites, quan- condicionantes diversos que incluem
tárias, centralizadoras, burocráticas,
do se observa seu caráter reducio- etc. (Gentilini, 2001, p. 42). as péssimas condições estruturais, ad-
nista, ao deixar o ensino privado eri- ministrativas e pedagógicas da esco-
gir-se em outras pilastras, que não Com ênfase nesse depoimento e la, bem como as péssimas condições
necessariamente as democráticas na concessão da LDB para o setor sociais, políticas, culturais e econô-
(Paro, 2001). No afã da liberdade de privado de ensino atuar como bem micas que a comunidade enfrenta no
mercado, a legislação educacional lhe convier, o que se percebe clara- seu dia-a-dia.
peca por não atribuir ao ensino pri- mente, ressalvando as possíveis ex- Em relação ao PNE, este é a con-
vado o mesmo princípio de gestão ceções que possam existir no merca- cretização do que a Constituição Fe-
democrática. A falta de regulamen- do educacional brasileiro, é uma ges- deral de 1988, no seu Artigo 214 (Bra-
tação do princípio democrático no tão totalmente voltada para fins lu- sil, 1998), e a LDB 9.394/96, no seu
ensino privado constitui-se numa crativos, com alto teor de centralida- Artigo 87 (Brasil, 1996) das disposi-
estratégia para atender aos interes- de e autoritarismo. Discutindo essa ções transitórias, previam, de modo
ses do “mercado educacional”. A concessão legal que insulta a demo- a traçar e definir objetivos e metas
negação do princípio da gestão de- cratização da educação brasileira, para a educação nacional, no perío-
mocrática para o setor educacional Paro (2001, p. 54) comenta: “Por aqui do subseqüente a 2001, estendendo-
privado consiste num ataque letal ao dá para perceber a que disparates se por uma década. Não é objetivo
amplo desenvolvimento democráti- nossos legisladores se prestam, debater as intensas articulações que
co da sociedade, ampliando a aber- quando, cedendo à ânsia do lucro giraram em torno de sua elaboração,
tura para que o mesmo seja auto- representada nos lobbies dos inte- mas destacar e analisar na medida do
suficiente nas determinações que re- resses privados, permitem que a ló- possível, dentre seus 26 objetivos e
gem a sua gestão, reforçando, en- gica do mercado se sobreponha à ra- metas relacionados à gestão e finan-
tão, a tese habermasiana de que o zão e aos interesses da sociedade” ciamento da educação, aqueles que
mercado tem sua lógica própria de (grifo no original). se articulam diretamente ao objeto em
funcionamento e de racionalidade, Afirmar que a gestão democrática pauta, que é a gestão democrática da
cuja característica básica é sua ca- requer a participação de todos na ela- escola pública.
pacidade auto-regulativa. A LDB boração da proposta pedagógica e
9.394/96 (Brasil, 1996) apenas endos- nos conselhos e colegiados escola- • Definir, em cada sistema de en-
sou essa pressuposição quando res não acrescenta nenhuma novida- sino, normas de gestão demo- 37
não regulamentou a gestão demo- de. Todavia, como a democracia não crática do ensino público, com
crática no âmbito do setor educaci- existe sem a participação, a LDB aca- a participação da comunidade.

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• Editar pelos sistemas de ensino todos profissionais e usuários da índices de aprovação, repetência,
normas e diretrizes gerais desbu- educação pública: (i) busca pelo de- desistência, etc., são semelhantes à
rocratizantes e flexíveis, que esti- senvolvimento de formas de partici- produtividade de bens materiais,
mulem a iniciativa e a ação inova- pação na escola; (ii) ou estilhaçamen- compreendida na esfera da raciona-
dora das instituições escolares. to dos princípios da gestão demo- lidade instrumental. Portanto, cabe-
• Desenvolver padrão de gestão crática. se registrar o quanto os mecanismos
que tenha como elementos a des- O aparato legal da política educa- “supostamente” democráticos têm
tinação de recursos para as ativi- cional, como não materializa as dire- reforçado a lógica da racionalidade
dades-fim, a descentralização, a trizes mais gerais de como favorecer instrumental no tecido educacional
autonomia, a eqüidade, o foco na efetivamente a participação da comu- brasileiro, inclusive o próprio Con-
aprendizagem dos alunos e a par- nidade, acaba desenvolvendo um pro- selho Escolar (Pinto, 1996).
ticipação da comunidade. cesso de burocratização na escola, na
• Apoiar tecnicamente as esco- medida em que os mecanismos de Conselho Escolar:
las na elaboração e execução de democratização, dentre eles o Conse- burocratização ou
sua proposta pedagógica. lho Escolar, perdem seu sentido ino- democratização?
• Assegurar a autonomia admi- vador democrático, para se transfor-
nistrativa e pedagógica e am- marem em mera resposta às deman- Em tese, presume-se que o Conse-
pliar sua autonomia financeira das do Estado, ferindo, inclusive, os lho Escolar consista num espaço de-
através do repasse de recursos propósitos mais gerais da gestão de- mocrático para discussão, decisão e
diretamente às escolas para pe- mocrática, que são as possibilidades implementação das decisões; por isso,
quenas despesas de manuten- de desburocratizar a prática dos pro- deve ser entendido como um meca-
ção e cumprimento de sua pro- fissionais e de descentralizar o poder nismo indispensável à democratiza-
posta pedagógica. decisório. No entanto, os estudos têm ção da escola. Como uma instância
• Assegurar que, em cinco anos, apontado a forte burocratização e ver- democrática, com poderes consulti-
50% dos diretores, pelo menos, ticalização dos processos administra- vos, propositivos e deliberativos,
possuam formação específica tivos, reveladas fundamentalmente pode representar, no coração do sis-
em nível superior e que, no fi- no saber técnico e na especialização tema escolar, uma possibilidade para
nal da década, todas as escolas como promovedores da racionalida- a criação de um novo tipo de raciona-
contem com diretores adequa- de e do controle (Hora, 1994). Até lidade administrativa e pedagógica. A
damente formados em nível su- hoje, continuamos esperando que a racionalidade da qual estamos falan-
perior, preferencialmente com efetivação da gestão democrática se do não se assemelha à racionalidade
cursos de especialização. somasse à perspectiva construtiva de instrumental-burocrática, compatível
• Consolidar e aperfeiçoar o Sis- uma nova racionalidade administrati- com os interesses do mundo sistêmi-
tema Nacional de Avaliação da va para a educação brasileira (Medei- co (Estado e Mercado).
Educação Básica – Saeb e o ros, 2007). Não devemos permanecer somen-
censo escolar (Brasil, 2001). Ademais, a gestão democrática te na expectativa dos benefícios edu-
não prescinde de uma avaliação ri- cacionais que o Conselho Escolar
Os objetivos e metas expostos gorosa, capaz de corrigir falhas e pode proporcionar, mas é, de qual-
confirmam que a gestão democrática (re)inventar práticas. No entanto, quer modo, necessário explicitar as
não dispensa a participação da co- percebe-se que os processos de ava- inúmeras dificuldades que o mesmo
munidade escolar. Aliás, está claro liação, ao demonstrarem a falência enfrenta, as quais, na maioria das
que aquela sem esta inexiste. O PNE dos próprios sistemas de ensino, vezes, são manifestações da própria
não traz acréscimo às pressuposi- assumem posições punitivas e impo- política educacional; embora a ges-
ções que, anteriormente, a LDB já sitivas, a começar pela própria retra- tão democrática seja definida como
havia determinado em seu texto, prin- ção dos recursos financeiros em de- princípio e a participação em conse-
cipalmente no tocante à participação. corrência de uma avaliação de cunho lhos e similares como forma de ga-
Para que a gestão democrática se predominantemente estatístico. Tais ranti-la, na prática, tal princípio não
mantenha viva e pulsante, é essen- processos, para cumprimento de for- é levado a cabo. Aliás, a política edu-
cial garantir a participação da comu- malidades junto às agências interna- cacional tem atribuído às escolas a
38 nidade interna e externa. Diante des- cionais de financiamento da política responsabilidade pela materialização
sa assertiva, dois possíveis cami- educacional brasileira, prezando pela da participação na escola, descuran-
nhos são colocados em evidência a produtividade escolar, traduzida em do de sua própria responsabilidade,

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que é a viabilização prática de seus consensos e de efetivação de práti- de certa forma, autoriza-nos a dizer
intentos. Como a política educacio- cas democráticas, enfrenta dificulda- que o poder “fabricado” na escola
nal brasileira assume a característica des diversas, e os sujeitos envolvi- pelos sujeitos nela atuantes apresen-
de ser apenas formalizadora de in- dos devem estar cientes de que a ta suas idiossincrasias. O exercício do
tentos, acaba sobrando para os pro- construção da democracia na escola poder requer disciplina, controle rígi-
fissionais da educação a convivên- não se realiza sem que essas dificul- do do tempo e vigilância constante.
cia com seus paradoxos no cotidia- dades sejam enfrentadas coletiva- Tudo que uma administração escolar
no de suas práticas escolares. mente. Dentre tantas, destacamos conservadora não dispensa. Enfim,
O Conselho Escolar pressupõe apenas duas: as relações de poder e tudo que se faz necessário à burocra-
participação em todas as suas ins- a falta de diálogo. tização da escola.
tâncias: constituição, planejamento Não temos como negar que as re- São várias as formas de difusão
execução e avaliação; do contrário, lações de poder se infiltram em todas do poder escolar. Tais formas se ma-
é entendido como mecanismo capaz as instâncias sociais e se manifestam nifestam no controle e na vigilância
de favorecer o exercício do poder dis- de diferentes formas. Portanto, a es- constante do diretor, na retenção da
ciplinador no interior das relações cola não escapa desse tipo de rela- informação, na relação vertical entre
entre os sujeitos. Nesse mesmo sen- ções, e dentro dela o poder se exerce o diretor escolar e os professores, na
tido, Werle (2003, p. 60) comenta: “Não dentro das práticas administrativas e imposição, na coibição e proibição da
existe um Conselho no vazio; ele é o docentes. “É a estrutura escolar que fala. Diante disso, a escola represen-
que a comunidade escolar estabele- legitima o poder de punir, que passa a ta uma larga estrutura de poder, e,
cer, constituir e operacionalizar. Cada ser visto como natural. Ela faz com paradoxalmente, a criação de um Con-
Conselho tem a face das relações que que as pessoas aceitem tal situação. selho Escolar pode representar uma
nele se estabelecem. Se forem relações É dentro dessa estrutura que se rela- possibilidade de enfrentamento des-
de responsabilidade, de respeito, de cionam os professores, os funcioná- sa estrutura bastante lapidada de po-
construção, então, é assim que vão rios técnicos e administrativos e o di- der. E, pensando sob a ótica da admi-
se constituir as funções consultivas, retor” (Tragtenberg, 2002, p. 12). nistração escolar, o CE pode se apre-
deliberativas e fiscalizadoras.” É do francês Michel Foucault sentar como instância de contrapo-
Enfim, o Conselho Escolar é exata- (2004) a construção teórica de que o der; por isso, muitos dirigentes esco-
mente a configuração das relações que poder é um meio capaz de proporcio- lares – com receio de perderem seu
os sujeitos estabelecem entre si. Não nar o disciplinamento de seres para poder – não estimulam sua criação
tem como ser diferente: se as relações se tornarem dóceis e obedientes de nem viabilizam as condições internas
são para manter os sujeitos inertes, corpo e alma. O poder disciplinar se para seu funcionamento.
então, sua função é a utilização do instala em forma de teia, que vai se A falta de diálogo constitui, no
poder disciplinador para impedir o espalhando e envolvendo os sujei- nosso entender, outra grande dificul-
estabelecimento de relações democrá- tos em suas microrrelações do coti- dade a ser enfrentada no contexto
ticas, ou, se as relações são para pos- diano, como essa capacidade de pro- da criação e do funcionamento do
sibilitar o diálogo e a convivência co- vocar uma vigilância contínua dos Conselho Escolar. Donde nasce a
letiva, suas funções são promover, sujeitos nas suas ações. Portanto, a falta de diálogo dentro das institui-
provocar e aprimorar a democratiza- tese de que o poder é uma constru- ções escolares? Talvez, para respon-
ção no interior da escola. Nesse sen- ção cotidiana demonstra que sua dermos essa questão instigante, te-
tido, cabe sempre recorrer ao fato de essência não é apenas da ordem ma- nhamos que adentrar nas questões
que as instâncias coletivas precisam croestrutural, conforme se pensava históricas que marcaram e ainda mar-
incorporar as pessoas nos processos antes de Foucault. cam nossa constituição como nação
participativos, de tal modo que ve- O poder jamais assume uma forma brasileira, como escola pública, por
nham a participar das decisões, das cristalizada de atuar. Cada instituição, exemplo. Chauí (2000), discutindo o
negociações não porque são obriga- cada escola, cada Conselho de Esco- Brasil a partir do mito fundador que
das, mas porque querem estabelecer la, ao utilizar-se do poder disciplinar, se consuma nas perspectivas auto-
o diálogo e o consenso acerca das não se manifesta de maneira linear. Ele ritárias e patriarcais de nossa socie-
questões que as mobilizam como pro- é difuso e multiforme. Na perspectiva dade, admite uma renovação cons-
fissionais e/ou usuários diretos e in- foucaultiana, o poder sempre se colo- tante desse mito, na medida em que
diretos da escola pública. ca como algo difuso e mutável, a de- novas crenças, valores, idéias e lin- 39
O Conselho Escolar, para exercer pender das condições objetivas e guagens passam a ser incorporadas
sua função política de geração de subjetivas de sua instalação, o que, a ele. Historicamente, há mais uma

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repetição consciente ou não do mito ção, quem sabe advinda do nosso profissionais e representantes da
fundador do que sua própria supe- mito fundador! comunidade despreparados do pon-
ração. Se pudéssemos romper com o É com o não-reconhecimento da to de vista teórico não contém for-
mito fundador, quiçá tivéssemos mais posição do outro que demonstramos ças políticas e, diríamos, também pe-
oportunidade para o diálogo e me- nosso total despreparo para o diálo- dagógicas para discutir seus proble-
nos disponibilidade para as práticas go, para o discurso. Ele é o momento mas e encaminhar soluções para
autoritárias no tecido social e edu- e o tempo em que os sujeitos articu- suas dificuldades. Quanto mais os
cacional brasileiro. lam entre si suas posições, com a representantes do Conselho Escolar
A falta de diálogo representa uma possibilidade do estabelecimento da se sentirem esclarecidos acerca das
dificuldade para a constituição de qual- crítica e da contracrítica, sem o medo contradições da política educacional,
quer processo democrático. Será que de ser punido e excluído logo após. das mudanças sociais e econômicas,
alguém se detém em pensar na possi- Disso se percebe que o diálogo, para por exemplo, mais probabilidade te-
bilidade da existência da democracia se contrapor à estrutura do poder na rão de se fortalecerem enquanto su-
na ausência do diálogo? Ora, se não escola, dever ser compreendido da jeito coletivo.
nos encontramos preparados para o seguinte forma: O nível de proporcionalidade en-
diálogo, isso quer dizer que não esta- tre o esclarecimento e as possibilida-
mos preparados a conviver com a de- [...] como condição para a construção des para uma melhor atuação no Con-
mocracia. O diálogo é inerente aos es- do conhecimento ou como forma de selho Escolar não se caracteriza como
paços democráticos, e, da mesma for- problematização dos conteúdos de uma realidade linear que possa ser
saber; ou na perspectiva da crítica
ma, estes disseminam as possibilida- medida e testada metricamente. Claro
político-ideológica, em que se requer
des de abertura ao diálogo. o diálogo para o processo de tomada
que não é apenas o preparo teórico
Se com Foucault foi possível com- de decisões e de definição do projeto que nos coloca diante de uma situa-
preender as manifestações infinitas político-pedagógico de uma institui- ção favorável; se fosse assim, milha-
do poder, com Habermas (1997) apren- ção educativa; ou, ainda, na perspec- res de doutores, experts em produzir
de-se que as condições comunicati- tiva de análise dos pressupostos an- conhecimentos, por exemplo, não en-
vas entre os sujeitos são fundamen- tropológicos, em que as razões para o frentariam problemas porque são de-
tais para o estabelecimento do diálo- diálogo são determinadas a partir de tentores de saberes, portanto, de po-
exigências de realização e de
go/discurso e, conseqüentemente, do deres. Por outro lado, os pais, as mães
humanização dos sujeitos da educa-
consenso. Estamos compreendendo ção (Boufleuer, 1997, p. 102). e funcionários que não comprovarem
o Conselho Escolar como a instân- seu preparo teórico deveriam ser ex-
cia que tem capacidade política de O despreparo para estabelecer o cluídos do processo de participar. Ali-
promover consensos racionalmente diálogo, apesar das matrizes do mito ás, eles devem ser incluídos para
motivados acerca das demandas da fundador, também pode ser compre- aprenderem a tornar-se sujeitos de
escola, porque neles está impressa a endido como parte do próprio des- seus próprios discursos.
existência do diálogo e da partici- preparo teórico dos profissionais e Admite-se que o Conselho Esco-
pação dos sujeitos. da comunidade escolar, trazendo im- lar ou qualquer outro meio mobiliza-
Não existe democracia quando os plicações profundas para a dinâmica dor de democratização na escola não
sujeitos se encontram distante das e organicidade do Conselho Escolar, dispensa o preparo teórico de seus
condições comunicativas que facili- principalmente quando percebemos representantes. Experiências nos
tam o diálogo. Participar do diálogo/ que novos desafios e novas formas mostram que os representantes mais
discurso é também estar preparado de organização estão sendo enfren- preparados desempenham melhor seu
para enfrentar o diferente. É estar ple- tados pela sociedade e pela escola, papel junto ao Conselho Escolar, até
namente aberto para admitir que os exigindo uma qualificação permanen- porque passam a assumir efetivamen-
sujeitos pensam e agem diferente- te desses profissionais. Dialogar te sua capacidade argumentativa.
mente. O diálogo se contrapõe às abertamente pressupõe conhecimen- Queremos concluir este artigo re-
tentativas de homogeneização; por to acerca do objeto de discussão por tomando a seguinte questão: o Con-
isso, o reconhecimento do outro parte dos envolvidos, a fim de que selho Escolar consiste num meca-
como diferente é o seu primeiro e prin- tenham condições de argumentarem nismo de democratização ou de bu-
cipal passo. Geralmente, espera-se e contra-argumentarem. Nenhum di- rocratização? Observando a reali-
40 que os sujeitos participem das dis- álogo/discurso é vazio de conteúdo. dade das escolas públicas brasilei-
cussões, das decisões, mas não lhes Provavelmente, um Conselho Es- ras, acredita-se que, da forma como
é permitida a crítica. Isto é contradi- colar que conta em seu quadro com os Conselhos de Escola foram se

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Conselho Escolar: mecanismo de democratização ou burocratização?

constituindo e como eles funcionam, PARO, Políticas públicas & Educação


é provável que se transformem em Básica. São Paulo, Xamã, p. 49-57.
mecanismo de burocratização. A pró- FOUCAULT, M. 2004. Microfísica do
poder. 20ª ed., Rio de Janeiro, Edições
pria política educacional vigente tem
Graal, 295 p.
reforçado essa perspectiva de con- GENTILINI, J.A. 2001. Comunicação,
cepção e de atuação dos Conselhos. cultura e gestão educacional. Cadernos
Avançar na perspectiva de que o CEDES, 21(54),41-53.
Conselho Escolar se torne um meca- HABERMAS, J. 1997. Lecciones sobre
nismo em prol da democratização una fundamentación de la sociología
pressupõe enfrentar as relações de en términos de teoría del lenguaje.
In: J. HABERMAS, Teoría de la
poder e a falta de diálogo que persis-
acción comunicativa: complementos
tem em nossas escolas, como forma e estudios previos. 3ª ed., Madrid, Cá-
de contrariar o discurso oficial da tedra, p. 19-111.
gestão democrática. Ademais, o Con- HORA, D.L. 1994. Gestão democrática
selho Escolar, para constituir-se na escola. 7ª ed., Campinas, Papirus,
como esse catalisador de interesses 143 p.
e de demandas no interior da insti- MEDEIROS, A.M.S. 2007. Administração
educacional e racionalidade: o desa-
tuição, precisa utilizar-se de sua ca-
fio pedagógico. Ijuí, Ed. Unijuí, 223 p.
pacidade política de promover con- MENDONÇA, E.F. 2000. A regra e o
sensos racionalmente motivados. jogo: democracia e patrimonialismo
Para tanto, não há alternativas se- na educação brasileira. Campinas,
não a descentralização do poder e a UNICAMP, 457 p.
abertura ao diálogo. Longe disso, o PARO, V.H. 1997. Gestão democrática da
Conselho Escolar se esmaga, atro- escola pública. São Paulo, Ática, 119 p.
PARO, V.H. 2001. Escritos sobre educa-
pela-se, desfaz-se enquanto possi-
ção. São Paulo, Xamã, 150 p.
bilidade de fortalecer o desenvolvi-
PINTO, J.M.R. 1996. Administração e li-
mento de práticas coletivas nas ins- berdade: um estudo do Conselho de
tituições educativas. Escola à luz da teoria da ação comu-
nicativa de Jürgen Habermas. Rio de
Referências Janeiro, Tempo Brasileiro, 170 p.
TRAGTENBERG, M. 2002. Relações de
BOUFLEUER, J.P. 1997. Pedagogia da poder na escola. In: D.A. OLIVEIRA e
ação comunicativa: uma leitura de M. de F.F. ROSAR (ed.), Política e ges-
Habermas. Ijuí, Ed. UNIJUÍ, 108 p. tão da educação. Belo Horizonte, Au-
BRASIL. 1998. Constituição de 1988. 2ª têntica, p. 11-16.
ed., República Federativa do Brasil. WERLE, F.O.C. 2003. Conselho Escolar:
Brasília, Senado Federal, Centro Gráfi- implicações na gestão da Educação
co, 232 p. Básica. Rio de Janeiro, DP&A, 180 p.
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Arilene Medeiros
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volume 12, número 1, janeiro • abril 2008

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