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*
Este artigo foi originalmente preparado para o volume coletivo A
Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas, São Paulo, Editora
Vértice/Revista dos Tribunais, 1988, organizado pelo autor em
colaboração com Guillermo O’Donnell.
1
Wanderley Guilherme dos Santos, “O Século de Michels: Competição
Oligopólica, Lógica Autoritária e Transição na América Latina”, Dados,
vol. 28, no. 3, 1985, pp. 283-310.
1
insistente denúncia do MDB (e do PMDB, em seguida)
como um "saco de gatos", cuja heterogeneidade
proibiria falar com propriedade de partido a
respeito dele -- tratar-se-ia antes de uma "frente";
em segundo lugar, a suposta novidade representada
pelo PT (pela extraçåo social de algumas de suas
lideranças mais importantes e pelo apego mais
inflexível a certas posições), bem como os dilemas e
dificuldades decorrentes da necessidade de conciliar
a busca de afirmaçåo da identidade partidária
associada a essa novidade com as imposições
estratégicas do jogo eleitoral.
2
classes: comunistas e socialistas, talvez democrata-
criståos, radicais ou liberais, conservadores...
Outros supostos mais específicos igualmente
envolvidos no modelo de política ideológica dizem
respeito nåo ao sistema partidário como tal, mas à
natureza dos próprios partidos políticos, os quais
såo vistos como devendo corresponder, para serem
autênticos, antes ao modelo dos "partidos de massas"
do que ao dos "partidos de quadros". Como se sabe,
na tipologia proposta por Duverger (cujas
designações com frequência dåo margem a confusões)
os partidos de massas såo partidos fundados no
proselitismo ideológico, na atividade contínua de
membros filiados e em formas organizacionais mais
rígidas e complexas, enquanto os partidos de
quadros, baseados em notáveis, se caracterizam por
serem frouxamente organizados e pela orientaçåo mais
marcadamente eleitoral de suas atividades e das
formas de proselitismo empregadas.2
2
Maurice Duverger, Os Partidos Políticos, Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 1970. A passagem relativa à distinção entre partidos de massas
e de quadros encontra-se reproduzida em F. H. Cardoso e C. E. Martins
(orgs.), Política e Sociedade, São Paulo, Companhia Editora Nacional,
s.d., vol. 2.
3
universalistas, "interesses" e "valores"). A
perspectiva acima esboçada pode ser questionada, a
este respeito, de alguns ângulos. Normativamente, em
primeiro lugar, cabe assinalar de passagem que o
privilégio por ela concedido ao coletivo, no
confronto coletivo-individual, pode ser colocado em
queståo no plano dos princípios: pois o interesse
individual nåo é em princípio ilegítimo, e mesmo as
doutrinas políticas que ressaltam com força um ideal
solidário fazem-no com frequência (este é certamente
o caso daquelas doutrinas que valorizam o conflito
entre categorias solidárias na política ideológica)
em nome, em última análise, da auto-realizaçåo e
fruiçåo individuais a serem alcançadas num momento
em que se superem as divisões sociais importantes. O
ideal, portanto, nåo é a política ideológica como
tal, com sua confrontaçåo tendencialmente
beligerante de grupos solidários parciais: ele é
antes aquela condiçåo em que, na vigência de um
marco solidário abrangente, os indivíduos
socializados seriam deixados, por assim dizer,
"soltos" para a busca autônoma da livre realizaçåo
individual. Sem dúvida, em qualquer processo que se
possa pretender ver como avançando rumo a esse
ideal, há enfrentamentos e lutas em que a
representaçåo partidária de interesses parciais
agregados tenderá a cumprir papel importante. Mas a
apreensåo analiticamente adequada dos fenômenos que
aí se dåo nåo é ajudada pela falta de clareza na
definiçåo das relações entre as contingências ou
necessidades do processo, por um lado, e a meta a
que se aspira, por outro.
4
Quanto ao aspecto da perspectiva de tempo,
sustenta o modelo de política ideológica que a boa
política é aquela em que ideologias bem estruturadas
definem, especialmente para as classes subordinadas
ou os "setores populares", estratégias que se
desdobram no longo prazo e que orientam a partir daí
o comportamento em cada conjuntura. Pelo ângulo do
ideal normativo em que figura o eleitor ou ator
capaz de se orientar racionalmente no mundo
político, nåo há como negar o acerto, em princípio,
do que propõe neste aspecto o modelo em queståo. Mas
cabe assinalar o que ele contém de irrealisticamente
exigente nåo apenas nas condições da sociedade
brasileira atual, mas talvez nas condições que
definem, em geral, a vida política. É preciso
reconhecer singelamente que, afinal, vivemos no
presente, que o longo prazo nåo é senåo, de certo
ponto de vista, uma sucessåo de curtos prazos -- e
que o realismo impõe, nessa ótica, o reconhecimento
da legitimidade também da demanda imediatista.
5
observaçåo aponta para o tema geral que se tornou
conhecido, na literatura recente de Ciência
Política, como o "dilema da açåo coletiva".3
Especificamente no que diz respeito aos partidos,
ela tem pelo menos dois desdobramentos importantes e
relacionados. Em primeiro lugar, o de que a queståo
da correspondência entre partidos e "bases sociais"
(tais como as classes sociais) é uma queståo aberta
e complexa, na qual se acha envolvida a indagaçåo
crucial de saber se existem condições a justificar a
expectativa de que as supostas "bases" de
determinado partido venham, espontânea e
naturalmente, a ser capazes de agir coletivamente em
uníssono e de manifestar-se de maneira organizada.
Em segundo lugar, o de que, se cabe esperar que seja
o próprio partido o agente decisivo dessa ativaçåo
organizada (e necessariamente algo "artificial",
portanto) das bases, nåo há por que esperar também
que tal ativaçåo, com a correspondente mobilizaçåo
de apoio para os diferentes partidos, se faça
estritamente segundo as linhas que separam as
classes sociais. Por um lado, lealdades étnicas,
regionais ou confessionais, por exemplo, representam
bases alternativas óbvias para os partidos. Por
outro lado, mesmo se se toma a estrutura de classes
como referência saliente e natural, a lógica da açåo
partidária nåo é a da mera vocalizaçåo ou expressåo
de interesses dados e claramente identificáveis em
seus contornos sociais, pois tal lógica levaria, no
limite, os partidos a se pulverizarem
indefinidamente em busca da representaçåo
3
Veja-se especialmente Mancur Olson, Jr., The Logic of Collective
Action, Nova York, Shocken Books, 1965.
6
"autêntica". Ao contrário, compete também aos
partidos somar ou agregar interesses diferenciados e
dar-lhes, assim, condições de afirmaçåo eficaz na
cena política. Ora, esse imperativo de agregaçåo
torna extremamente problemática, em particular no
âmbito das disputas eleitorais que constituem o
quadro normal do confronto interpartidário, a
pretensåo de que a agregaçåo se detenha nas
fronteiras das classes sociais -- fronteiras estas
que, ademais, nåo tendem a tornar-se mais nítidas
com a expansåo capitalista.
7
político de características democráticas estáveis. A
queståo subjacente se liga com o problema de quais
seriam as tendências evolutivas no que diz respeito
aos dois modelos de partido. Tal problema foi
discutido, como se sabe, por Duverger, que
sustentava em Os Partidos Políticos que o futuro
pertenceria aos partidos de massas. Certamente se
deram influências importantes do modelo
organizacional próprio do partido de massas sobre os
partidos de notáveis criados em conexåo mais
estreita com o mero jogo parlamentar, e cabe falar,
nesse sentido, de uma "massificaçåo" dos partidos de
quadros. Mas os estudiosos convergem hoje em apontar
antes (ou também) a "eleitoralizaçåo" dos partidos
ideológicos de massas e sua progressiva
transformaçåo naquilo que Kirchheimer chamou de
catch-all parties de mensagem diversificada e
pragmática.4 Jogando com as ambiguidades da
terminologia, seria possível, portanto, falar também
de uma espécie de "massificaçåo" dos próprios
partidos de massas, no sentido de que antigos
parties of struggle, originalmente baseados em
membros filiados e na militância aguerrida e
disciplinada, se transformam em partidos eleitorais
de massas.
II
4
Otto Kirchheimer, “The Transformation of the Western European Party
Systems”, em Joseph LaPalombara e Myron Weiner (eds.), Political
Parties and Political Development, Princeton, Princeton University
Press, 1966. Uma discussão mais recente da transformação dos partidos e
sistemas partidários que dá razão a Kirchheimer se tem em Gianfranco
Pasquino, “Per un’Analisi della Trasformazione dei Partiti e dei Sistemi
di Partito”, capítulo 1 de Crisi dei Partiti e Governabilità, Bolonha,
Il Mulino, 1980.
8
Um desdobramento importante da queståo dos tipos
de partido e suas tendências evolutivas tem a ver
com a avaliaçåo do papel dos partidos como
instrumento seja de transformaçåo social radical,
seja de neutralizaçåo ou acomodaçåo dos conflitos e
de preservaçåo do sistema político-econômico. É
expressivo, a respeito, o contraste entre o papel
revolucionário atribuído ao partido da classe
trabalhadora por Marx e especialmente Lenin, de um
lado, e, de outro, as posições sustentadas
contemporaneamente por um Macpherson, que vê na
operaçåo dos sistemas partidários em geral talvez o
principal instrumento de manutençåo de uma sociedade
desigual num contexto em que se tem a vigência do
sufrágio universal.5
9
do estado a convivência desigual de categorias e
classes sociais novas e marcadas em suas relações,
nåo obstante a desigualdade, pela potencialidade
igualitária e corrosiva do mercado capitalista. Em
última análise, o problema constitucional assim
entendido redunda no desafio de incorporar
politicamente, e ao mesmo tempo conter, a classe dos
trabalhadores "livres" que a afirmaçåo e a expansåo
do capitalismo produzem.
10
partidos operários surge como uma espécie de desvio
de rota e, no limite, de traiçåo, ao envolver o
abandono da açåo revolucionária e o convívio
pragmático e no máximo reformista com o sistema. Mas
o que contém de equívoco a avaliaçåo da
"desradicalizaçåo" dos partidos de trabalhadores em
termos de traiçåo ou desvio fica bastante claro na
seguinte passagem de um livro recente de Adam
Przeworski:
11
viabiliza a açåo revolucionária; a idéia proposta
por Przeworski é a de que a organizaçåo torna a açåo
revolucionaria dispensável. Nesta nova ótica,
admite-se a possibilidade de que a classe
trabalhadora e os partidos de trabalhadores busquem
de maneira aguerrida objetivos que lhes såo
igualmente autênticos, embora nåo sejam objetivos
revolucionários. Naturalmente, tais objetivos, e as
formas de açåo correspondentes, ajustam-se ao
mencionado processo de "eleitoralizaçåo" dos
partidos de massas socialistas tal como acima
caracterizados. Daí que a experiência dos países
capitalistas maduros e de tradiçåo liberal-
democrática mais efetiva revele a presença no máximo
transitória de partidos "fortes" no sentido de
revolucionários ou mais intransigentemente
ideológicos. É o que sugere, por exemplo, Alessandro
Pizzorno em texto dedicado ao papel dos partidos no
contexto de pluralismo político dos países da Europa
ocidental:
12
identidade política irredutível se acha em jogo
e as reivindicações políticas se tornam todas
negociáveis.8
13
que ela se valeu somente em circunstâncias em que
nåo havia outro recurso.9 A disposiçåo
revolucionária e eventualmente heróica requereria a
identidade, e nåo a mera instrumentalidade dos
interesses.
14
de Roth, de uma "integraçåo negativa", ou seja,
associada com a alienaçåo ou hostilidade ideológica
do partido perante o sistema político-econômico como
tal. Na verdade, no caso particular dos social-
democratas alemåes, esse processo terminou por
produzir mais ou menos rapidamente o abandono da
própria ideologia revolucionária e a adesåo
explícita a uma postura reformista. Em outros casos,
de que o exemplo por excelência é o Partido
Comunista Italiano, o partido como provedor de
identidade coletiva resultou no fenômeno da
constituiçåo de "subculturas" políticas em que,
mantendo-se a retórica revolucionária para efeitos
internos (para efeitos de identidade, justamente),
"mumificam-se" os objetivos revolucionários, que såo
remetidos a um futuro indeterminado, e estabelece-se
a convivência realista com o sistema e com as
imposições do jogo eleitoral.12 Sem falar do
movimento posterior do "eurocomunismo" e da revisåo
ideológica que acarretou mesmo em casos como o
italiano.
15
processo político em geral. A título de breve
indicaçåo dos meandros de uma temática que nåo se
podem perseguir aqui, assinale-se que a análise
marxista, por exemplo, dando ênfase a aspectos de
identidade em conceitos cruciais como o de
"consciência de classe", destaca e favorece o
"realismo" dos interesses e a lucidez em sua
avaliaçåo; que a idéia de uma açåo instrumentalmente
orientada pela consideraçåo "estratégica" e
eventualmente "fria" dos interesses de longo prazo é
parte saliente da noçåo de ideologia política e
ajuda a compor, como vimos, as ambiguidades do
modelo corrente de política ideológica; que a
projeçåo política de identidades coletivas "dadas"
ou solidariedades "naturais", se nåo deve
representar apenas a adesåo submissa e passiva a
difusas ideologias dominantes, supõe a possibilidade
de, através da açåo política e da reflexåo
doutrinária, redefini-las instrumentalmente em
termos de objetivos (interesses) a serem alcançados
ou de tarefas a serem cumpridas.13
16
"instrumental" e o "expressivo" na açåo política
transita sempre, de alguma forma, pelo plano do
cognitivo: é o elemento cognitivo ou intelectual que
recebe ênfase, em última análise, na valorizaçåo
corrente do papel da ideologia na política, onde a
capacidade de percepçåo estruturada e coerente do
universo político e de definiçåo lúcida dos
interesses a serem perseguidos e das lealdades a
serem cultivadas é contraposta à suscetibilidade à
manipulaçåo que caracterizaria os agentes políticos
desprovidos daquela capacidade e presos à urgência
ou à fluidez de interesses imediatos ou
circunstanciais. Nesse sentido, e em contraste
aparente com certa aproximaçåo antes indicada entre
ideologia e identidade, atuaçåo política ideológica
seria, a rigor, atuaçåo política issue-oriented --
ou seja, aquela em que o agente se encontra
informado sobre os diversos aspectos do sistema
político em que atua e situa-se perante as questões
de cada conjuntura política através do empenho de
estabelecer suas conexões com o diagnóstico dos
aspectos mais estáveis e essenciais daquele sistema.
17
identidades, reflexivamente tomadas, passam
precisamente a constituir o objeto de açåo política
estrategicamente orientada, caso em que a
articulaçåo cognitiva, nos planos sincrônico e
diacrônico, dos diversos aspectos do ambiente em que
a açåo se desenvolve se torna crucial, prevalecendo
a conduta issue-oriented; e (c) outra em que o
próprio instrumental da açåo política, em particular
o partido ou o movimento organizado em torno de um
ideário de maior ou menor sofisticaçåo, se torna um
ponto de referência importante ou mesmo decisivo
para a conformaçåo da identidade coletiva e pessoal
(caso em que teríamos tanto fenômenos como a
"subculturalizaçåo" mencionada quanto a "identidade
partidária" dos estudos eleitorais, a qual pode ser
politicamente desinformada e ideologicamente
tosca).14 Naturalmente, outras possibilidades e
mesclas se dåo, e podem eventualmente mostrar-se
relevantes em diferentes contextos. Mas o exame dos
problemas ligados à atuaçåo partidária e a avaliaçåo
do seu papel em termos de mudança e acomodaçåo devem
estar atentos para o desafio que essa complexidade
representa.
18
que se põem para a açåo dos partidos. Em primeiro
lugar, a emergência e o fortalecimento dos
sindicatos de trabalhadores se dá como parte de um
processo caracterizado por fenômenos como o da
corporativizaçào e oligopolizaçåo, de um lado, e o
da constituiçåo do welfare state, de outro. Esse
conjunto de aspectos nåo faz senåo favorecer a
lógica de "mercado político" em que predominam os
interesses: como salienta, por exemplo, Norberto
Bobbio, é a lógica da barganha em que um
"empresariado político" promove os interesses de
diferentes clientelas que impera tanto no processo
de "corporativizaçåo" quanto no da "massificaçåo" ou
eleitoralizaçåo dos partidos -- e a expansåo do
estado de bem-estar surge como consequência da
própria operaçåo da democracia e de sua lógica de
mercado político, e nåo do movimento socialista ou
social-democrata como tal. Apesar da menor
intensidade da afirmação da face social do estado, o
caso dos Estados Unidos, onde tal movimento nunca
existiu, corrobora essa afirmaçåo.15
15
Veja-se Norberto Bobbio, O Futuro da Democracia, Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1986, pp. 122 e seguintes.
19
trabalhadores na medida em que seus esforços para
ampliar a atraçåo eleitoral junto a outras
categorias da populaçåo fazem diminuir a saliência
da classe social como determinante do comportamento
político-eleitoral dos trabalhadores. Essa
estratégia, nåo obstante, é eleitoralmente
recompensadora na medida em que, contra as
expectativas explícitas de Marx, os trabalhadores
nåo vieram a constituir-se em maioria no eleitorado
dos países em queståo.16 De qualquer forma, o trade-
off aí envolvido é menor, segundo Przeworski e
Sprague, nos casos dos países em que, na falta de
organizaçåo eleitoral de identidades confessionais,
linguísticas ou étnicas, "a escolha dos
trabalhadores é ou a identidade de classe ou a
ideologia universalística dos indivíduos-cidadåos".
Ademais,
16
Veja-se Adam Przeworski e John Sprague, “Party Strategy, Class
Organization, and Individual Voting”, capítulo 3 de Przeworski,
Capitalism and Social Democracy.
17
Ibidem, pp. 109-10.
20
III
21
evoluçåo dos partidos europeus assinala a mudança de
perspectiva do establishment -- a perda do temor da
atuaçåo revolucionária dos partidos de massas
socialistas -- como parte (ou resultado) do
processo de "eleitoralizaçåo" mencionado acima.18 Que
dizer quanto ao caso brasileiro? Cabe apostar na
"traiçåo" de partidos populares que venham a lograr
penetraçåo "autêntica" nas massas? Ou na
expectativa, por parte do establishment, da eventual
acomodaçåo ou “desradicalização” de partidos desse
tipo a partir de um momento inicial de aguerrida
afirmaçåo ideológica?
18
Veja-se, por exemplo, Kirchheimer, “The Transformation of Party
Systems in Western Europe”.
22
geral é a de que há atores poderosos para os quais a
democracia política não é o valor decisivo -- e a
cujos olhos a atuaçåo efetiva de partidos populares
ideológicos representa, em princípio, importante
ameaça a valores que são decisivos.
19
Veja-se especialmente o capítulo 10, “Consolidação Democrática e
Construção do Estado”.
23
eventualmente de chegar ao poder pela via eleitoral.
Nessa eventualidade, a experiência recente de
prolongado e, afinal, tranquilo controle autoritário
do país por uma coalizåo de forças conservadoras
viria ela própria a representar, com toda a
probabilidade, um estímulo adicional a que se
tratasse de recorrer de novo ao modelo autoritário
de controle político. A expectativa de que o próprio
suporte eleitoral de tal partido popular viesse a
representar um obstáculo real ao êxito de novos
surtos autoritários envolveria, para justificar-se,
o requisito de que as condições que caracterizam a
vasta maioria do eleitorado popular brasileiro se
tivessem modificado profundamente com relaçåo ao
passado recente. Nada parece indicar que
modificações de tal monta venham a ocorrer no curto
prazo.
24
esfera partidária quando considerados do ângulo de
suas relações com desenvolvimentos ocorridos em
outras esferas. Exemplo dessa perspectiva é a
análise que faz Robert Dahl das razões para o nåo
aparecimento de um partido especial da classe
trabalhadora nos Estados Unidos.20 Como sintetiza
Hans Daalder, isso se deveu em grande medida ao fato
de que
25
afirmaçåo mais efetiva dos processos que levam à
constituiçåo de um proletariado urbano significativo
e capaz de pressionar politicamente com demandas
reais. Se isso representa por si só, na ótica de
Dahl e Daalder, estímulo a uma inserçåo
individualista "prematura" no processo político (com
a ausência dos mecanismos excludentes favoráveis à
definiçåo negativa da identidade coletiva de que se
falou antes), vários outros fatores concorrem na
mesma direçåo. No interior do país, como se sabe, a
vigência do sufrágio universal resulta na
manipulaçåo clientelística típica do nosso
famigerado "coronelismo". No setor urbano, por sua
vez, esse traço encontra correspondência nos
mecanismos próprios do populismo, que se vale da
conjugaçåo entre concessões sociais mais ou menos
precárias ou efetivas do estado e certo paternalismo
carismático para obter controle político. Tais
aspectos såo abundantemente destacados em toda e
qualquer caracterizaçåo do processo político
brasileiro das décadas recentes. Menos frequente é a
atençåo para um outro aspecto: a transposiçåo para a
cidade das redes de relações clientelísticas
subjacentes ao coronelismo rural ou semi-rural, com
a preservaçåo de fatores de deferência ou submissåo
que concorrem para o quadro geral de relativa
passividade política dos setores populares.22
26
imprime na estrutura social do país, configurando o
panorama de grande desigualdade e heterogeneidade
sociais. Sua consequência política mais geral såo o
desinteresse, o alheamento e a desinformaçåo perante
a vida política, e a resultante falta de qualquer
sentido de relevância da política para os problemas
que se apresentam na vida cotidiana. Tais traços
tendem a associar-se com uma fluidez cujo único
ponto consistente parece ser a contraposiçåo
simples, na consciência popular, entre o popular e o
elitista, com a consequente opçåo pelo lado popular.
Este último, contudo, pode concretizar-se em formas
as mais variadas na visão dos setores populares do
eleitorado, dadas as deficiências intelectuais e a
precariedade da percepção das questões em jogo e de
suas relações.23
27
massas europeus mais conformes ao figurino da
política ideológica. Pois a idéia de que o eleitor
expressa uma identidade ao votar é a única maneira
de dar conta da curiosa mescla de amorfismo e
consistência encontrada na síndrome populista: como
seu voto ou opçåo partidária nåo tende a estar
correlacionado com issues ou questões específicas de
qualquer natureza, tudo se passa como se o eleitor
simplesmente "torcesse" pelo time com que simpatiza
ou se identifica, donde a designaçåo de "síndrome do
Flamengo" que propusemos em outro lugar para a
configuraçåo de traços descrita.24 Como se disse
antes, a identidade está sempre presente na
política.
24
Fábio W. Reis, “Mudança Política no Brasil: Aberturas, Perspectivas e
Miragens”, Cadernos DCP, no. 7, setembro de 1985, pp. 11-36.
28
"dos trabalhadores".
29
IV
30
A indagação certamente nåo admite resposta
positiva no que diz respeito à idéia de que os
grupos de interesses podem representar alternativas
aos partidos, no sentido de entidades que se
substituíssem aos partidos e os tornassem
dispensáveis. Como se assinalou antes, há funções de
agregaçåo de interesses, necessárias ao processo
político-eleitoral, que nåo podem ser cumpridas por
tais grupos -- a menos que venham a transformar-se
eles próprios, mesmo a contragosto, em verdadeiros
partidos. É interessante observar a respeito algo
que surge em discussões recentes do problema feitas
por Claus Offe, um dos analistas europeus mais
simpáticos aos novos movimentos sociais: aponta ele
os riscos de solipsismo a que se expõe o movimento
operário na medida em que nåo venha a se mostrar
capaz de se tornar mais do que um movimento operário
e de estabelecer elos com interesses nascidos dos
conflitos de outras categorias (consumidores,
habitantes de um ecossistema, cidadåos).25 Ora, os
mesmos riscos de solipsismo ocorrem, naturalmente,
do ponto de vista de qualquer categoria tomada
isoladamente -- e a necessidade de generalizaçåo e
agregaçåo aí reconhecida implica o reconhecimento da
necessidade dos partidos, seja qual for a suspeita
com que certos porta-vozes dos novos movimentos
sociais tendam a percebê-los.26
25
Veja-se Claus Offe, “Reflections on the Welfare State”, em Claus
Offe, Contradictions of the Welfare State, Boston, MIT Press, 1985, p.
285.
26
As categorias recém-mencionadas a propósito dos riscos de solipsismo
que Offe aponta ao movimento operário (consumidores, habitantes de um
ecossistema, cidadãos) permitem destacar rapidamente uma questão geral
que seria impróprio pretender tratar mais extensamente aqui, apesar de
sua relevância para o problema das relações entre partidos e movimentos
31
Já a visåo dos grupos de interesses -- novos ou
velhos -- como complemento institucional dos
partidos é certamente adequada. E, na ótica do
problema das perspectivas de consolidaçåo
democrática, a idéia da concatenaçåo das duas
dimensões aponta, na verdade, para questões de suma
importância.
32
A queståo crucial é, obviamente, a das relações
de partidos e grupos de interesses com o estado, e
das formas em que se dará a recém-mencionada
concatenaçåo entre ambos no estabelecimento dessas
relações. Apesar do ideário espontaneísta e
autonomista dos novos movimentos sociais (ou das
manifestações novas de movimentos sociais
"tradicionais", como o operário), tais movimentos,
na medida mesma em que venham a fortalecer-se e
eventualmente a afirmar-se de maneira consequente,
defrontar-se-åo inevitavelmente com o imperativo
organizacional e com o desdobramento natural dele no
plano das relações com o estado enquanto agência
efetiva de decisões que nåo pode ser ignorada.
27
Veja-se especialmente Berger (ed.), Organizing Interests in Western
Europe.
33
avaliaçåo recente de Robert Dahl. Referindo-se ao
mesmo fenômeno do "neocorporativismo" europeu, que
denomina "pluralismo corporativo" e vê como
especialmente relevante no caso dos países
escandinavos, escreve Dahl:
34
respeito à regulaçåo dos conflitos entre interesses
decisivos e ao estabelecimento, em última análise,
do "pacto social" que reúna trabalhadores,
empresários e estado; por outro, o de corrigir a
parcialidade do estado contida na fatal
representaçåo corporativa dos interesses
empresariais, a qual, mesmo se informalmente, sempre
se dá. Análoga articulaçåo com a aparelho do estado
caberia também buscar no que se refere a grupos de
interesses de outros tipos que apresentem a
característica de serem suficientemente
circunscritos ou específicos (associações vicinais,
por exemplo), ainda que tal articulaçåo devesse
provavelmente dar-se em formas ou níveis distintos
(local ou regional, por contraste com federal).
Naturalmente, propor a articulaçåo corporativa de
interesses como os trabalhistas ou vicinais nåo
equivale a propor que tais interesses nåo devam ou
possam ser processados igualmente por meio da
estrutura partidária. Já outros interesses mais
difusos ou abrangentes (ou que afetem a generalidade
dos cidadåos, ainda que se refiram a questões
específicas como as que concernem em princípio aos
movimentos pacifista e ecológico, por exemplo)
teriam que depender talvez de maneira mais exclusiva
do processamento que os partidos se mostrem capazes
de efetuar na arena eleitoral.
35
a natureza flexível e catch-all dos partidos (por
contraste com os vínculos mais estreitos com
determinados segmentos do eleitorado, que seriam
característicos do modelo de partidos ideológicos)
parece a forma mais adequada a ser assumida pela
estrutura partidária na suposiçåo de sua
concatenaçåo com uma estrutura paralela em que a
máquina burocrática de um Executivo complexo acolha
e represente corporativamente vários interesses
sociais específicos. Do ponto de vista da estrutura
geral de representaçåo de interesses, em primeiro
lugar, o alcance dessa proposiçåo parece bastante
claro. Com efeito, se interesses funcionais ou
setoriais específicos encontram representaçåo
adequada numa estrutura de tipo corporativo, é
patente que nåo haveria por que pretender duplicar a
representaçåo de tais interesses através da
estrutura partidária, e haveria fortes razões para
que os partidos exibissem, em sua açåo, uma
perspectiva abrangente e territorial (pelo menos
enquanto se trate do contraste entre representaçåo
territorial e funcional: naturalmente, poderia haver
razões para que certos partidos buscassem
representar eventuais interesses particulares de
algum tipo, como os interesses étnicos ou
confessionais). Um ângulo adicional pelo qual se
pode visualizar o sistema assim constituído é o de
que ele consistiria numa forma talvez adequada de
dar soluçåo ao clássico problema da opçåo ou do
convívio entre mandato livre e mandato imperativo:
com efeito, a área da representaçåo corporativa de
interesses funcionais provavelmente se presta melhor
a que os representantes sejam vistos como
36
"delegados" de mandato mais estreito e mais
facilmente revogável, enquanto os mecanismos de
representaçåo partidária, especialmente em sua
associaçåo com a idéia do partido catch-all,
corresponderiam antes à representaçåo através de
"fiduciários" de mandato livre.29
37
o sistema de representaçåo corporativa seria a
condiçåo (ou uma condiçåo, pelo menos) para que se
possa eventualmente transformar nosso corporativismo
tradicional num instrumento mais efetivo dos
interesses populares -- ajudando a criar, por
exemplo, um estado de bem-estar que substitua a
caricatura onerosa, emperrada e ineficiente
atualmente existente no país. Uma corroboraçåo
adicional dessa perspectiva se tem com a avaliaçåo
que faz Klaus von Beyme das relações entre partidos
e sindicatos no quadro do neocorporativismo europeu,
onde se destaca a contribuiçåo dos partidos para a
soluçåo de conflitos associados com a estrutura
neocorporativa e se sustenta a tese de que "o
corporativismo nåo acaba necessariamente com o
estado de partidos, tal como parecem temer alguns
analistas e esperam alguns autores da escola
dialética, mas, ao revés, os grupos de interesses
necessitam a ajuda dos partidos para dotar de
operacionalidade as estratégias neocorporativistas"
-- dentre as quais, como surge de maneira explícita
e enfática na análise de von Beyme, as prestações
sociais do estado såo um componente decisivo.30
30
Klaus von Beyme, Los Partidos Políticos en las Democracias
Occidentales, Madri, Siglo XXI, 1986, p. 429. A alusão a “autores da
escola dialética” remete a um artigo de Claus Offe que se difundiu no
Brasil: “A Democracia Partidária Competitiva e o ‘Welfare State’
Keynesiano”, em Claus Offe, Problemas Estruturais do Estado Capitalista,
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984. Na verdade, a posição de Offe
sobre o assunto não é de todo consistente, pois, apontando o que lhe
parece a perda de função do sistema partidário em conexão com o
desenvolvimento dos arranjos corporativos, assinala também (p. 369) que
o desenvolvimento desses arranjos ocorreu “especialmente em países com
fortes partidos social-democratas (tais como, na Europa, a Suécia, o
Reino Unido, a Áustria e a Alemanha)”.
38
Nosso argumento tem como ponto central, assim, a
defesa dos partidos catch-all -- ou dos "partidos-
frente", para tomar diretamente uma expressåo que
tem sido usual nos debates brasileiros. Por certo,
fazer tal defesa nåo significa que se considere
adequado o grau extremo de fluidez e oportunismo que
tem caracterizado a vida partidária brasileira no
que diz respeito à conduta dos políticos
profissionais e à dinâmica do jogo parlamentar. Isso
nos leva à queståo formulada no início da seçåo
anterior relativamente a maneiras diversas de
entender a idéia de partidos "fortes" e a possíveis
tipos diferentes de consistência partidária.
39
possibilidade da operaçåo de uma nova estrutura
partidária que se esperava viesse a ser mais dócil e
compatível com os desígnios do regime.
40
surpreendente ou singular no fato de que essa fraçåo
da classe política se mostre especialmente
"pragmática", e a indagaçåo de interesse que essa
constataçåo suscita é a das razões que levam, nas
circunstâncias em que se dá a superaçåo do
autoritarismo no caso brasileiro, a que um partido
como o PMDB se mostre receptivo a tais trânsfugas.
41
Tudo isso dito, reitere-se que nåo se trata aqui
de fazer o elogio das condições atualmente
existentes no país no que se refere à estrutura
partidária. Sem dúvida seria de desejar, por
exemplo, que se procurasse fortalecer essa estrutura
por meios legais. As idéias que proporíamos a
respeito såo convergentes com as que expõem Bolivar
Lamounier e Rachel Meneguello em livro recente,
denunciando a excessiva permissividade da legislaçåo
partidária em vigor e destacando a necessidade de
opor obstáculos à proliferaçåo de partidos e de
estimular legalmente a "fidelidade partidária".31 Em
particular, a criaçåo de restrições a um
multipartidarismo exacerbado é congruente com o
tosco bipartidarismo que parece caracterizar
latentemente as percepções dominantes no eleitorado
popular.
31
Bolivar Lamounier e Rachel Meneguello, Partidos Políticos e
Consolidação Democrática, São Paulo, Brasiliense, 1986.
32
Essa expressão foi utilizada por Maria Hermínia Tavares de Almeida
nas discussões relacionadas com a preparação do volume coletivo em que
se publicou originalmente o presente texto.
42
requintado e estrategicamente orientado, deve também
ajustar-se ao gosto e à avaliaçåo dos seus próprios
interesses que tem o cidadåo em princípio mais
facilmente recrutável pelas estruturas
clientelísticas, máquinas políticas ou movimentos
populistas. Na convivência assim obtida da
sofisticaçåo e consistência ideológicas com o
"realismo" e ocasionalmente a miopia dos interesses,
seria possível tratar de buscar a eventual definiçåo
universalística e lúcida de identidades políticas
cuja operaçåo ajudasse a compor um processo
democrático estável.
43
Finalmente, uma temática de certa forma
adjacente à da consistência partidária merece breve
mençåo aqui: a da distinçåo entre os sistemas
eleitorais majoritário e de representaçåo
proporcional e suas consequências para os partidos e
sistemas partidários. Um primeiro aspecto,
relativamente consensual, dessa temática é o que se
refere às condições mais propícias ao bipartidarismo
que seriam produzidas por sistemas eleitorais de
tipo majoritário. Em consonância com isso, parece
claro que a opçåo por uma dinâmica partidária mais
"agregadora" que vimos defendendo redunda, por si
mesma, numa inclinaçåo favorável a que se dê maior
peso à escolha majoritária no conjunto do sistema
eleitoral. Daí que a proposta de experimentaçåo com
alguma forma de voto distrital surja como
decorrência natural do que se sustenta acima. Além
disso, ela pode contar com argumentos em seu favor
mesmo numa perspectiva que se oponha à que aqui
adotamos e se preocupe antes com a consistência dos
partidos, pois a maior proximidade entre eleitor e
representante que a eleiçåo em bases distritais
permitiria seria provavelmente favorável a tal
consistência.
44
envolve patentemente a suposiçåo de que há um certo
conjunto ou universo "real" de entidades a ser
adequadamente representado em termos proporcionais.
Nåo admira, assim, que questões como a da
"autenticidade" surjam em conexåo com a
representaçåo permitida pelos sistemas eleitorais e
partidários da mesma forma que a respeito dos
partidos como tais.
45
inexistência de fraudes nos processos de votaçåo e
apuraçåo, enquanto se define "representatividade"
como "o grau de correspondência entre a distribuiçåo
de preferências partidárias entre os eleitores e a
distribuiçåo de poder parlamentar entre os
partidos".33 Como é notório, tais definições permitem
que eventualmente se apontem como altamente
representativos e autênticos sistemas cujos partidos
componentes sejam eles próprios totalmente carentes
de consistência ideológica ou de correspondência com
identidades coletivas reais de qualquer tipo -- e
Santos, no livro mencionado, termina ele mesmo por
contrapor a noçåo de uma representatividade
"substantiva" à representatividade "formal"
capturada na definiçåo transcrita.34
46
sentido, de realidade sociológica. O traçado
artificial de distritos eleitorais que se tornou
conhecido como gerrymandering é a ilustraçåo mais
óbvia dessa segunda possibilidade. Mas outra
ilustraçåo se tem com o artificialismo também
presente, em algum grau, na própria definiçåo das
unidades de uma federaçåo como a brasileira: como
deixam claro as discussões atuais, na Assembléia
Constituinte, em torno de propostas que visam a
redesenhar o mapa dos estados, as unidades da
federaçåo brasileira -- que devem naturalmente
constituir, em princípio, um ponto de referência
crucial na definiçåo do âmbito de operaçåo de
critérios de representaçåo tanto majoritária quanto
proporcional -- eståo longe de corresponder, em
muitos casos, a fundamentos intocáveis de
identidades coletivas. Isso permite reiterar com
vigor a idéia, anteriormente proposta, de que as
próprias identidades coletivas såo com frequência
politicamente produzidas -- e lembrar de novo que os
partidos, se se dirigem por vezes a identidades
socialmente "dadas", såo também instrumentos dessa
conformaçåo mais ou menos artificial de identidades
que se definem em torno de objetivos a serem
alcançados ou interesses a serem promovidos.
VI
47
consequências presumíveis do eventual
desenvolvimento de efetivos partidos ideológicos de
massas nas condições brasileiras da atualidade:
quanto às possibilidades, já que tais partidos nåo
parecem contar com lastro social nos traços que
distinguem majoritariamente o eleitorado popular;
quanto às consequências, já que os termos em que se
coloca presentemente o que chamamos o "problema
constitucional" brasileiro nåo parecem compatíveis
com a atuaçåo efetiva de um partido popular
revestido de tais características sem comprometer as
perspectivas de continuidade do próprio processo
democrático.
48
sobressaltos e trambolhões autoritários continuados
que se alternem com esforços renovados de
institucionalizaçåo democrática, e na verdade parece
ser esta a hipótese mais plausível até que a
dinâmica geral do processo de transformaçåo sócio-
econômica resulte em condições sociais mais
igualitárias, "acomodadas" e propícias. O que se
propõe, nåo obstante, é que, se se trata de agir no
plano político-institucional e esperar assim influir
sobre o processo geral e talvez apressá-lo, a melhor
aposta no que diz respeito aos partidos como
instrumento de incorporaçåo das massas populares ao
sistema político -- sobretudo na hipótese de seu
acoplamento com uma estrutura adequadamente
reformulada de representaçåo funcional de interesses
-- é a que se faça sobre partidos-frente
heterogêneos. Uma estrutura partidária centrada num
partido popular de tais características é
provavelmente a que melhores garantias traria de que
se pudesse esperar a eventual conciliaçåo do
objetivo de aplacamento dos riscos maiores da
dinâmica política "constitucional" com o objetivo de
fazer do sistema de partidos algo mais do que a
combinaçåo de instrumentos eleitoreiros e
"fisiológicos", de um lado, e, de outro,
agrupamentos talvez puros e "autênticos", mas sem
eleitores. Assim, nas condições do eleitorado
brasileiro da atualidade e diante dos dilemas de
nosso problema constitucional, uma estrutura
partidária daquele tipo parece ser a melhor forma de
fazer avançar os prospectos de uma democracia
política estável -- condiçåo, por sua vez, do
esforço necessariamente perseverante de construçåo
49
de uma democracia social.
50