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Do “Marketing da Fé”
à “Gestão Comunicativa Comunitária”:
uma reflexão sobre os recentes caminhos da Igreja

Ismar de Oliveira Soares


Professor da ECA/USP
Ex-Presidente da UCLAP – Unión Católica Latinoamericana de Prensa
Assessor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi
Autor de Do Santo Ofício á Libertação (São Paulo, Paulinas, 1988)

A contribuição do cristianismo para as idéias comunicacionais da


América Latina vem sendo analisada, ao longo das duas últimas décadas,
por pesquisas acadêmicas produzidas especialmente na ECA/USP e na
UMESP.
Nos anos 70 e 80, os setores progressistas das Igrejas cristãs históricas,
articuladas pela UCBC, chegaram a esboçar o que denominados em nossa
tese de doutoramento, como “teoria cristã da comunicação”.
No presente estudo, voltar-nos-emos não especificamente para uma nova
contribuição da Igreja para a comunicação, mas para o confronto entre
as idéias gestadas nos anos 70 e 80 com a recente opção de setores
representativos da instituição por uma teoria que lhe facilite enfrentar
seu problema de sobrevivência enquanto instância produtora de sentidos
num universo simbólico cada vez mais competitivo.
Para tanto, o presente artigo se volta para as recentes experiências
católicas no campo da comunicação, comparando a natureza dos
processos em que se envolvem líderes como Marcelo Rossi, Julio
Lancelotti e Zilda Arns, tentando discriminar o que distingue os
pressupostos que dão suporte à atuação de cada um.

Ao longo das duas últimas décadas, estudos sobre o fenômeno religioso


revelaram que, independentemente da orientação política ou devocional das
comunidades (dioceses e paróquias), o número de católicos reduziu-se
visivelmente, verificando-se, por outro lado, um aumento substancial do
2

contingente de evangélicos. Segundo os antropólogos Rogério VALLE e


Ingrid SARTI, “perplexidade” é a palavra que melhor resume o efeito destes
novos números sobre elites católicas. Estas, apegando-se a uma definição
ampla e tolerante de catolicismo que em outros momentos renegavam, sempre
julgaram possuir uma hegemonia religiosa sobre o país: Logo lhes vêm à
mente uma explicação simplista e conservadora, segundo a qual o
crescimento do pentecostalismo seria provocado por uma suposta
1
concentração da Igreja Católica na problemática religiosa e pastoral . Mas o
que acabam descobrindo é que o crescimento de evangélicos se dá também em
áreas onde a “opção preferencial para os pobres” foi excluída do planejamento
pastoral. Por outro lado, segundo os mesmos autores, inúmeros agentes de
pastoral, aos quais a Igreja deve sua admirável presença pública na defesa da
cidadania e da justiça nos últimos vinte e cinco anos, assentaram sempre sua
atuação na certeza de que o avanço da pastoral católica seria proporcional á
capacidade que esta teria de tratar dos problemas concretos da população, a
começar pela miséria econômica e a opressão política. Hoje vêem esta
convicção abalada pelo sucesso de um movimento religioso aparentemente
etéreo e alienado, e diante dele também muitas vezes tendem ou a uma
apologia ingênua, ou a um crítica ideológica 2.
Frente ao problema de sobrevivência num universo cada vez mais
competitivo em termos de representações religiosas, as lideranças católicas
entenderam ser necessário adentrar pelo mundo das comunicações. O fato fica
evidenciado nas pesquisas em torno da comunicação na Igreja que, nos
últimos 20 anos, receberam um grande impulso, quer as realizadas no interior
da instituição3, quer as mais independentes, resultado de teses acadêmicas
produzidas nos espaços das instituições de ensino universitário4. Boa parte
destes estudos aponta para um esforço da organização em definir políticas de

1
Rogério VALLE e Ingrid SARTI, “Os riscos de comparações apressadas”, in ANTONIAZZI, Alberto. Nem
Anjos nem Demônios, interpretações sociológicas do pentecostalismo, Petrópolis, Vozes, 1994, p. 8.
2
- Idem, Ibidem.
3
- A título de exemplo, devem ser lembrados tanto a coleção de trabalhos produzidos pela UCBC – União
Cristã Brasileira de Comunicação Social, quanto a produção da Equipe de Reflexão do Setor de Comunicação
da CNBB. Sobre o tema, ver DELLA CAVA, Ralph e MONTEIRO, Paula. ...E o Verbo se fez Imagem,
Petrópolis, Vozes, 1991.
4
- Dois centros de pós-graduação vêm se destacando pela produção no campo da comunicação religiosa: o
programa de pós-graduação da ECA/USP e o programa de pós-graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo. Os trabalhos mais recentes vêm da ECA/USP, com a tese de
doutoramento de Attilio Hartmann, sobre a imagem dos sacerdotes nas novelas da Globo, intitulada
“Religiosidade e Mídia Eletrônica – a mediação sócio-cultural religiosa e a produção de sentido na recepção
televisiva” (2000) e Dissertação de Mestrado de Élson Faxina, sobre a comunicação participativa e
democrática na Pastoral da Criança, com o título “Participação e Subjetividade em Movimentos Sociais – um
estudo de caso sobre as práticas culturais contemporâneas como espaço de construção e legitimação do ser
individual e ator social” (2001)
3

comunicação, às vezes alinhando-se a uma perspectiva de resistência cultural


(as práticas comunitárias e populares de comunicação), às vezes optando por
modelos mais próximos aos utilizados pelo mercado (a formação de redes de
rádio e de televisão ou mesmo a criação de portais na internet5 ou a presença
em meios massivos seculares).
O que vemos, nos últimos tempos, é uma agudização do confronto entre
modelos antagônicos de comunicação no seio da Igreja.

Rossis & Lancelottis

Sexta feira santa, 13 de abril, início de noite: hora do noticiário das


televisões: em tom contrito e penitencial, o “Jornal Nacional” da Rede Globo
documenta duas manifestações da fé católica: de um lado, na denominada
Catedral do Terço Bizantino, em São Paulo, uma multidão se extasiava diante
da figura carismática de um jovem e atlético sacerdote, levantando as mãos
para o alto, abanando lenços brancos, batendo palmas, e entrecortando as
canções com algumas lágrimas discretas6; de outro, em plena Praça da Sé,
uma pequena procissão de mendigos encenava a via dolorosa, sob o comando
do Pe. Júlio Lancelotti. O protagonista era um mendigo, morador de rua,
representando a figura de Cristo açoitado, cingido por uma coroa que imitava
espinhos e carregando uma cruz. O Vicariado dos Moradores de Rua já vinha
fazendo isso há muitos anos, segundo declarou Pe. Júlio à reportagem. Uma
pequena multidão de sem-tetos completava o quadro, que incluía devotos,
curiosos e alguns compadecidos do sofrimento dos atores.
Os dois, Rossi e Lancelotti, têm garantida sua presença na mídia, ainda
que de forma diferente: este especialmente em noticiários e em programas de
debates, quando o tema em questão seja o do menor abandonado ou o dos
moradores de rua e o segundo majoritariamente em programas de
entretenimento, como os dos apresentadores Faustão e Xuxa, da Rede Globo,
5
- Dois portais, distintos em suas propostas, evidenciam a tensão ideológica que subjaz aos projetos
comunicativos da Igreja: de um lado o Cidadanet, uma cooperativa criada nos meados dos anos 90 e que não
alcançou chegar ao final do milênio, voltava-se essencialmente para restação de serviços na linha da defesa
dos direitos humanos, enquanto o Católicos surge para afirmar a ortodoxia religiosa.
6
- As missas na igreja do Terço Bizantino transformaram-se num fenômeno de massa ao qual a mídia já se
havia acostumado, sendo generosa mesmo que pouca precisa em sua descrição. A título de exemplo, para o
jornal O Estado de São Paulo, um quarto de toda a população da cidade de São Paulo, num total de dois e
meio milhões de pessoas, havia se deslocado para Interlagos por ocasião da missas de finados em 2000, sem
se dar ao trabalho de perguntar se isso seria fisicamente possível. Para a Folha de São Paulo, foram 250 mil
os assistentes. Como o que importava era constatar a adesão popular ao fato, ninguém se importou, nem
mesmo os leitores, com o disparates dos números.
4

Gugu Liberato, do SBT e em programas de menor audiência com o de Evê


Sobral, da TV Gazeta, ou mesmo em programas de rádio, como os da Rádio
América ou os da Rádio Jovem Pan, onde canta, anima o auditório, conta
histórias, lê salmos, dá conselhos e administra bênçãos, jamais tendo sido,
nenhum dos dois, contestados ou questionados por algum jornalista ou por
qualquer outro responsável por meios de informação. Ao contrário, são
tratados com admiração e até certa devoção.
Duas Igrejas ou duas facetas de uma mesma instituição?
Em termos teológicos, a pergunta não faria sentido, pois todos
confessam uma mesma doutrina, ainda que vivenciada em cenários diferentes.
Trata-se de opções que, se de um lado não afastam seus seguidores do núcleo
da fé, os colocam, contudo, em pontos distintos do espectro sócio-político,
convertendo-os em presumíveis opositores no momento de definições de
investimentos, de nomeações para cargos ou, mesmo, de distribuição de
tarefas nas comunidades. Em termos de políticas de comunicação, o fato
sinaliza para formas opostas, antagônicas mesmo de vivenciar o mesmo
mistério.
A questão de fundo não passa despercebida no interior da instituição.
Em 1990, por ocasião da assembléia anual da CNBB, em Indaiatuba, SP, um
fato chamou a atenção dos estudiosos: a Igreja reconhecia, através do
documento “Diretrizes Gerais”, que já não se apresentava diante do povo
como a instituição mestra na orientação dos valores formadores da consciência
moral nacional. Outros interlocutores, entre eles os Meios de Comunicação,
eram reconhecidos como sérios competidores. No documento de 90, o que
estava em jogo era a orientação geral da pastoral da Igreja, antes calcada no
binômio opressor/oprimido (a “opção preferencial pelos pobres”, firmada
como mote católico desde a Conferência de Medellin, na Colômbia, e que
garantira legitimidade para os temas mais polêmicos das Campanhas da
Fraternidade dos anos 70 e 80) e que havia gerado uma política de alianças
entre a Igreja e setores mais ativos da sociedade civil. No momento, muitos
destes agentes pastorais sentem-se à deriva, em busca de um novo apelo
mobilizador das consciências e das vontades.
Na verdade, para a liderança católica, algo deveria ser feito para
reconquistar a legitimidade perdida junto à população, ainda que a estratégia
pudesse lembrar momentos apologéticos de auto-afirmação próprios dos
tempos em que católicos e protestantes promoviam batalhas verbais, nos idos
5

dos anos 407, como lembram os adesivos colados a vidros de veículos


populares ou mesmo da elite: “Sou Feliz porque sou Católico!”
O investimento da Igreja na busca de um novo caminho de reencontro
com a sociedade pós-moderna a fazia sonhar com uma prática evangelizadora
que valorizasse a subjetividade da abordagem religiosa, e a colocasse, de
novo, como organização, na grande mídia, reconhecida e valorizada como
uma instituição capaz de atender aos novos apelos religiosos da população,
legitimando-a novamente como geradora de sentido e mobilizadora de
opiniões.

A religião, geradora de sentido

Independentemente da crise desta ou daquela instituição, a sociologia


explica o fortalecimento da religião num mundo dito secularizado como uma
resposta ao desencanto provocado pela dificuldade da razão moderna em dar
sentido à vida e às relações humanas. Por outro lado, em termos do cotidiano
social, percebe-se com nitidez que onde estava a política, há dez ou vinte anos,
aparecem, hoje, os movimentos sociais e, ultimamente, uma religiosidade
popular eclética e agressiva.
O tema foi tratado por Jesús Martín Barbero, em sua magnífica
conferência no Seminário que FELAFACS organizou em Cali, Colômbia, em
1996: O que está convocando, hoje, as pessoas a juntar-se? Perguntava o
filósofo, respondendo, ele mesmo que a questão religiosa remetia aos
processos de comunicação enquanto espaços e dispositivos de constituição de
identidades e de novas comunidades, isto é, aos processos de comunicação
enquanto cenários de reconstituição dos sujeitos e dos atores sociais. E
finalizava: Aí está a perspectiva a partir da qual é possível estabelecer a
relação entre modernidade, secularização e meios de comunicação.8
Voltando-se para a América Latina, Barbero buscava explicar, por
exemplo, a partir de uma perspectiva antropológica, o forte presença e
aceitação popular da igreja eletrónica, um fenômeno religioso de massas que
se iniciou nos Estados Unidos, tendo se expandido pela América Latina, até
converter-se numa “revolução cultural”, já que sua consolidação significa a
passagem de milhões de católicos para a denominações protestantes,
7
- Nos anos 40 e 50, ficaram famosas as campanhas da Igreja Católica contra a Maçonaria, o Protestantismo
e o Comunismo (cf. SOARES, Ismar de Oliveira. Do Santo Ofício à Libertação, São Paulo, Paulinas, 1980, p.
215-298)
8
- Notas pessoais da fala de MARTÍN BARBERO.
6

especialmente as denominadas “pentecostais”9. Segundo Barbero, nos espaços


das igrejas eletrônicas, um pastor que brada frenético seu discurso
salvacionista de louvor ou de exorcismo, e uma multidão que o segue,
dançando, chorando e cantando “aleluias” traduzem, a um só tempo, uma
experiência cultural que o dispositivo do culto adotado pelas denominações
pentecostais levou seriamente em conta, fazendo uso das tecnologias da
imagem e devolvendo magia a um mundo racionalizado. Trata-se, em fim, do
resgate da identidade da multidão e de cada um de seus membros através da
mobilização dos sentimentos coletivos.
Esta é, sem dúvida, uma nova maneira de “ser comunidade”. Uma
comunidade que, segundo ainda Barbero, tem muito mais de rito e de moral
do que de credo e de doutrina: E é como dispositivo deste rito celebrativo que
os próprios meios eletrônicos ganham sentido, uma vez que pelos meios de
comunicação passam, hoje, as formas de reencantar o mundo, de devolver-lhe
magia e o próprio sentido da experiência cotidiana.10
Trata-se, pois, de uma religião que se apropria da modernidade, que a
substitui, ganhando legitimidade social. Este parece ter sido o espelho que,
sem qualquer explicitação formal – porque inconcebível, inspirou
determinados grupos de católicos a abandonar a racionalidade do discurso da
teologia da libertação que propugnava por uma inserção no social como forma
de cumprimento do mandato evangélico. A nova transformação, agora
pretendida, é a individual, representada pela “adesão pessoal ao Salvador”,
possibilitada pelo rito coletivo, onde o testemunho multitudinário de milhares
de pessoas demonstrava, aos neófitos, como encontrar na Igreja Católica o
sentido definitivo para suas vidas.
Nesse sentido, a Igreja sonhava não com um, mas com algumas dezenas
de Padres Marcelos, ainda que não fechasse as portas para alguns inquietos
Lancelottis. Na verdade, não fosse a perspectiva da caridade como ação
esperada de todo cristão, seria um erro abandonar os articuladores sociais,
levando em conta a recente mobilização da sociedade em torno do discurso da
responsabilidade social, que acabou desembocando no fortalecimento das
práticas do voluntariado, campo tradicional da ação de grupos organizados no
interior da instituição, como os Vicentinos, grupos geralmente constituídos
por pessoas pobres, que, seguindo o modelo de São Vicente de Paula, acolhem
os miseráveis da comunidade, oferecendo-lhe assistência material e conforto
espiritual, através da visita e da palavra amiga.
9
- Ari Pedro ORO encontrou, em igrejas pentecostais de Porto Alegre, 77% de fiéis de origem católica (cf.
“Mobilidade religiosa dos católicos no Sul do Brasil”, in REB, 51, n. 202, junho de 1991, p. 315).
10
- Idem.
7

Comunicação existencial X Comunicação burocrática

As reflexões de Barbero não se encontravam, no meio intelectual


próximo à Igreja, entre as possíveis explicações para o impacto que o
pentecostalismo protestante exercia sobre os fiéis católicos. Presumia-se que a
pobreza mental do povo era o que o fazia mudar de denominação. Nesse
sentido, haveria que reeducar e reconquistar este mesmo povo. Para tanto, uma
das presunções que se tinha como certa, no espaço católico, nos meados dos
anos 80, era a de que os meios de comunicação, especialmente o rádio e a
televisão, seriam insubstituíveis como instrumentos na difusão da fé e na
conversão/perseverança dos fiéis. No caso, seria indispensável possuir
veículos próprios e ocupar espaços dos meios seculares. Esta foi, por exemplo,
a hipótese do Regional Sul I da CNBB (reunindo as dioceses do Estado de São
Paulo) ao justificar uma pesquisa de opinião sobre as razões do abandono da
fé católica em favor das denominadas seitas protestantes. O resultado
desapontou os que acreditavam que o rádio e a televisão eram os efetivos
vilões da fuga de adeptos para outros credos: Apenas 3% dos católicos
convertidos para outras denominações atribuíam aos meios de comunicação a
razão de sua conversão. A fria burocracia das relações no espaço católico11 e,
em contrapartida, o calor humano do ecossistema comunicativo evangélico
haviam sido os motivos alegadas para sua atitude por parte que mais de 70%
dos católicos que haviam se transferido para o mundo das denominações
protestantes, especialmente as de caráter pentecostal. As relações inter-
pessoais e a natureza relacional no interior das organizações haviam sido mais
decisivas que os aparatos de marketing planejado.
Os bispos tiveram dificuldades em entender as conclusões da pesquisa e
o que lhes passou pela cabeça foi tão somente defender seus padres: pessoas
de boa vontade, muito bem preparadas, mas assoberbados de trabalho, e que
deveriam merecer maior compreensão por parte dos fiéis. Os fiéis deveriam
compreender os padres e não exatamente estes, os fiéis!12
11
- Para ANTONIAZZI, e a escassez de vida comunitária do catolicismo e sua dificuldade em estabelecer
relações humanas e diretas, sobretudo no âmbito da paróquia é uma das causas da migração de católicos pra
outras denominações. É o que denomina de “burocratização” da pastoral católica (cf. “A Igreja Católica
face à expansão do pentecostalismo”, in ANTONIAZZI, Nem Anjos nem Demônios, p. 21-22)
12
- Na mente dos bispos certamente aflorou a figura de seus párocos, que à semelhança do Cura D’Arc, fazem
de seu contato e comunicação direta com o povo a razão de ser de sua presença sacerdotal. Lembravam, com
certeza, dos que administram suas relações de uma forma burocrática e fria. Estes necessitariam da
compreensão do povo. Em nenhum momento, contudo, naquele debate, foi lembrada a necessidade de se
preparar melhor tais líderes para compreender o sentido de sua missão e os procedimentos comunicativos
ideais relativas às suas funções.
8

Outro fato carregado de significado ocorreu dez anos depois, durante a


Assembléia Geral da CNBB em 1996, ocasião em que os bispos discutiram e
aprovaram um documento sobre Igreja e Comunicação. Como de costume,
antes do início das reuniões administrativas da entidade e dos debates
temáticos, os bispos recolheram-se a um retiro espiritual pregado, na ocasião,
pelo biblista Carlos Mesters. Afirmou o frade, um carmelita descalço, em
uma de suas preleções, que o mais importante em Jesus não fora exatamente o
que Ele dissera, mas o “como” havia dito. Reportava-se a um profeta que
conhecia profundamente a alma do seu povo e lhe falava através de estórias
(parábolas) já conhecidas e muitas vezes repetidas nas conversas do dia-a-dia,
atribuindo-lhes, contudo, um novo signo, um novo significado. “O Verbo fez-
se homem e habitou entre nós..., esta é a mensagem”, explicava o frade. E
dizia mais: “Jesus praticava uma conversa solidária, com uma palavra muito
próxima à realidade existencial dos ouvintes, dita de forma compreensível e
no modo interrogativo”. Para Mesters, o modo de Jesus comunicar-se, mais do
que aquilo que os evangelistas haviam captado do que Ele havia dito, era a
essência de sua mensagem. No caso, parodiando McLuhan, o “modo era e
continuaria sendo a mensagem”!
Mesters foi aplaudido pelos bispos em sessão solene, com direito a
elogios por parte do Presidente da Assembléia, Cardeal Lucas Moreira Neves,
mas no momento em que seu pensamento foi introduzido pelos assessores no
caput do documento final da Assembléia, a reação veio imediata. Não
concebiam os eclesiásticos que outra fosse considerada a essência da
mensagem de Cristo que não a doutrina professada pelo catolicismo: Jesus
havia sido e era reconhecido pelo conteúdo da mensagem que revelara, agora
explicitada na doutrina católica, e não pelo simples modo como havia se
comunicado. Em outras palavras, o importante é a mensagem e não a
comunicação da mensagem.
A questão levantada por Carlos Mesters e a reação do episcopado
brasileiro remetia, de certo modo, ao que havíamos discutido em nossa tese de
doutoramento quando nos referíamos “ao caráter essencialmente dialógico da
nova teoria cristã”13 e, por outro lado, colocava em cheque a convivência
aparentemente sem conflitos de práticas visivelmente antagônicas como as de
Marcelo e Lancelotti. Auscultando o pulsar da vida na Igreja, notamos, na
verdade, que o confronto entre as opções comunicativas das lideranças é mais
paradigmático do que à primeira vista poderia aparecer. Foi o que lembrou
Frei Beto em um de seus artigos no jornal O Estado de São Paulo, em 1999,
13
- SOARES, Ismar de Oliveira. “O caráter essencialmente dialógico da nova teoria cristã da comunicação”,
in Do Santo Ofício à Libertação, p. 376- 380.
9

quando escreveu sua “Carta ao Padre Marcelo”. Recordava o teólogo


dominicano que a opção pelo show mais que pelo compromisso com a
realidade existencial do povo estava colocando em risco a essência da própria
mensagem cristã, ao reforçar o protagonismo da imagem sobre o
protagonismo da ação comunitária.
Em tempos de pós-modernidade, há certamente quem diga que nada é
mais real que a imagem e nada tão mais existencial que os sentimentos e
emoções de uma multidão encantada diante de seu ídolo. E é justamente esta a
questão mais trágica para o catolicismo neste início de milênio: como garantir
a adesão das subjetividades de milhões de pessoas à racionalidade de um
credo e de uma norma moral exigente e incompatível com o hedonismo
consumista da contemporaneidade, senão pela adesão a figuras carismáticas
que representem, a um só tempo, a racionalidade e a subjetividade da fé?
A tragédia, segundo Frei Beto, reside no abandono do sentido da
comunidade viva dos crentes e em sua substituição pela figura hierárquica e
desterritorializada da autoridade do pregador. Sobre o tema, Hebert de Souza,
o Betinho, um ex-líder da Juventude Universitária Católica nos anos 50 e
inícios dos 60, já havia confidenciado ao autor deste artigo, em visita que este
lhe fizera em seu escritório no IBASE, no Rio de Janeiro, em outubro de
1990: A Igreja, ao dissolver a Ação Católica, em decisão do episcopado
brasileiro, tomada em Roma durante o Concílio Vaticano II, por temor da
força de expressão da comunidade de seus jovens pensadores, abandonou seu
laicato e fez uma opção preferencial por seus eclesiásticos. O leigo, hoje,
segundo Betinho, é o leigo de sacristia, aquele que complementa e repercute o
que o padre fala. No confronto entre lideranças laicas e lideranças eclesiásticas
subjazia a raiz do que hoje está em discussão: onde se produz e de onde parte
a palavra (diga-se “comunicação”) autorizada.
O Cardeal Carlo Martini, de Milão, em seu livro “O Evangelho na
Comunicação” também mostrou-se preocupado com o reducionismo de
concepção de Igreja e com a centralização da comunicação na figura dos
dirigentes em detrimento das manifestações comunitárias. São suas palavras:
Lendo os jornais e vendo a TV, percebo que a mídia dá espaço à Igreja e aos
acontecimentos eclesiais sobretudo quando o Papa se pronuncia, ou então,
uma conferência episcopal, ou, ainda, algum bispo, por vários motivos já
conhecidos pelo público... Pergunto-me, no entanto, se não existe
determinada responsabilidade da nossa parte em proporcionar uma
informação que acaba dando uma imagem reduzida da Igreja.14

14
- MARTINI, Carlo. O Evangelho na Comunicação, São Paulo, Paulus, 1994, p. 139-140.
10

A questão, tal como Martini a concebeu, foi explicitada, mais


recentemente no Brasil, no momento em que a TV Independente de São José
do Rio Preto definia seu perfil de programação em busca de legitimar-se
enquanto Rede Vida de Televisão: o profissional, a quem o concessionário da
emissora havia confiado a direção técnica do projeto, garantia com a
segurança de um experimentado produtor de peças de campanhas políticas e
de diretor de telejornalismo para emissoras comerciais que para conquistar o
target constituído por 80 milhões de católicos bastaria à Rede Vida mostrar
seus eclesiásticos, bispos e padres, vestidos a caráter, fazendo o que os
caracteriza em suas igrejas e catedrais. Foi ele mesmo quem orientou os
liturgistas da rede sobre como produzir uma "missa na TV”, optando por uma
gravação em espaço fechado, longe do povo, como num sala de cirurgia. E
isso vem sendo feito desde 1º de maio de 1995. O projeto defendido por este
diretor se contrapunha a uma proposta de transformar a televisão católica num
grande espaço de expressão e articulação das comunidades. A permanência do
projeto de uma televisão intimista e expressamente católica e o apoio que vem
recebendo da hierarquia levam a concluir que o perfil da Rede Vida representa
uma opção não de um conselho de programação mas da cúpula mesma da
própria Igreja Católica no Brasil.

Uma Equipe de Comunicação em cada Paróquia

Deixando, por um momento, de centrar nossa atenção na presença da


Igreja nos grandes meios, perguntamo-nos: por onde caminha, hoje, a
comunicação nas e das comunidades?
Não poucos artigos veiculados por revistas e de jornais sobre o tema do
voluntariado deixaram de ressaltar, no decorrer desta ano de 2001, o grande e
silencioso envolvimento dos crentes em atividades assistenciais por conta de
sua fé. Uma rede de comunicação popular e expontânea se formou pelo país a
fora, de maneira capilar e eficiente. O fato inspirou o documento sobre Igreja
e Comunicação da CNBB, publicado em 1996, a incentivar cada uma das sete
mil paróquias do país a criar sua própria “Equipe de Comunicação” à
semelhança das bem sucedidas Equipes de Liturgia, criação de Dom Cabral,
de Belo Horizonte e das Equipes de Catequese, inspiradas na ação de Dom
Agnelo Rossi, quando bispo de Barra do Piraí, ainda nos idos dos anos 40 e
50. Tais equipes, às quais se somaram as pastorais que vieram se formando ao
longo das últimas décadas, constituídas todas elas por leigos, garantem a vida
das paróquias e uma certa comunicação informal no interior da instituição.
11

A comunicação capilar das pastorais mobiliza campanhas e celebrações


assegurando a presença de fiéis às festas dos padroeiros nas capelas à beira
das estradas. Nesse sentido, independentemente dos pastores ou mesmo apesar
deles, um contingente razoável de fiéis se mantém articulado para cobrir as
principais atividades consideradas como próprias da rotina católica. Estas
práticas ainda não têm sido objeto de estudos sistemáticos na área da
comunicação, mas já mereceram estudos de antropólogos como Carlos
Rodrigues Brandão15 e Rubem César Fernandes16.
As “Equipes de Comunicação” viriam para sistematizar este trabalho e
garantir a democratização da palavra e um maior fluxo às informações. O
documento da Assembléia da CNBB de 1996 fornece diretrizes, que, se
aplicadas, poderiam estar fornecendo um sólido roteiro para os grupos
interessados em implementar propostas mais participativas e dialógicas de
comunicação no interior da instituição. O temor é que tais equipes venham a
ser implantadas a partir de uma visão funcionalista presente na recente teoria
católica do marketing da fé.

A teoria do “Marketing da Fé”

No campo da Comunicação, os anos 80 foram muito fecundos naquilo


que se denominou como pesquisa sobre práticas alternativas, destacando-se o
estudo da imprensa, da radiodifusão e da produção videográfica vinculadas ao
movimento popular de origem católica17. Já nos anos 90, os estudos se

15
- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Memórias do Sagrado, estudos de religião e ritual. São Paulo, Paulinas,
1985.
16
- FERNANDES, Rubem César. Os Cavaleiros do Bom Jesus, uma introdução às religiões populares, São
Paulo, Brasiliense, 1982.
17
- Ver, entre outros estudos, FADUL, Anamaria. “Meios de Comunicação de massa; um desafio para a
Igreja”, tese de livre-docência, ECA/USP,. 1986; SOARES, Ismar de Oliveira. “O Conteúdo e a Morfologia
dos Boletins Diocesanos Católicos”, dissertação de mestrado, ECA/USP, 1988; PUNTEL, Joana. “Família
Cristã e as classes subalternas”, dissertação de mestrado junto ao IMS, 1988; DIDONÉ, Iraci. “Cadernos das
CEBS: Espaço de participação?”, dissertação de mestrado, ECA/USP, 1989; GOMES, Pedro Gilberto O
Jornalismo Alternativo no Projeto Popular, São Paulo, Paulinas, 1990. VIEIRA, Maria da Cruz. “O
jornalismo e a questão indígena no Porantim”, tese de mestrado junto ao IMS, 1993. Em 1994, apresentamos,
no espaço da XVII Congresso Brasileiro de Pesquisadores da Comunicação, promovido pela INTERCOM, os
resultados de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq intitulada “A comunicação de resistência no
movimento popular ligado à Igreja Católica”, que contou com a participação dos pesquisadores Denise Cogo
e Francisco Sogari.
12

voltaram para o campo das políticas institucionais da Igreja em relação à


comunicação, com trabalhos como os de Joana Puntel18 e Nivaldo Pessinatti19.
Como lembra PESSINATTI, as políticas de comunicação da Igreja
Católica encontram-se delineadas nos grandes documentos da entidade e nas
orientações papais. Estas orientações, no pontificado de João Paulo II
passaram a promover uma “nova evangelização, com novo ardor apostólico”,
tendo como objetivo o resgate da ortodoxia, como propôs o Sínodo dos
Bispos, de 1995. No campo dos procedimentos, o teólogo João Batista
LIBÂNIO já falava, nos meados dos anos 80, na “volta a uma nova
disciplina”20. Conseqüentemente, a comunicação no interior da Igreja
começou a seguir outra cartilha21.
PISSINATTI constata que, em nível internacional, a Igreja reafirmou
sua predisposição em continuar postulando-se um lugar de guia universal da
humanidade, reforçando a imagem e a figura de seu líder máximo, colocando-
se, desta forma, na contramão da história, que assiste ao descrédito das
grandes racionalidades. Em nível nacional, já sem contar com lideranças fortes
de figuras carismáticas como foram as de Dom Helder Câmara, nos anos 70 e
80, ou mesmo as de Dom Ivo Lorsheitter e de Dom Luciano Mendes de
Almeida, nos anos 80 e início dos 90, símbolos, aquele, de uma luta contra o
sistema político fechado, e este de um engajamento conseqüente na busca de
solução para questões sociais emergentes, a Igreja passou a buscar ancoragem
em princípios e procedimentos compatíveis com o que ocorre na indústria
cultural. Passou a falar em “marketing da fé”22.
Pela teoria do “marketing da fé”, os recursos de comunicação da
instituição devem ser orquestrados para determinados fins, segundo as regras
do mercado de bens simbólicos, na esteira do bem sucedido trabalho
desenvolvido pelos grupos pentecostais, garantindo-se, naturalmente, a
ortodoxia dos ensinamentos tradicionais da Igreja.. Nesse sentido, a relação
entre o povo e os evangelizadores passou a ser vista como uma relação
18
- PUNTEL, Joana. The Catholic Church Searchjing for Democratization of Communication in Latin
America. Tese de Doutorado junto à Simon Fraser University, Vancouver, Canadá, 1992, publicada pelas
Edições Paulinas, em 1994, sob o título de A igreja e a Democratização da Comunicação.
19
PESSINATTI, Nivaldo Luiz. Políticas de Comunicação da Igreja Católica no Brasil. Petrópolis, Vozes/
UNISAL, 1998.
20
- LIBÂNIO, João Batista. A volta à grande disciplina. São Paulo, Loyola, 1983.
21
- Afirma o autor: O grande discurso da leitura crítica da comunicação cultivado pela União Cristã Brasileira
de Comunicação Social e outros segmentos da Igreja e a incidência da Equipe de Reflexão (do Setor de
Comunicação da CNBB), que representava o pensamento hegemônico, perderam sua força (PESSINATTI:
313).
22
- O conceito passou a ser trabalho em cursos ministrados, desde o início dos anos 90, por especialistas em
marketing que oferecem assessoria regular aos organismos de Igreja, como editores e diretores de rádios
católicas, além de responsáveis por movimentos religiosos.
13

calculada de “emissor” e “receptor”. Existe, para tanto, uma moeda em


circulação: a obediência e adesão irrestritas, como, de resto, se exige, no
mundo da publicidade, fidelidade às marcas e aos produtos comumente
anunciados.
Na verdade, pelos preceitos do “marketing da fé”, os princípios
religiosos transformam-se em objeto de sedução mediante o uso de
procedimentos comuns aos do mercado na promoção de bens de consumo.
Nesse sentido, cuidado especial passaram a merecer os “comunicadores da
fé”, os pregadores, que à semelhança dos “olimpianos” dos meios massivos,
passaram a concentrar em torno de suas figuras toda a credibilidade da
mensagem emitida. Suas figuras são cultivadas, aparecendo em momentos
estratégicos, repetindo ritualisticamente jargões que simplificam os conceitos
com os quais trabalham, tornando-os fácil de serem assimiladas.
No caso específico dos padres-cantores, as gravadoras de seus CDs
passaram a agendar suas aparições nos meios massivos. Conquistados os
meios, entraram no jogo dos próprios veículos em sua concorrência pela
audiência, especialmente nos programas dominicais. Nesse sentido, é muito
fácil encontrar um padre-cantor, de batina e carregando na mão esquerda um
ícone da Virgem Maria, em programas popularescos como o do apresentador
Ratinho, no SBT, a mesma emissora que deixou de exibir os programas mais
contestários do projeto Palavra Viva, sob alegação de que a emissora
necessitava dos dois minutos diários do projeto para atender à crescente
demanda por espaços publicitários. O fato demonstra que a teoria do
“marketing da fé” é essencialmente funcionalista e não vê contradições entre
os meios ou procedimentos usados e os compromissos a que submete a
evangelização e a mensagem que pretende transmitir.
Se a pregação da mensagem está centrada na figura qualificada de
emissores destacados hierarquicamente das comunidades23, ao povo – a
audiência que forma as pequenas e/ou grandes multidões, ou mesmo os
auditórios dos programas de televisão – tem sido reservado um espaço muito
especial de participação, especialmente como instância legitimadora do
próprio produto religioso anunciado. O conceito “É bom, por isso está na TV”,
passa a equivaler-se a outro, mais comprometedor: “Está na TV, por isso é
bom”.
As paróquias têm sentido, contudo, o reflexo da mobilização nacional
propiciada por este tipo de exercício da comunicação. Hoje, os templos não se

23
- Em geral sacerdotes que não necessariamente freqüentam o topo da hierarquia, mas que sempre têm a seu
lado algum bispo a dar legitimidade a seus atos.
14

encontram tão vazios como ameaçaram ficar nos meados dos anos 80. As
missas e celebrações contam sempre com um número razoável de fiéis, muitos
dos quais adolescentes e jovens oriundos dos movimentos católicos mais
intimistas. O fato, para muitos, garante legitimidade para a política do
“marketing da fé”. Vive-se um período de euforia que tem impedido uma
reflexão mais profunda sobre as razões do retorno dos fiéis aos templos, assim
como sobre a pertinência dos procedimentos adotados.
Como é de se esperar, alguma resistência a esta filosofia pode ser
notada, ainda que tímida. As vozes apresentam-se, contudo, isoladas e ainda
não foram suficientemente ouvidas de forma a colocar em cheque a nova
ordem comunicacional emergente24.

A “Gestão Comunicativa Comunitária”

A dialética entre, de um lado, uma proposta de comunicação construída


em torno de pólos emissores privilegiados e, de outro, uma proposta dialógica
e participativa de comunicação, centrada nas relações comunitárias, acaba, na
verdade, desnudando as razões de ser das próprias “práticas evangelizadoras”
adotadas pela Igreja, no Brasil, neste início de Milênio.
O “marketing da fé”, ainda que mostre uma religião feliz e exuberante,
capaz de encher estádios de futebol ou de reunir pequenas multidões em
“arrastões da fé”, com direito a trio elétrico, fantasias e samba no pé, como no
“carnaval” extemporâneo de abril último, no interior da Bahia, não consegue
desvencilhar-se das figuras carismáticas dos grandes condutores. Alguns
críticos acreditam que tal marketing destina-se mais a confirmar a adesão e
obediência dos que já estão dentro da instituição do que a alcançar conversões
dos que contemplam a cena, do lado de fora do espetáculo.
A outra opção tem sido a da “gestão comunicativa comunitária”. Trata-
se de uma estratégia que emerge da reflexão das organizações católicas latino-
americanas de comunicação25, nos anos 70, sustentando as experiências de

24
- No campo da reflexão teórica, destacam-se o SEPAC – Serviço à Pastoral da Comunicação, das Edições
Paulinas, que a nosso juízo tem sabido manter-se fiel aos preceitos que justificaram sua fundação em 1982.
Através de seus cursos de especialização e dos trabalhos de pesquisa que promove, vem mantendo uma visão
crítica sobre as políticas de comunicação da Igreja na América Latina. Na mesma linha encontra-se a UCBC –
União Cristã Brasileira de Comunicação Social; No campo da produção, merecem referência as rádios
comunitárias católicas, hoje talvez mais de mil em funcionamento, bem como o conjunto das produtoras de
vídeo, lideradas pelo projeto Palavra Viva.
25
- Destaque especial merece o Encontro sobre Igreja e NOMIC, promovido pela UCLAP – União Católica
Latino-americana de Imprensa, e outras instituições sob os auspícios da UNESCO, em 1982, em Embu, SP.
15

comunicação alternativa próximas ao mundo católico, especialmente as


praticadas pelas organizações não governamentais e pelos centros de
documentação e comunicação popular. Tal opção não despreza a mobilização
de grandes contingentes de pessoas, nem o uso dos meios massivos, mas
considera a articulação de redes de comunicação entre estas mesmas pessoas e
os grupos envolvidos em projetos colaborativos como o ponto central do
planejamento da ação evangelizadora. O protagonista neste caso é, pois, a
comunidade, mesmo quando o grupo necessite ser representado, em dadas
circunstâncias, por alguma figura forte que fale por ele. Esta é a intenção
manifesta do projeto de comunicação sugerido às dioceses pela Assembléia da
CNBB, de 1996.
O mais recente exemplo de projeto intencionalmente planejado de
“gestão comunicativa comunitária” pode ser encontrado no exame do trabalho
da Pastoral da Criança da CNBB
, coordenado por Zilda Arns, médica pediatra, responsável por um
conjunto de atividades voltadas a garantir a sobrevivência de 1.500 milhão de
crianças de zero a seis anos, num trabalho que mobiliza mais de 130 mil
líderes comunitários voluntários. Em sua dissertação de mestrado,
recentemente defendida junto à ECA/USP, Elson Faxina, assessor de
comunicação da entidade, relata como funciona o processo de mobilização,
capacitação e atuação dos membros das comunidades envolvidas. Revela que
em mais de três mil comunidades em todos os estados do país, grupos de
voluntários assumem gratuitamente seu papel de comunicadores inter-pessoais
junto a um universo representado por mais de um milhão de famílias26.
O marketing, no sentido em que é assumido pela literatura vigente, faz
parte dos planos de Faxina. E para tanto, freqüenta as ante-salas dos
ministérios, em Brasília, ou as reuniões de pauta do projeto “Crianças
Esperança”, da Rede Globo de Televisão, buscando caminhos para tornar o
trabalho dos líderes comunitários visível e bem acolhido pela população. A
cada ano, Faxina consegue incluir na pauta do Jornal Nacional da Globo um
maior número de casos exemplares de trabalho voluntário protagonizado pelas
comunidades. As dez ou vinte histórias apresentadas, a cada ano, nos
telejornais exibidos ao longo do mês que antecede a apresentação do programa
“Criança Esperança”, representam, segundo Faxina, autênticas “parábolas
modernas”. E os atores não são lideranças da Igreja, mas pessoas do povo,
acrescenta o jornalista.
26
- FAXINA, Élson, “Participação e Subjetividade em Movimentos Sociais – um estudo de caso sobre as
práticas culturais contemporâneas como espaço de construção e legitimação do ser individual e ator social”,
São Paulo, Dissertação de Mestrado, ECA/USP, 2001.
16

Nesse mesmo sentido de busca de legitimação e de apoio para o


trabalho que assessora, Faxina coordena a produção e distribuição de folders,
vídeos e de outras peças promocionais sobre o trabalho da pastoral,
distribuindo-os pelo Brasil e no exterior. A candidatura de Zilda Arns para o
prêmio Nobel – objeto de reportagem de cada da revista Época, de 30 de abril
de 200127 - está calçada neste trabalho planejado e rigorosamente executado.
No caso, o plano de gestão é formado por passos que vão desde a
capacitação dos agentes, seu inter-relacionamento e o trabalho colaborativo
que desenvolvem, chegando até à motivação da população para aceitar e
favorecer seus serviços. Para tanto, recursos da informação passam a ser
usados de forma sistemática, tanto os de baixo curso, como as cartilhas, as
folhas mimeografadas, os programas radiofônicos das rádios comunitárias ou
mesmo, quanto os de alto custo, como os grandes meios de informação, entre
os quis as rádios comerciais e, no caso examinado, a Rede Globo de
Televisão.

Conclusão: Comunicação na Igreja, evangelização ou legitimação social?

Como vimos, ao longo do artigo, a Igreja Católica vive hoje um namoro


com a mídia, tendo chegado onde teria parecido impossível há dez anos. O
feito deve-se a uma clara definição da instituição por políticas mais agressivas
de comunicação.
Nesse sentido, em sintonia com as constantes buscas do ser humano
pelo transcendente, a Igreja vem desenvolvendo práticas comunicacionais
intrinsecamente contraditórias. Por um lado, reforça sua ortodoxia e as normas
disciplinares que garantem a verticalidade de sua estrutura de poder, através
do que denominados como o “marketing da fé”, autorizando e incentivando a
ação de novos pregadores, especialmente de seus padres-cantores, aceitando
suas práticas e até mesmo o oculto às suas personalidades como parte do show
necessário para garantir a visibilidade da instituição no mundo multimediático.

27
- Segundo revela a Revista Época, os programas da Pastoral da Criança abrangem 3.351 municípios,
atendendo a 31.844 comunidades, sendo operadas por 130 mil líderes comunitários, sob a coordenação de 19
mil voluntários. Mensalmente são acompanhadas um total superior a um milhão de famílias com mais de um
milhão e meio de crianças menores de seis anos. Fazem parte do programa, além da assistência às crianças, o
acompanhamento de 74 mil gestantes, os projetos de geração de renda e de alfabetização de jovens e adultos
(Ana Cristina ROSA, “Missionária da Vida”, Época, ano III, N154, 30 de abril de 2001, p. 52-58).
17

Por outro, na tradição de seu esforço por fazer-se presente nas bases da
sociedade, opera um projeto que privilegia a ação comunicativa de seus atores
leigos (sustentada no que denominados como “teoria cristã da comunicação”).
É o que se entende por uma gestão comunicativa das práticas comunitárias.
Para quem observa desde o exterior, cada um destes projetos
comunicativos reflete concepções de Igreja efetivamente diferentes,
amparadas em suportes teológicos distintos. Tais contradições não chegam,
contudo, a serem notadas pelos agentes envolvidos nos processos de
comunicação da instituição.
Na verdade, somente um exame detalhado dos projetos em vigor e de
seus procedimentos comunicativos poderia esclarecer a natureza de muitas
das ações da Igreja. Quem sabe a interpretação de Carlos Mesters para a
comunicação de Jesus possa trazer alguma luz ao debate.
Reconhecemos, finalmente, ser profundamente injusto julgar as
intenções das pessoas e simplificar a análise das atitudes que assumem. Aqui
analisamos a instituição e suas opções e não as pessoas e suas práticas. Nesse
sentido, permanecemos abertos a um diálogo com os que venham a se
interessar por tema tão controvertido.

Bibliografia
ANTONIAZZI, Alberto. Nem Anjos nem Demônios, interpretações sociológicas do
pentecostalismo, Petrópolis, Vozes, 1994
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18

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dissertação de mestrado, ECA/USP, 1989; GOMES, Pedro Gilberto O Jornalismo
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SOARES, Ismar de Oliveira. “O Conteúdo e a Morfologia dos Boletins Diocesanos
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VALLE, Rogério e SARTI, Ingrid “Os riscos de comparações apressadas”, in
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