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Introdução
1José Eugênio das Neves, doutorando. Universidade Estadual de Londrina – UEL – joseeugenioneves@uol.com.br
de Cã, um dos filhos de Noé, patriarca bíblico. Por conta de uma desonra feita a seu pai, ele e seus
descendentes teriam sido condenados a ser escravos de seus irmãos. Os descendentes de Cã seriam
os da raça negra e, assim, estaria justificada a sua condição de escravos dos brancos, que
descenderiam de outro filho de Noé.
Com o passar do tempo, porém, o conjunto de discursos da religião começou a ser
questionado. No século XIX, a ciência e seus discursos passaram a predominar como parâmetro
mais confiável da verdade. O discurso religioso já não tinha mais a força necessária para justificar a
dominação européia sobre os demais povos. Era preciso colocar essa dominação sob a cobertura do
discurso científico para preservar a sua potência. Assim, foram realizadas muitas experiências, na
tentativa de provar a preponderância da raça branca sobre as demais. O resultado dessas pesquisas
foi transformado em uma série de discursos que, segundo SODRÉ (1988, p. 49-50), constituiu a
“ideologia do colonialismo”, um amontoado de preconceitos supostamente científicos que
justificavam a exploração e dominação colonialista. O mais divulgado deles pregava a
superioridade racial: a dominação colonialista estava ligada à superioridade natural dos homens das
raças européias sobre os homens de outras raças, particularmente os negros e os indígenas. Logo, o
domínio dos brancos era uma conseqüência dessa superioridade, tendo em vista que, os indígenas
eram imprestáveis para as tarefas típicas da “civilização”, físicas ou mentais; enquanto que, os
negros eram destinados apenas ao trabalho braçal.
No Brasil, a “ideologia do colonialismo” teve presença marcante em fins do século XIX
e início do século XX. Essa presença tinha uma razão de ser: a elite que substituíra o colonizador no
exercício do poder precisava de uma justificativa para as gritantes diferenças sociais, que aqui se
verificavam e que, através dessas teorias, eram atribuídas às variações raciais existentes. No caso do
afro-descendente, isso implicava na manutenção de sua inferioridade no quadro social pós-
libertação do regime escravocrata. Dessa forma, tais teorias geraram, em terras tupiniquins, um
“imperialismo interno” para consumo das elites dominantes (SCHWARCZ, 1993, p. 28).
Havia, no entanto, um problema para a aceitação de tais teorias: a condenação da
mestiçagem, que se observava em nosso país. Louis Agassiz, cuja obra Journey in Brazil foi
amplamente citada em nosso país, divulgava, não somente, a idéia de diferenças raciais inatas, mas
também da “degenerescência” dos mulatos (SKIDMORE, 1976, p. 67). Após uma viagem ao
Brasil, AGASSIZ (apud SCHWARCZ, op.cit., p. 13), que defendia uma versão etnológica de
racismo, deixou-nos uma visão acerca da miscigenação que havia observado em terras tupiniquins:
[...] qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal
entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao
Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais
geral aqui do em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as
melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido,
híbrido, deficiente em energia física e mental.
Outro que exerceu influência no pensamento nacional foi o francês Conde de Gobineau,
representante de um segundo bloco do pensamento racista, o da escola histórica. Esse estudioso
também visitou nossa terra e descreveu sua população como sendo “[...] totalmente mulata, viciada
no sangue e no espírito e assustadoramente feia” (apud SCHWARCZ, loc. cit.).
Se teorias tais como estas justificavam cientificamente as diferenças sociais,
simultaneamente, inviabilizavam um projeto de desenvolvimento nacional, por conta da alta taxa de
mestiçagem existente no Brasil. A solução encontrada foi a da combinação de uma teoria que
comprovasse a existência de diferenças inatas entre as raças humanas com outra que fizesse o
elogio do cruzamento. As duas teorias escolhidas foram: o darwinismo social e o evolucionismo
social. Da primeira, aproveitou-se a parte que destacava a suposta existência de uma diferença entre
as raças, excluindo as implicações negativas da miscigenação. Já da segunda, retirou-se a noção de
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2. O contradiscurso barretiano
É nesse contexto histórico que Lima Barreto irá produzir a sua obra.
Dessemelhante de seus colegas literatos que se dedicavam à produção de “romances de
tese”, em que defendiam certas teorias científicas, Lima Barreto via a ciência com um olhar crítico.
O seguinte trecho da obra Cemitério dos vivos é bem esclarecedor quanto ao
posicionamento do autor com relação à questão científica:
[...] é bem sabido que os especialistas, sobretudo de países satélites, como o nosso,
são repetidores de asserções das notabilidades européias, dispensando-se do dever
mental de examinar a certeza das suas teorias, princípios, etc., mesmo quando
versam sobre fatos ou fenômenos que os cercam aqui, dia e noite, fazendo falta,
por completo, aos seus colegas da estranja. Abdicam do direito de crítica, de
exame; e é como se voltássemos ao regímen da autoridade. (BARRETO apud
FANTINATI, 1978, p. 139)
Lima critica os estudiosos brasileiros por sua aceitação cega de teorias provindas da
Europa, mesmo quando envolviam fatos que ocorriam à volta deles e que, portanto, poderiam ser
observados de perto. Ele sugere a crítica e o exame e não a mera aceitação por conta da suposta
autoridade dos sábios europeus. Em suma, prega o questionamento da “ideologia do colonialismo”.
O autor estava ciente do perigo dessa aceitação passiva quando dizia respeito às teorias
racistas, conforme se pode depreender da seguinte anotação não datada de seu diário:
Vai se estendendo, pelo mundo, a noção de que há umas certas raças superiores e
umas outras inferiores, e que essa inferioridade, longe de ser transitória, é eterna e
intrínseca à própria estrutura da raça.
Diz-se ainda mais: que a mistura entre essas raças são um vício social, uma praga e
não sei que coisa feia mais.
Tudo isto se diz em nome da ciência e a coberto da autoridade de sábios alemães.
[...] E assim a coisa vai se espalhando, graças à fraqueza da crítica das pessoas
interessadas, e mais do que à fraqueza, à covardia intelectual de que estamos
apossados em face dos grandes nomes da Europa. Urge ver o perigo dessas idéias,
para nossa felicidade individual e para a nossa dignidade superior de homens.
(BARRETO, 2001, p. 1267)
O escritor reconhece o perigo da disseminação de tais idéias e a necessidade de
combatê-las com vigor. Constata também a falta de um combate mais firma a tais idéias.
Verificamos, então, que o escritor discorda totalmente das teorias raciais da época que
afirmavam a inferioridade de uma raça em relação à outra. Diverge também de idéias como as de
Agassiz e Gobineau em relação ao mestiço.
Diante do silêncio dos “homens da ciência” e da covardia intelectual de quantos se viam
prejudicados por tais teorias, Lima resolve agir, apesar de reconhecer as dificuldades que
envolveriam sua atuação, conforme se pode depreender dessa citação também retirada de seu diário:
Oh! A ciência! Eu era menino, tinha aquela idade, andava ao meio dos
preparatórios, quando li, na ‘Revista Brasileira’, os seus esconjuros, os seus
anátemas... Falavam as autorizadas penas do senhor Domício da Gama e Oliveira
Lima...
Eles me enchiam de medo, de timidez, abateram-me; a minha jovialidade nativa, a
satisfação de viver nesse fantástico meio tropical, com quem tenho tantas
afinidades, ficou perturbada pelas mais degradantes sentenças.
Desviei a corrente natural de minha vida, escondi-me em mim mesmo e fiquei a
sofrer para sempre.
Mas, hoje! Hoje! Já posso alguma coisa e amanhã poderei mais e mais. Não pararei
nunca, não me deterei; nem a miséria, as perseguições, as descomposturas me
deterão. Sacudi para longe o fantasma do medo; sou forte, penso, tenho coragem...
Nada! Nada! Nada!
É que senti que a ciência não é assim um cochicho de Deus aos homens da Europa
sobre a misteriosa organização do mundo (BARRETO, op.cit., p. 1268)
O autor foi atingido em cheio pelas teorias racistas que eram veiculadas na época. De
início, deixou-se perturbar por elas. Mas, posteriormente, fez da luta contra tais teorias uma
profissão de fé de sua vida.
Vale destacar ainda que a última frase da citação revela-nos como Lima Barreto tinha
uma compreensão correta da utilização das teorias raciais pelos europeus para servir a seus
interesses de dominação mundial.
Livre do culto opressivo às idéias científicas, o mulato de Todos os Santos utiliza a
única arma da qual poderia dispor para realizar esse combate: a literatura. É o que pretendemos
exemplificar através de uma análise sucinta de sua obra de estréia, o romance Recordações do
escrivão Isaías Caminha.
Dessemelhante dos romances de tese em que o escritor criava figuras que se
enquadravam nos modelos científicos que pretendia exaltar, para compor seu romance, Barreto
buscou um caso real que pudesse servir de modelo para sua obra. Não era difícil perceber quem
havia fornecido esse modelo, como atestou VERÍSSIMO (1961, p. 204-205), que, através de carta
endereçada ao autor, assim se expressou sobre a obra:
Há nele, porém, um defeito grave, julgo-o ao menos, e para o qual chamo a sua
atenção, o seu excessivo personalismo. É pessoalíssimo, e, o que é pior, sente-se
demais que o é.
[...] A sua amargura, legítima, sincera, respeitável como todo nobre sentimento,
ressumbra de mais no seu livro, tendo-lhe faltado a arte de a esconder quanto talvez
a arte o exija. E seria mais altivo não a mostrar tanto.
O fato de Lima empregar seu próprio drama como base para a composição de sua obra
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poderia levantar a suspeita de que ela estivesse impregnada de subjetivismo, o que comprometeria
sua fidelidade aos fatos. Não é isso o que acontece, como reconhece BOSI (1999, p. 318), para
quem as realidades sociais, ou seja, o conteúdo pré-romanesco selecionado pelo autor para a
composição de suas obras ainda que escolhidas e elaboradas sob um ponto de vista afetivo e
polêmico não são forçadas a ilustrar inclinações puramente subjetivas. Em outras palavras, ainda
que fale de seu próprio drama, o autor não permite que o subjetivismo distorça a fidelidade dos
fatos narrados.
Dessa forma, valendo-se de sua própria dor, serve-se das páginas de seu primeiro
romance para criar “[...] uma explícita polêmica contra as doutrinas racistas, em voga no Brasil e no
mundo desde a segunda metade do século XIX” (REIS, 1989, p. 190), conforme ele próprio
confessa em uma correspondência enviada a Esmaragdo de Freitas, jornalista residente em Recife e
que havia feito um comentário favorável a sua obra:
O meu fim foi fazer ver que um rapaz nas condições do Isaías, com todas as
disposições, pode falhar, não em virtude de suas qualidades intrínsecas, mas batido,
esmagado, prensado pelo preconceito com o seu cortejo, que é, creio, cousa fora
dele. (BARRETO, 1961, p. 238)
Palavras semelhantes são colocadas por autor na boca de sua personagem principal e
narradora da obra, que reproduzimos em seguida, pois lançam mais luz sobre o objetivo da escrita:
Eu me lembrei de escrever [...], há dois anos, quando, um dia, por acaso agarrei um
fascículo de uma revista nacional, esquecida sobre o sofá de minha sala humilde,
pelo promotor público da comarca.
Nela um dos seus colaboradores fazia multiplicadas considerações desfavoráveis à
natureza da inteligência das pessoas do meu nascimento, notando a sua brilhante
pujança nas primeiras idades, desmentida mais tarde, na madureza, com a fraqueza
dos produtos, quando os havia, ou em regra geral, pela ausência deles.
[...] O melhor, pensei, seria opor argumentos a argumentos, pois se uns não
destruíssem os outros, ficariam ambos face a face, à mão de adeptos de um e de
outro partido.
[...] mostrar ao tal autor do artigo, que, sendo verdadeiras as suas observações, a
sentença geral que tirava, não estava em nós, na nossa carne e nosso sangue, mas
fora de nós, na sociedade que nos cercava, as causas de tão feios fins de tão belos
começos. (BARRETO, 1989, pg. 9-10)
O objetivo do romance, conforme se pode perceber, é negar uma idéia e afirmar outra
acerca dos fracassos experimentados por pessoas na mesma situação de Isaías: pobres e mestiças.
Na correta visão de Barreto, as causas do insucesso de um cidadão desse tipo não residiriam em sua
carne e seu sangue, mas sim no exterior: seriam causas sociais e não atávicas, psicológicas ou
antropológicas, conforme sugeriam algumas teorias científicas (LINS, 1997, p. 512).
Para demonstrar isso, Lima narrará o exemplar caso de Isaías Caminha, um mulato
interiorano, filho de um padre branco e de sua empregada negra, cujo início nos estudos mostra-se
promissor: “dediquei-me açodadamente ao estudo. Brilhei, e com o tempo foram-se desdobrando as
minhas primitivas noções sobre o saber”. (BARRETO, 1989, p. 13)
É importante destacarmos a motivação por detrás desse interesse pelos estudos:
Como mestiço, desde cedo, Isaías confronta-se com a visão de dois mundos: o branco e
letrado e o negro e iletrado, mostrando-se atraído pelo primeiro, representado pela figura do pai
branco. Nesse aspecto, é bom lembrar que o pai é branco e a mãe é negra. Numa sociedade
patriarcal como era a da época do autor, essa escolha é significativa. Ela indica que a liderança
estava em mãos brancas, enquanto que os afro-descendentes exerciam um papel subalterno na
sociedade.
Essa atração de Isaías é similar àquela demonstrada pelo colonizado de outra raça em
relação ao colonizador europeu. MEMMI (1977, p. 106-107) indica que o colonizador se constitui
em um modelo tentador para o colonizado, que verifica que aquele não sofre nenhuma das carências
que o afetam, tem todos os direitos, possui muitos bens e conta com grande autoridade. Diante
disso, o desejo do colonizado será o de se igualar a esse modelo que tanto admira até desaparecer
nele.
Caminha pretende igualar-se ao modelo de seu pai branco e julga que o único caminho
para alcançar esse objetivo será o da educação. Isso fica bem claro em outro trecho da obra em que
a personagem declara que o título de doutor resgataria o pecado de seu nascimento humilde,
amaciaria o suplício de sua cor (BARRETO, op. cit., p. 19).
Para atingir esse objetivo, o mulato pretende fazer um curso de Medicina na cidade
grande. Para alcançar sucesso nessa intenção, no entanto, terá de contar com um apoio maior do que
o vinha recebendo até então de sua parentela e de seus professores. Nesse momento crucial, terá de
unir à sua inteligência um apadrinhamento apropriado (BOSI, 2002, p.188). Em outras palavras, o
sucesso ou insucesso do afro-descendente não repousava em suas mãos, mas no apoio de alguém
poderoso, que, muitas vezes, era branco.
Utilizando-se do velho arranjo oligárquico da troca de favores, por meio de seu tio,
Isaías obtém uma carta de um chefe político da região, o Coronel Belmiro, destinada ao Deputado
Castro, solicitando-lhe que lhe arrume um emprego na capital.
Castro, no entanto, nega-se a atender esse pedido, obrigando Isaías a contar somente
com suas próprias forças para atingir seu objetivo. É nesse momento que ele se deparará com um
grande obstáculo, o preconceito.
A passagem do livro que narra o insucesso de Isaías em sua tentativa de arrumar um
emprego que exigia pouca qualificação ilustra bem quão grande era esse obstáculo:
O preconceito já não serve como obstáculo apenas para a ascensão social, mas até
mesmo à obtenção de condições mínimas para que se possa viver com dignidade.
Logo após, Isaías obterá um emprego humilde de contínuo no jornal O Globo, graças à
amizade que fizera com Gregorovitch (um apadrinhamento de um branco), mas o preconceito
continuará a prejudicá-lo:
/.../ dês que me dispus a tomar na vida o lugar que parecia ser meu de dever ocupar,
não sei que hostilidade encontrei, não sei que estúpida má vontade me veio ao
encontro, que me fui abatendo, decaindo de mim mesmo, sentindo fugir-me toda
aquela soma de idéias e crenças que me alentaram na minha adolescência e
puerícia.
/.../ achei tão cerrado o cipoal, tão intrincada a trama contra a qual me foi debater,
que a representação da minha personalidade na minha consciência, se fez outra ou
antes esfacelou-se a que tinha construído. (Barreto, op. cit., p. 9)
Por influência do preconceito, Isaías troca suas grandes ambições anteriores por outras
diminutas, limitando-se em certo ponto do romance a contentar-se com o pão de cada dia e uma
sobrevivência passiva em meio ao sucesso de outras personagens (LINS, 1997, p. 297).
Mesmo a vitória final constitui-se em derrota aos olhos do protagonista, pois, foi obtida
à custa de um sacrifício moral.
Isaías jamais será doutor, assim como Lima jamais o foi, seu caso, entretanto, ilustrará
com perfeição aquilo que o autor pretendia demonstrar, conforme vimos acima.
Diante de seu fracasso, o mestiço interiorano constatará, assim como o colonizado
citado por Memmi, a impossibilidade de “mudar de pele”, branqueando-se através do título de
doutor.
É interessante notar que na maior parte da obra, o autor não faz nenhuma citação
explícita a qualquer tipo de teoria científica. Há, no entanto, certa passagem, em que faz uma crítica
direta à ciência. Essa crítica é efetuada através da personagem Franco de Andrade, que é assim
descrita:
Ele realiza sua aparição no momento em que ocorre o achado de dois cadáveres
decapitados. Em visita ao local de trabalho de Isaías, o jornal O Globo, demonstra toda a sua
sabedoria:
- Penso que o exame médico-legal não se deve limitar a uma simples autópsia...
Convinha que se fizesse o fizesse mais amplo... A exemplo do que se procede na
Índia, onde a confusão de raças é imensa e, portanto, a raça é um bom dado para
identificar, seria bom que se fizesse mensurações antropológicas...
- Sem a cabeça, é possível doutor? perguntou Losque.
- Perfeitamente. /..../ O professor Broca indicava trinta e quatro mensurações de
primeira ordem; Topinard era de opinião que havia dezoito necessárias e quinze
facultativas; mas Quetelet, na sua ‘Anthropométrie”, exige quarenta e duas. /.../
Dessas, muitas são tomadas nos membros e no tronco: o talhe, a bacia, o fêmur,
etc., etc. Demais, ainda se têm outros dados auxiliares: a seção dos cabelos, o
exame microscópico do pigmento... Um operador hábil pode com tais meios
indicar perfeitamente a raça e a sub-raça do indivíduo... (Barreto, op. cit., p. 135)
Conforme se pode observar, Lima faz referência a muitos estudos científicos da época,
que pretendiam provar a existência de uma diferença biológica entre as raças.
Graças à ajuda do jornal, o “sábio” é encarregado pelo governo de proceder ao estudo
antropológico dos cadáveres, visando descobrir algum detalhe que possa ajudar no reconhecimento
das vítimas.
Empregando todo o arsenal de conhecimento científico citado, apresentou seu laudo: o
cadáver do sexo masculino era o de um mulato com grandes sinais da raça negra.
Oito dias depois, a polícia consegue descobrir quem era a vítima masculina,
identificando-a como um cidadão italiano. Um dia antes dessa descoberta, o Dr. Franco era
nomeado diretor do Serviço Médico-Legal da Polícia da cidade do Rio de Janeiro. (Barreto, op. cit.,
p. 135-136).
Através desse episódio, o romancista demonstra que a ciência é suscetível a erros no
que tange aos estudos raciais, revelando a fragilidade da “ideologia do colonialismo”.
Considerações finais
Como se pode perceber através do exemplo acima, Barreto combateu sem tréguas esse
tipo de ideologia. Esse combate não se restringiu às páginas de sua obra de estréia, estendendo-se a
outros textos, como, por exemplo, algumas crônicas e a obra inacabada Cemitério dos vivos, já
mencionada acima.
Por fim, queremos ressaltar a importância dessa constatação, desconhecida para muitos
analistas da obra do autor carioca. Assim, acrescentamos algo de novo ao já dito acerca do trabalho
de Lima Barreto.
Referências
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BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
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LINS, Osman. Lima Barreto: o romancista. In: BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo
Quaresma. 1. ed. crítica. Coord. de Antônio Houaiss e Carmem Lídia Negreiros de Figueredo.
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Madri; Paris; Cidade do México; Buenos Aires; São Paulo; Lima; Guatemala; São José da Costa
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LINS, Ronaldo Lima. O “destino errado” de Lima Barreto. In: BARRETO, Lima. Triste fim de
Policarpo Quaresma. 1. ed. crítica. Coord. de Antônio Houaiss e Carmem Lídia Negreiros de
Figueredo. Madri; Paris; Cidade do México; Buenos Aires; São Paulo; Lima; Guatemala; São José
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REIS, Zenir Campos. Isaías Caminha, ontem e hoje. In: BARRETO, Lima. Recordações do
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SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro.
Trad. Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese da história da cultura brasileira. 15. ed. Rio de Janeiro:
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