Вы находитесь на странице: 1из 369

Ciclo de seminários

Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

Tendências da nova ordem mundial e o lugar do Brasil

César Benjamin

A esquerda tem debatido há vários anos a possibilidade de uma crise do


capitalismo, em escala mundial. Alguns chegam a defender que essa
crise já se instalou. Não compartilho dessa opinião. De um lado, ela
banaliza a expressão “crise”, conferindo - lhe um sentido elástico demais;
de outro, perde de vista a especificidade do capitalismo. O aumento da
exclusão social, a concentração da riqueza, as tendências militaristas e
realidades afins, tão visíveis no mundo contemporâneo, não devem ser
apresentados como argumentos e evidências nesse sentido, pois o
funcionamento normal do sistema pode provocar esses efeitos. O
capitalismo só entra em crise quando o processo de acumulação de
capital se interrompe. Sob este ponto de vista, ele permanece
funcionando, com as dificuldades e contradições que lhe são inerentes.

A idéia de uma “crise iminente”, por sua vez, não é despropositada, se


usarmos como referência teórica a análise clássica de Marx. Porém, as
leis formuladas por ele são insuficientes para compreender a dinâmica
que predomina em cada momento. É preciso observar a configuração

1
real do sistema, o modo como ele se articula em determinado período.
Era assim, aliás, que o próprio Marx trabalhava, estabelecendo todo o
tempo uma relação estreita entre teoria e história (sua crítica a Ricardo,
por exemplo, insistia na importância da forma dos processos, aspecto
que o grande economista inglês subestimava). Para ele, a história nunca
foi um conjunto de fatos a serem selecionados para legitimar uma
teoria. A história constitui organicamente a teoria, de modo que esta
não existe sem aquela. “O modo dialético de exposição só é correto
quando conhece seus próprios limites”, escreveu nos Grundrisse, onde
descreve seguidamente como são insuficientes os raciocínios baseados
apenas em arranjos lógicos de conceitos. Por isso, ele nunca pensou
que pudesse fazer previsões a partir das leis fundamentais que
formulou, às quais, aliás, deu o nome de leis de tendência, o que
pressupõe a existência de contratendências, que freqüentemente
prevalecem (não fosse assim estaríamos diante de leis positivas,
absolutas).

Desejo propor outra abordagem. Ela parte da constatação de que os


elementos potenciais de crise sistêmica, reiteradamente apontados,
estão presentes há muitos anos. Por que, então, essa crise ainda não se
instalou? Como tem sido adiada? Até quando será adiada?
Indefinidamente? Que elementos têm permitido o prolongamento de
uma espécie de “fuga para a frente” do próprio sistema?

Para responder a questão assim reformulada, muitas análises enfatizam


o desenvolvimento tecnológico, ou a chamada Terceira Revolução
Industrial. Também me parece um caminho insuficiente. É verdade que
a mutação tecnológica contém dois elementos capazes de adiar a crise.
De um lado, tem permitido expandir o espaço geográfico abrangido
pela acumulação capitalista, incorporando vastas regiões e populações
(antes só marginalmente incorporadas) ao sistema produtivo
diretamente controlado pelo capital; por essa via, grande quantidade de

2
trabalho vivo e novos mercados em ascensão, não saturados, tornaram -
se disponíveis para o capital nas últimas décadas, somando- se aos
“estoques” mais antigos. De outro, o desenvolvimento técnico permitiu
encurtar o tempo da acumulação, ou o ciclo do capital, tornando mais
rápido o circuito de produção, circulação e realização de bens e serviços
— o que, como se sabe, também é um mecanismo de sustentação das
taxas de lucro (“Circulação sem tempo de circulação é a tendência do
capital”, dizia Marx).

Ao permitir simultaneamente expandir o espaço (leia- se, incorporar


populações) sob controle efetivo do capital e contrair o tempo da
acumulação, a mutação da base técnica pode ter contribuído, de fato,
para que a crise potencial não se instalasse, como já aconteceu em
outros momentos da história (não há nada de novo nisso: esta é a mais
importante função do progresso técnico no capitalismo). Mas,
paradoxalmente, essa mesma mutação contém também elementos que
deveriam apressar a crise: o aumento da produtividade tem sido muito
superior ao aumento da produção; a capacidade de incorporar trabalho
vivo nas regiões “velhas” (especialmente nas mais desenvolvidas)
diminui dramaticamente; a acumulação fictícia (D- D’) crescu muito mais
que a acumulação produtiva; a tendência à superprodução se torna mais
nítida em um mundo no qual o desemprego aumenta, os salários reais
diminuem, os gastos anticíclicos dos Estados nacionais se contraem.

Com a integração plena do planeta em uma economia- mundo e a


realização de uma acumulação “na velocidade da luz”, a expansão do
espaço e a compressão do tempo atingem limites não ultrapassáveis.
Assim, a ênfase no desenvolvimento técnico deveria, ao fim e ao cabo,
repor e aprofundar a idéia de uma crise iminente. Privilegiando- se essa
abordagem, as segundas tendências (as tendências à crise) deveriam
acabar prevalecendo necessariamente sobre as primeiras (as tendências
ao adiamento da crise). A questão que formulamos acima — por que a

3
crise iminente não se transforma em crise real — permaneceria sem
solução.

Para resolver a nossa questão precisamos reduzir o nível de abstração.


Poderemos então observar algumas características muito importantes,
que chamarei de anomalias, presentes na configuração atual do sistema.
Destacarei três delas, relacionadas entre si.

A primeira: a economia mais importante do mundo funciona com


déficits externos colossais e tornados permanentes. O déficit comercial
norte- americano só tem feito crescer, superando hoje, com folga, US$
500 bilhões por ano. A ele se soma um déficit fiscal que também
atingirá US$ 500 bilhões neste ano. Para perceber a enormidade desses
números, basta lembrar que, quando o déficit comercial brasileiro
atingiu “apenas” US$ 8 bilhões por ano, nosso país – que não é pequeno
– mergulhou em crise aguda, que forçou a mudança de seu regime
cambial.

Em tese, uma economia não poderia funcionar como a americana o faz.


Isso, aliás, era o que pensavam os arquitetos da ordem capitalista do
após- guerra, que criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI)
exatamente para construir maneiras de reequilibrar balanços de
pagamentos em desequilíbrio, considerados incompatíveis com o
funcionamento normal do sistema internacional.

Só podemos compreender o padrão de funcionamento da economia


americana quando o observamos junto com uma segunda anomalia:
essa economia gigantesca e altamente deficitária emite, sem lastro e
sem regras de emissão, a moeda do mundo. Por isso, sua capacidade de
endividamento é incrivelmente elástica, em uma escala quase
impensável nos moldes tradicionais. Recordemos como chegamos a
isso: ao transformar o dólar em moeda de referência internacional, a

4
Conferência de Bretton Woods (1944) entregou a senhoriagem da
economia capitalista mundial aos Estados Unidos, mas impôs a esse
país duas regras de emissão: a conversibilidade dólar- ouro e a paridade
fixa entre os dois. Ambas as regras foram garantidas em tratado
internacional assinado pelo Estado americano.

Criou- se assim um sistema em que a reserva americana de ouro


lastreava o dólar, que por sua vez era a referência para as demais
moedas, de acordo com taxas de câmbio fixas (ajustáveis segundo
certas regras). Nesse contexto, o poder de senhoriagem do Estado
americano era contido e disciplinado, pois a emissão de dólares
representava a hipoteca de sua reserva de ouro e, de alguma forma, era
limitada por ela. Em 1972, como se sabe, 28 anos depois de Bretton
Woods, os Estados Unidos romperam unilateralmente o tratado e se
descomprometeram com as regras de emissão nele previstas.
Desvincularam o dólar e o ouro, repudiando a conversibilidade, e em
seguida desvalorizaram a moeda, abandonando a paridade, tendo em
vista recuperar a competitividade de sua economia. Os demais países
tiveram de seguir caminho semelhante, efetuando suas próprias
desvalorizações competitivas, logo tornadas sucessivas.

O sistema de Bretton Woods deixou de existir, dando lugar a um “não-


sistema” de moedas sem lastro e câmbios flutuantes. Desenvolveram - se
então, vigorosamente, os processos que viriam a formar o que mais
tarde foi chamado “globalização”, especialmente a financeirização da
riqueza, pois os mercados de câmbio (estreitamente vinculados aos de
juros) tornaram - se fontes de receitas extraordinárias para empresas,
fundos e bancos multinacionais capazes de operar simultaneamente em
diferentes moedas e praças financeiras, realizando todo tipo de
operações de arbitragem.

5
Como o sistema internacional não tinha – e ainda não tem – substituto
para o dólar, o Estado americano reteve, na prática, o direito de
senhoriagem sobre a economia internacional, agora porém sem as
limitações das regras de emissão. Não foi uma decisão técnica.
Relacionou- se, antes de tudo, com um ambicioso projeto de retomada
(ou reafirmação) da hegemonia norte- americana, àquela altura
ameaçada pelo vigor das economias alemã e japonesa reconstruídas, o
poderio político- militar soviético em aparente ascensão e as veleidades
contestadoras de grande parte do então Terceiro Mundo. Sem
compreender esse projeto, em todas as suas dimensões (econômica,
militar, política, cultural, ideológica), nada se compreende da evolução
da conjuntura internacional nas últimas décadas. (Reiteremos, de
passagem, este aspecto da história: o chamado processo de
globalização deslancha a partir do momento em que é impulsionado
pelo Estado nacional hegemônico, em defesa de seus interesses;
confundir “globalização” e “enfraquecimento [ou fim] da ação dos
Estados” não tem sentido nenhum.)

Para o que nos interessa aqui, ressaltemos que um Estado nacional


passou a emitir, sem regras e praticamente sem limites, a moeda do
mundo. Trata- se de uma situação que não pode perdurar
indefinidamente, pois introduz uma assimetria estrutural nas relações
internacionais. Imaginá- la como uma situação normal e permanente é
admitir que os demais integrantes do sistema aceitarão passivamente,
para sempre, uma posição subordinada, o que contraria toda a
experiência histórica.

Vimos, porém, que a decisão norte- americana data da década de 1970.


Só muito recentemente surgiu uma possível resposta a ela, com a
criação do euro, que ainda engatinha. Por que esta segunda anomalia se
prolonga tanto?

6
Um primeiro motivo é claro: é muito difícil transitar de um padrão
monetário a outro. O trânsito da libra para o dólar, por exemplo, só se
completou muito depois de a Inglaterra ter perdido, de fato, a
hegemonia mundial, e a fase de transição exigiu duas guerras mundiais.
O segundo motivo nos interessa mais, pois remete à terceira anomalia
do sistema internacional atual, a que me referi antes: a região
ascendente do sistema – o Leste da Ásia – é estruturalmente
superavitária. Não poderia funcionar se não tivesse como formar e para
onde escoar o seu enorme superávit. O déficit americano – ou seja, a
necessidade de financiamento da economia americana – é que abre
espaço para a acumulação acelerada na Ásia e para a reciclagem do
capital sobrante dessa região. Essa afirmação pode ser generalizada,
sem nenhuma perda de rigor: o déficit americano cria aquele que é, de
longe, o mais importante pólo de demanda efetiva para a economia
internacional, pois os dois outros grandes centros – a Europa e o Japão –
vivem períodos prolongados de recessão ou baixo crescimento.

Se esta visão é correta, o que mantém em funcionamento a ordem


mundial atual, chamada de neoliberal, não é o que ela anuncia como
sendo seu grande trunfo (o desenvolvimento tecnológico e a formação
de uma “nova economia”), mas sim um mecanismo tipicamente
keynesiano: a sustentação da demanda efetiva por meio da emissão de
dívidas. Emissão incrivelmente elástica porque o mesmo agente, de um
lado, se endivida e, de outro, fabrica a moeda (não lastreada) em que
sua dívida deve ser paga.

Esse padrão monetário, que podemos chamar de dólar- flexível, produz


conflitos no núcleo do sistema mundial de poder. A posição especial do
Estado americano incomoda, pois sua hegemonia está inscrita nas
regras do jogo, tal como elas existem hoje, que são regras viciadas.
Mas, além de conflito, também há cooperação, pois se o dólar desabar todos
desabam, já que todos são credores do dólar. Eis o paradoxo: o mecanismo

7
que mantém a economia mundial funcionando (a capacidade de
endividamento americana) depende da posição especial do dólar;
porém, enquanto essa posição perdurar, os Estados Unidos manterão
um grau de hegemonia que não é facilmente tolerado pelos demais
participantes do grande jogo de poder mundial.

Em outras circunstâncias históricas isso poderia se resolver por meio da


guerra entre os integrantes do núcleo do sistema, mas esta
possibilidade está afastada. Hoje, a guerra é alternativa para lidar com
regiões periféricas. Não há, pois, via rápida e radical de promover
mutações, nem pela economia (pois a ruptura do padrão monetário
seria dramática para todos) nem pela confrontação militar. Por isso, a
atual configuração só pode se modificar lentamente. A posição do dólar é
o elemento-chave para o desenlace da crise latente. Esta posição, embora já
muito instável e precária – pois é evidente a tendência à desvalorização
–, se beneficia da inexistência, hoje e pelos próximos anos, de
alternativas à moeda norte- americana como reserva de valor no sistema
mundial.

A abordagem que estamos desenvolvendo permite enfocar as duas


dimensões fundamentais do sistema – riqueza e poder –, que não são
compreensíveis isoladamente. Muitos não se dão conta disso,
enfatizando apenas a dimensão da riqueza, ou da economia, e sendo
capturados pela ênfase abusiva nos modos de produzir. Terminam
enxergando apenas, ou principalmente, o enfoque da técnica. Marx
nunca pensou assim, nem mesmo em suas obras especificamente
econômicas (basta lembrar as centenas de páginas que escreveu sobre o
dinheiro nos Grundrisse, que formam, talvez, a parte mais complexa e
fascinante de sua vasta obra).

Se incorporarmos a dimensão do poder como fundamental para explicar


os movimentos do sistema internacional, devemos admitir, quase

8
axiomaticamente, que em condições normais esse sistema tende a
algum tipo de multipolaridade. Na economia- mundo contemporânea, a
existência de um só centro, esmagadoramente hegemônico, só pode ser
uma situação excepcional e transitória. A unipolaridade criada no imediato
após-Guerra Fria não é uma configuração estável.

Se essa abordagem está correta, a leitura da conjuntura internacional


precisa tentar decifrar um grupo delimitado de questões: como a
configuração unipolar, intrinsecamente instável, está se desdobrando na
direção de uma nova multipolaridade? Qual a forma desse processo? Em
que ritmo ele avança? Que dificuldades enfrenta? Como se comportam
os principais agentes? Será que já se podem ver os contornos da
configuração que virá? Tais questões permitem diferentes abordagens
que não posso desenvolver aqui. Privilegiarei duas delas. A primeira
abordagem possível é de natureza regional. Vejamos, passo a passo, o
que ela nos mostra.

Os Estados Unidos vivem o auge de seu poder e ocupam um duplo


centro: o centro da economia- mundo e o centro de uma área econômica
regional já constituída pelo Nafta. Em seu entorno imediato, temos uma
América Latina sem projeto próprio, em trânsito para ser tragada pela
área regional americana. Assim ampliada, esta área regional poderá vir a
ser, explicitamente, a futura “área do dólar”, se outras regiões
conseguirem escapar da senhoriagem norte- americana.

Grandes movimentos estruturais em curso na região apontam para o


fortalecimento dessa condição: a proposta de criação da Área de Livre
Comércio das Américas (Alca) em 2005, que extingue os espaços
econômicos nacionais e cria um só espaço hemisférico, centrado na
economia americana; o enfraquecimento e abandono de diversas
moedas nacionais, com a dolarização progressiva do continente; a
desnacionalização galopante dessas economias; a transformação dos

9
Estados nacionais em reféns do sistema financeiro internacional; o
isolamento ideológico e enfraquecimento das forças armadas do
continente; a intervenção direta dos Estados Unidos na região
amazônica, importante depositária de recursos estratégicos para o novo
ciclo econômico de longo prazo que se inicia (pela primeira vez na
história, essa intervenção inclui a montagem de bases militares
americanas dentro da região).

Se não forem contidos e revertidos, esses movimentos redefinirão


profundamente a geopolítica continental ainda nesta década.

Continuemos nossa viagem. Para compensar a relativa fraqueza de seus


Estados- membros, tomados isoladamente, a Europa acelerou seu
processo de unificação. Formou uma região econômica integrada cuja
capacidade produtiva se equipara à dos Estados Unidos; constituiu uma
área monetária própria, iniciando um incipiente movimento de escape
em relação à senhoriagem do dólar; harmonizou sua legislação em
quase todos os âmbitos; unificou seu mercado de trabalho e concedeu
cidadania continental às suas populações; está em processo de
unificação de suas forças militares, dotando- as de alta capacidade de
intervenção.

O que é isso, se não a criação de um novo Estado?

Enquanto nossas elites vocacionadas para a subalternidade saúdam o


“fim do Estado”, assistimos no centro do sistema ao surgimento de um
megaestado, um Estado continental, multinacional, que manterá as
sociedades européias no grande jogo mundial da riqueza e do poder no
século XXI. É um projeto geopolítico de fôlego, cujas maiores
dificuldades atuais parecem ser as seguintes: (a) na esfera econômica,
destaca- se a assimetria decorrente da existência de um Banco Central
europeu e de Tesouros ainda submetidos aos Estados nacionais, o que

10
impede a adequada coordenação de políticas monetárias e fiscais; sem
essa coordenação (que o Estado norte- americano realiza com grande
competência, graças a uma arquitetura institucional que garante elevada
sintonia entre Banco Central e Tesouro), a Europa perdeu a capacidade
de realizar políticas anticíclicas e deixou - se prender na armadilha do
baixo crescimento; a própria Alemanha já percebeu a necessidade de
alterar essa situação, mas todos os movimentos da União Européia, por
sua própria natureza, são especialmente complexos e lentos; (b) na
esfera política, destaca- se a dificuldade de definir uma política externa
européia unificada, por motivos históricos e geopolíticos, que se
traduzem por exemplo na tendência alemã de olhar para o hinterland do
Leste, de um lado, e na elevada dependência da Inglaterra (que continua
a ser uma praça financeira importante e a deter uma capacidade militar
também importante) em relação aos Estados Unidos, de outro; (c) as
incertezas que cercam o futuro da Rússia e de várias ex- repúblicas
soviéticas, que pesam diretamente sobre o continente.

A África está fora do jogo; nas palavras de um alto tecnocrata


internacional, “é um problema para a Cruz Vermelha”. A Rússia ainda
luta para conter sua própria decomposição, para então reposicionar - se.
Mantém - se na arena internacional graças ao peso de seu arsenal
atômico, mas ele é inútil para ajudá- la a lidar com o mosaico de
contradições internas resultantes da falência do socialismo burocrático,
de uma transição inepta ao capitalismo (que a lançou em uma inusitada
acumulação primitiva de capital privado em uma sociedade
industrializada) e das múltiplas questões de natureza social, étnica e
nacional que a paralisam.

Ao lado da América Latina – mas num patamar de importância muito


superior –, o Oriente Médio é a outra área de intervenção direta
permanente dos Estados Unidos. O abastecimento de petróleo é uma
conhecida vulnerabilidade americana. Com reservas, em seu território,

11
de 28,6 bilhões de barris e um consumo diário de 19,5 milhões de
barris, os Estados Unidos têm petróleo próprio para abastecer- se
durante apenas quatro anos. A evolução do cenário no Oriente Médio foi
favorável à posição americana até recentemente: a principal potência
regional não subordinada, o Iraque, fora destruída na Primeira Guerra
do Golfo e permanecia sob bloqueio, remetida a uma posição passiva e
defensiva, e a maioria dos Estados árabes já reconhecia (ou se dispunha
a reconhecer) Israel. Com o fim da União Soviética, desaparecera o
espectro de uma guerra entre Estados na região, pois os países árabes
ficaram sem retaguarda. O regime iraniano trabalhava para sua própria
consolidação e não parecia capaz de uma ação desestabilizadora. O
conflito reduzira- se a uma escala local na Palestina, de baixa
intensidade, envolvendo helicópteros e grupamentos de soldados, de
um lado, homens- bomba e atiradores de pedra, de outro, em
escaramuças suficientes para alimentar noticiários, mas incapazes de
colocar em risco a oferta de petróleo.

A evolução recente do quadro regional, porém, traz complicadores,


causados em parte, paradoxalmente, pela ação dos próprios Estados
Unidos na segunda guerra do Iraque, que resultou num atoleiro.
Multiplicam - se grupos que pretendem estimular uma desestabilização
de regimes pró- americanos instalados na região, mas, até onde se pode
ver, é improvável que tenham êxito. A resposta dos Estados Unidos seria
igualmente imediata e violenta, apoiada por inúmeros Estados cuja
existência seria ameaçada por um movimento pan- islâmico desse tipo.
Mesmo assim, a situação atual é claramente mais explosiva do que a de
alguns anos atrás.

A médio e longo prazos, a Ásia – e não o Oriente Médio – é a grande


incógnita do sistema. Tem a segunda maior economia nacional do
mundo (o Japão), a potência emergente (a China), grandes massas
demográficas dotadas de alta laboriosidade, elevado dinamismo

12
tecnológico, experiências de desenvolvimento rápido, empresas e
bancos de grande porte, Estados nacionais vigorosos, poder nuclear
(ainda claramente inferior ao dos Estados Unidos e da Rússia, porém
crescente). Será uma jogadora de grande peso no século que se inicia.

Mas tem limites: está longe de criar uma área econômica integrada e
nem se vislumbra a possibilidade de que algum dia venha a constituir
um megaestado continental, em moldes europeus. Não se vê sequer
como poderia constituir uma área monetária. Mantém- se altamente
dependente do mercado norte- americano e do dólar, moeda em que
estão denominadas suas volumosas reservas. Além disso, abriga
grandes populações em estado de pobreza e é portadora de enormes
tensões internas de natureza nacional, étnica e religiosa. Não consegue
marchar junta. A Índia permanece às voltas com um grave contencioso
com o Paquistão, a China (que ainda não completou seu processo de
reunificação nacional) precisa ganhar tempo, o Japão tem fraquezas
estruturais de grande monta, e assim por diante.

A ordem mundial norte- americana não foi – e não será – capaz de


enquadrar a Ásia, que por isso ainda não encontrou sua posição no
sistema- mundo contemporâneo. É grande demais e forte demais para
ser engolida (como a América Latina), marginalizada (como a África) ou
derrotada (como a Rússia). Ali ocorrerão os principais processos de
transformação da ordem internacional.

Do ponto de vista dos Estados Unidos, a Ásia tem de ser mantida


dividida, até mesmo por uma questão de estratégia militar. O
Departamento de Estado considera que o quarto objetivo estratégico da
geopolítica americana é o mais difícil de ser mantido no longo prazo. Ele
é assim definido: “Que nenhum poder, ou conjugação de poderes, do
hemisfério oriental possa desafiar o domínio norte- americano sobre os
oceanos.” Compreende- se a preocupação: como as armas atômicas

13
prestam- se muito mais à dissuasão do que ao uso efetivo, o controle
simultâneo dos oceanos é, de longe, o elemento central na supremacia
militar em escala mundial. Tendo- o conquistado, os Estados Unidos
detêm o monopólio da capacidade de deslocar e projetar suas forças em
qualquer parte do planeta.

Criar uma poderosa marinha de guerra exige recursos imensos,


incompatíveis com manter grandes exércitos envolvidos com questões
territoriais. Daí o permanente esforço americano de fazer com que seus
competidores potenciais – especialmente os asiáticos – mantenham - se
às voltas com ameaças terrestres, que os próprios Estados Unidos, por
sua posição geográfica – tendo como vizinhos apenas o Canadá e o
México –, não enfrentam. Esse tem sido, há muito tempo, o jogo
americano na Ásia. Quando a extinta União Soviética começou a
desenvolver uma marinha de guerra de alcance mundial, baseada em
porta- aviões, os Estados Unidos, em um lance de gênio, a atolaram em
uma prolongada guerra terrestre no Afeganistão, puxando - a de volta
para dentro.

Tensões duradouras no coração da Ásia – se necessário, ampliando - se


as diversas guerras civis latentes na região – ajustam - se perfeitamente
aos interesses estratégicos dos Estados Unidos. Enquanto essas
turbulências persistirem, todos os Estados asiáticos precisarão manter -
se voltados para questões regionais, com forças militares territoriais,
relativamente estáticas. Assim, a grande esquadra americana poderá
continuar a navegar pelo mundo, soberana. Essa condição geopolítica,
que é estrutural, mostra uma importante fraqueza da Ásia, quando
considerada como pólo de poder mundial.

Não se vê, pois, nem mesmo a médio e longo prazos, o surgimento de


um contrapoder à altura de desafiar a capacidade de projeção do poder
militar do Estado norte- americano. Mas já se podem ver os limites deste

14
poder: (a) os Estados Unidos são capazes de atacar e derrotar países não
portadores de armas nucleares, como o Iraque e o Afeganistão,
independentemente de sua posição geográfica; porém, para
estabilizarem sua dominação, dependem da existência de grupos de
apoio minimamente legítimos nas sociedades locais; se esses pontos de
apoio lhes são negados, sua vitória militar inicial se transforma em um
pesadelo; (b) países portadores de armas nucleares permanecem
invulneráveis à máquina militar norte- americana, por sua capacidade de
causar danos inaceitáveis aos próprios Estados Unidos ou a seus
aliados; é o caso da Coréia do Norte, cujos mísseis podem alcançar as
principais cidades japonesas e as bases militares americanas em toda a
região; por isso, aliás, a agressividade dos Estados Unidos pode
desencadear uma corrida, de conseqüências imprevisíveis, em direção à
posse dessas armas por parte de países que se sintam ameaçados; (c)
ações militares unilaterais têm altos custos políticos, diplomáticos e
financeiros; em princípio têm de ser financiadas inteiramente pelo
atacante; (d) embora, pelo sólido controle dos oceanos, os Estados
Unidos venham a manter por muito tempo o monopólio da capacidade
militar ofensiva em escala planetária, nada impede que outros países
desenvolvam estratégias defensivas eficazes em escala regional;
ninguém poderá competir com a esquadra dos Estados Unidos em alto-
mar, mas alguns poderão capacitar- se, com custos acessíveis, a impedir
que ela se aproxime de seus territórios.

A posição do Brasil é, em larga medida, definida por sua condição de


integrante do espaço regional latino - americano, a cujo destino imediato
já me referi. Porém, nosso país mantém uma especificidade importante:
somos o grande país periférico das Américas, um dos cinco ou seis grandes
países periféricos do mundo, que podem ser chamados de “países
intermediários”. Essa constatação nos introduz em um segundo recorte
possível para a abordagem do sistema internacional. Tentemos
entendê- lo.

15
Desde sua constituição, nas origens do mundo moderno, o sistema
internacional foi fortemente polarizado por um centro relativamente
pequeno e uma grande periferia. Processos de crescimento rápido, fora
dos países centrais, ocorreram basicamente em regiões que dispunham
de abundantes recursos naturais (potencial agrícola, minérios),
eventualmente valorizados. Quando esses recursos se esgotavam ou
perdiam importância, suas regiões produtoras caminhavam para a
decadência, reafirmando sua condição periférica.

O século XX alterou parcialmente esse padrão. Nele, economias não


centrais conheceram casos notáveis de crescimento que não se
basearam na exploração de recursos naturais abundantes, mas em
processos intensivos de industrialização. Esses ciclos de crescimento –
que, em diversos casos, promoveram mutações nos sistemas produtivos
locais – foram impulsionados de diferentes formas, por diferentes
regimes, que se baseavam em diferentes classes sociais, anunciavam
diferentes metas e valores, mas tinham um traço comum: lançavam mão
de mecanismos de coordenação supramercado para acelerar a
industrialização e processos correlatos de modernização. As sucessivas
disputas pela hegemonia no centro do sistema, que marcaram
fortemente o período que Hobsbawm chamou de “breve século XX”
(1914- 1991), criaram condições favoráveis a esses projetos que se
desenvolviam em alguns espaços tradicionalmente periféricos.

Surgiu assim um grupo de países intermediários, ou semiperiféricos,


alguns de grande porte, entre os quais o Brasil. As condições estruturais
desses países, somadas aos processos de modernização que
experimentaram no século XX, os tornaram suficientemente fortes para
que não devam ser confundidos com os países mais pobres e
desassistidos, em geral de pequeno ou médio porte, que neste

16
momento enfrentam dificuldades insuperáveis para sustentar projetos
emancipatórios próprios.

Justo por isso, um dos fenômenos mais importantes na construção da


“nova ordem” mundial no fim do século XX foi a desarticulação
sucessiva das diferentes estratégias desses países intermediários que
buscavam industrializar - se e diminuir a distância em relação ao centro
(ou, no caso da União Soviética, disputar o centro). A primeira vaga de
desarticulação, associada às crises das dívidas externas na primeira
metade da década de 1980 e ao desdobramento na direção de políticas
neoliberais, destrói os projetos em curso na América Latina. A segunda
vaga, que ocorre no fim da mesma década e início da seguinte,
desarticula a antiga União Soviética e os países de sua área de
influência. Em meados da década de 1990, chega a vez do acerto de
contas com as estratégias de emparelhamento em curso em países da
Ásia. Só a China resiste, apoiada em sua configuração estrutural –
território, recursos, população –, em sua vontade política e na
especificidade de seu sistema, cuidadosamente preservado, na medida
do possível, das ondas de choque oriundas do sistema internacional (a
experiência chinesa de crescimento rápido é recente, pertence a uma
“nova geração”, sendo difícil fazer qualquer prognóstico claro sobre seu
desdobramento de longo prazo).

Todos os elementos comuns dos processos de desarticulação, a que nos


referimos, estão contidos na estratégia de recuperação da hegemonia
americana: o choque dos juros, a aceleração da corrida armamentista, a
financeirização da riqueza e assim por diante.

É claro que essas desarticulações sucessivas só se tornaram possíveis


porque as diferentes estratégias dos países intermediários continham
importantes fraquezas. Não é o caso de analisá- las aqui, caso a caso.

17
Observemos apenas um aspecto geral, especialmente relevante para
entender a desarticulação do projeto brasileiro.

Nas relações econômicas internacionais, obtêm vantagens os países que


conseguem controlar uma parte maior do excedente produzido no
conjunto do sistema. Para ocupar uma posição de vanguarda, um país
deve estruturar sua economia em torno de atividades geradoras de um
ganho diferenciado, situado acima – preferencialmente, muito acima –
da média. Tais posições são, por definição, excludentes (caso contrário,
o ganho que propiciam não seria diferenciado). Portanto, tal como está
organizado, o sistema econômico internacional é estruturalmente
assimétrico.

Como as atividades que garantem ganho diferenciado modificam - se ao


longo do tempo, a conquista e manutenção de uma posição de
vanguarda não podem depender do controle de um setor, uma
tecnologia ou uma mercadoria específicos (um setor, uma tecnologia ou
uma mercadoria que garantem ganho diferenciado hoje podem deixar
de fazê- lo amanhã). Elas exigem liderança sobre o processo de
inovação, ou seja, capacidade permanente de criar novas combinações
produtivas, novos processos, novos produtos. Por isso, sob esse ponto
de vista, o núcleo do sistema internacional são os espaços que concentram em
si a dinâmica da inovação. Eles capturam sucessivamente as posições de
comando justamente porque conseguem recriá- las, obtendo dessa
forma benefícios extras na divisão internacional do trabalho. No outro
pólo, a dependência também se repõe dinamicamente.

Visto sob essa óptica, torna- se claro que o esforço desenvolvimentista


brasileiro (1930- 1980) manteve- se preso aos limites de uma
modernização periférica e nunca nos aproximou, de fato, do centro do
sistema mundial. Conseguimos internalizar progressivamente atividades
produtivas que, em algum momento, sustentaram a liderança dos países

18
centrais. Mas o problema é que tais atividades perdem essa
característica diferencial justamente quando a periferia em via de
modernização consegue capturá- las, pois aí elas ficam sujeitas a uma
pressão concorrencial que diminui sua importância e sua rentabilidade.
Quando isso acontece, essas atividades são relegadas a segundo plano
pelas economias centrais, que renovam sua posição privilegiada
alterando as combinações produtivas mais eficazes. A desigualdade se
repõe.

Uma impossibilidade lógica impede que “estratégias de


emparelhamento”, do tipo usado pelo Brasil e por outros países em seus
ciclos desenvolvimentistas, alterem as posições relativas no interior do
sistema. Não se consegue superar a condição periférica nem mediante o
uso extensivo de recursos naturais nem mediante a cópia de produtos e
tecnologias (e seus estilos de vida associados) que já estão maduros nos
países centrais. O desafio aberto às grandes economias retardatárias —
ou “países intermediários” — é duplo: internalizar seletivamente
elementos técnicos e culturais do paradigma vigente e, ao mesmo
tempo, preparar condições para um salto que lhes permita romper a
lógica da dependência, lançando- as na vanguarda de um novo
paradigma. Este, por sua vez, já não pode ser pensado apenas no
âmbito da técnica e da economia (neste caso, na melhor das hipóteses,
haveria um desdobramento do mesmo paradigma), mas
fundamentalmente das relações sociais. A problemática do rompimento
da dependência se articula, pois, com a questão mais geral da transição
a um novo tipo de sociedade.

É fácil ver por que a construção da nova ordem econômica mundial


associou - se à desarticulação de estratégias antes disponíveis aos países
intermediários. A ordem “globalizada” atinge as sociedades de forma
completamente diferente. No caso dos países centrais, o âmbito da
economia e da técnica, de um lado, e o âmbito das decisões políticas (aí

19
compreendidas aquelas que têm desdobramentos militares), de outro,
permanecem estreitamente vinculados, pelo forte vínculo entre
megacorporações empresariais e Estados nacionais poderosos. No caso
dos demais, esses âmbitos se dissociam, pela dispersão geográfica das
cadeias produtivas, em escala mundial, feita sob o comando de
corporações empresariais que não têm compromissos com os Estados e
sociedades mais fracos, onde apenas instalam filiais.

De modo mais ou menos geral – ressalvada a exceção da China –, as


capacidades diplomáticas, econômicas, militares e culturais desses
Estados e sociedades, bem como suas próprias vontades de desenvolver
essas capacidades, foram quebradas. O centro do sistema sustou a
penetração dos intrusos. Mas isso não os eliminou da história. Eles
continuam a existir, mesmo enfraquecidos. Contam com massas
demográficas muito expressivas, detentoras de capacidade técnica,
associada aos processos de industrialização experimentados. Seus
projetos de desenvolvimento, tal como definidos em períodos
anteriores, foram desarticulados, mas essa capacidade não desapareceu;
em larga medida, continua depositada em seus povos. Além disso,
mantêm sua vocação de pólos de sustentação de projetos regionais de
desenvolvimento e podem constituir uma importante rede internacional
de apoio recíproco. Seus territórios podem ser defendidos de qualquer
ameaça externa pela formação de infantarias extensas, imbatíveis em
seu próprio terreno.

A condição desses países é cheia de tensões e potencialidades.


Simultaneamente atraídos e repelidos pelo centro do sistema – com suas
economias profundamente inseridas nos processos internacionais de
acumulação, porém sem acesso às benesses monopolizadas pelos que
controlam tais processos –, eles podem vir a constituir um elo fraco da
nova ordem capitalista, pois podem ensaiar movimentos de ruptura,
hoje bloqueados no centro. Por outro lado, vimos que a configuração

20
atual evolui de uma situação de unipolaridade para alguma outra
configuração multipolar. Com o tempo, os espaços de manobra dos
países intermediários tenderá a voltar a crescer. Por isso, é vital que
consigamos impedir que, neste curto intervalo de unipolaridade, o Brasil e a
América Latina sejam tragados pela área regional americana, o que tornaria
“permanente” — ou, pelo menos, muito prolongada e custosa — uma
condição marcada pelo estreitamento de possibilidades.

O Brasil pertence a esse elo fraco do capitalismo contemporâneo, o


conjunto de países intermediários. Nossa crise é imensamente grave,
mas o potencial para superá- la é igualmente imenso. Para que isso
ocorra, dependemos, de um lado, dos espaços que vão se abrir para nós
naquela evolução do sistema como um todo: historicamente, nossos
espaços aumentam em períodos em que a hegemonia está em disputa,
sendo redefinida; de outro, dependemos da nossa própria capacidade
de colocar importantes mudanças internas na ordem do dia. Grandes
países periféricos, como os Estados Unidos e a China, já passaram por
desafios semelhantes, cada um ao seu jeito, e só obtiveram êxito
quando ousaram contrariar o lugar que lhe fora atribuído pela ordem
internacional de seu tempo. Isso tem custos. O problema é saber se
estamos dispostos a pagá- los.

Prevalece neste momento a tendência de voltarmos a ser um país


primário exportador, inserido de forma subordinada em um sistema
regional. A primeira condição é a de que resistamos a isso. Nossa
estratégia, hoje, começa por tentar preservar a possibilidade de termos
uma estratégia, o que depende da recuperação dos instrumentos
necessários para exercer nossa soberania. Em paralelo, deveríamos
buscar uma posição independente, fortalecida pela formação de um
bloco regional autônomo, capaz de manter relações extensa e
geograficamente diversificadas e, com o tempo, assumir um papel
próprio no mundo. O Brasil é insubstituível na criação do núcleo

21
histórico de um novo rearranjo regional de cooperação e
desenvolvimento — latino e americano —, que poderá vir a configurar
um novo bloco, ou um novo megaestado, no futuro. Por isso, em última
análise, as negociações em torno da Alca são negociações entre Brasil e
Estados Unidos sobre o destino do continente.

Qual a nossa chance de alterar o curso atual das coisas?

Depois de mais de dez anos de experimento neoliberal, uma parte


minoritária da sociedade brasileira efetivamente alterou seus padrões de
consumo, suas expectativas e seus valores, adotando os padrões,
expectativas e valores das populações afluentes do capitalismo
globalizado. Esse processo conquistou setores expressivos das classes
médias e penetrou até a medula de nossas elites. Bem- posicionados
para participar diretamente do mercado mundial — como sócios
menores, rentistas ou consumidores —, esses grupos ficam cada vez
mais tentados a desfazer quaisquer laços de solidariedade local,
desligando seu próprio destino do destino da sociedade como um todo.
Suas opções apontam para o rompimento dos vínculos históricos e
socioculturais que até aqui mantiveram juntos, em algum nível, os
cidadãos. Essa parte da sociedade brasileira – proporcionalmente
pequena, mas a mais influente – verá o ingresso formal do Brasil na
“área regional americana” como uma enorme benesse.

Outra parte da sociedade ainda deseja preservar direitos sociais


abolidos ou ameaçados, mantendo por isso alguma referência, ativa ou
difusa, em partidos, sindicatos, movimentos ou organizações não
governamentais. Sozinha, ela não tem peso para alterar o rumo das
coisas: não é maioria numérica nem detém os principais aparatos de
poder. Exerce uma influência às vezes importante, mas não decisiva.

22
Resta a maioria do nosso povo, que foi, simplesmente, desligado desses
processos. Refiro- me aos grandes contingentes humanos de que o
capitalismo não mais necessita. Sobrevivem no desemprego, no
subemprego, na economia informal, em atividades sazonais, incertas ou
ilegais. Por insistirem em sobreviver e por estarem relativamente
concentrados, ameaçam. E, de alguma forma, se organizam. São
dezenas de milhões. Mas, até aqui, não se tornaram agentes da
transformação. Este é o desafio central colocado para a esquerda, o
ponto cego de qualquer estratégia transformadora.

Pelo menos desde o fim do escravismo, nunca os diversos componentes


da nação viveram situações tão desiguais e tiveram interesses tão
conflitantes. Isso mostra que o modelo neoliberal tem menos potencial
estruturante da sociedade – e, nessa medida, menos potencial
hegemônico – que o modelo de acumulação anterior. A necessidade de
se buscar alternativas é mais evidente a cada dia. Mas ninguém é capaz
de prever o que virá pela frente, pois o Brasil atual é um país muito
mudado e muito desconhecido. É como um quebra- cabeças que
ninguém montou. Peças isoladas, ou encaixadas em pequenos grupos,
nos trazem fragmentos de informação, mas não temos uma nítida
imagem de todo o conjunto. Creio que três mudanças estruturais mais
ou menos recentes são especialmente importantes, por suas
implicações para o nosso futuro imediato.

Durante a maior parte do século XX, o Brasil foi uma economia


capitalista dependente, desigual, geradora de pobreza, concentradora
de renda e de propriedade, porém foi também, ao mesmo tempo, uma
economia muito dinâmica. Nossa capacidade produtiva cresceu 7% ao
ano, em média, durante cinqüenta anos. Hoje, somos uma economia
capitalista dependente, desigual, etc., e de baixo crescimento. Ficamos
com o que havia de ruim, perdemos o que havia de melhor. Não nos
iludamos com os anúncios, sempre reiterados e sempre frustrados, da

23
“retomada do crescimento”. Há duas décadas não temos nada parecido
com crescimento sustentado, mas apenas miniciclos de crescimento
dentro de uma economia travada. Nada indica que essa condição tenha
sido alterada. Essa transição estrutural – de uma economia dinâmica
para uma economia de baixo crescimento – é muito importante, pois o
grande dinamismo da economia brasileira até 1980 foi um fator decisivo
para conferir relativa estabilidade a uma sociedade tão desigual como a
nossa.

A ela se soma uma segunda transição. Em nossos 500 anos de história,


durante 470 anos fomos um país cuja maioria da população estava no
campo. O primeiro censo demográfico que indicou um equilíbrio
campo/cidade foi o de 1970. Hoje, mais de 80% da nossa população já
estão vivendo nas cidades. Quase 40% da população total do país
concentram - se em apenas nove aglomerados urbanos, as Regiões
Metropolitanas, já que, como regra geral, também a rede de pequenas
cidades perdeu dinamismo. É outra mudança estrutural cheia de
conseqüências. Destacarei apenas uma delas: famílias que vivem em um
pedaço de terra, no campo, têm uma casa, uma roça, um pomar e uma
criação de animais. A relação direta com a natureza lhes garante o
mínimo essencial para sobreviver. Precisam de dinheiro para comprar
aquilo que não conseguem produzir. Na cidade, a vida é muito
diferente. Ninguém tem roça ou criação, e freqüentemente não se tem
nem mesmo uma casa própria. Essa família urbanizada precisa agora
obter uma renda em dinheiro para cobrir todas as suas necessidades.
Para a grande maioria, essa renda depende de um emprego.

A terceira mutação, a que me referi, é a seguinte. Muitos estudos


indicam que, até mais ou menos 1990, apesar de injusto como sempre
foi, o Brasil contava com vários mecanismos que garantiam à sua
população, na média, mobilidade social ascendente: os setores
modernos da economia absorviam força de trabalho; a fronteira agrícola

24
estava em expansão; o Estado aumentava sua oferta de serviços e
contratava mais gente; chegou a existir em muitas regiões uma escola
pública de razoável qualidade, etc. Na década de 1990, porém, todos
esses mecanismos foram quebrados, e o resultado disso é que
represamos a mobilidade social. Os pobres não conseguem mais sair do
lugar. Nem a oferta de trabalho, nem o deslocamento no espaço, nem a
possibilidade de estudo abrem mais alternativas significativas. As
periferias das Regiões Metropolitanas viraram depósitos de gente sem
perspectivas.

Ninguém sabe dizer como nossa sociedade se comportará. Porém,


contrariando as aparências e o pessimismo de muitos, nunca o povo
brasileiro ocupou uma posição potencialmente tão forte. Essas
multidões concentradas em grandes cidades, com acesso a redes de
informação e sem alternativas dentro do sistema são – em tamanha
escala – um fenômeno novo em nossa história. Já ensaiaram mover- se
nas diretas- já, na campanha de 1989, no impeachment de Collor. Três
vezes em oito anos. Ensaiaram mover- se, mas ainda não aprenderam a
caminhar firmemente sobre os próprios pés, nem a levar suas demandas
até o fim. Não entraram no palco para valer. Mas já podem entrar. O
destino da nação está em suas mãos.

Vou concluir, recapitulando.

(a) A unipolaridade que marca o mundo após- Guerra Fria está dando
lugar, gradativamente, a uma nova configuração multipolar muito
complexa. O trânsito entre as duas situações é lento, pois há
disputa e cooperação no centro do sistema. A solução pela guerra
está afastada, e a conjugação de três anomalias econômicas criou
até hoje uma possibilidade muito elástica de adiamento de uma
grande crise. Isso desaparecerá se o dólar perder sua
centralidade atual, o que só poderá ocorrer em um prazo de pelo

25
menos dez ou quinze anos. Não está clara a configuração exata
da nova ordem multipolar, que dependerá crucialmente dos
acontecimentos na Ásia.

(b) Os Estados Unidos estão em via de incorporar formalmente todo


o Hemisfério Americano em sua área regional de controle direto,
que poderá vir a ser, explicitamente, a “área do dólar”,
contrastada à “área do euro” e a algum tipo de arranjo asiático
que ainda não é claro.

(c) O destino do Brasil está atrelado ao do seu continente, porém


com uma importante especificidade: somos o grande país
intermediário da região, um país que ainda tem alguma margem
de manobra. É fundamental usá- la, apostando em uma nova
multipolaridade futura e preparando um outro caminho: a
formação de um bloco regional latino - americano com presença
global. Isso impõe uma estratégia de enfrentamento das
pretensões norte- americanas no hemisfério.

(d) A base social interna dessa nova estratégia é o povo brasileiro,


cujo destino depende inteiramente do destino que terá o Brasil.
As elites podem, no máximo, negociar certas condições para
nossa inserção subordinada no projeto americano. Por isso, um
reposicionamento estratégico no mundo e a realização de
profundas reformas políticas e sociais internas, que garantam a
hegemonia popular, são faces gêmeas de um mesmo projeto.

(e) O Brasil experimentou, em pouco tempo, mutações estruturais


de largo alcance, cuja combinação aponta para contradições
graves e, eventualmente, explosivas: deixou de ser uma economia
dinâmica e passou a ser uma economia de baixo crescimento, que

26
não gera empregos; urbanizou maciçamente sua população, que
agora, mais do que nunca, precisa de empregos para sobreviver;
destruiu os caminhos abertos à mobilidade social, nos níveis
(insuficientes) que já tivemos. A crise do modelo neoliberal, que
se projetará pela nova década adentro, terá como pano de fundo
essa crise maior, que questiona as estruturas do capitalismo
dependente brasileiro.

Esse é o contexto dentro do qual temos de nos posicionar. Justamente


nele, a maior parte da esquerda brasileira se convenceu de que não é
possível propor mudanças importantes, de que mais vale uma bolsa-
família na mão do que uma soberania no ar, de que grandes
transformações não estão na ordem do dia, e assim por diante. A
história a julgará.

27
Ciclo de seminários
Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

As culturas brasileiras da participação democrática

Juarez Guimarães
Professor de Ciências Políticas da UFMG

Introdução

O objetivo desta exposição é responder a uma pergunta básica: por que o


Brasil é hoje um dos países do mundo com uma maior participação
democrática e riqueza associativa? Trata- se de investigar as mudanças
recentes na cultura política dos brasileiros e que dizem respeito a
desenvolvimentos de processos enraizados socialmente e que já se
configuram em tradições.

Não possuímos um painel comparativo entre países. Mas creio que é


possível fundamentar a afirmação contida na pergunta. Do ponto de vista
das tradições socialistas, em qual país do mundo observamos tanta
vitalidade e expansão de um partido político (o PT, que nas eleições de
2002 tornou - se o partido de maior expressão eleitoral do Brasil, mas não

1
apenas ele), de uma central sindical de trabalhadores (a CUT recém
realizou o maior congresso de sua história) e de um movimento de
trabalhadores rurais (O MST tem ampliado significativamente a sua
atividade nos últimos meses)? Em várias capitais do país, a realização de
orçamentos participativos indica experiências de democracia participativa
sem paralelo nas democracias ocidentais. Movimentos sociais, em
particular, na área da saúde, reforma urbana e assistência, vêm
construindo todo um trabalho de participação institucional. O cálculo de
estudiosos da participação popular animada pela Igreja Católica (Frei Beto,
Helena Salem, Rogério Valle e Marcelo Pitta, Pedro Ribeiro de Oliveira)
estima em cerca de 70 mil Comunidades Eclesiais de Base atuando no
Brasil (agrupando em torno de dois milhões de fiéis). A realização dos
Fóruns Sociais Mundiais tem estimulado o florescimento de ONGs e redes
associativas que percorrem todo um espectro de temas de questionamento
à globalização neoliberal. Em São Paulo, este ano realizou- se uma das
maiores passeatas do Orgulho Gay do mundo. A participação eleitoral no
Brasil vem crescendo e hoje o país é seguramente uma das maiores
democracias eleitorais do planeta. Também o Direito e o sistema judiciário
vem sendo objeto de um processo permanente de reivindicações e
construção de novos direitos, mais claramente após o processo da
Constituição de 1988.

O que anima todo este trabalho democrático?

Não seremos capazes de responder a esta pergunta se nos fixamos em


uma perspectiva que fica retida no par sociedade tradicional/ sociedade
moderna, tão típica das visões preconceituosas erigidas na ciência política
norte- americana sobre a sociedade brasileira. Por esta visão, somos
católicos e latinos, logo, incapazes de criar cultura cívica, submissos à
dominação patriarcal ou patrimonial, cevados pelo coronelismo e pelo

2
clientelismo, sem tradição de verdadeiros partidos, afeitos à corrupção e
ao favoritismo etc etc. Educarmo- nos para a democracia implicaria em
afastarmo- nos de nossas origens e aproximarmo - nos do padrão anglo-
saxão.

Não se trata aqui de fazer apologia do iberismo ou da tradição política


brasileira, construindo uma visão idílica e adocicada das vertentes
agressivas de dominação e violência nela contidos. Mas de visualizar a
trajetória do trabalho reflexivo das tradições republicanas brasileiras, no
sentido de trasnformá - las por dentro, atualizando e democratizando seus
fundamentos e valores. Dois exemplos apenas. É evidente que a cultura
socialista brasileira transformou profundamente seus valores nas três
últimas décadas em relação aos padrões dominantes nas décadas
anteriores, estabilizados a partir da influência central do antigo Partido
Comunista Brasileiro. Por outro lado, a Igreja Brasileira em seu conjunto foi
profundamente modificada pelo Comunitarismo Cristão e pela Teologia da
Libertação. Seus valores, sua percepção da sociedade brasileira, suas
relações com o poder foram profundamente transformadas em relação ao
padrão dominante até os anos cinqüenta. É a análise deste trabalho das
tradições que nos permite entender as mudanças na cultura política dos
brasileiros.

Entender a direção, a profundidade e o ritmo destas mudanças em curso é


um grande desafio. Penso que podemos aqui apenas indicar cinco grandes
vetores:

❧ um deslocamento para a centro- esquerda e para a esquerda dos


valores de identidade política dos brasileiros;

3
❧ uma retomada profunda da identidade da experiência da civilização
brasileira consigo mesma, ao mesmo tempo, latina, universalista e
cosmogônica;
❧ uma expansão da identidade feminina, que se alimenta
continuamente da conquista de posições no mercado de trabalho e
na educação;
❧ uma pressão política e cultural cada vez mais intensa no sentido da
democratização racial do país;
❧ a expansão libertária dos Eros, em uma sociedade que nunca foi
marcada pela ascese puritana e nem nunca aceitou a divisão
platônica cristã do corpo /alma, com as suas vertentes sacrificiais,
mas sempre se pautou pelos ritos da festa e do lúdico.

Todo este processo de mudança de valores e atitudes convive com


dimensões regressivas ( culto da violência, das linhas esterilizantes do
mass media, da regressão social) mas parece- nos tendencialmente
dominante. Esta dominância do dinamismo democratizante exige e reclama
o encontro das tradições republicanas brasileiras, sua mútua configuração,
que estudaremos a seguir.

O comunitarismo cristão

O fato decisivo para a construção desta tradição brasileira foi a fundação


da CNBB, liderada por Dom Hélder Câmara, em 1952. Esta fundação já
traduzia uma primeira síntese no interior da tradição católica brasileira que
recebia, então, o impacto de pensadores como Jacques Maritain e
Emmanuel Mounier. No processo de radicalização vivido pelo país naquele
contexto, nascia assim a esquerda católica brasileira como expressão do
que, poderíamos chamar, de a ala esquerda do comunitarismo cristão. No

4
período do regime militar, esta tradição ganhou vasto enraizamento social
com a experiência das CEBs.

Assim, quando houve uma reação conservadora, desde o centro da Igreja,


nas últimas décadas às teses do Concílio Vaticano II, esta tradição já havia
alcançado um nível de sedimentação social que lhe permitiu resistir,
renovar- se e continuar expandindo - se.

O que parece é que, longe de exaurir - se, esta tradição renovou - se no


encontro com a democracia brasileira em reconstrução, relacionando o seu
associativismo de base com os marcos institucionais, direcionando a opção
preferencial pelos pobres para os temas da cidadania, incidindo sobre a
cultura política brasileira com as exigências cristãs da solidariedade, da
ética e da igualdade. O seu impacto na problemática agrária, indígena e na
crítica ao neoliberalismo nos anos noventa não pode ser subestimado. Nos
anos recentes, esta tradição tem se aberto ao ecumenismo, ao tema dos
direitos das mulheres, embora conserve uma atitude conservadora frente
aos desafios que, em sua visão, comprometem a vida familiar (direito do
aborto, direitos dos homossexuais, permissividade etc).

A última conferência da CNBB parece ter sido marcada por uma dinâmica
unitária entre as tradições herdeiras da Teologia da Libertação e as
correntes mais moderadas, inclusive aquelas vinculadas aos carismáticos.
O fundo comum desta dinâmica que desdramatiza as diferenças entre os
compromissos sociais e espirituais da Igreja parece ser exatamente o
comunitarismo cristão quem sempre buscou manter um equilíbrio entre as
duas dimensões.

O nacional-desenvolvimentismo

5
Nenhum outro país da América Latina viveu no pós- guerra um
florescimento da cultura nacional- desenvolvimentista como o Brasil.
Herdeira do primeiro ciclo varguista, ela se conformou e se enraizou no
período que vai de 1945 - 1964, recebendo o impacto da tradição da Cepal
no continente, combinando projetos sistêmicos de nação com uma agenda
de inclusão social e florescimento dos sentimentos e criações de
identidade cultural. A criação da Petrobrás, do BNDE, da Sudene, de
Brasília, entre outros, tornaram - se marcos duradouros da afirmação
brasileira. O período foi marcado também por uma agenda especialmente
criativa no plano das artes, marcando o amadurecimento estético de toda
uma geração formada no Modernismo de 1922 – Cinema Novo, Bossa
Nova, CPC etc.

É interessante que mesmo o regime militar brasileiro não foi


desnacionalizante mas desenvolveu um projeto de integração ativa na
ordem internacional, inclusive com pretensões geopolíticas no continente.
A tradição nacional- desenvolvimentista permaneceu, então, como uma
espécie de repertório que retornou no período após o regime militar. Nos
anos noventa, alimentou a crítica ao neoliberalismo e hoje participa
ativamente da base política, social e intelectual do governo Lula, como na
condução de sua política externa.

A importância desta tradição está exatamente em ter desenvolvido, em


civilizações criadas a partir de uma experiência de colônia e submetidas a
graves processos de desvalia de amor próprio, a consciência cívica da
nação, a noção de um pertencimento e de um destino comuns. Em um país
marcado por tão fortes heterogeneidades e clivagens de classe, ela
contribui para estabelecer um solo republicano comum.

6
O nacionalismo, em uma certa cultura acadêmica, foi criticado desde
sempre como mistificador dos interesses de classe. A crítica é
simplificadora em dois sentidos. Em primeiro lugar, pelo fato de que o
nacionalismo expressou- se através de muitas vertentes, desde a direita até
à esquerda, passando pelo centro. Em segundo lugar, porque mesmo o
desenvolvimento da consciência das classes trabalhadoras no Brasil não
pode ser pensado por meio de um padrão europeu, separado das
condições nacionais de sua existência e experiência social, isto é, de seu
lugar no mundo do capitalismo, de sua cor, de sua religião etc.

Quando encontrou a cultura democrática, as vertentes mais decisivas deste


sentimento nacional – como aquela desenvolvida na obra de Celso Furtado
– expressaram- se não através da idéia de uma autarquia mas de uma
autonomia nacional, não de expansão subimperialista mas de integração
soberana em uma ordem mundial transformada.

O socialismo democrático

O grande animador da luta democrática e do protagonismo organizativo no


Brasil nas últimas duas décadas tem sido o Partido dos Trabalhadores.
Junto a ele, há um conjunto de forças políticas que se reclamam do
socialismo democrático que têm exercido um papel importante.

São poucos os países do mundo hoje em que partidos de esquerda têm tal
enraizamento social e força eleitoral. Isso se explica, a nosso ver, por três
razões.

7
Em primeiro lugar, por ser um partido de esquerda tardio, crítico às
tradições do estalinismo e da social- democracia européia. Esta identidade
de origem explica porque este partido conseguiu resistir à crise definitiva
da URSS no final dos anos oitenta e nem se pasteurizou nas chamadas
“Terceiras Vias” dos anos noventa. O seu pluralismo matricial transformou -
se em certas condicionalidades democráticas de sua vida interna e sistema
de decisões que tem permitido até agora a experiência se desenvolver em
um grau alto de pluralismo e de divergências internas.

Em segundo lugar, ele soube desde o início recusar o dualismo


sociedade/Estado, movimentos sociais/institucionalidade, buscando de
forma criativa combinar estas duas dimensões em sua experiência. É esta
dialética entre vida social e vida político institucional que tem permitido
este partido renovar- se nas diferentes conjunturas brasileiras desde o seu
nascimento.

Em terceiro lugar, o PT alcançou nos anos noventa uma dimensão rara na


vida dos partidos brasileiros, um enraizamento nacional, crescendo no
nordeste e no norte do país. Sua base social também se diversificou muito,
para além da origem classista original. De alguma forma, o PT tornou - se
brasileiro, acolhendo em seu interior diferentes dimensões étnicas,
regionais e religiosas.

A chegada ao centro do Estado brasileiro não deixa de ser, no entanto, um


grave desafio que expõe todas as carências programáticas, de unidade e
capacidade de gestão de um partido cuja experiência governativa é
basicamente municipal e apenas limitadamente estadual.

8
O liberalismo ético

Uma característica particular da experiência democrática brasileira tem


sido um grande dinamismo no que diz respeito à juridificação de novos
direitos, procedimentos e salva- guardas democráticas. Este dinamismo
constitucional contribui de modo decisivo para a institucionalização da
vida democrática em expansão.

Seria incorreto falar, deste ponto de vista, de uma ordem jurídica fechada,
cristalizada, marcada por um conservadorismo. Se a segunda metade dos
anos oitenta foi profundamente galvanizada pela experiência constituinte,
os anos noventa foram seguidos de um reformismo constitucional, em
geral direcionadas por uma pauta neoliberal. A experiência democrática do
governo Lula dá- se, assim, em meio a uma ordem institucional em
movimento, híbrida, aberta à renovação.

É neste contexto que cabe falar da presença central e importância decisiva


de um liberalismo ético, de vertente social e receptivo à defesa dos direitos
do cidadão. Esta tradição sempre foi expressiva na vida cultural brasileira
mas marginal na ordem política. Ela atingiu um ponto de fixação na alta
cultura brasileira por meio da obra de Raymundo Faoro, que estruturou
uma narrativa de nossas origens, identidades e destinos vocacionada para
a crítica de todo projeto de modernização assentado em um Estado avesso
à democracia e à separação das esferas do público e do privado.

Nos anos recentes, a cultura jurídica brasileira tem sido dinamizada pelas
correntes do direito alternativo, do comunitarismo cristão, da legitimidade
discursiva, enfim, pela criação coletiva e social dos direitos. É este
dinamismo jurídico que pode distensionar conflitos, dar cobertura
institucional a novas práticas associativas e deliberativas, além de exercer

9
uma pressão civilizatória sobre a ordem mercantil excludente e
concentradora.

Cultura popular

Por fim, caberia identificar uma fonte difusa mas vital da civilização
brasileira: a cultura popular. Rousseau nos dizia que as festas populares
são como que o momento lírico de expressão da vontade geral. No Brasil, a
vida associativa e participativa sempre se alimentou de um sentimento
comunitarista que coube a nossos grandes criadores transformar em
expansão de nossa imaginação civilizatória.

Excluído da comunidade política, não tendo reconhecida a dignidade de


seu trabalho, o povo brasileiro refez- se através da cultura. Ali ele foi, ao
longo do tempo, republicanizando o país, cindido pela escravidão, pela
diferença social e pelo mercado. Conformou, assim, uma espécie de casa
comum dos brasileiros, para além da adscrição de raça, origem, credo,
classe, sexo ou ideologia.

Mário de Andrade já no final dos anos vinte identificou na música a


expressão de vanguarda dessa matriz civilizatória. Nos anos do
nacionalismo, o samba fez- se expressão da identidade nacional, tornando -
se irradidador do que poderíamos chamar de o contágio benigno da
fraternidade. Entre os países ocidentais, o Brasil ,junto com os EUA, é o
único país cujo mercado de consumo musical é basicamente nacional, sem
deixar de verter para uma identidade própria todo tipo de ritmos e
experiências de musicalidade do planeta.

10
É mais que provável que no próximo período, em compasso com avanços
democráticos, vivamos uma nova época de ouro da cultura brasileira tão ou
mais rica que a dos anos que precederam o golpe militar de 64.

11
Ciclo de seminários
Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

Democracia versus Guerra Civil Global


Qual é a agenda pós-Neoliberal?

Mark Ritchie
Economista

Este fórum social está voltado para três dimensões específicas do mundo
que estamos tentando criar.

Primeiro, as cidadanias individual e coletiva – nosso papel e


responsabilidades dentro do desenvolvimento humano sustentável.

Segundo, a questão sobre como produzimos e tornamos disponíveis os


produtos de que necessitamos para sobreviver – sem esquecer daqueles
com quem devemos compartilhar este planeta agora e no futuro.

Foi- me solicitado que focalizasse um terceiro aspecto, os elementos-


chave das relações – recíprocas, ou no conjunto – entre nações- estado,
instituições internacionais e povos. Minha missão específica é a de falar
sobre a nova situação e os desafios que se configuraram depois de
Cancun, especialmente à luz das crescentes ameaças de unilateralismo,
mercantilismo, nacionalismo neo- conservador e militarização.

1
O que se pode dizer no espaço de um breve paper sobre temas tão amplos
é, obviamente, limitado. Meu objetivo, nestes poucos minutos que tenho
com vocês, é simplesmente o de iniciar um debate, focalizando apenas um
dos elementos- chave da ordem internacional – o comércio e a principal
instituição de elaboração de políticas de comércio, a Organização Mundial
do Comércio (OMC). Usando a OMC como exemplo, investigarei alguns
dos pensamentos que emergiram do seio da sociedade civil sobre as
maneiras de reformular nosso sistema global de forma que tanto os
estados- nação como as agências internacionais possam nos dar um
melhor auxílio na nossa tarefa coletiva de construir um desenvolvimento
humano social, econômica, ecológica e politicamente sustentável.

Como introdução às minhas observações, permitam - me determinar qual é


a minha opinião geral sobre comércio, a Organização Mundial do
Comércio e a legislação e política de comércio como um sistema mais
amplo. Primeiramente, sou a favor do desenvolvimento e da preservação,
ao máximo possível, das culturas, das comunidades e das economias
locais. Criar e defender um alto grau de diversidade econômica, social,
cultural, artística, política e biológica é tanto uma questão básica de
direitos humanos quanto de sobrevivência humana. Minha tendência a
pensar desta forma é cada vez mais intensa, à medida que meu temor vai
aumentando diante do desconhecimento sobre os riscos relacionados à
predominância atual de um modo de vida baseada na indústria centrada
no hidrocarboneto.

Ao mesmo tempo, sou viciado em café e vivo num país cujo clima frio e
sem montanhas não é apropriado para se produzir essa droga
maravilhosa. Isto significa que preciso ser muito simpático para com as
pessoas que vivem no Brasil e em outros países produtores de café para
que eu possa suprir minha dose de cafeína diária e a um preço que eu
possa pagar. Ademais, preciso produzir alguma coisa que os produtores e

2
trabalhadores que me fornecem o café queiram em troca – do contrário,
fico na dependência da caridade alheia que pode ser, no caso dos
brasileiros, extremamente generosa mas certamente não sem limites.
Tenho de produzir ou dar como moeda de troca algo que seja econômica,
ecológica e socialmente sustentável para ambos – senão, não vai durar e
as condições serão entendidas como uma forma de exploração das
pessoas e/ou do nosso planeta.

Dado que meus objetivos se complementam – apoio ao comércio local ao


mesmo tempo em que se beneficiam da troca de produtos e serviços à
longa distância – estou sempre buscando o equilíbrio entre os dois. Um
bom exemplo deste equilíbrio, do meu ponto de vista, é o selo de
certificação de comércio justo utilizado em inúmeros produtos e
commodities, que vão desde bolas de futebol até o café. Outro exemplo é a
Convenção sobre Diversidade Biológica que determina as condições de
comércio visando a proteger nossa herança genética. Um terceiro exemplo
é a Bolsa Amazônia que promove o comércio que protege especificamente
a ecologia na bacia do rio Amazonas. O que há em comum entre cada uma
dessas disposições sobre comércio legal é um conjunto de regras de
comércio estabelecidas de comum acordo. Tenho a forte convicção que o
comércio pode e deve ser organizado de forma a promover o
desenvolvimento humano sustentável e a solução para isso seria através
do comércio de importação e exportação baseado em normas
estabelecidas que sejam monitoradas e cumpridas.

Uma vez que o comércio na sua maioria é realizado por empresas – e não
por governos – a chave para a elaboração de normas consistentes e que
num momento posterior podemos ver o cumprimento delas estaria na
combinação de forças – inclusive de negócios bem instruídos,
consumidores conscientes, governos nacionais e agências/instituições
internacionais progressistas. Dados os atuais desequilíbrios em nível
mundial em termos de poderio econômico e militar, creio que esses

3
acordos têm de ser forjados e buscados em todos os níveis e em
combinações diversas a fim de proteger o nível local e promover a
sustentabilidade econômica, ecológica e social.

Acredito que de fato saibamos como organizar o comércio para que ele
seja sustentável, mas isto não acontecerá por acidente, ou pela magia das
mãos invisíveis ou dos punhos calçados com luvas de veludo. O comércio,
como todos os outros negócios, tem de ser administrado em prol da
sustentabilidade – preços justos, lucros e salários para que cada um possa
estar contribuindo com o produto final. O comércio sustentável inclui o
crescimento contínuo em termos da produção de produtos com maior
qualidade a baixo custo para o meio ambiente e, portanto, para
consumidores e para a sociedade como um todo.

Dada esta perspectiva, como vejo a OMC e a política de comércio, no


geral, na próxima etapa?

Sou otimista quanto à próxima fase por três razões principais.

Primeiro, graças à feliz convergência de muitos fatores, inclusive pela


importante liderança do governo brasileiro, a OMC inicia um processo de
transição, passando de meramente uma extensão dos acordos neo-
coloniais pós- Segunda Guerra Mundial – onde uns poucos países ditavam
ordens à maioria – para uma nova maneira de operar que pode ajudá- la a
se tornar uma verdadeira instituição da economia internacional. A reunião
ministerial da OMC em Cancún, na minha opinião, foi a primeira vez na
história dessas conversações sobre comércio – voltando lá atrás no
passado, desde a Conferência de Havana, em 1947 –, que as negociações
sobre comércio chegaram perto de ser realmente globais. Sobre os dois
temas mais importantes que estavam em discussão, agricultura e os temas
de Cingapura propostos, cerca de 100 países do mundo em
desenvolvimento engajaram- se num debate verdadeiro e em duras

4
negociações com as meras duas dúzias de países industrializados que
compõem a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCED). Como órgão do sistema global das Nações Unidas, as
instituições que elaboram políticas de comércio historicamente têm
produzido parte do mais avançado pensamento e da retórica nessa área.
Infelizmente, na prática, nunca cumpriram sua missão progressista de
pleno emprego, justiça e processo democrático globais.

Segundo, a OMC tornou - se a instituição de economia internacional sobre a


qual a sociedade civil e cidadãos individualmente detêm mais informação e
sobre a qual suas ações de exigibilidade (advocacy) têm sido as mais
eficazes. A natureza altamente reservada e anti- democrática do GATT, a
antecessora da OMC, e as conseqüências bastante negativas sofridas por
produtores, trabalhadores e pelo meio- ambiente, resultantes das
negociações anteriores, que combinadas fizeram da OMC o alvo
provavelmente do maior movimento mundial desde a guerra do Vietnam.

Tanto através da ação direta e organizada de exigibilidade como da


participação ampliada pelo trabalho dos parlamentares, cidadãos do
mundo todo vêm contribuindo na definição de uma agenda e
influenciando no próprio processo. Somente agora estamos começando a
compreender o processo de lobby e exigibilidade mundiais e, com certeza,
somos fracos em muitos aspectos, porém dentre todas as ações de
exigibilidade cidadã em nível mundial do momento, a ação frente a OMC é
a mais avançada. As lições tiradas de outras importantes iniciativas da
cidadania mundial, como o boicote à Nestlé, o Tratado de Minas
Terrestres, e a Convenção sobre Diversidade Biológica, começam a se
fundir e amalgamar, depois de quase 20 anos de ação de exigibilidade
cidadã frente ao GATT e a OMC, para então tomar a forma de uma
estrutura de efetiva ação de exigibilidade cidadã em nível global. Essa
estrutura que está se formando não é sinônimo de democracia global, mas
ainda assim é importante.

5
A terceira razão tem a ver com a estrutura da OMC. Nela é necessário
haver consenso em muitas áreas para que as negociações possam
prosseguir e isso a torna uma instituição ideal para a construção de
acordos verdadeiramente globais – aqueles que são bons tanto para o
Norte quanto para ao Sul. A Índia esteve praticamente isolada na sua
posição quanto aos temas de Cingapura durante a reunião ministerial da
OMC realizada anteriormente em Doha, no Qatar. Em Cancún, a Índia
integrou uma enorme coalizão. O ativismo cidadão sobre essas questões
foi crucial para que os governos pudessem perceber o que estava em jogo
e compreender que havia espaço para resistir, porém esta resistência teria
sido inútil caso a Índia não tivesse se posicionado com firmeza em Doha.
Se por um lado a pressão e o desrespeito sofridos pelos países que
exercem seu direito de dizer não aos EUA e a EU ainda sejam
extremamente fortes – insuportáveis para alguns –, por outro lado, a
reunião de Cancún mostrou que alguns governos, em especial quando se
articulam numa ampla coalizão, conseguem exercer seus direitos dentro
desse modelo de consenso.

Considero Cancún um sucesso. Esse ponto de vista tem sido criticado por
alguns amigos que acreditam que Cancún foi um fracasso, uma vez que os
governos perderam a chance de avançar em algumas questões
importantes e de preocupação para o mundo em desenvolvimento. Se
Cancún se constituiu verdadeiramente num novo começo ou meramente
em outra oportunidade que se deixou escapar, somente daqui a cinco ou
dez anos será possível avaliar melhor. O importante, entretanto, é que
nós, que acreditamos no sistema multilateral, devemos tomar esse
caminho que se vê através da janela aberta em Cancún, apropriando - nos
do “momentum” que foi gerado, para avançar no desenvolvimento humano
sustentável. A História nos julgará não pelo que fizemos em Cancún, mas
pelo que fizemos de Cancún.

6
Mas o que isto significa em termos concretos para cidadãos e movimentos
sociais? Creio que existem cinco tarefas importantes à nossa frente.

Primeiro, temos de prosseguir na orientação geral de tornar as


negociações realmente globais. Isto significa dar apoio a todo e qualquer
esforço para se obter um maior engajamento de todos os países membros
da OMC numa participação ativa nos debates importantes. Isto poderá
demandar o desenvolvimento de uma relação de consultoria técnica junto
às ONGs e mesmo a realização de treinamento e elaboração de programas
e material didáticos. Por exemplo, se as políticas agrícolas do governo
federal americano tendem a ser um tema de suma importância, então o
melhor a fazer seria dar treinamento aos negociadores e seus assessores
sobre o real conteúdo e abrangência dessas políticas, do que ter uma
retórica sobre política agrícola vazia e desprovida de instrução que tão
freqüentemente ouvimos tanto da parte das ONGs quanto da parte dos
governos.

Segundo, temos de ampliar de forma significativa nossos esforços junto às


pessoas e às organizações buscando elevar o nível de conscientização,
análise crítica e capacidade de desenvolver propostas alternativas. Em
alguns setores, como o da agricultura, há muitas pessoas que já estão
capacitadas nesses aspectos, entretanto é preciso um trabalho anterior
com elas para que possam efetivamente produzir algo inovador e realizar
ações de exigibilidade em arenas globais. Isso tem de ser buscado em
todos os níveis – na base (p.ex.: junto a cada grupo formados nas igrejas)
e na mídia de massa –, utilizando todos os meios disponíveis. Trazer mais
dos nossos representantes, democraticamente eleitos, especialmente os
parlamentares, para dentro do processo de elaboração de políticas de
comércio também faz parte desse esforço. A presença em Cancún, pela
primeira fez, de um grande número de parlamentares federais e estaduais,
bem preparados, talvez tenha tido mais impacto no resultado das reuniões
do que a presença das ONGs.

7
Terceiro, precisamos usar este momento na história da OMC – onde parece
haver uma abertura para um novo pensamento e para a reformulação – e
pressionar por reformas estruturais no modo de operação dessa
instituição. Por exemplo, uma boa maneira de começar seria através de um
processo de revisão, aberto e público, dos potenciais candidatos ao cargo
de Diretor Geral, e do estabelecimento de normas de procedimento de
negociação que fossem monitoradas e cumpridas. A metodologia usada na
realização das sessões de negociação – “informalidade”, participação
limitada de representantes e inexistência de documentação sobre as
posições tomadas pelos negociadores – tornam o processo de negociação
não transparente. Essa situação pode ser revertida executando - se
reformas no procedimento, tais como as que foram propostas por países
membros antes de Cancún.

Quarto, precisamos esclarecer qual o papel de uma gama de instituições


regionais e globais em relação à política de comércio e dar um sentido a
esse grupo de instituições. Por exemplo, a maioria dos assuntos
“explosivos” levantados pelos governos do Terceiro Mundo em Cancún,
como os problemas desastrosos enfrentados pelos produtores de café e
algodão no mundo em desenvolvimento, são questões relacionadas a
commodities que normalmente seriam tratadas no âmbito da Conferência
das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). A
propósito, a 11 a. Conferência Ministerial da UNCTAD será realizada em São
Paulo, em junho do próximo ano. Um dos principais focos dessa reunião
tratará do aspecto do suprimento no comércio. Em todo o globo há muitas
pessoas sérias, inclusive líderes conservadores como o ex- primeiro
ministro canadense, Brian Mulroney, pedindo por uma Segunda
Conferência de São Francisco, numa alusão à fundação das Nações Unidas
em São Francisco há quase 60 anos atrás. O secretário geral da ONU, Kofi
Annan, já pôs em andamento uma ampla revisão do sistema das Nações

8
Unidas que poderia formar a base de uma séria reforma de todo o sistema
de Bretton Woods.

Quinto, precisamos atacar alguns problemas globais mais prementes, os


quais os governos parecem incapazes de tratar no momento. Por exemplo,
a persistência dos baixos preços globais para o algodão, café e outras
commodities continuam sendo um entrave ao comércio e ao
desenvolvimento sustentáveis. A natureza dramática das intervenções dos
governos da África Ocidental, que se encontram perigosamente
dependentes dos preços mundiais para o algodão, que não têm controle
sobre coisa alguma, foi um dos pontos culminantes da reunião de Cancún.
Pequenos produtores dos estados mexicanos de Chiapas e Oaxaca falaram
com eloqüência sobre a situação desesperadora dos cafeicultores do
mundo inteiro. Temos experiência suficiente e somos capazes de
apresentar soluções concretas que podem ser implantadas com ou sem
apoio governamental.

Estes e outros assuntos

Se eu estiver correto, então a OMC entrou num processo de mudança de


composição e enfoque, distanciando- se do papel de ser apenas uma via
por onde os EUA e a EU impõem seus acordos e aproxima - se de um lugar
onde as políticas de comércio são avaliadas e negociadas em termos do
seu alcance para concretizar metas de desenvolvimento.

Há dezenas de questões que emergiram antes e durante Cancún que


exigem propostas concretas e campanhas mundiais para que sejam
implementadas. O que está faltando é a constituição de um processo
global de apropriação das melhores idéias que estão aí borbulhando e
transformá- las em propostas concretas, e talvez competitivas. Estas,
depois, vão passar pelos vários canais e processos nos níveis da
sociedade, do comércio e dos governos para constituir um consenso

9
global. Com o surgimento do Fórum Social Mundial estamos começando a
caminhar em direção a um processo de produção de consenso no âmbito
da sociedade, o que cria a perspectiva real de algum dia irmos em direção
a um verdadeiro processo global.

Entretanto, a minha interpretação otimista dos resultados da reunião


ministerial de Cancún e a oportunidade de termos um avanço no nível
global, ao que se pode denominar Momento Cancún, não é a única
interpretação. Aqueles que preferem o unilateralismo, o mercantilismo, e o
uso da força sobre o cumprimento da lei, estão tirando outras lições de
Cancún.

Dentro dos EUA, existem quatro grandes classificações das visões sobre o
papel do comércio na política externa. Primeiro, há aqueles que estão no
poder e aprovam o unilateralismo como a forma mais eficiente e efetiva de
exercer o poder americano para manter o acesso privilegiado a matérias
primas, mercados e pontos estratégicos para o posicionamento avançado
de forças militares. Há inúmeros congressistas e altos funcionários da
Casa Branca que retirariam os EUA das Nações Unidas e da Organização
Mundial do Comércio imediatamente, se pudessem fazê- lo impunemente.

Num segundo grupo estão aqueles que acreditam que a forma mais
eficiente de manter os EUA no poderio mundial é manifestando este poder
através do multilateralismo e através de instituições globais, como o
sistema das Nações Unidas, que inclui a OMC. Uma vez que acredito que
os recursos mundiais precisam ser compartilhados de forma mais
eqüitativa e que isso requer uma redefinição do atual equilíbrio de forças
no mundo, não aceito essa suposição de que o sistema multilateral deva
ser usado para manter o status quo. No entanto, acredito que possa me
articular com pessoas que vêem nesse pensamento a perspectiva de
formar alianças táticas.

10
Um terceiro e grande grupo de pessoas, e me incluo nele, acredita na
cooperação mundial e no multilateralismo como um meio de alcançar o
desenvolvimento sustentável, os direitos humanos, a justiça e a igualdade.
Isto nos coloca numa posição difícil às vezes, já que nos encontramos
pelejando tanto contra os unilateralistas, que substituiriam o sistema
global seguindo as ordens de Washington, como contra aqueles que
apóiam o multilateralismo, mas que o fazem principalmente para
preservar esse inaceitável status quo.

Este é um dilema terrível para nós que acreditamos firmemente no


multilateralismo e na cooperação mundial. Isto nos obriga a fazer duras
críticas às muitas das ações praticadas por estas instituições quando
percebemos que sua principal motivação está no desejo de manter o status
quo. Todavia, nossa crítica deve ser encaminhada de tal forma a nos
distinguir dos ataques feitos à ONU e a OMC com o propósito de destruir
totalmente a idéia de um sistema internacional. Temos de deixar claro que
apoiamos o sistema mundial, porém não apoiamos muitas das ações
perpetradas por importantes instituições. Nossa crítica deve vir
acompanhada de sugestões de reformas que fortaleçam o sistema como
um todo, ao invés de enfraquecê- lo.

Um elemento - chave dessa corrente de pensamento é o desenvolvimento


de idéias sobre as formas de reduzir o poder ou o escopo de instituições
globais que tenham extrapolado seus mandatos ou competências, ou que
sejam obviamente incapazes de liderar. Importantes demandas vindas das
muitas vozes críticas à globalização demonstram a necessidade de
reforma radical, inclusive propostas feitas por governos do tipo
“Enxugamento ou Encerramento”, referindo - se ao escopo da OMC. Uma
demanda conseqüente dessa posição é a do movimento global de
produtores exigindo a “Retirada da OMC da Agricultura”, como uma forma
de resolver as muitas injustiças e problemas relacionados à segurança
alimentar que são, em parte, resultantes do atual Acordo Agrícola da OMC.

11
Há um quarto ponto de vista compartilhado por muitos amigos e aliados
que acreditam que as instituições estão tão cooptadas por interesses
especiais e tão comprometidas por manobras da guerra fria há cinqüenta
anos, e outros elementos da luta geopolítica global, que muitas
instituições globais devem simplesmente ser fechadas. Esta visão também
é compartilhada por alguns dos fundadores das principais instituições
globais.

Há dez anos atrás, minha organização reuniu os fundadores das


instituições de Bretton Woods qua ainda estão vivos, para discutir sobre o
que desejavam e o que pensavam do qüinquagésimo aniversário de
fundação do Banco Mundial e do FMI. Acompanhei várias dessas
discussões noite adentro, onde alguns desses fundadores debatiam entre
si sobre qual dessas instituições teriam se desviado em muito de sua
missão original e qual deveria ser fechada primeiro. A veemência de suas
críticas e a urgência com que manifestavam a necessidade de reforma
fundamental, ou de extinção dessas duas instituições, eram muito mais
fortes do que as que ouvi no Fórum Social Mundial ou em outros
encontros.

Existe o grande perigo de que a terceira e quarta correntes – e mais as


nossas duras críticas às muitas ações realizadas pelo sistema multilateral –
sejam utilizadas por alguns integrantes da administração Bush para
incrementar a contínua retirada dos EUA das questões globais e promover
a agenda unilateralista. Acredito que encontros como os fóruns sociais
tenham um papel vital na garantia de que nossas críticas não sejam
apropriadas e usadas para destruir o sistema no seu todo.

Qual deveria ser o perfil da Agenda Pós-Neoliberal / Neo-Conservadora?

12
Enquanto muitas das normas globais, supervisionadas pela OMC, foram
negociadas numa época onde a agenda neoliberal era preeminente, agora
estamos numa nova era – num tempo onde a agenda neo- conservadora
dos assuntos externos e militares está casada com políticas neo- liberais
para os assuntos de negócios e da economia. Enquanto os efeitos
desastrosos dela podem ser vistos em cada lugarejo do planeta, as
chances de mudança como resultado desse casamento arrasador são
igualmente dramáticas. Eu argumentaria que sem os resultados cruéis da
sinergia entre comércio e o militarismo neo- conservadores, a articulação
entre o governo brasileiro e o G- 20 em Cancún não teria sido possível. A
combinação entre a perpetuação de políticas de comércio mercantilistas
(você tem de comprar conosco, mas nós evitaremos comprar de você, ou
se possível não vamos comprar nada) e “hegemonia global”, através de
uma política externa militarizada, criou uma situação política quase
insustentável para os EUA.

Enfraqueceu a parceria entre os EUA e Europa de forma drástica –


impossibilitou que formassem um front sólido em Cancún. Significou que
os EUA ignoraram os apelos desesperados de países sem recursos, como
as nações dependentes do comércio do algodão na África Ocidental, que
deixaram perfeitamente claro que, sem uma flexibilização, eles não teriam
razão para negociar nada. Em cima dessas questões específicas de política
havia também a arrogância e a cegueira decorrentes da motivação
ideológica. Muitos integrantes da delegação americana, tanto do governo
quanto do setor empresarial, ficaram bastante satisfeitos com o resultado
de Cancún. Viram ali a oportunidade para colher argumentos em favor de
sua causa pelo futuro abandono do processo multilateral e pelo uso das
negociações bilaterais e regionais, como a ALCA, como o espaço onde os
EUA podem obter tudo o que querem sem ter de fazer concessões, além
das promessas de que se empenharão ao máximo.

13
Talvez o que vou dizer seja excessivamente otimista, mas meu palpite é
de que temos a chance de desbancar os domínios tanto neoliberal quanto
neo- conservador exatamente porque estão evidentes agora. Até há pouco
tempo, a separação entre essas agendas – por exemplo, na administração
anterior – tornava quase impossível reunir forças tanto dentro quanto fora
dos EUA para se criar um autêntico desafio a qualquer uma dessas duas
forças. Hoje, porém, podemos comemorar o início da verdadeira
negociação do comércio no âmbito da OMC – graças em grande parte aos
esforços empreendidos pelo Brasil e o G- 20 em Cancún – e agora
estaremos nos ocupando de um debate concreto no nível global sobre o
papel das Nações Unidas, da força militar e do unilateralismo.

Talvez, tão importante quanto ter alçado essas questões ao nível global
seja, ao mesmo tempo, ver a projeção delas dento dos Estados Unidos.
Não vou me atrever a fazer uma crítica de todos os pormenores desse
extenso debate hoje, mas permitam - me dizer que em toda a minha vida
nunca vi uma época de maior perigo político nos EUA – e isso inclui o de
Richard Nixon e outros – e nunca houve um momento de maior debate
público sobre o papel do governo nos assuntos internos e externos, e o
papel dos EUA especificamente nas questões globais. Como nação, fomos
partidos ao meio sobre a guerra mantida pela administração Bush contra o
Iraque e continuamos profundamente divididos hoje. O importante,
entretanto, não são os números das pesquisas sobre a política de guerra,
mas o nível, a profundidade e o escopo do debate em que estamos
engajados. Grande parte da sociedade – muito, muito mais do que jamais
possa me lembrar – está engajada na discussão de questões importantes
sobre economia, comércio, direitos humanos, guerra e paz. Esse debate se
intensificará à medida que entrarmos nas próximas eleições.

Nossa agenda política externa e interna depois do neoliberalismo e neo-


conservadorismo tem de ser um retorno à democracia e prevalência da lei.
E temos de dar uma ênfase especial à garantia de que estamos todos,

14
através de procedimentos democráticos e dos direitos humanos, aptos a
participar da criação de leis que nos governarão.

Vivo em um país onde as questões de raça são o elemento definidor da


vida pública. Até hoje, apesar de anos de trabalho com afinco, sacrifício, e
grandes avanços, uma raça, e grande parte da classe governante pertence
a essa raça, elabora a maioria das leis que outros devem obedecer.
Sabemos que o governo da elite pela elite não funciona na realidade nos
níveis local e nacional. Não é difícil de adivinhar que no nível global fariam
o mesmo. Uns poucos elaborando leis, como insignificantes instrumentos
de governança, em benefício de si mesmos. A agenda pós- neoliberal é a
democracia em todos os níveis – os detalhes ficam por conta daqueles que
virão depois de nós. Porém se, e somente se, tivermos êxito em suplantar
o domínio desses poucos, que é imposto com armas de destruição em
massa e podem ser usadas contra os muitos. Até que de fato suplantemos
esta elite e sua forma de governança aterradora, continuaremos todos a
ser aterrorizados pela guerra civil em escala global.

Devemos rechaçar qualquer opção que nos faça rolar ladeira abaixo em
direção à guerra civil. É um futuro demasiado terrível para se imaginar.
Devemos contrapô- la tomando o caminho da democracia, reiteradamente
defendida através da não- violência. Esta tem de ser a nossa agenda pós-
neoliberal e neo- conservadora.

Nove anos atrás, reunimos os fundadores da maioria das instituições


criadas depois da II Guerra Mundial – incluindo ONU, FAO, Declaração
Universal dos Direitos do Homem, e de todas as agências de Bretton
Woods, como o Banco Mundial e o FMI. O motivo do encontro era o 50º
aniversário da Conferência de Bretton Woods. Aprendi muitas coisas
naquele encontro, mas sem termos de comparação, a mais importante
lição foi quando insistiram firmemente em dizer que a fundação desse
sistema deu- se principalmente e acima de tudo numa tentativa

15
desesperada de encontrar um caminho para a Paz Mundial e assegurar a
justiça econômica, social e política. Precisamos retomar esse foco
primordial – este é o momento de maior abertura, mas não vai durar
muito. Esse futuro democrático, porém, não nos será entregue nas mãos.
Teremos de trabalhar dia e noite para superar aqueles que escolheram a
guerra civil mundial ou como forma de defender seus privilégios, ou como
forma de resistência à exploração.

Talvez a agenda pós- neoliberal para muitos de nós seja rigorosamente a


mesma de antes. Devemos continuar a usar a não- violência assertiva e
mesmo agressiva na luta pela segurança, sustentabilidade, e por um
sentido de comunidade dentro de um contexto global. Devemos ser
contrários à guerra civil nos níveis local, nacional e global através da luta
pela contínua expansão da democracia e dos direitos humanos dentro da
arena internacional.

A democracia em todos os níveis – no local de trabalho, em nossas cidades


e nações, na arena global – deverá ser ganha, depois ganha de novo, e
depois novamente ganha outra vez.

Devemos fazer isso por nós mesmo e por outros que nunca
conheceremos.

Devemos fazer isto pelo hoje e por eras que jamais veremos.

16
Ciclo de seminários
Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

O imperativo do pleno emprego no Brasil contemporâneo

J. Carlos de Assis
Economista

Gostaria de abordar o tema deste painel na perspectiva do exercício da


liberdade. Liberdade, essencialmente, como direito de escolha. Foi
proposta a discussão de um novo modo de produção e de consumo de
massas. Supõe- se talvez que tenhamos esgotado, no capitalismo, algum
padrão único de produção e consumo que seria único, e que devamos
procurar uma alternativa, ou eventualmente valorizar alternativas já
existentes. É este, pelo menos em parte, o pressuposto latente da proposta
dos organizadores.

Vou cometer uma pequena descortesia, de uma forma muito fraterna, aos
que me convidaram para este seminário. Não vou falar das escolhas ou das
alternativas, mesmo porque não sou um especialista no assunto. Vou falar
das condições objetivas para que as escolhas mencionadas, qualquer delas,
possam ser feitas. Não é uma fuga completa do tema, porque outros itens

1
– na realidade, todos os demais itens da ementa que me deram – serão
abordados. Mas é a questão das condições de escolha que me interessa
focar centralmente.

Para se escolher com liberdade um outro modo de produção e consumo é


preciso ter acesso, pelo menos em tese, ao modo de produção e consumo
dominante. Do contrário, não se estará fazendo uma escolha real. Muito
provavelmente, se estará seguindo uma das muitas estratégias de
sobrevivência a que milhares, na verdade milhões de brasileiros, de latino-
americanos e de marginalizados de outros países procuram trilhar por
imperativo das circunstâncias sociais e econômicas. Isto, insista- se, não é
escolha. Nem liberdade.

As circunstâncias que estão produzindo e reproduzindo o fenômeno de


marginalização em massa nos nossos países não são uma característica
intrínseca do capitalismo. São uma característica intrínseca, sim, do
liberalismo. O capitalismo é um modo de produção relativamente flexível.
A Europa do Norte é capitalista, os Estados Unidos são capitalistas, o Japão
é capitalista, a China avança segundo o modelo de produção capitalista.
Ninguém dirá, obviamente, que o modo de vida e mesmo a busca
individual de felicidade sejam nestes países exatamente iguais. Poucos
ignoram que estes países vivem ou viveram em algum momento situações
de virtual pleno emprego.

O capitalismo é uma categoria econômica. O liberalismo econômico – para


o distinguir do liberalismo político, que é outra coisa – é uma categoria
política. É o liberalismo econômico, na sua radicalização na defesa do
primado absoluto da propriedade privada, que torna o capitalismo um
modo de produção anti- social e um coveiro da liberdade de escolha. Pois o
supremo ato de propotência liberal consiste exatamente em privar

2
desnecessariamente milhões de pessoas do trabalho remunerado, pelo que
a maioria delas não têm escolhas reais a fazer, a não ser a busca
desesperada da sobrevivêncica.

O desemprego em massa tem sido, nas duas últimas décadas, um


instrumento deliberado de política fiscal e monetária para assegurar
estabilidade financeira e de câmbio, de uma forma “amigável” para os
especuladores financeiros planetários. No tempo de Marx, falava- se em
exército industrial de reserva. Era considerado, porém, um fenômeno
conjuntural do ciclo capitalista determinado pela concorrência tecnológica.
Do fim dos anos 70 para cá, tornou - se crônico, e aceito politicamente
como tal, desde a Europa (exceto do Norte) até a América Latina, para não
mencionar a África e outros países do Oriente.

Os ideólogos do capitalismo liberal, tendo os economistas vulgares à


frente, cunharam a expressão desemprego estrutural como uma fatalidade
permanente, diante da qual todos, inclusive o mundo político, deveriam se
acomodar. Aqui entre nós, acadêmicos pouco escrupulosos inventaram a
expressão “crise de empregabilidade”, pela qual atribuíram a culpa pelo
desemprego aos próprios desempregados. Não vou perder tempo com a
refutação dessas sandices: o desempenho norte- americano dos anos 90
mostrou que o capitalismo de ponta não precisava ter crise de desemprego
mesmo com grandes avanços tecnológicos. E candidatos com curso
superior completo na fila de 131 mil pretendentes a uma das 800 vagas de
gari da Comlurb no Rio de Janeiro, no segundo trimestre deste ano,
evidenciaram a falácia da “empregabilidade”.

A crise de desemprego por que passa a América Latina e, com menos


intensidade, os países industrializados da Europa Continental é
consequência direta da política macroeconômica ditada pela ressurgência

3
liberal nos anos 80. Ela só tem um paralelo na história: a Grande
Depressão dos anos 30. Também na Grande Depressão a prolongação da
crise de desemprego depois do crash da bolsa de Nova Iorque resultou de
políticas liberais, exatamente as mesmas que nos recomendam agora,
baseadas no que chamam de “austeridade” fiscal e “finanças saudáveis”.
Por uma estratégia de marketing, chamam agora o velho liberalismo de
neoliberalismo. É essencialmente a mesma coisa, com os mesmos
resultados.

No caso brasileiro, por ainda não sermos industrializados, a Depressão dos


anos 30 nos atingiu apenas marginalmente, via queda do mercado de café.
Já a crise atual nos atinge em cheio. Em 2000, pelos resultados do Censo,
o desemprego no país todo atingia 15,04% da força de trabalho. Os dados
mais recentes de amostras do IBGE dão conta de uma taxa de desemprego
aberta de 13% nas seis maiores metrópoles, seguida de perto por uma taxa
de 13,5% de ocupados com remuneração inferior a um salário mínimo. Já
as taxas do DIEESE apontam desemprego de 20% em São Paulo e de quase
30% em Salvador e no Recife. É uma situação que pode caracterizar- se
como depressão profunda.

Para se ter uma base de comparação, o pico do desemprego nos anos 30


nos Estados Unidos e na Alemanha foi 26%. Tratava- se então, como se
trata agora, de uma tragédia social. Por trás do emprego vem o
subemprego, por trás do subemprego a marginalidade, por trás da
marginalidade o aumento da violência, a perda da auto- estima, a
marginalização, o fim da liberdade. E a revolta. É justamente aí que mora o
perigo, mas é também aí que mora a salvação. Pois a revolta, sem
condução política coerente, não vai além das sublevações. Entretanto, ela
também pode ter direção política bem definida, no rumo da regeneração e
da prosperidade. É a isso que voltarei mais adiante.

4
Nos anos 20 e 30, que assinalam a primeira grande crise do capitalismo
numa situação de cidadania ampliada – onde pobres, trabalhadores e
mulheres passaram a participar plenamente do corpo político via direito de
voto e de ser votado - , abriram- se, diante da grave crise social, quatro
alternativas de projeto nacional: o fascismo italiano (o desemprego na Itália
já era excessivamente alto nos anos 20), o nazismo alemão, a social-
democracia sueca e o New Deal norte- americano. Os dois primeiros,
embora bem sucedidos no campo do combate ao desemprego,
degeneraram em guerra; o último, junto com o modelo sueco, definiria o
perfil das sociedades industriais no pós- guerra.

O New Deal, no próprio coração do sistema capitalista, foi uma revolução


política sem precedentes. Contrapôs ao capitalismo liberal o capitalismo
regulado, e ao liberalismo econômico a democracia social. O êxito do New
Deal se projetou sobre o quarto de século do pós- guerra no mundo
industrializado, caracterizado como a era do ouro do capitalismo. Era de
ouro não apenas por conta do tremendo desenvolvimento tecnológico,
mas, sobretudo, em razão da notável afluência social. O desemprego
praticamente desapareceu e a prosperidade avançou rapidamente nos
países industrializados avançados. Entretanto, foi justamente este êxito
espetacular que está na origem da contra- revolução liberal.

Na economia, os anos da idade de ouro caracterizaram- se pela aplicação


de políticas keynesianas expansivas, baseadas no crédito generoso e
barato para a produção, e no gasto público, inclusive deficitário, para
melhorar e ampliar os serviços públicos básicos e a infra- estrutura
econômica. Nós próprios, no Brasil e na América Latina, participamos na
margem desse processo, através das chamadas políticas
desenvolvimentistas iniciadas por Vargas. Foram políticas visionárias, que

5
lançaram os alicerces de nossa industrialização, mas que ficaram a meio
caminho no campo social, por razões, a meu ver, políticas.

O mundo industrializado convergiu, com diferenças apenas de grau, para


um projeto comum de sociedade de bem estar, solidária, com a coesão
interna mantida pela situação real ou virtual de pleno emprego. Era o
único projeto compatível com a realidade política de cidadania ampliada.
Como ficara demonstrado nos anos 30, teria sido impossível manter a
estabilidade política num quadro em que a maioria do corpo político era
vítima direta ou indireta de uma taxa alta de desemprego, de subemprego
e de marginalização. Nós, contudo, marchamos na direção inversa: antes
de nos defrontarmos com as demandas da cidadania ampliada, limitamos,
manipulamos ou cerceamos a liberdade política e os direitos de cidadania.
Nesse sentido, não fizemos a revolução da sociedade do bem estar porque
a própria sociedade não tinha meios políticos de demandá- la.

Disso já fora um prenúncio a reação brasileira à crise do café, o mais


notável efeito da Grande Depressão sobre a economia brasileira. A queima
dos estoques determinada por Vargas foi uma típica medida keynesiana
avant la lettre (Keynes ainda não havia escrito a sua “Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda”). Em termos econômicos, era um expediente
inteiramente defensável de se proteger a demanda efetiva e o emprego.
Contudo, a força política que estava por trás da decisão não foram
naturalmente os trabalhadores urbanos e rurais do café, cuja maioria
sequer votava, mas a oligarquia cafeeira que participava do condomínio do
poder.

Se fizemos a industrialização, sem que o desenvolvimento social a


acompanhasse, foi porque tínhamos um corpo político dissociado do corpo
social. Na medida em que o corpo político foi- se ampliando, incorporando

6
pobres, trabalhadores, mulheres, as classes dominantes tiveram que ceder
de alguma forma às demandas da sociedade. Os conservadores,
tradicionais donos do condomínio do poder, burlaram por todas as formas,
inclusive pelo recurso a ditaduras, as demandas sociais crescentes, sendo
que os seus intelectuais orgânicos sempre tentaram desqualificar estas
últimas como populismo.

Foi pelo atraso político – isto é, pela negação da cidadania a uma grande
parte da população não proprietária – que nos marginalizamos, assim
como foi pelo avanço político rumo à cidadania ampliada que os países
industrializados convergiram para uma sociedade do bem estar. É claro
que estávamos todos, industrializados ou não, no contexto da Guerra Fria,
e isso teve influência considerável no processo. Só que, nos países
industrializados avançados, o progresso social foi uma resposta ao perigo
vermelho, enquanto, entre nós, o perigo vermelho foi o pretexto para a
reincidência no atraso político e no autoritarismo.

A derrocada do autoritarismo em toda a América Latina abriu novas


perspectivas políticas e econômicas para nossos povos a partir dos anos
80. No Brasil, tivemos uma experiência singular de democratização
pacífica, confirmada pela Constituição- cidadã de 88, que consagrou entre
nós a cidadania ampliada. De fato, reconhecemos o direito de voto do
analfabeto – ainda uma parte considerável da população não proprietária –
e até a menores acima de 16 anos. Hoje, a população maior de idade
coincide com o corpo político virtual. E a história política brasileira das
últimas duas décadas é um testemunho eloquente da força da cidadania
em influir nos processos de poder, que se manifestou tanto na eleição de
presidentes contra as classes dominantes, quanto na destituição de um
presidente que traiu o mandato popular.

7
Entretanto, continuamos um país atrasado socialmente. E são nossas
condições sociológicas, mais que as condições econômicas, que nos
diferenciam dos países industrializados avançados. É que, na economia,
construímos alguns espaços de modernidade que se articulam através da
globalização com os espaços mais avançados do Primeiro Mundo.
Constituiu - se assim uma mesma rede de relações de dominação que
mantém estrito controle sobre o sistema econômico interno, levado a se
atrelar, dos anos 80 para cá, às formas mais especulativas do capitalismo
monetário e financeiro, responsável último pelas políticas fiscais e
monetárias que generalizaram o desemprego e o subemprego tanto em
alguns dos países industrializados quanto em quase toda a América Latina.

Entretanto, nosso desemprego não é da mesma natureza do desemprego


numa economia de bem estar social. Países como Alemanha, França, Itália
e Espanha, os mais populosos da Europa Ocidental, exibem taxas médias
de desemprego de 10%, o que é extremamente elevado para seus padrões
históricos. São, por outro lado, nações de cidadania ampliada, que criaram
nas últimas décadas uma forte tradição de democracia política e social. A
pergunta que se faz é: Como essas sociedades toleram taxas de
desemprego tão elevadas, por tanto tempo?

A resposta mais superficial é que não toleram. As eleições européias,


desde os anos 80, mas sobretudo a partir dos 90, têm revelado uma
frenética troca de partidos no poder, independentemente de coloração
ideológica, o que indica uma clara insatisfação com o poder político
incumbente, qualquer que seja. Mas há uma razão de fundo, de natureza
sociológica. O declínio da Idade do Ouro do capitalismo coincide com o fim
do acordo de Bretton Woods, que garantia a estabilidade monetária
internacional, e com o início de um processo inflacionário renitente em
escala planetária – exceto no bloco socialista. A instabilidade inflacionária e

8
monetária criou o ambiente de cassino nas relações financeiras
internacionais, e os donos do cassino, para atender a sua clientela,
passaram a propor um tipo de estabilidade que preservasse o jogo.

As políticas keynesianas de expansão fiscal e monetária, de notória eficácia


para reverter uma recessão e garantir o pleno emprego, verificaram - se
impraticáveis para o controle da inflação. Por outro lado, como
consequência de seu próprio êxito, moldaram uma sociedade de classes
médias afluentes, despreocupadas com o desemprego (havia se perdido a
memória dos anos 30) e incomodada pela inflação, que corroía sua renda e
seus ativos financeiros acumulados. Em uma palavra, inverteu- se a
motivação da maioria do corpo político nos países industrializados: antes,
ela queria proteção social e garantia de emprego; agora, tendo- se tornado
afluente, passou a reivindicar estabilidade financeira, demanda de que logo
se apropriaram os ideólogos liberais.

Sem a rememoração desses processos seria incompreensível a eleição de


Margareth Thatcher na Grã- Bretanha e de Helmut Kohl na Alemanha.
Thatcher, antes de Reagan, simboliza o grande momento inicial da contra-
revolução keynesiana. Mais sofisticada intelectualmente que o presidente
norte- americano, ela recolheu os destroços do velho liberalismo e os
remontou numa doutrina coerente de suposta modernidade, ancorada no
primado da iniciativa privada e na liberdade irrestrita dos mercados, em
confronto não apenas com o socialismo moribundo mas com a própria
social democracia européia.

É evidente que a classe dirigente de uma antiga potência industrial


decadente, nas bordas da Europa, não teria como formular a ideologia do
mundo industrializado e exportá- la para a periferia, não fosse por sua
associação com Reagan, alimentada por motivações idênticas. Neste caso,

9
porém, ficamos diante desses casos singulares da história em que a
potência hegemônica absorve uma ideologia, pratica uma outra e exporta,
através de seus mecanismos de influência, principalmente o crédito, uma
terceira.

É justamente isso o que foi o Governo Reagan: um missionário do


liberalismo retórico, fazendo gigantescos déficits fiscais na melhor tradição
keynesiana, e impondo ao resto do mundo, através das agências
multilaterais que controla, o FMI e o Banco Mundial, as políticas fiscais e
monetária mais restritivas de que se tem notícia. A União Européia, ao
contrário, alinhou - se fielmente ao neoliberalismo: pelo Tratado de
Maastricht impôs aos países membros tremendas restrições fiscais (déficit
orçamentário máximo de 3% do PIB, dívida pública máxima de 60% do PIB)
e, através do Banco Central Europeu, restringiu extremamente a política
monetária – de forma que, nem pela política fiscal, nem pela política
monetária, qualquer país da União pode fazer hoje políticas anti- cíclicas de
pleno emprego. (Contudo, Alemanha e França já avisaram que vão romper
os limites do déficit.)

Não se pode perder de vista, porém, as condições sociológicas diversas


dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Nesta última, a sociedade do
bem estar avançou muito mais que na América. Por isso, a sociedade
americana tolera menos o desemprego que a sociedade européia, onde a
proteção ao desemprego é muito mais abrangente. O fato realmente
extraordinário dessas últimas duas décadas não são as ambigüidades
políticas das nações do Centro do sistema capitalista, mas a forma
subalterna como as nações da periferia, com a Argentina e o Brasil à frente,
aceitaram alinhar sua economia a um modelo em total contradição com a
sua realidade sociológica.

10
E aqui, depois dessa longa volta, regressamos ao ponto inicial: como pode
a sociedade brasileira, que não é uma sociedade de bem estar, e cuja
maioria do corpo político não é formada por afluentes, mas por miseráveis,
acatar uma doutrina econômica e incorporá- la na política cotidiana quando
isso implica tolerar taxas de desemprego de 20% e até 30% em algumas
metrópoles?

Não há uma resposta simples para esta pergunta, sobretudo porque não há
uma classificação simples da sociedade brasileira. A extrema
heterogeneidade, recoberta por um dos mais elevados índices de
concentração de renda e de riqueza do mundo, reflete- se necessariamente
numa grande ambigüidade no corpo político, ideologicamente dominado
pelas classes afluentes. Mesmo assim, é um equívoco supor que os
resultados das quatro últimas eleições presidenciais tenha sido produto de
manipulação. Os candidatos vitoriosos, sem exceção, se apresentaram
como portadores de mudanças que eram objetivamente reclamadas pela
maioria do eleitorado.

Numa época em que a inflação atingia sobretudo as classes baixas, não


protegidas pela moeda indexada, Collor não se apresentou como o
campeão do neoliberalismo, o que acabou sendo, mas como o único capaz
de liquidar a inflação. Não conseguiu, nem poderia conseguir com seu
plano maluco, e acabou posto para fora. Itamar, no seu curto mandato,
percebeu que sairia como um fracassado se não vencesse a inflação. Deu a
Fernando Henrique a oportunidade de acabar com ela e, com isso, eleger-
se. A vitória contra a inflação de décadas rendeu a Fernando Henrique não
uma, mas duas eleições. Não conseguiu, porém, fazer o sucessor. E não
conseguiu porque incorporou, com o neoliberalismo, a indiferença em
relação ao desemprego, que recrudesceu a partir de 99. Lula pareceu ao
povo mais confiável neste terreno do que o candidato oficial.

11
O que acontecerá com o governo Lula se não conseguir reverter o
desemprego? Escrevi recentemente um ensaio, que está no site do
Movimento Desemprego Zero, sustentando que Lula está entre a alternativa
de manter a estabilidade financeira à custa do agravamento do quadro
social, ou de enfrentar a crise social impondo uma mudança nas regras da
economia financeira. É uma decisão de economia política, não
simplesmente de política econômica. Alguém terá de perder, não em
termos de estoques de riqueza, mas de expectativas de ganhos
especulativos, para que possamos enfrentar a crise social a partir do
revigoramento do sistema produtivo pela retomada do desenvolvimento e
do emprego.

Na verdade, nosso desafio é refazer o caminho percorrido por Roosevelt no


New Deal: deslocar o eixo de acumulação capitalista do sistema monetário
especulativo para o sistema produtivo. O neoliberalismo foi o caminho
inverso: desestruturou os sistemas produtivos seguindo sucessivamente
pela liberação cambial, pela liberação monetária e financeira, e pela
completa liberalização comercial. Quer continuar avançando, criando uma
constituição de liberdade ampla para os investimentos, as patentes, as
compras governamentais, ou impondo o acordo assimétrico da Alca, numa
verdadeira marcha forçada sobre empresas e empregos dos países do
Terceiro Mundo, os quais, como nós, estão regredindo à situação de
primário - exportadores e povoando nossas metrópoles e nossas zonas
rurais de mais desempregados e subempregados.

Para confrontar com eficácia essas políticas, não podemos nos limitar a
criticá- las. Temos que apontar alternativas. Foi este o sentido do Manifesto
dos Economistas, que lançamos em junho último. E é este o sentido do
Movimento Desemprego Zero – Por uma Política de Promoção do Pleno

12
Emprego no Brasil, reunindo vários movimentos sociais e com um portal na
Internet (www.desempregozero.org.br) . Para ter êxito, qualquer proposta
alternativa deve estar colada à realidade sociológica. E como a realidade
sociológica que nos caracteriza é a realidade do desemprego generalizado,
inspiramos nossa proposta no New Deal dos anos 30, o grande plano de
Roosevelt que reverteu a Grande Depressão.

O Movimento Desemprego Zero não é uma iniciativa de gerar empregos de


um ponto de vista microeconômico. Isso, como dito acima, corresponde a
estratégias de sobrevivência que temos de respeitar, seja na forma de
camelôs ou perueiros, de vendedores ambulantes ou sacoleiros, de
pequenos artesãos a coletadores de lixo. Entretanto, não pode se constituir
num projeto de sociedade. O Movimento Desemprego Zero é uma proposta
política. A política de pleno emprego, num plano mais geral, é um projeto
de sociedade solidária, politicamente coesa, um ponto intermediário para o
socialismo democrático.

Tecnicamente, no plano econômico, a política de pleno emprego pode ser


resumida em três pontos: (i) aumento do dispêndio público, via redução ou
eventual eliminação do superávit do orçamento primário; (ii) redução
drástica da taxa de juros básica para patamares internacionais e expansão
do crédito interno; (iii) controle da conta de capitais e administração do
câmbio, sem o que é inviável estabelecer as duas medidas anteriores. No
que diz respeito ao aumento do dispêndio público, a prioridade deve ser a
reforma agrária (as classes dirigentes brasileiras nos devem isso desde
19850), a educação, a saúde, a segurança, a habitação, o saneamento, a
Defesa, assim como a infra- estrutura. Todos são setores que podem ser
contemplados com pesados investimentos internos sem pressionar as
importações e sem gerar tensões inflacionárias, gerando, ao contrário,
milhões de empregos.

13
Os neoliberais contestam a política de pleno emprego sob o argumento de
que gera inflação. É uma falácia técnica. Enquanto houver alto desemprego,
o dispêndio público, mesmo deficitário, não gera inflação de demanda. E
na medida em que a economia se aproximar do pleno emprego, pode- se e
deve- se recorrer a políticas de rendas, no âmbito de um grande pacto
social, para compatibilizar as reivindicações salariais com o aumento da
produtividade, contra a alternativa perversa de usar a política monetária de
juros estratosféricos, como temos feito, para conter a inflação. Aliás, a
relativa estabilidade da Idade do Ouro do capitalismo na Europa Ocidental
se deveu fundamentalmente aos pactos sociais em torno de políticas de
rendas.

Não se trata de uma fantasia, pois a política de pleno emprego já foi


aplicada com êxito para enfrentar as anteriores grandes crises de
desemprego no capitalismo: foi aplicada na Suécia, na Alemanha, nos
Estados Unidos antes da guerra. E praticamente em todos os países
industrializados depois da guerra, até a contra- revolução liberal dos anos
70. Poderia ter sido aplicada aqui, e num sentido limitado o foi, se não
tivéssemos classes dominantes tão dissociadas das demandas sociais por
um sistema político restrito. Agora, porém, estamos numa situação de
cidadania ampliada, e já votamos num Presidente que se comprometeu a
gerar em seu mandato 10 milhões de novos empregos.

Ele não poderá fazer isso a não ser por uma política de promoção do pleno
emprego. Para aplicá- la, terá de romper com o modelo neoliberal. Terá de
ser um Roosevelt brasileiro, um campeão do capitalismo regulado, um
realizador de esperanças.

14
Quero terminar apresentando uma visão concreta das políticas de pleno
emprego, a fim de inspirar uma antevisão do que pode vir a ser no Brasil.
No New Deal, o governo norte- americano criou uma agência, a Works
Progress Administration, para gerenciar todos os programas governamentais
de estímulo à economia e ao emprego. Sob esta agência, foram
construídos ou reconstruídos 820 mil quilômetros de rodovias (temos 54
mil km de rodovias federais!), 124 mil pontes e viadutos, 120 mil prédios
públicos, várias hidrelétricas, projetos de regularização de três cursos de
grandes rios junto projetos de irrigação; milhares de artistas foram
contratados pelo Estado para dar concertos de graça, pintores foram
contratados para ornamentar prédios públicos com obras de arte, milhares
de professores, médicos e enfermeiros foram contratados para os
programas de educação e saúde. Em uma palavra, o New Deal fez dos
Estados Unidos a potência que são hoje.

Nós não podemos nos privar do sonho de também chegar lá, com uma
sociedade mais justa e solidária que a sociedade norte- americana, apenas
por conta dos preconceitos liberais que seus ideólogos tentam nos impor
através da manipulação das nossas necessidades financeiras, que eles
mesmos fizeram escalar com choque dos juros dos anos 80. De fato, o
cordão umbilical que une ao neoliberalismo é a dívida externa. É por causa
da dívida externa que capitulamos às políticas do FMI e do Banco Mundial.
Temos de romper este cordão. A forma de fazer isso não é não pagar, mas
só pagar com o crescimento do produto, da renda e sobretudo do emprego
internos.

15
Ciclo de seminários
Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

Limites e potencialidades da expansão democrática no Brasil

Leonardo Avritzer
Cientista político, Universidade Federal de Minas Gerais

O século XX foi um século de intensa disputa em torno da questão


democrática. Essa disputa, travada ao final de cada uma das guerras
mundiais e ao longo do período da guerra fria, envolveu dois debates
principais. Na primeira metade do século, o debate centrou- se na
desejabilidade da democracia (Weber,1919; Schmitt,1926; Kelsen,1929;
1
Michels,1949; Schumpeter,1942) . Se, por um lado, tal debate foi
resolvido em favor da desejabilidade democracia como forma de
governo, por outro lado, a proposta que se tornou hegemônica ao final
das duas guerras mundiais implicou em uma restrição das formas de
participação e soberania ampliadas em favor de um consenso em torno
1

Este debate iniciara- se no século XIX pois até então e por muitos séculos a democracia
tinha sido considerada consensualmente perigosa e, por isso, indesejada. O seu perigo
consistia em atribuir o poder de governar a quem estaria em piores condições para o
fazer:a grande massa da população, iletrada, ignorante e social e politicamente inferior.
(Williams,1976:82;McPherson,1972)

1
de um procedimento eleitoral para a formação de governos
(Schumpeter,1942). Essa foi a forma hegemônica de prática da
democracia no pós- guerra, em particular nos países que se tornaram
democráticos após a segunda onda de democratização.
O segundo debate que permeou a questão no pós- segunda guerra
mundial foi acerca das condições estruturais da democracia (Moore,1966;
O’Donnell,1973; Przeworski,1985), que foi também um debate sobre a
compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo
2
(Wood,1996) . Nos anos sessenta, Barrington Moore inaugurou esse
debate por meio da introdução de uma tipologia de acordo com a qual se
poderia indicar os países com propensão democrática e os países sem
propensão democrática. Para Moore, um conjunto de características
estruturais explicariam a baixa densidade democrática na segunda
metade do século XX: o papel do estado no processo de modernização e
sua relação com as classes agrárias; a relação entre os setores agrários e
os setores urbanos e o nível de ruptura provocado pelo campesinato ao
longo do processo de modernização. (Moore,1966).

O objetivo de Moore era explicar por que a maior parte dos países não
eram democráticos nem poderiam vir a sê- lo senão pela mudança das
condições estruturais. Entretanto, um segundo debate se articulava ao
dos requisitos estruturais da democracia, o debate sobre as virtualidades
redistributivas da democracia. Tal debate partia do pressuposto que na
medida em que certos países venciam a batalha pela democracia, junto
com a forma de governo, passavam a usufruir de uma certa propensão
distributiva caracterizada pela chegada da social democracia ao poder
(Przeworski,1985). Haveria, portanto, uma tensão entre capitalismo e

2
Este debate, como de resto quase todos os outros sobre a democracia, tinha sido
antecipado por Rousseau quando afirmava no Contrato Social que só poderia ser
democrática a sociedade onde não houvesse ninguém tão pobre que tivesse necessidade
de se vender e ninguém tão rico que pudesse comprar alguém.

2
democracia, tensão essa que, uma vez resolvida a favor da democracia,
colocaria limites à propriedade e implicaria em ganhos distributivos para
os setores sociais desfavorecidos. Por isso, no âmbito desse debate
discutissem- se modelos de democracia alternativos ao modelo liberal: a
democracia popular nos países da Europa de Leste, a democracia
desenvolvimentista dos países recém- chegados à independência.

A discussão democrática da última década do século XX mudou os


termos do debate democrático do pós- guerra. A extensão do modelo
hegemônico e liberal – para o sul da Europa ainda nos anos setenta e,
posteriormente, para a América Latina e a Europa do Leste (O’Donnell e
Schmitter,1986) – tornou desatualizadas as análises de Moore e de
Przeworski. Parecem pouco atuais as perspectivas sobre a democracia da
segunda metade do século XX com as suas discussões sobre os
impedimentos estruturais da democracia, na medida em que passamos a
ter muitas dezenas de países em processo de democratização – países
esses com enormes variações no papel do campesinato e nos seus
respectivos processos de urbanização. Reabre- se, assim, a discussão
sobre o significado estrutural da democracia, em particular para os assim
chamados países em desenvolvimento ou países do Sul.

A medida que o debate sobre o significado estrutural da democracia


muda os seus termos, uma segunda questão parece também vir a tona: o
problema da forma da democracia e da sua variação. Essa questão
recebeu a sua resposta mais influente na solução elitista proposta por
Joseph Schumpeter, de acordo com a qual o problema da construção
democrática em geral deveria ser derivado dos problemas enfrentados na
construção da democracia na Europa no período de entre- guerras. A
partir dessa resposta funda- se o que poderíamos chamar de concepção
hegemônica da democracia. Os principais elementos dessa concepção

3
seriam a tão apontada contradição entre mobilização e
institucionalização (Huntington,1968; Germani,1971); a valorização
positiva da apatia política (Downs,1956); a concentração do debate
democrático na questão dos desenhos eleitorais das democracias
(Lijphart,1984); o tratamento da pluralismo como forma de incorporação
partidária e disputa entre as elites(Dahl,1956;1971) e a solução
minimalista ao problema da participação pela via da discussão das
escalas e da complexidade (Bobbio,1986; Dahl,1991).Todos esses
elementos que poderiam ser apontados como constituintes de uma
concepção hegemônica da democracia não conseguem enfrentar
adequadamente o problema da qualidade da democracia que voltou a
tona com a chamada “terceira onda de democratização”. Quanto mais se
insiste na formula clássica da democracia de baixa intensidade, menos se
consegue explicar o paradoxo de a extensão da democracia ter trazido
consigo uma enorme degradação das práticas democráticas. No caso da
América Latina, em pouco mais de uma década de democracia, três
presidentes foram impedidos por corrupção e, no caso da Argentina, dois
em quatro presidentes eleitos não conseguiram completar os seus
mandatos.

Ao mesmo tempo e paradoxalmente, o processo de globalização (Santos,


2002) suscita uma nova ênfase na democracia local e nas variações da
forma democrática no interior do Estado nacional, permitindo a
recuperação de tradições participativas em países como o Brasil, a Índia.
Renova- se, assim, a propensão a se examinar a democracia local e
democracia participativa a partir da recuperação de tradições
participativas solapadas no processo de construção de identidades
nacionais homogêneas, tal como foi o caso no Brasil e na Índia. O Fórum
Social Mundial pode trazer contribuições decisivas nesse processo: por
um lado, ele coloca em evidência experiências participativas no Brasil,

4
especialmente o orçamento participativo que, tal como o Fórum, tem sido
reconhecido pela sua marca porto - alegrense. Mas, a contribuição do FSM
pode e deve ir muito mais além: pode colocar em contato as experiências
de países do Sul sem que elas passem pela mediação das experiências do
Norte. E pode, pela primeira vez, tornar as experiências dos países do Sul
referência no debate democrático global.

Nesse artigo, que faz parte do eixo extensão da democracia participativa


do seminário “Pos- neoliberalismo: alternativas estratégicas para o
desenvolvimento humano democrático e sustentável”, iremos partir da
experiência do OP para mostrar a sua contribuição para o debate atual
sobre democracia participativa. Também iremos apontar alguns dos
limites que, uma vez ultrapassados, podem tornar o OP referência
obrigatória no debate internacional sobre democracia participativa.

Surgimento do orçamento participativo

O Brasil é um dos países cujo panorama político foi profundamente


alterado pela terceira onda de democratização. Portador de um sistema
político altamente instável no período do pós- guerra, no qual todos os
presidentes enfrentaram tentativas de golpe de estado ou tiveram suas
eleições questionados como ilegítimas, o Brasil experimentou uma
ruptura da ordem democrática em 1964. Entre 1964 e 1985, o país
sofreu a sua pior experiência autoritária: o Congresso foi fechado duas
vezes pelo regime autoritário, uma em 1968 e a outra em 1977. As
eleições para presidente foram suspensas e a partir de 1968 a maior
parte das garantias civis também foi suspensa.

Ao mesmo tempo, a forte desigualdade social que caracterizava o país


cresceu. Em 1984, o último ano de vigência do autoritarismo no país,

5
mais que 35% da população era pobre ou muito pobre e, no caso do
Nordeste, mais de 50% da população era pobre ou muito pobre. O
processo de modernização econômica do Brasil gerou enormes
iniqüidades sociais no âmbito local. As maiores cidades brasileiras
cresceram a taxas inacreditáveis entre 1950 e 1980 e se tornaram os
principais locais de concentração da pobreza. No caso da cidade de São
Paulo, a sua população passou de 2.198.000 habitantes para 8.493.000
habitantes nesse período; no caso de Belo Horizonte, sua população
passou de 352.000 habitantes para 1.780.000 e, no caso de Porto
Alegre, a sua população passou de 394.000 habitantes para 1.125.000
nesse mesmo período (IBGE,1983). O aumento da população urbana e a
criação e expansão de uma administração pública racional não foram
seguidas por um aumento proporcional dos serviços públicos. Pelo
contrário, na maior parte das cidades brasileiras as carências de serviços
urbanos eram enormes no início da década de 80. Em 1984, somente
80,2% da população do Sudeste do Brasil – a região mais rica do país – e
59,6% da população da região Sul tinha acesso à água tratada. O acesso à
rede de saneamento era ainda menor: somente 55% da população urbana
tinha acesso à rede de saneamento (Santos, 1985).

A democratização brasileira envolveu momentos de continuidade política


e momentos de inovação democrática derivadas de propostas trazidas
pelos movimentos populares para o interior da Assembléia Nacional
Constituinte. No interior da Assembléia Nacional Constituinte propostas
de fortalecimento do poder de influência dos atores sociais foram
apresentadas através das chamadas “iniciativas populares”, levando, com
a sua aprovação, a um aumento da influência dos atores sociais em
diversas instituições. O artigo 14 da Constituição de 1988 garantiu a
iniciativa popular como iniciadora de processos legislativos. O artigo 29
sobre a organização das cidades requereu a participação dos

6
representantes de associações populares no processo de organização das
cidades. Outros artigos requereram a participação das associações civis
na implementação das políticas de saúde e assistência social. Sendo
assim, a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais
surgidos no âmbito da sociedade na institucionalidade emergente. São
esses elementos que estão na origem do orçamento participativo.

O orçamento participativo é uma política participativa local que responde


a demandas dos setores desfavorecidos da população urbana por uma
distribuição mais justa dos bens públicos nas cidades brasileiras. Ele
inclui atores sociais, membros de associações de bairro, e cidadãos
comuns em um processo de negociação e deliberação dividido em duas
etapas: uma primeira etapa na qual a participação dos interessados é
direta e uma segunda etapa na qual a participação corre por meio da
constituição de um conselho de delegados.

O orçamento participativo foi implantando pela primeira vez na


administração Olívio Dutra, em Porto Alegre no ano de 1990. O Partido
3
dos Trabalhadores venceu as eleições para a Prefeitura de Porto Alegre
em 1988 e, depois de um ano de gestão, começou a implementá- lo. O
orçamento participativo em Porto Alegre consiste em um processo de
decisão pela população sobre as prioridades de obras da Prefeitura do
município. Esse processo envolve duas rodadas de assembléias regionais
intercaladas por uma rodada de assembléias em âmbito local. Em uma
segunda fase, ocorre a instalação do Conselho do Orçamento
3
Está além dos objetivos desse artigo traçar uma história dos Partido dos Trabalhadores
no Brasil. Valeria a pena, no entanto, ressaltar que o PT é criado no decorrer do processo
de organização da sociedade brasileira contra o autoritarismo e teve como seus
fundadores membros do chamado novo sindicalismo, membros das Comissões de Base
da Igreja Católica e intelectuais e membros dos movimentos de classe média. Nesse
sentido, ele esteve próximo à luta dos movimentos comunitários no Brasil desde a sua
fundação ainda que a sua concepção de governo não fosse a princípio dirigida para
esses atores. Vide (KECK, 1991 E UTZIG, 1996).

7
Participativo, um órgão de conselheiros representantes das prioridades
orçamentárias decidas nas assembléias regionais e locais. A confecção
administrativa do orçamento ocorre no Gaplan (Gabinete de Planejamento
da Prefeitura), órgão ligado ao gabinete do prefeito.

Porto Alegre é uma cidade dividida em 16 regiões administrativas (vide


mapa 1). Na primeira fase do OP são realizadas 16 assembléias regionais
e as assembléias temáticas (vide figura 1 abaixo).

8
01 Humaitá/Ilhas/Navegantes
02 Noroeste
03 Leste
04 Lomba do Pinheiro
05 Norte
06 Nordeste
07 Partenon
08 Restinga
09 Glória
10 Cruzeiro
11 Cristal
12 Centro Sul
13 Extremo Sul
14 Eixo Baltazar
15 Sul
16 Centro

9
As assembléias são realizadas em cada uma das 16 regiões com a
presença do prefeito. O número de participantes constituirá a base para
o cálculo do número de delegados que irão participar na próxima fase
nas assembléias intermediárias e nos fóruns de delegados. Os moradores
se inscrevem nas assembléias individualmente. No entanto, a sua
participação em associações civis é indicada no processo de inscrição nas
assembléias. Critério para retirada dos delegados: até cem presentes na
primeira assembléia regional, 1 delegado para cada dez presentes; entre
101 e 250 presentes, 1 delegado para cada 20 presentes; entre 251 e
400, 1 delegado para cada 30 presentes; mais de 401 presentes, 1
delegado para cada 40 presentes. Todos os presentes têm direito a um
voto.

O conselho do Orçamento Participativo é instalado no mês de julho de


cada ano. Sua composição é a seguinte: dois conselheiros por cada
regional (32) + dois conselheiros eleitos por cada assembléia temática
(10) + um representante da Uampa (União das Associações de Moradores
de Porto Alegre) e um do Sindicato dos Servidores da Prefeitura. Total de
membros: 44. Suas atribuições são: a) debater e aprovar a proposta
orçamentária do município confeccionada no Gaplan, tendo como base as
decisões sobre hierarquização e prioridades de obras tomadas nas
assembléias intermediárias; b) rever a proposta orçamentária final
elaborada pela Prefeitura; c) acompanhar a execução das obras
aprovadas; discutir os critérios técnicos que inviabilizam a execução de
obras aprovadas.

É possível afirmar que a introdução do orçamento participativo pela


administração Olívio Dutra durante o ano de 1990 marca um divisor de
águas em termos de políticas participativas no Brasil. Se, por um lado, é
verdade que a conjuntura política da democratização já apontava na

10
direção de políticas participativas, devido à introdução da forma conselho
e de outras formas de participação durante o processo constituinte
(Raichellis, 1999; Dagnino, 2002), por outro lado, nenhuma cidade
abraçou tão rapidamente e tão amplamente a idéia de participação
quanto Porto Alegre. Alguns dados empíricos podem corroborar essa
afirmação: em primeiro lugar, a baixa participação inicial no orçamento
participativo em algumas regiões de Porto Alegre como a do Cristal,
Navegantes e a Glória com médias entre 10 e 15 participantes mostram a
enorme vontade política por trás da decisão inicial de implantação do OP.
Em segundo lugar, o enfrentamento do conflito político criado pelo OP,
que levou a demissão do primeiro secretário do Planejamento da
administração Olívio Dutra e à criação do Gaplan (Fedozzi,1997), mostra
uma determinação de enfrentar os conflitos políticos em torno da
continuidade e das características do OP. Em terceiro lugar, o enorme
envolvimento das associações civis nos primeiros anos do OP, período no
qual 71,28% dos participantes eram vinculados a associações
comunitárias (Fedozzi et all,1993), mostra o apoio à proposta no interior
da sociedade civil. Todo esses dados quando comparados, por exemplo,
com a experiência limitada do orçamento participativo em São Paulo no
mesmo período, mostram que a introdução da proposta e a vontade
política capaz de forjar o seu sucesso inicial apenas poderiam ter
ocorrido em Porto Alegre devido às condições anteriormente descritas.

É possível também caracterizar o sucesso distributivo do orçamento


participativo em Porto Alegre. Se partirmos de um conjunto de variáveis
relacionadas com a desigualdade social em cidades brasileiras: baixo
rendimento nominal médio do chefe de família; porcentagem de mães
com primeiro grau incompleto; número de domicílios irregulares e o
número de habitantes com menos de quinze anos por família podemos
perceber que o orçamento participativo tem um impacto na redução

11
dessas realidades na cidade de Porto Alegre (Marquetti,2003). Esse
argumento é extremamente importante para a discussão sobre
democracia participativa porque consegue corroborar a idéia de formas
4
de racionalidade associadas às formas ampliadas de participação , isto é,
mostra que os atores sociais quando devidamente munidos da
capacidade de deliberação conseguem identificar lacunas distributivas na
sociedade e agir de forma a corrigi - las. O argumento mostra também
que os atores sociais são capazes de realizarem rankings de prioridades
e, até mesmo, agirem altruisticamente na medida em que o ator médio
que participa do OP de Porto Alegre – caracterizado como um indivíduo
de renda familiar até quatro salários mínimos (Baierle, 1999) – consegue
identificar que existem indivíduos mais carentes do que eles e privilegiá-
los no processo de distribuição de bens públicos.

É possível mostrar também, no caso do orçamento participativo, o


impacto da forma ampliada de democracia na organização do Estado.
Dois tipos de evidências podem corroborar esse argumento: a
capacidade do Estado de melhorar a proporção entre o número de
funcionários dedicados às atividades meio em relação aos funcionários
que se dedicam às atividades fins da administração pública; a capacidade
do estado de melhorar o seu desempenho em áreas críticas, tais como, a
coleta de lixo e a capacidade de instalação de pontos de luz. Esse
argumento é relevante para nos posicionarmos em relação à
determinadas discussões sobre reforma do Estado e teoria do Estado.
Afinal, o espectro huntingtoniano da pressão das massas ainda assombra

4
Essa é uma questão polêmica no interior da teoria democrática contemporânea. A
teoria hegemônica a esse respeito, o assim chamado elitismo democrático, supõe que a
participação constitui apenas uma forma de pressão das massas sobre o sistema
político. Apesar de uma série de críticas teóricas a essa perspectiva terem sido
formuladas (Avritzer,1996), o trabalho de Marquetti aponta na direção de uma crítica
empírica.

12
alguns intelectuais brasileiros (Reis,2000). O OP nos fornece elementos
para pensarmos as sinergias entre reforma do Estado e formas ampliadas
de participação ao mostrar que a pressão da população sobre a
administração local melhora a performance da máquina administrativa.

É possível mostrar também que existe uma correlação entre o efeito


distributivo do OP e a capacidade da administração municipal de
aumentar a oferta de serviços públicos. Em 1990, a capacidade de
investimento da prefeitura era de 8,4% do orçamento municipal. Nos
anos de consolidação do OP (1992,1993 e 1994) passa para 14,5%
chegando a 18,6% em 1994. A variável capacidade financeira de realizar
investimentos foi fundamental para que as obras decidas no OP
pudessem de fato ser realizadas. Essa questão pode ser mostrada
avaliando o aumento da oferta de três serviços: coleta de lixo, número de
pontos de iluminação pública e metros quadrados de asfalto utilizados
na conservação ou construção de novas vias. Em todos os três itens,
aumentos significativos que implicam em melhora da capacidade
administrativa: a quantidade de lixo coletada dobra entre 1988 e 1998 ao
passo que ela havia diminuído ligeiramente nos seis anos anteriores
(1982- 1988); o número de pontos de luz instalados se multiplica por
quatro, e mais uma vez, é necessário observar que esse número diminuiu
entre 1982 e 1988; e, finalmente, a quantidade de metros quadrados de
asfalto usados na construção e manutenção de novas vias praticamente
triplica ao passo que ela havia pouco mais que duplicado entre 1982 e
1988 (Marquetti,2003).

Assim, podemos afirmar que o sucesso do orçamento participativo em


Porto Alegre se assenta em pelo menos quatro pilares, todo seles
ligados, a uma proposta alternativa de democracia que tem sido
discutida pelo Fórum Social Mundial: o primeiro deles é o pilar da

13
ampliação da democracia expresso no caso da experiência porto
alegrense tanto na capacidade de crescimento da participação no OP. O
FSM trabalha com a idéia de uma democracia de alta intensidade, isso é,
uma democracia na qual atores sociais com preferências fortes têm um
papel ampliado no sistema político. OP reforça essa visão ao mostrar a
viabilidade das formas de participação ampliadas. O segundo pilar é o
associativo- deliberativo, expresso no caso porto alegrense por diversos
elementos tais como, a presença constante das associações de
moradores no OP e a capacidade do OP de ter se tornado a forma
dominante de distribuição de recursos públicos na cidade, diminuído
sensivelmente, senão anulando, o papel do clientelismo na distribuição
de bens públicos. Mais uma vez, o Fórum Social Mundial e o OP parecem
ter uma afinidade eletiva.

Uma das linhas norteadoras do FSM é a idéia de uma contribuição


positiva das associações civis e ONGs no debate público. O OP mostra
essa viabilidade e reforça essa concepção. O terceiro desses pilares é
constituído pelas características específicas do desenho institucional: a
capacidade de introduzir as assembléias regionais conciliando - as com a
forma conselho, assim como a capacidade de redesenhar as regiões da
cidade de modo a adequá- las ao processo deliberativo e a capacidade de
criar novas instituições. Mais uma vez, acreditamos existir uma relação
entre essa característica do OP e concepções de fundo presentes no FSM.
Nesse caso, trata- se de reforçar uma visão de democracia que não aceite
como dadas as instituições políticas existentes, mas vá mais além
incentivando o surgimento de instituições que associem mais
intimamente participação e distribuição, dois dos eixos fundamentais dos
debates propostos pelo FSM.

14
O quarto elemento é a capacidade distributiva do OP abordada acima e
sua vinculação com o processo de reforma do Estado. Nesse caso, o OP
aponta para uma diferente perspectiva de entender o estado, que
poderíamos localizar justamente no eixo do pós- neoliberalismo. Nessa
perspectiva, a eficiência estatal não se dá pela diminuição do tamanho do
estado e sim pela inversão da relação entre funcionários ligados à
máquina e funcionários ligados a atividades fins das políticas sociais.
Mais uma vez, entendemos haver uma afinidade eletiva entre essa visão e
as concepções defendidas pelo FSM.

No entanto, defender a adoção do orçamento participativo como


paradigma de uma possível extensão da democracia participativa exige
mais do que apontar essas afinidades recíprocas. Afinal, não poderia o
OP ser um caso de “glocalização” (Robertson,1992; Santos, 1996), isto é,
de experiências locais que se tornam conhecidas globalmente mas que
são indissociáveis do seu contexto de surgimento? Na próxima seção
deste artigo, irei discutir a expansão do orçamento participativo no
Brasil.

Expansão do orçamento participativo no Brasil

O orçamento participativo constitui hoje, no Brasil, o principal motor da


expansão da democracia participativa no país. Entre 1989 e 1992,
apenas 12 municípios praticaram o OP em todo o Brasil. Entre 1993 e
1997, 36 municípios realizam o OP e entre 1997 e 2000, 103 municípios
praticaram o OP. (Teixeira, 2003). Estamos falando, portanto, de uma
forte expansão do OP como prática democrática – ainda que
percentualmente essa prática vigore apenas em 5% do total dos
municípios brasileiros. O que torna o OP influente enquanto proposta de
democratização do orçamento é o peso dos municípios nos quais ele é

15
praticado. No ano de 2002, o OP foi praticado nos municípios de São
Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre, cidades com um enorme
peso nacional e regional. No entanto, discutir, a prática do OP é também
reconhecer as enormes variações que existem entre essas cidades ou
entre os 103 municípios que praticaram o OP entre 1997 e 2000. O OP
foi praticado entre 1997 e 2000 em 9 cidades com mais de 500 mil
habitantes (entre elas, 4 cidades com mais de 1 milhão de habitantes).
(Teixeira, 2003, Ribeiro e Grazia, 2003). Por outro lado, o OP tem a
maioria das experiências a ele relacionadas localizadas em cidades entre
20 mil e 100 mil habitantes. Assim vemos dois elementos distintos na
extensão do OP: a sua extensão para pequenas cidades das regiões Sul e
Sudeste e sua extensão para grandes capitais das regiões Sul, Sudeste e
Nordeste (no caso a cidade do Recife).

Estimativas preliminares apontam para mais de 300 experiências de


orçamento participativo no Brasil entre 2000 e 2004 (Avritzer, 2003). O
orçamento participativo tem mostrado também uma capacidade de
expansão em países da América Latina: o Peru recentemente aprovou
uma lei propondo a realização de um orçamento participativo nacional; a
Venezuela tem discutido essa proposta. Existem rudimentos de
experiências de orçamento participativo em diversas cidades latino-
americanas, entre as quais valeria a pena destacar, Montevidéo, Buenos
Aires, Córdoba e Vila Salvador, esta última no Peru. Portanto, a questão
que se coloca no debate sobre a extensão do orçamento participativo é a
seguinte: teria o OP potencial para se tornar uma política participativa
geral, capaz de organizar, a distribuição de políticas sociais, a
incorporação de minorias culturais e o debate participativo? Ou, estaria o
OP condicionado às pré- condições que o geraram, isto é, uma situação
de alta organização da sociedade civil e dos movimentos comunitários
em uma situação de carências urbanas acentuadas? Se for possível

16
estender o OP, em quais condições ele pode funcionar? Dois tipos de
evidências contraditórias podem ser apresentadas para
problematizarmos essa questão: (1) o desempenho do OP no decorrer
das tentativas de torná- lo uma política social; (2) o desempenho do OP
em relação a integração de setores desfavorecidos, minorias culturais e
problemas de gênero.

Em relação aos problemas de política social foram feitas algumas


tentativas em Porto Alegre e em Belo Horizonte de expandir o OP nessa
direção. Afinal, se tomamos os planos de obras do OP em Porto Alegre,
Belo Horizonte e na recente experiência na cidade de São Paulo esse
parece ser um problema constante: o OP parece ser uma boa forma de
discutir novos investimentos em infra- estrutura, mas não parece ter sido
capaz até o momento de introduzir novas políticas sociais. A Tabela 1
mostra as principais prioridades do OP de Porto Alegre por região no ano
1999. A análise da Tabela 1 mostra que, no caso das chamadas
assembléias regionais em Porto Alegre, a grande maioria das decisões
continua envolvendo distribuição de recursos materiais e não programas
de governo. No caso das primeiras prioridades em Porto Alegre em 1999,
6 decisões foram relativas à pavimentação, 6 foram relativas à política
habitacional, perfazendo um total de 12 decisões relativas à questão
material no total de 16. Em apenas uma região a educação apareceu
como prioridade. Ou seja, a maioria das decisões são decisões sobre
obras públicas. Tais decisões não envolvem alteração do perfil dos
gastos de custeio das prefeituras e tampouco envolvem uma
democratização das decisões sobre alternativas de políticas, tais como, o
tipo de educação pública, a concepção de saúde pública, a concepção de
preservação do meio ambiente.

17
Tabela 1
Prioridades escolhidas em Porto Alegre em 1999
Região 1ª Prioridade 2ª Prioridade
Nota 5 Nota 4
Humaitá/ Saúde – ampliação e Saneamento básico – Esgoto
Navegantes construção de postos de pluvial –
/Ihas saúde DEP
Noroeste Áreas de lazer Política habitacional –
Reassentamento

Leste Política habitacional – Pavimentação


Regularização fundiária
Lomba do Pavimentação Saneamento Básico – Esgoto
Pinheiro cloacal

Norte Política habitacional – Saneamento básico – Arroio


Regularização fundiária (drenagem e dragagem)
Nordeste Educação – Ensino Política habitacional –
fundamental Urbanização
Partenon Pavimentação Política habitacional –
Regularização fundiária
Restinga Saneamento básico – Educação – Educação infantil
Esgoto cloacal
Glória Pavimentação Saneamento básico – Esgoto
pluvial –
DEP
Cruzeiro Política habitacional – Pavimentação
Regularização fundiária
Cristal Política Habitacional- Saneamento básico – Esgoto
Regularização Fundiária pluvial –
DEP
Centro- Sul Pavimentação Saneamento básico – Esgoto
pluvial –
DEP

18
Extremo- Sul Pavimentação Saneamento básico – Rede de
água –
DMAE
Eixo da Política Habitacional – Saúde – Reforma, ampliação
Baltazar Reassentamento e construção de postos de
saúde
Sul Pavimentação Saneamento básico – Esgoto
pluvial –
DEP
Centro Política habitacional Educação – Programa SEJA
Construção de U.H.
Fonte: Prefeitura de Porto Alegre.

Em 1999, Belo Horizonte começou um movimento no sentido de delegar


à população que participa do OP o controle sobre algumas políticas de
governo em um processo chamado de “OP Cidade”. A alteração
introduzida pela Prefeitura de Belo Horizonte tem a intenção de tornar a
população co- partícipe na decisão sobre prioridades de políticas sociais.
No assim chamado “OP Cidade”, a Prefeitura apresenta à população a
forma como ela prioriza programas de diversas secretarias e a população
através da sua participação pode aceitar o ranking proposto pela
Prefeitura ou propor um ranking alternativo. No caso de divergência uma
assembléia da cidade com poder de decisão de 50 + 1 porcento decide a
ordem de prioridades. É muito cedo para avaliar os resultados desse
processo, mas tudo parece indicar que um movimento na direção da
participação da população no estabelecimento de prioridades entre
programas é o caminho que o OP deve seguir para ampliar a participação
da população na gestão local.

A Tabela 2 mostra o tipo de priorização de políticas sociais feita pelo OP-


Cidade. Na curta experiência em Belo Horizonte, foi possível observar

19
que à medida que avança o OP- Cidade encontra mais opositores na
administração pública e entre o pessoal técnico da prefeitura. Tal
oposição parece lógica, tendo em vista que esses são os casos nos quais
o OP redireciona preferências da máquina administrativa ou exige dos
administradores públicos mudanças nas suas preferências em relação a
políticas. No entanto, se o OP não pode ser apenas um programa de
ampliação do acesso a obras públicas, ele tem que envolver ampliação do
acesso a políticas e em alguns casos, mudanças na orientação dessas
políticas.

Tabela 2
Prioridades do “OP Cidade” em Belo Horizonte na área de assistência
social

Classificação dos Classificação do


Programas da programas segundo programa segundo
Secretaria de critério interno da decisão do OP Resultado
Assistência Social Secretaria Cidade” final

Criança e 1° 1° 1°
adolescente
Qualificação 2° 2° 2°
profissional
Portadores de 3° 6° 5°
deficiência
Criança 00 a 06 4° 4° 4°
Famílias 5° 3° 3°
População carente 6° 8° 6°
Meninos de rua 7° 9° 9°
Idosos 8° 7° 8°
População de rua 9° 10° 10°
Geração de renda 10° 5° 7°

20
Adolescente 11° 11° 11°
infrator
Dependente 12° 12° 12°
químico
Criterio da Prefeitura. Peso: 0,49 Decisão do “OP Cidade”.
Peso:0,51
Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte

Um segundo fator parece importante de ser discutido em relação à


participação: trata- se das desigualdades internas da população,
especialmente na sua composição de gênero e de minoriais culturais, e a
forma como ela tem afetado a participação no OP. Em relação à questão
de gênero essa parece ser uma variável relevante no conjunto dos
movimentos sociais brasileiros. A maior parte desses movimentos
especialmente aqueles com dimensões comunitárias tem uma forte
participação das mulheres, mas os dados não indicam uma representação
similar das mulheres em posições de liderança (Alvarez, 1990). Pesquisa
da organização não- governamental Cidade em conjunto com a Prefeitura
de Porto Alegre mostra uma evolução no padrão de participação das
mulheres no OP ao longo do tempo. Essa participação saltou de 46,7%
em 1993 para 51,4% em 1998, passando então a constituir a maioria dos
5
participantes do OP . Se esse fato parece ser positivo no que diz respeito
à possibilidade de políticas participativas virem a se constituir em formas
igualitárias de participação, é necessário notar que a participação das
mulheres diminui à medida que passamos da participação em
assembléias para a participação qualificada como conselheiros do OP, tal
como mostra a Tabela 3.

5
É necessário mencionar que a margem de erro da pesquisa é de aproximadamente 5%.
No entanto, a margem de erro da pesquisa não invalida o fato de haver uma série
histórica com margem de erro semelhante e nessa série histórica a participação das
mulheres ter aumentado em cada uma das pesquisas realizadas.

21
Os dados da Tabela 3 nos permitem afirmar que a eqüidade entre
gêneros se expressa mais na participação ampliada do que na escolha de
lideranças compatíveis com o perfil dos participantes. Fenômeno
semelhante pode ser identificado no OP- SP, como no caso de Porto
Alegre, a participação das mulheres é alta, mas não se traduz em
presença semelhante nas formas de coordenação do OP. Essa questão se
torna ainda mais grave quando pensamos em setores mais
marginalizados na sociedade brasileira, como, por exemplo, os
indígenas. Na experiência de orçamento participativo estadual no Rio
Grande do Sul, os índios guaranis que somam setecentas pessoas no
estado não foram atendidos em suas reivindicação de demarcação de
terras, entre outros motivos, porque não conseguiram maiorias em
reuniões do OP.

Mais uma vez, esse tipo de questão parece ser extremamente relevante
quando pensamos na extensão da experiência do OP para outros lugares
da América Latina ou do mundo na medida em que minorias étnicas são
mais importantes em países como Peru ou tradição de exclusão das
mulheres são ainda mais fortes em alguns desses países. Por outro lado,
valeria a pena saber quais tentativas de inclusão das mulheres foram
tentadas nessas outras experiências e quais aportes elas poderiam
fornecer ao OP.

Tabela 3
Participação no OP por gênero
Sexo IBGE/POA 1993 1995 1998 Delegados(as) Conselheiros
(as)
Mulhere 53,2% 46,7% 46,8% 51,4% 45,3% 48,7%
s
Homens 46,8% 47,6% 52,2% 48,4% 54,7% 51,3%
Nr – 5,7% – 0,2% – –

22
Fonte: Cidade

Reflexões pouco conclusivas: OP e o FSM

A guisa de conclusão, podemos afirmar que o orçamento participativo no


Brasil avança a prática democrática em dois pontos fundamentais:em
primeiro lugar, na capacidade de associar mais participação com mais
eqüidade distributiva. Por muito tempo, esse elemento esteve no debate
sobre a democracia associado exclusivamente à criação de condições
para a limitação do capitalismo (Przeworski, 1978; Moore, 1966) ou
criticado devido aos seus elementos corporativistas (Lowi,1970;
Schimtter, 1980).

O orçamento participativo abre uma outra via para pensá- lo que é a da


integração de atores sociais menos favorecidos no próprio processo de
discussão e deliberação. Isso torna o OP menos corporativista do que
versões anteriores das políticas participativas, tal como, as diversas
formas de corporativismo sindical ou de acesso de grupos privilegiados a
recursos públicos (vice a experiência dos vigilantes na Bolívia).

Um segundo aspecto que o OP avança em relação a políticas


participativas anteriores é na maneira como integra a participação com a
institucionalidade política. O OP consegue ser uma política participativa
de esquerda, ligado a vitórias político- eleitorais dos partidos de
esquerda, sem se tornar uma política distributiva atacada pelos setores
conservadores. Os motivos que explicam essa façanha são
provavelmente, a sua capacidade de aumentar a eficiência da máquina
administrativa, como mostramos acima, de aumentar o controle da
população sobre o gasto do governo. Mais uma vez, o OP aporta uma

23
contribuição ao debate democrático porque esse tendia a identificar o
aumento da participação com a instabilidade institucional ou com o que
ficou conhecido como “pretorianismo das massas”. Hoje e dia o debate
sobre participação se move na direção da melhor distribuição dos gastos
públicos na direção dos setores desprivilegiados, da melhor utilização
dos recursos públicos, da correção em deixar a própria população
apontar suas prioridades. Provavelmente, esses são os fatores que fazem
do OP uma forma de deliberação sobre recursos públicos tão atraente no
Brasil e em outros países da América Latina.

No entanto, é preciso notar que o OP só realizará o seu potencial de se


tornar uma política participativa de referência se ele superar a
contradição entre participação e distribuição, de um lado, e pluralização
e integração de minorias de outro. Sem nenhuma dúvida o OP se
qualifica como a experiência mais avançada de distribuição de bens
públicos para populações carentes implantada nos últimos anos. No
entanto, ele necessita de alguma maneira se livrar da oposição entre
distributivismo e pluralismo. Para tal, ele precisa ser capaz de integrar
grupos minoritários que demandam direitos (caso dos indígenas no
Brasil) ou grupos majoritários cuja participação não corresponde as suas
posições de liderança (caso das mulheres no Brasil). Tornar o OP mais do
que uma forma de deliberação sobre obras públicas deve envolver uma
tentativa de fundir diversos “horizontes de políticas participativas” em
diferentes tradições nacionais, isso é, deve procurar associar elementos
positivos da experiência do OP com elementos positivos de outras
experiências, em particular em países da América Latina e do Sudeste
Asiático que tem demonstrado uma preocupação semelhante com a
participação. No caso da índia, os Panchayats, uma instituição secular de
participação foi retomada com força nos anos 90 tanto na região de
Bengal quanto na região de Kerala. Alguns sucessos da experiência dos

24
Panchayats devem ser apontados: a sua capacidade de integrar a
participação das mulheres, pelo menos no caso da experiência de Bengal
que reservou 40% das posições de coordenação de Panchayats para as
mulheres com resultados extremamente positivos. Vale a pena também
pensar algumas experiências de participação popular mais ampliada que
conseguiram incluir a discussão de um cardápio mais ampliado de
políticas públicas, tal como parece se o caso de Vila Salvador em Lima.
Entendemos que o Fórum Social Mundial pode desempenhar um papel
central na fusão de horizontes participativos.

Bibliografia

Avritzer, L. (2002a). Democracy and the Public Space in Latin America.


Princeton, Princeton University Press.

Avritzer, Leonardo. (2002b).Modelos de Deliberação Democrática: uma


análise do orçamento participativo no Brasil. In:Santos, Boaventura de
Sousa. Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia
participativa .

Dahl, R. A. (1991). Democracy and its critics . New Haven, Yale University
Press.

Downs, A. (1956). An economic theory of democracy. New York, Harper.

Escobar, A. and S. E. Alvarez (1992). The Making of social movements in


Latin America : identity, strategy, and democracy. Boulder, Westview
Press.

25
Fraser, N. (1995). Justice Interruptus . London, Routledge.

Germani, G. (1971). Política y sociedad en una época de transición; de la


sociedad tradicional a la sociedad de masas. Buenos Aires, Paidós.

Habermas, J. (1984). The theory of communicative action . Boston, Beacon


Press.

Habermas, J. (1992). Further Reflections on the Public Sphere. Habermas


and the Public Sphere. C. Calhoum. Cambridge, MIT Press.

Habermas, J. (1995). Between Facts and Norms . Cambridge, MIT Press.

Huntington, S. P. and Harvard University. Center for International Affairs.


(1968). Political order in changing societies. New Haven, Yale University
Press.
Isaac, T. and P. Heller (2002). Decentralization, Democracy and
Development:people's campaign for decentralized planning in Kerela.
Deepening Democracy. A. Fung and E. Wright. London, Verso Press.

Jelin, E. and E. Hershberg (1996). Constructing democracy : human


rights, citizenship, and society in Latin America. Boulder, Westview Press.

Kelsen, H. (1929). Essência e Valor da Democracia. A Democracia. H.


Kelsen. São Paulo, Martins Fontes.

Lechner, N. (1988). Los Patios Interiores de la Democracia. Mexico, Fondo


de Cultura Economica.

26
Isaac, T. and P. Heller (2002). Decentralization, Democracy and
Development:people's campaign for decentralized planning in Kerela.
Deepening Democracy. A. Fung and E. Wright. London, Verso Press.

Marquetti, Adalmir. 2003. Participação e redistribuição: o orçamento


participativo de Porto Alegre . In Avritzer, Leonardo e Zander Navarro. A
Inovação Democrática no Brasil. São Paulo. Cortez.

Moore, B. (1966). Social origins of dictatorship and democracy; lord and


peasant in the making of the modern world . Boston, Beacon Press.

Pateman, C. (1970). Participation and Democratic Theory . Cambridge,


Cambridge University Press.

Przeworski, A. (1985). Capitalism and social democracy. Cambridge ; New


York, Cambridge University Press.

Przeworski, A., S. Stokes, et al. (1999). Democracy, Accountability and


Representation . Cambridge, Cambridge University Press.

Santos, Boaventura de Sousa. 1995. Toward a New Common Sense: Law,


Science and Politics in the Paradigmatic Transition , Nova Iorque:
Routledge.

Santos, B. d. S. (1998). “Participatory Budgeting in Porto Alegre: towards a


redistributive justice.” Politics and Society 26(n- 4): 461- 509.

27
Santos, B. d. S. and L. Avritzer (2002). Para Ampliar o Cânone
Democrático. Democratizar a Democracia. B. d. S. Santos. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira.

Santos, W. G. d. (1993). Razões da Desordem . Rio de Janeiro, Rocco.

Teixeira, Ana Claudia. (2003). O OP em pequenos municípios rurais. In:


Avritzer, Leonardo e Zander Navarro. A Inovação Democrática no Brasil.
São Paulo. Cortez.

28
Ciclo de seminários
Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Debates sobre Estado, pobreza, participación y desarrollo1

Mayra Paula Espina


CIPS, Cuba

Introducción

El tema de la pobreza y de las políticas para su enfrentamiento se ha


convertido en uno de los ejes centrales de investigación y discusión al
interior de las ciencias sociales y en el debate político. Dada la magnitud,
intensidad y persistencia de este fenómeno las estrategias para su reducción
y eliminación son materia obligada de los programas de cualquier partido
político, de las ONGs y de cualquier organización de la sociedad civil
ocupada en temas sociales.

1
Esta ponencia fue elaborada gracias a la contribución del Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales (CLACSO), a través del esfuerzo conjunto del Programa Regional de
Becas y el Programa CLACSO/CROP de estudios sobre pobreza en América Latina y el
Caribe. El trabajo forma parte de los resultados del Proyecto “Políticas de atención a la
pobreza y la desigualdad. Examinando el rol del estado en la experiencia cubana”, que fue
premiado con una beca de investigación en el Concurso para investigadores senior "La
economía política de la pobreza" 2003.. Este texto no puede ser publicado sin la autorización
de CLACSO.

1
Aunque las cifras sobre la dinámica de la pobreza en América Latina son
bastante conocidas no han perdido su fuerza impactante:

América Latina
Evolución de la magnitud de la pobreza y la indigencia
1980-1999
Porcentaje de hogares pobres Porcentaje de hogares
indigentes
Años total urbana rural total urbana rural
1980 37,7 25,3 53,9 15,0 8,8 27,5
1990 41,0 35,0 58,2 17,7 12,0 34,1
1994 37,5 31,8 56,1 15,9 10,6 33,5
1997 35,5 29,7 54,0 14,4 9,5 30,3
1999 35,3 29,8 54,3 13,9 9,1 30,7
Fuente: CEPAL Panorama social de América Latina 2001

Claro que no existe un consenso en las explicaciones que desde las ciencias
sociales o de la práctica de toma de decisiones políticas se dan a esta
evidente persistencia de la pobreza en la región, muy especialmente en lo
que concierne a sus causas y a las fórmulas más eficaces para revertirla, lo
que hace que la cuestión de los roles del Estado o de otras estructuras y de
actores no estatales, en el manejo de las desventajas sociales, así como la
de las políticas sociales, sus contenidos, niveles, coberturas y dimensiones
más adecuados, hayan reforzado su centralidad como temas privilegiados de
debate.

Para la vertiente de pensamiento que, como CEPAL, identifica una relación


directa – discutible relación, enjuicia L. Tavares (2002) – entre crecimiento
del Producto Interno Bruto y reducción de la pobreza, el problema principal
radica en que hay que crecer más. Recientemente, Rolando Franco, director
de la Dirección de Desarrollo Social de CEPAL, ha dicho “(…) incluso en los
años de crecimiento de la década pasada siguió incrementándose el número
absoluto de pobres en la región. El hecho de que ni siquiera cuando la
economía se desempeño relativamente bien se haya logrado frenar el
aumento de la pobreza, es un nuevo acicate para preocuparse por volver a
crecer” (Franco, 2003).

2
Evitando comprometerse con un economicismo reducionista y mecánico,
Franco aclara que si bien la afirmación de que “la mejor política social es una
buena política económica”, “tiene una cuota de verdad”, ella debe matizarse,
y propone otra variante “una buena política económica es condición
necesaria pero no suficiente para la equidad”. Explica la insuficiencia de esta
condición argumentando que altas tasas de crecimiento logradas a partir de
una sobreexplotación de los recursos naturales o de utilización de mano de
obra poco calificada y mal remunerada no pueden mantenerse en la
perspectiva. Propone, por el contrario, “otro estilo de desarrollo” sustentado
en el aprovechamiento del capital humano, lo que hace emerger la necesidad
de políticas sociales, como instrumento de generación de dicho capital. A ello
añade que este matiz debe incluir el énfasis en la importancia del crecimiento
económico, en tanto este genera empleos, con ello remuneración salarial y
formas autónomas de solventar la satisfacción de necesidades básicas y
provoca sensación de optimismo que aumenta la viabilidad de medidas
redistributivas. (Franco, 2003).

Aunque la posición cepalina en materia de crecimiento económico y


desarrollo es mucho más amplia y complicada que lo que aquí se reseña
sucintamente, y no es posible negar la vocación histórica de la CEPAL por
rescatar la problemática social del desarrollo, lo expuesto permite ilustrar una
posición critica que, sin embargo, no logra romper radicalmente la postura
“produccionista” que subordina la política social y las estrategias de manejo
de la pobreza al desempeño económico, y donde lo social adquiere
relevancia solo en su condición de capital.

Desde esta óptica, las mejores políticas sociales son entonces aquellas que
potencian las cualidades de las personas para funcionar como capital, para
competir en mejores condiciones en el mercado. En concordancia con esta
posición, en su Panorama Social en América Latina y el Caribe (2000/2001)
CEPAL explica que la reducción a la mitad de la indigencia en la región
exigirá un crecimiento del PIB per cápita de al menos un 2,3 % anual hasta el
2015 y que una reducción similar de la pobreza dependerá del crecimiento
entre el 3 % y el 4 % en el período señalado. Teniendo en cuenta la situación

3
económica de nuestros países y las difíciles condiciones para que estos
logren mejorar su inserción en la economía global, estas son noticias muy
desalentadoras.

En contraste, otras vertientes de pensamiento, se acercan al problema de la


pobreza y las inequidades, considerando que lo social, en si mismo, es lo
central y que el mejoramiento de los desempeños sociales no se legitiman
por su posible contribución a funcionamientos mercantiles, sino que tienen
una legitimidad ética y lo económico se le subordina. Aquí, crecer
económicamente posibilita mejores desempeños sociales, pero estos pueden
alcanzarse accionando sobre los resortes distributivos, aun en condiciones
de poco o ningún crecimiento. De ello se desprende que no es necesario
esperar al 2015 para obtener reducciones significativas de la pobreza. La
condición de ser humano, no la de capital, es la que otorga derecho a la
inclusión social.

En esta breve presentación se hace un recorrido por las perspectivas


actuales en materia de estrategias de reducción de la pobreza, se discute el
rol que en ellas se asigna al Estado y la pertinencia de entroncar dichas
estrategias con políticas sociales centradas en la promoción de desarrollo, en
la participación y en la universalidad del acceso al bienestar.

Estrategias de enfrentamiento a la pobreza

Probablemente sea este uno de los campos de las ciencias sociales donde
con más fuerza se ha expresado el perfil propositivo de estas y su vocación
de vínculo con la toma de decisiones, de construcción de una articulación
directa entre la investigación y la propuesta de acción, entre el discurso de
diagnóstico y explicación y la transformación.

Desde las primeras revisiones bibliográficas se perciben dos grandes troncos


diferenciados en las estrategias de enfrentamiento a la pobreza: el que las
concibe formando parte integral de políticas sociales mas amplias, orientadas
al desarrollo y a proveer acceso general al bienestar para toda la población y

4
el que las trata como estrategias relativamente autónomas, de acción
selectiva y focalizada hacia poblaciones precarizadas.

El primer tronco viene de dos tradiciones, la del Estado de bienestar y la de


las experiencias socialistas europeas y de otras regiones geográficas.
Salvando las grandes diferencias entre ambas tradiciones, que tienen que
ver que sus respectivas explicaciones de las causas y condiciones de
reproducción de la pobreza y de los basamentos y roles de la desigualdad,
queremos destacar que en ambas hay un apego a un concepto de política
social definida como el conjunto (con aspiración de sistema integrado) de
estrategias, programas, planes y proyectos, y de las acciones que de ellos
dimanan, que se diseñan y ponen en práctica con la finalidad de producir
una elevación sistemática del nivel y la calidad de vida y del grado de
satisfacción de las necesidades de la población de un país en su conjunto,
en sus diferentes escalas territoriales, y de los sectores sociales particulares
que la integran, donde, sin desconocer otros agentes y la necesaria
participación social, el estado desempeña la función central y tiene la máxima
responsabilidad en el diseño , ejecución, control y evaluación de las políticas.

Desde la óptica de sus áreas de contenido, comúnmente se identifican las


llamadas políticas sectoriales: de educación, empleo, alimentación, salud,
seguridad y asistencia social, cultura, vivienda, deporte, recreación, etc.

En este esquema, la pobreza es una situación que exige una atención


especial, pero dentro de una concepción de universalidad, de derecho al
bienestar de todos, pobres y no pobres, y ella puede ser superada,
fundamentalmente promoviendo acciones que aseguren que los pobres
accedan a los mecanismos de integración social que la sociedad debe
asegurar para todos (empleo, educación, salud, etc.) Son políticas de
desarrollo mediante la integración social.

El segundo tronco es el que se corresponde con la versión neoliberal del


enfrentamiento a la pobreza. La avalancha globalizadora neoliberal arremetió
contra este tipo de intervención estatal, vigente en nuestra región en toda la

5
etapa de desarrollo de sustitución de importaciones, culpabilizándolo de una
interferencia ineficiente en los mecanismos de mercado y haciendo su
propuesta de Estado mínimo, y concibiendo la lucha contra la pobreza
desgajada de empeños mas abarcadores, como rehabilitación y rescate de
poblaciones en situación de pobreza, a través de estrategias focalizadas y
selectivas.

Anete Ivo caracteriza la sustitución de la primera variante por la segunda


explicando que el nuevo cuadro de las estrategias de lucha contra la pobreza
en América Latina “implica el tránsito de un tratamiento universal hacia un
tratamiento parcial y mitigador de la pobreza, fuera de la estructura de los
derechos sociales inscritos como base regulatoria de la sociedad del trabajo”
(Ivo 2003:10).

Esta colega brasileña identifica las siguientes concepciones generales que


inspiran las estrategias de reducción de la pobreza en la actualidad:

– Control de los pobres: visión represiva de la pobreza que supone que su


aumento induce un descontento creciente de los sectores empobrecidos
y, eventualmente, del incremento de la conflictividad social y la violencia,
lo que exige y legitima una intervención pública de control de las áreas
marginales y de fortalecimiento de las instituciones de seguridad.

– Refilantropía de la pobreza: asume que una distribución mas justa de los


recursos, como instrumento de enfrentamiento a la pobreza, es una
condición de desarrollo humanitario, afirmando la lucha contra las
desventajas sociales como un compromiso de toda la sociedad en la
constitución de amplias redes de sociabilidad comunitaria, basadas en
prácticas solidarias, alternativas a la ausencia de acción estatal.

– Concepción movilizativa de los pobres: considera que las estrategias de


atención a la pobreza deben incluir la organización directa de los
beneficiarios y la potenciación de sus capacidades. Este planteo toma
tres supuestos: necesidad de integrar la acción de la sociedad civil en los

6
programas de combate a la pobreza; el carácter territorializado,
microsocial y comunitario de las políticas; orientación focalizada hacia
públicos específicos. Esta concepción se desgaja en tres variantes: la
neoliberal (aprovechamiento de la capacidad y los activos de los pobres
para insertarlos en el mercado); el discurso afirmativo de la pobreza
(integración de políticas de gasto social para satisfacción de necesidades
básicas, las de apoyo a la economía popular y la autonomía de los pobres
como sujeto capaz de desarrollar procesos de autogestión); perspectiva
tecnocrático-progresivista (incluye las estrategias difundidas por los
organismos internacionales como el BID, la CEPAL y el PNUD, y postula
el apoyo público a la economía popular).

Por su parte, el Banco Interamericano de Desarrollo (1992) divide los


instrumentos de política existentes en dos clases: -de vía indirecta, los que
priorizan el uso de recursos para acelerar el crecimiento, en el entendido de
que este tendría un efecto positivo sobre el ingreso de los pobres y su nivel
de vida; -de vía directa, establece la atención a las necesidades de los
pobres a través de la provisión de servicios públicos, mediante un sistema de
transferencias que financian dicha satisfacción, accionando sobre la
redistribución de los ingresos.

Como consecuencia de que la vía indirecta en su versión pura , no dio los


resultados esperados, las recomendaciones de los organismos
internacionales en los últimos años apelan a estrategias que combinen
ambas rutas y un repertorio amplio, donde gastos públicos eficientes y bien
dirigidos se complementen con la rehabilitación de activos, las iniciativas
autogestivas, la economía popular y la acción privada., lo que hace que se
hable de la existencia de una Nueva Agenda de Reducción de la Pobreza
(Lipton y Maxwel 1992.), que recoge elementos de todas las estrategias
anteriores, pero especialmente del Banco Mundial, del PNUD y de la CEPAL”
(Parodi 2001:379).

Esta agenda incluye los siguientes principios: consideración multidimensional


del concepto de bienestar, que no reduce las estrategias a acciones sobre el

7
nivel de ingresos o de consumo de los pobres, sino a sus capacidades;
prioridad de las estrategias orientadas ayuda a los pobres para que estos
puedan generar establemente condiciones adecuadas de existencia; rol
esencial del Estado que se concreta en la provisión de información, la
generación de un entorno institucional y de la infraestructura que garantice el
acceso de los pobres al bienestar; orientación prioritaria hacia el crecimiento
del trabajo intensivo, hacia un acceso creciente de los pobres a los servicios
sociales y hacia la construcción de un sistema efectivo de transferencias que
aseguren protección ante imprevistos; incorporación del criterio de
sustentabilidad, garantizando el aseguramiento de la satisfacción de las
necesidades de los pobres sin comprometer las de las generaciones futuras.
(Parodi 2001)

Un requisito básico que exige la aplicación de esta agenda es la focalización


precisa de los destinatarios de las ayudas (well-targeted transfers) y necesita,
además, un entrono internacional apropiado, consistente en la posibilidad de
acceso de los países de bajos ingresos a los mercados globales, esquemas
flexibles para la negociación d e a deuda externa y programas de ayuda con
una adecuada focalización.

Como puede apreciarse, la mayoría de las concepciones generales, de las


vías y agendas de las propuestas en curso en la lucha contra la pobreza,
aunque se separan de un economicismo ramplón, no lo superan totalmente y
mantienen de alguna manera la supremacía de lo económico y de las
estrategias que abordan el bienestar social desde la gestión de la
distribución, obviando las relaciones de producción. Sería prácticamente
imposible reseñar aquí, aunque solo fuera sumariamente, el amplio abanico
de posturas críticas que se han estructurado en torno a este tema.
Seleccionamos, como muestra ilustrativa del conjunto, cuatro acercamientos
críticos que se han construido considerando la experiencia latinoamericana
de la última década.

Un primer acercamiento crítico a las estrategias neoliberales de alivio de la


pobreza se orienta a recuperar una articulación más armoniosa entre lo

8
económico y lo social, a rescatar la pertinencia de una gestión estatal
eficiente y de la participación ciudadana y la igualdad como valor social. Una
variante de esta postura ha surgido dentro del propio Banco Interamericano
de Desarrollo. Desde aquí, Bernardo Klisberg identifica los diez supuestos
mas comunes (“falacias”, les llama por su carácter erróneo y de inversión de
la realidad) que han sustentado las políticas sociales en la América Latina de
las reformas neoliberales:

1) desjerarquización de la pobreza como problema social, bajo el entendido


de que siempre, y en todas partes, ha habido pobres;
2) la solución de la pobreza como cuestión de tiempo (“paciencia histórica”),
del tiempo necesario para cumplir las metas económicas que permitan contar
con recursos para emprender las metas sociales;
3) el crecimiento económico como condición suficiente para solucionar la
pobreza y alcanzar desarrollo social;
4) la naturalización de la desigualdad como fase irremediable, necesaria y
superable del desarrollo, considerando que la concentración de recursos en
grupos reducidos genera capacidades de inversión que se revierten en
crecimiento económico, y así sucesivamente;
5) desvalorización de la política social por su carácter no prioritario,
secundario y subalterno con relación a políticas mayores (ampliación de la
capacidad productiva, logro de los equilibrios monetarios y
macroeconómicos, crecimiento tecnológico, etc.) y por su naturaleza de
gasto social o inversión ineficiente;
6) deslegitimación del Estado como actor del desarrollo, asociándolo
fatalmente con corrupción, ineficacia y burocratización, en oposición a la
eficacia del sector privado y el mercado;
7) desvalorización del rol de la sociedad civil como agente de cambio
progresivo a partir de la superioridad del mercado en este ámbito y de la
fuerza de los incentivos económicos, la maximización de las ganancias y la
gerencia de negocios;
8) participación social controlada en la gestión de los asuntos públicos, que
son materia de dirección especializada, tecnocrática;
9) elusión ética, donde la racionalidad técnico-instrumental sustituye la

9
centralidad de los valores y elude el debate sobre los fines;
10) ausencia de caminos alternativos.

A partir del manejo de datos sobre el desempeño económico y social


latinoamericano y de otras regiones del mundo, Klisberg demuestra lo
erróneo de estos supuestos y critica severamente su efecto de devaluación
de la política social y su incapacidad para resolver el problema de la pobreza.

En lo concerniente a la desigualdad, distingue 5 tipos de esta: inequidad en


la distribución de ingresos, en el acceso a activos productivos y al crédito, en
los logros educativos y en el acceso a la informática, demostrando
empíricamente la relación inversa entre inequidad y desarrollo y los nefastos
impactos económicos de políticas sociales de bajo perfil que obstaculizan la
formación del capital social calificado a escala ampliada. Con esto se pone
en evidencia la necesidad de estrategias de cambio social sustentadas en lo
ético y que reconozcan sus efectos de estímulo sobre la economía.

En una línea de pensamiento similar a la anterior, Alejandro Medina (2002)


considera que las estrategias de reducción de la pobreza y el diseño de
políticas sociales en general en América Latina han sido guiadas por doce
mitos que han inducido a graves errores:

1) La pobreza es un problema exclusivo del volumen de recursos;


2) El crecimiento económico reduce la pobreza y la desigualdad;
3) La creación de empleo reduce la magnitud de la pobreza;
4) Una baja inflación reduce la pobreza de manera automática;
5) Los microcrédictos son un reductor potente de la pobreza;
6) Todo gasto social deja beneficio y mejora la situación social;
7) La evaluación del impacto de los proyectos y programas sociales es
excesivamente costosa;
8) La universalidad y la focalización son estrategias excluyentes;
9) La descentralización reduce la pobreza;
10) Los programas sociales y los servicios públicos son mas eficientes
cuando se gerencian con criterios empresariales y de mercado;

10
11) El mercado surge por generación espontánea;
12) El criterio de éxito de la política social es reducir el porcentaje de
población que se encuentra en situación de pobreza.

El autor opone a los mitos argumentos empíricamente documentados que


muestran un panorama diferente al que estos suponen Entre los análisis que
incluye en su crítica aclara que .si bien el gasto social en América Latina
siempre ha sido bajo, aún en los 90s, cuando evidenció una tendencia
creciente, no cristalizó un proceso de reducción de la pobreza, porque,
según el punto de vista del autor, mas importante que el volumen de recursos
que conforma el gasto es la eficiencia de su asignación, ejecución y
evaluación. Igualmente, el efecto de derrame no se verificó, aún en países
que mantuvieron una tendencia de crecimiento importante, y el incremento
del empleo corrió a cuenta de sectores poco dinámicos o en ocupaciones
con ingresos insuficientes, con lo que no logra revertirse la situación de
pobreza. En cuanto al micro crédito, la experiencia internacional apunta hacia
el hecho de que no siempre colocar un amplio volumen de recursos en esta
dirección, lograr altas tasas de recuperación y crear un alto número de
microempresas, constituyen indicadores de superación de la pobreza, porque
con demasiada frecuencia no son los pobres, o los mas pobres, los que
pueden aprovechar esta opción y ella favorece a quienes no tenían
necesidades tan acuciantes, dándose también el caso de que muchas de las
pequeñas empresas no logran rebasar el nivel de subsistencia y llegar a la
acumulación.

En lo que se refiere a la descentralización, Medina explica que para que esta


tenga un impacto positivo en el incremento del acceso al bienestar de las
poblaciones pobres debe acompañarse de la creación de un marco
normativo adecuado, del incremento de l capacidad de gestión de las
unidades descentralizadas, de la consolidación de sistemas redistributivos
que cuenten con diversas fuentes e inducir una alta participación ciudadana
en la construcción de la agenda social.

11
De todo ello desprende que, siendo la pobreza un fenómeno de carácter
heterogéneo, que presenta diversas intensidades y modalidades, las políticas
públicas deben ajustarse a tal heterogeneidad, teniendo en cuanta las
características del estrato al que van dirigidas en lo que el llama “estrategias
diferenciadas de política social, (…), programas y proyectos para cada
situación específica (…) que en su conjunto se constituyen como una política
pública articulada para reducir la pobreza, enfrentar la vulnerabilidad, y
contribuir a mejorar la distribución del ingreso y apuntalar el crecimiento”
(Medina 2002:22).

En esta perspectiva de las estrategias diferenciadas se destaca, por


combinar diversas opciones, la de formación y redistribución de activos
productivos, incluyendo en estos el capital natural (por ejemplo, el agua y la
tierra); el capital humano (educación y salud, claves para romper la
reproducción intergeneracional de la pobreza); capital financiero
(oportunidades de crédito a pequeñas, micro y medianas empresas); capital
social (capacidad de las comunidades para su autoorganización y el
gerenciamiento de proyectos productivos , basados en redes de reciprocidad,
confianza y cooperación).. Si la pobreza es interpretada como situación
generada por la falta de activo productivos o por la falta de capacidad para el
uso eficiente de los que se poseen, la mejor política de combate a la pobreza
sería la que lograra dotar de estos a los vulnerables.

Un segundo camino crítico es el que se vincula a lo que podemos llamar


modelo ético, término que nos sugiere la definición de política social
elaborada por el brasilero W. Santos, y comentada por su compatriota Laura
Tavares, que considera que esta no es una estrategia entre otras, con el
mismo orden lógico, sino una metapolítica, que justifica el ordenamiento de
cualquier otra política, el ordenamiento de “selecciones trágicas”. Vista de
esta forma, la política social quedaría fuera del cálculo económico y se
ubicaría en la contabilidad ética, en el área del conflicto entre valores,
Constituiría una metapolítica en tanto se configura como matriz de principios
ordenadores de selecciones trágicas, principios de naturaleza cambiante y
contradictoria. (Tavares, 2000)

12
Esta definición apunta hacia la complejidad de las decisiones en materia de
política social y de su implementación práctica, particularmente porque estas
no pueden diseñarse con recetas generales y universales
descontextualizadas, y porque están siempre colocadas, al menos en las
sociedades periféricas, ante el imperativo de establecer prioridades entre
opciones dramáticas, de vida o muerte, con recursos muy limitados. El
imperativo se bifurca en uno de eficiencia económica y en otro de naturaleza
ética que, aunque no son caras fatalmente inarticulables, difícilmente se
conjugan sin contradicción.

La tercera vertiente crítica que nos interesa resaltar, es la de inspiración


marxista, centrada en la noción de Estado como instrumento de dominación
de clase.

En su orientación gramsciana, esta postura argumenta que toda acción de un


Estado y, por ello, toda política social, debe ser interpretada como parte de
una estrategia de hegemonía de la clase dominante, en tanto pretende
construir y controlar la unidad de las diferentes fuerzas políticas, y mantener
la cohesión desde la concepción del mundo que la fuerza hegemónica
impone (Vasconcelos 2000). Las políticas de lucha contra la pobreza no
avanzarán mas allá de lo que esa fuerza hegemónica considere necesario
para mantener la cohesión y su propia dominación y lo que los bloques
populares logren hacer valer en esa negociación.

De especial interés es la posición que estructura la crítica develando que es


imposible eliminar la pobreza con políticas sociales que operan en la esfera
de la distribución y el consumo, cuando deberían accionar en la esfera de la
producción, donde se estructuran las relaciones de desigualdad y los proceso
de exclusión y enajenación.

Una cuarta dirección es la de la perspectiva holística (Trputec 2001). Para


esta perspectiva la principal debilidad de las estrategias de lucha contra la
pobreza mas extendidas en la región, y en el mundo, es que estas parten de

13
un supuesto erróneo, al considerar que la pobreza es una parte del sistema
socio-tecno-ambiental que posee una causalidad interna propia y reducida,
sobre la cual es posible actuar. Pero, de hecho, es la sinergia del sistema
como un todo, con sus interacciones y causalidades, la que determina la
dinámica de las partes que lo constituyen... En consecuencia, solo una
estrategia que no se concentre en la pobreza, sino en la estructura y la
dinámica del sistema en su totalidad, incluyendo su componente territorial
global, sería eficiente. Desde esta perspectiva se somete a crítica en su
totalidad la forma global de concebir y gestionar el desarrollo y se coloca la
lucha contra la pobreza dentro de una reconceptualización de este.

Pobreza, desarrollo y participación

Un reconocido economista y profesor europeo, con una larga experiencia de


vínculo con ONGs que trabajan en Centroamérica, en un interesantísimo
ensayo comenta “(...) no cabe mucha duda de que las prácticas dominantes
en países subdesarrollados siguen todavía apegadas a las políticas
neoliberales y al combate a la pobreza como su complemento social, y no a
un concepto integral y teóricamente elaborado del desarrollo” (Trputec 2002).

Después del recorrido conceptual anterior y a través de las concepciones


sobre las estrategias de lucha contra la pobreza, considero que no es posible
encarar esta lucha, sin insertarla en otra más amplia por el desarrollo, porque
solo de esta forma podrían encontrarse opciones que interrumpan la
reproducción sistemática de las condiciones que generan dicha pobreza.

La postura contraria no logra construir verdaderos actores


autotransformativos e insertarlos en una lógica de sustentabilidad de las
acciones de cambio.

Con esta intención mínima, de insertar algunos ejes de problematización en


el debate (ejes que no son nuevos, solo que no han recibido soluciones
satisfactorias y deben seguir ocupando nuestra atención) me limitaré a
enunciarlos aquí sumariamente como interrogantes:

14
Primera interrogante: ¿Qué noción de ser humano informa las políticas de
enfrentamiento a la pobreza más extendidas?

Lla mayor parte de la gestión de políticas contra la pobreza en nuestra región


parten de conceptualizarla, de forma general, como un estado de carencias,
individual o familiar, que impide a los sujetos un acceso adecuado a los
bienes imprescindibles para la satisfacción de sus necesidades, con la
correspondiente aclaración de que este es un fenómeno histórico cultural, por
lo que las necesidades y los elementos que las satisfacen, si bien presentan
dimensiones universales, no pueden ser analizadas aisladas del contexto
social en que se construyen.

Lo esencial aquí es llamar la atención sobre el hecho de que tanto la noción


de necesidades básicas, como la de estándar de vida, aun en su versión más
amplia, está apelando a un sujeto que estaría confinado a satisfacer solo
necesidades de muy bajo perfil, elementales, considerando la complejización
de las necesidades y de sus satisfactores que ha tenido lugar en la sociedad
contemporánea. Desde esta óptica, para dejar de ser pobre bastaría con un
poco mas de ingresos, aunque se permanezca excluido casi completamente
de la mayoría de los bienes materiales y espirituales que producen las
sociedades actuales. Este no puede ser un sujeto del desarrollo, es un sujeto
de la subsistencia, típico del asistencialismo.

En un reciente texto Marcel Claude caricaturiza esta perspectiva de la


pobreza medida y gerenciada a través de necesidades y canasta básica con
los siguientes comentarios “(...)la idea de sociedad implícita en la línea de
pobreza se aproxima a las primitivas sociedades anteriores al descubrimiento
del fuego, en las que disponer de una cueva para protegerse y de un mazo
para cazar y obtener las proteínas necesarias, constituían el umbral para
saber si ese hombre primitivo satisfacía sus necesidades o no (...).
Obviamente este criterio no corresponde al de una sociedad moderna y
compleja, donde las necesidades pasan no solo por comer y cazar, sino

15
también por adquirir energía (...), transportarse, vestirse, lavarse la cara y los
dientes, calentar los alimentos, recrearse” Claude, 2002).

Como base para mediciones diferentes, Claude introduce el concepto de


Umbral de Satisfacción Mínimo, que “busca determinar el costo en términos
monetarios que una persona enfrenta para poder vivir de una manera
aceptable en una sociedad moderna” (Claude, 2002).

Todavía este umbral no supone un sujeto del desarrollo, pero al menos ubica
la problemática de la pobreza y las carencias que ella implica en el contexto
de necesidades típicas de sociedades modernas con lo que ensancha el
horizonte de rasgos de la pobreza.

Aunque la mayor parte de las definiciones de desarrollo que han sido


elaboradas desde la aparición de esta categoría, especialmente las que se
centran en las dimensiones económicas, también operan con una
primarización del sujeto, no por lo reducido de las necesidades que
consideran, sino porque su satisfacción incrementada se asocia casi
exclusivamente al consumo creciente, siempre superior, si nos apegamos a
nuevas perspectivas críticas del desarrollo, encontraremos elementos que
permiten producir un viraje en la forma de entender al sujeto y sus
necesidades. Se trata de un tránsito desde un sujeto elementalizado,
primitivizado, hacia un sujeto complejo y autotransformador y desde una
visión de “desarrollo para el sujeto” hacia la de “desarrollo del sujeto”.
(Trputec 2002). Retomaremos este tema con mayor extensión mas adelante.

Segunda interrogante: ¿Las formas usuales de medición de la pobreza


permiten construir una imagen multidimensional y compleja de la misma?

En parte esta pregunta ya fue respondida, negativamente, dentro de la


anterior. Se trata aquí de añadir algunos otros elementos comúnmente
ignorados en estas mediciones. Como antes señalamos las definiciones y
cálculos de la pobreza se fundamentan en carencia, ausencia de bienes,
limitaciones en el consumo que se considera mínimo imprescindible, sin

16
embargo, debates recientes apuntan hacia la exigencia de ampliar este
campo hacia el del consumo de males “ la distribución y el consumo de los
males del progreso económico de una sociedad” (Claude, 2002).

Claude afirma que existe (para Chile, dice él, pero parece obvio que es una
idea aplicable en un margen mucho más amplio) una doble condición de
injusticia (de pobreza, añado) y propone que, a la cuantificación de las
desigualdades y desventajas asociadas a las asimetrías en la distribución de
bienes habría que agregar las referidas a la distribución de males, que es
también asimétrica, e incluye dentro de ellos la acumulación de basura, la
contaminación tóxica, la depredación de los ambientes naturales, las
enfermedades psicológicas.

Podríamos hacer una voluminosa lista de estos males y evaluar su impacto


sobre la satisfacción de necesidades básicas o, más radicalmente, el
despliegue de las potencialidades humanas, pero lo significativo es
comprender la profundidad que permite esta postura en la comprensión de la
pobreza y las maneras de enfrentarla.

Tercera interrogante: ¿Qué concepción de desarrollo sería la más adecuada


como sustrato de las estrategias de enfrentamiento a la pobreza, que
contribuya a alejarla del asistencialismo y la primarización del sujeto?

Por supuesto que esta interrogante desborda ampliamente las posibilidades


de estos breves comentarios y no pretendo responderla, pero es
imprescindible al menos bordear el tema y dejarlo latente, como la pregunta
meta más relevante que debería marcar todas las acciones de manejo de la
pobreza.

Si valoramos el itinerario histórico descrito por el concepto de desarrollo


encontraríamos que este ha pasado por cinco grandes etapas que, por su
lógica de entrelazamiento, describen como se ha producido el viraje desde
desarrollo para el sujeto a desarrollo del sujeto. Sintéticamente esas etapas
son las siguientes:

17
Primera etapa o de generación: abarca desde el siglo XIV hasta la primera
mitad del XIX

Se caracteriza por el tránsito desde una concepción cíclica del cambio social
hacia otra progresivista, universalista y ascencional, con carácter de
inevitabilidad histórica y de ley sociológica.

Segunda etapa o de universalización (segunda mitad del XIX a 1945)

En ella queda bien definido un concepto de desarrollo y se produce su


operacionalización ,identificándolo con modernización, entendida esta como
el paso desde sociedades tradicionales a sociedades modernas a través de
procesos crecientes de industrialización, urbanización, diferenciación,
institucionalización, democratización alta capacidad para la innovación y el
cambio, la innovación tecnológica productiva sistemática, y el logro de niveles
de producción y productividad cada vez mayores (Smelser, 1959 y Germani,
1962).

Se consolida la creencia en el carácter de ley del desarrollo y de su


naturaleza causal-lineal y universal. Los factores económicos y tecnológicos
se configuran como los determinantes y con capacidad para impulsar el resto
de las esferas de la vida social. El crecimiento económico se convierte en el
núcleo central del desarrollo.

Tercera etapa o de “encantamiento” (desde 1945 hasta inicios de los años


70s)

En este período de posguerra se produce un convencimiento universal de


que los desfases en el desarrollo eran una amenaza constante a la paz y
precisamente la organización de Naciones Unidas nace teniendo entre sus
fines el de promover desarrollo y de alguna manera tratar de igualar a las
naciones como una fórmula de fomento de la paz y de evitación de los
conflictos armados y de la violencia mundial. En la teoría del desarrollo la

18
nación queda configurada como el escenario propio del desarrollo y el estado
como su protagonista o agente y garante principal. Es el período del diseño
de modelos de desarrollo y puesta en práctica de políticas concretas para
lograrlo.

Cuarta etapa o de crisis del discurso desarrollista o del desencanto por el


desarrollo (de la segunda mitad de los 70s hasta la década del 80 y
principios de los 90)

En apretadísimo resumen pude decirse que la crisis del concepto de


desarrollo se caracteriza por el abandono de la creencia de que el modelo
economicista, productivista y tecnologicista era capaz de proveer bienestar a
las amplias mayorías y de igualar a las naciones, por la radicalización de la
crítica a dicho modelo, en tanto le es consustancial la conservación de las
bases de la desigualdad entre naciones y grupos sociales, la reproducción de
la pobreza, la exclusión y la dependencia y el deterioro imparable del
patrimonio natural y cultural de los pueblos, por su falta de sensibilidad para
la comprensión de las diferencias y su pretensión homogenizadora, y por sus
efectos de anulación de los sujetos del cambio social al asumirlos como
objetos, beneficiarios pasivos de estrategias generales diseñadas desde
fuera de sus realidades particulares y sin la incorporación de los saberes
populares cotidianos.

Quinta etapa o de reemergencia crítica del concepto de desarrollo (desde los


90s a la actualidad)

A mi juicio, aún no ha cuajado esa nueva concepción, integradora y sintética,


del desarrollo que percibimos como posibilidad, pero resulta alentador que el
perfil propositivo de las ciencias sociales en este terreno se ha activado y
conviven hoy diferentes perspectivas que se ubican dentro de una visión
alternativa. Me refiero a teorizaciones y experiencias de transformación
alentadas desde las perspectivas del desarrollo local, el ecodesarrollo, el
desarrollo humano, la sustentabilidad, el autodesarrolo del pueblo, entre
otras.

19
Tratando de sintetizar el debate crítico en este campo, encontramos rasgos
y cualidades que esa proposición integradora, sintética y crítica del
desarrollo no podría dejar de incluir:

La legitimidad de una noción universal de desarrollo, ya no como progreso


lineal, homogenizante, sino en un sentido ético-utópico, de proyecto de
humanidad solidaria, donde lo más genuinamente universal es la diversidad
como riqueza, (vs. la diversidad como rémora), la capacidad
autotransformativa, de generación de desarrollo, que tienen todos los actores
sociales. El carácter de proceso del desarrollo, más que el énfasis en el
resultado final, desarrollo como formas de relacionamiento cotidiano, fundado
en participación, en solidaridad, en relaciones simétricas. De no-explotación
ni enajenantes, y donde la participación y la autotransformación son,
simultáneamente instrumentos y productos del desarrollo. La condición del
desarrollo como proceso de despliegue creciente de las potencialidades de
autocrecimiento individuales y colectivas, participar y autotransformarse,
lograr un aprendizaje.

La sustentabilidad como cualidad intrínseca del desarrollo, vista en la


relación sociedad-naturaleza y en el uso de todas las riquezas, naturales,
culturales, humanas, históricas tecnológicas y de todo tipo y sobre todo,
sustentabilidad como posibilidad de continuidad autopropulsada,
autoregenerativa, impulsada por los agentes intervinientes en el proceso de
cambio, como un compromiso de solidaridad con la naturaleza, la cultura, las
generaciones que conviven en un espacio presente y en el futuro.

La centralidad de los actores sociales, individuales y colectivos, entendidos


como sujetos con capacidad de reflexividad, de generar un conocimiento
sobre ellos mismos, sobre los otros y su entorno y, sobre esta base, de
diseñar y poner en práctica acciones de cambio.

La simetría de la reflexividad. Todos los actores están dotados de esa


capacidad o potencialidad, el desarrollo es también la creación de

20
condiciones para el despliegue de esa cualidad de actor y de agente de
cambio.

En esta última dirección, el desarrollo como proceso de configuración, de


construcción n de actores sociales, como construcción de grupos con
conciencia de metas comunes y de posibilidades de reestructurarlas, de
negociarlas con otros actores y de llevarlas a la práctica, en oposición a una
visión naturalista-determinista y estructurista de los sujetos sociales.

El carácter participativo del desarrollo, en tanto construcción colectiva de


relaciones horizontales, tanto en al matriz productiva como en la distributiva,
que debería excluir la posibilidad de intervención de un poder enajenante y
de manipulaciones externas, enfatizando las cualidades de autoorganización
de los actores de la escala de que se trate.

El desarrollo como proceso contradictorio, de tensión entre tendencias de


avance y retroceso, entre la tradición y la innovación, y conflictual, por la
interacción de actores con intereses y necesidades diferentes, e incluso
opuestas.

La dimensión cultural del desarrollo en su doble condición de conservación


de la tradición y de generación de posibilidades de innovación, de encontrar
acciones originales, no inscritas en los repertorios tradicionales de acción de
los actores, ni contenidas en la historia o las constricciones estructurales
actuantes en circunstancias concretas.

El siguiente concepto es una expresión de lo anterior:

“Consecuentemente, el desarrollo humano es el proceso consciente, libre y


participativo de transformación de relaciones de las personas entre sí y de
ellas con su entorno físico (natural y producido por los humanos) que trata
de conseguir para todos el acceso legítimo y efectivo al uso y la producción
de los bienes materiales, sociales, culturales y ambientales como las
condiciones que llevan al pleno despliegue de las potencialidades de cada

21
persona. Este proceso, por su forma, su contenido y su sentido, tiene que
garantizar la viabilidad para esta generación y las generaciones futuras”
(Trputec 2002).

Cuarta interrogante: ¿Qué posibilidades reales de generación de condiciones


para el desarrollo tienen los programas y proyectos de enfrentamiento a la
pobreza ubicados en la escala local, hiperfocalizados y descentralizados?

Una parte considerable de los esfuerzos para eliminar la pobreza, se ubican


en la escala local comunitaria.Esta es una tendencia lógica, que se asocia a
los fuertes procesos de reterritorialización que han acompañado a la
globalización neoliberal, la que , por su marcada selectividad, ha generado
impactos de exclusión e inclusión económica territorial, remarcando el vínculo
entre el espacio y las desigualdades socioeconómicas, haciendo emerger lo
local como escenartio de transformaciones globales, ya sea por conexión con
la economía mundializada o por su total exclusión de ella.Todo esto se
produce en circunstancias en que el Estado se achica y se retrae de sus
tareas como agente principál del desarrollo. El espacio local excluído se
configura como el ámbito ideal para impulsar acciones de lucha contra la
pobreza.

Pero lo que sucede con frecuencia mayor a la deseada es que lo local


excluido es tomado como menor, que solo puede destinarse a una economía
de pobreza, que permita subsistir con dignidad y con apego a las tradiciones
y formas culturales de relacionamiento comunitario, pero sin romper las
condiciones de economía subalterna.

Este es probablemente uno de los retos mas complejos para las estrategias
de lucha contra la pobreza, porque las maneras en que se ha estructurado la
conexión espacial de la econonía globalizada neoliberal amplifican la
naturaleza explotadora y desigualitaria de las relaciones capitalistas y
generan inevitablemente excluidos que solo podrían insertarse con un golpe
de suerte que los convierta en poseedores de venatjas comparativas y

22
competitivas explotables por las grandes transnacionales, golpe de suerte
que no alcanza para todos y es también excluyente.

Todo ello reforzado, además, al desdibujarse el pais, el espacio nacional y su


Estado, como las dimensiones apropiadas para el diseños de políticas de
desarrollo, sin que surja otro espacio y otro sujeto integrador.

Pero no por ello puede pasarse por alto la necesidad de que estas
estrategias aspiren a impulsar un entrelazamiento sinérgico entre la escala
micro local del desarrollo, la economía comunitaria, y otras de mayor
generalidad, regional, nacional, extranacional, global, consecuentemente, la
exigencia de construir actores en todos esos niveles, incluyendo a la
sociedad civil y de comprensión de lo local como ámbito legítimo del
desarrollo, no como el reducto para la economía solidaria de los pobres y
opción menor de los excluidos, sino como espacio de alternativas
proveedoras de inserción social, de acceso al bienestar.

Estas cuatro interrogantes no agotan, ni lejanamente, toda la


problematización crítica que el pensamiento social produce hoy día en lo que
concierne a la relación pobreza-desarrollo, pero señalan cuatro direcciones
relevantes de este análisis que de alguna manera guiarán, como meta
interrogantes, el examen del caso cubano que esta investigación ha
emprendido, intentando ubicar el problema concreto que nos hemos
propuesto analizar, la relación estado-mercado en la distribución y su
relación con las formas de enfrentamiento a la pobreza en diferentes
momentos de la experiencia socialista cubana.

Bibliografía

Banco Interamericano de Desarrollo, 1992. Reducing Poverty in Latin


America and the Caribbean: an Agenda for Actions. Washington.

23
CEPAL 1992. Renovadas orientaciones y tendencias de los programas de
compensación social en la región. Tercera Conferencia Regional sobre la
Pobreza en América Latina, Santiago.

………. 1998 El Pacto Fiscal. Fortalezas, debilidades y desafíos. Santiago.

……… 2002. Panorama social de América Latina y el Caribe.

Claude, M. 2002. Determinación del nuevo umbral de pobreza en Chile (Una


aproximación desde la sustentabilidad) Fundación Terram, Santiago de Chile.

Germani, G. 1962. La sociología científica. IIS-UNAM, México

Franco, R., 2003. Políticas sociales y equidad. En: Pobreza e Desigualdades


sociais. Serie Estudios y Pesquisas, Salvador.

Ivo, A., 2002. Las nuevas políticas sociales de combate a la pobreza en


América Latina: Dilemas y paradojas. Ponencia presentada al Seminario
Internacional Papel del Estado en la lucha contra la pobreza.
CLAPSO/CROP, Recife.

Klisberg, B. 2002 Diez falacias sobre los problemas sociales en América


Latina. Ponencia presentada al Seminario Internacional Gobernabilidad y
desarrollo en América Latina y el Caribe. MOST-UNESCO, Montevideo.

Lipton, M. y Maxwel, S. 1992. The New Poverty Agenda: An Overview.


Discussion Paper No. 306, Institute of Development Studies

Medina, A., 2002. Metro y lecciones para enfrentarla pobreza en América


Latina. En: Burgo, N. (ed.) Política Social y Trabajo Social. Serie Atlantea.
Universidad de Puerto Rico.

24
Parodi, C. 2001. Perú: Pobreza y políticas sociales en la década de los
noventa. En:
Revista de Ciencias Sociales. Vol. VII, No. 3.

Smelser, N. 1959. Social Change in the Industrial Revolution. Univ. Of


Chicago Press.

Sontag, H. y otros 2000. “Modernidad, modernización y desarrollo”. En:


Pensamiento propio, No. 11, Enero- Junio.

Tavares, L. 1999 Ajuste neoliberal e desajuste social na America


Latina.UFRJ, Rio de Janeiro.

---------------2002 “La reproducción ampliada de la pobreza en América


Latina: el debate de las causas y de las alternativas de solución”Ponencia
presentada al Seminario Internacional Estrategias de reducción de la
pobreza, La Habana.

Trputec, Z., 2001. Conceptualization of Poverty and Struggle against it.


Lessons from Central America. Universidad Nacional Autónoma de
Honduras.

…………………………. 2002. Desafíos de la gestión de desarrollo y toma de


decisiones (Colección de ensayos) UNAH, Tegucigalpa.

Vasconselos, E., 2002. Estado y políticas sociales en el capitalismo. Un


abordaje marxista . En: Borgranni, E. y Montano, C. (orgs.) La Política social
hoy. Ed Cortez, Cruel.

25
IV World Social Forum, Mumbai, 16 -21 January 2004

Project: Ibase
Partners: ActionAid Brasil, Attac Brasil e Rosa Luxemburgo Foundation

Participatory Democracy and Participatory or Citizen Budget in Germany

Andreas Trunschke

The famous French statesman and cardinal Armand-Jean du Plessis Herzog von
Richelieu (1585-1642) once said: “The budget is a states nerve. Hence, it has to be
taken away from the profane eyes of the subjects.”

This statement seems to be true even today. Of course, skilfully the budget is taken
away the views of the citizens in these modern democracies. It is presented in such a
complicated way that it takes the expert knowledge of the politicians and bureaucrats in
order to read and understand it. Hence, the citizen does not really feel the desire to
deal with it. If he, however, does make the effort to read and understand, than there are
laws, which secure that he has no influence on the formation of the budget.

This traditional politics understanding has been opposed first by the southern Brazilian
city Porto Alegre with its “Orçamento Participativo”, the participatory budget order or
citizen budget. The citizen himself does give the priorities for the budget, he himself
controls that the budget follows these priorities and the administration has to give him
the evidence over how the budget has been used and what has been done. Now, one
can see variations of this new politics understanding in many places of the world.

1
Slowly this new idea even reaches Germany. Slowly, maybe because traditionally it is
very hard for the Germans to learn from others, especially from a country of the third
world.

In the following, I will show where in Germany one can see already hints for
establishing a stronger citizen participation, which obstacles exist, which experiments
are being done in present and how they differ from the participatory budget in Porto
Alegre. At the end I will give a small view onto possible further developments.

First we will have a look at the hints of establishment. A first one we can find in the
small perished state, the GDR. In the former state-socialistic GDR parliamentary
democracy, as is well known, was not very popular, however there where starting points
for a participatory democracy. In every city residential areas housing between 2.000 to
2.500 inhabitants had living area committees from the National Front , which were
consulted regarding important questions for the development of the district. For
instance, they could be involved with matters, such as if and where playgrounds,
shopping facilities or streets were built. Of course this was an ordered participation, but
therefore it covered almost all areas. Of course those living area committees also acted
as a instrument showing of power by the rulers, but at the same time it represented a
democratic element, that in every way could have developed a certain independence.
On the one hand, they should communicate to the ground as unchangeable decisions,
on the other hand, however, they also allowed – within certain limits – the involvement
of the people. This basic idea, citizen participation in the creation of made decisions,
we will meet again later on.

Which elements reaching further than the parliamentary or representative democracy,


exist in today’s, united Germany that could be used as starting points for a stronger
participation of the citizens in political decisions? Firstly, one has to name the public
legislation. Since Germany is a federal state we have got the possibility that the people
can give up their opinion to certain questions. People can start the so-called public
initiatives by going onto the streets to collect signatures for a certain matter. If enough
signatures have been gathered together, the parliament has to deal with the
appropriate problem. If it rejects the initiative, signatures can be collected again. This
time, however, more signatures are needed and not from the streets but from the

2
authorities. Are there enough signatures, the parliament has to deal with the problem
again. If it rejects it again, however, the people are being asked. It comes to a
plebiscite. Similar procedures exist in most other countries for villages and towns as
well. It is, however, always about single problems, which, according to the initiators,
have been either not at all or wrongly decided by the parliament. Although from the
start, it is not about citizens participating in political decisions, but at least this way the
people got the possibility correcting political decisions. Within limits however. Excluded
are, for instance, decisions to financial questions or with financial consequences. But
which decision would not have to do with money? And a legislative for all of Germany
would not be possible at all, compared to many other European states. That is why we
are one of the few countries, whose constitution has been accepted not by the people
but only by the parliament. In Germany there was no vote neither for the introduction of
the Euro nor the expansion of the European Union towards eastern European
countries.

Now we will have a look at the participatory democracy in Germany. There is an area,
in which for long we in Germany have got considerable opportunities and positive
experiences. I am talking about the building planning. The statute book for the building
society says clearly: “As soon as possible, the citizens need to be told about the
general aims and purposes of the planning, possible differing solutions, which can be
considered regarding the reorganisation or development of an area, as well as the
possible consequences of the planning; they need to be given full opportunity for
expressing and discussing their view… Points can be expressed within a certain period
of time and have to be checked trough; and the result has to be reported.” (statute book
for the building society) Hence, this is a forcing rule. Everybody has got the chance
saying their opinion and the administration has to look through these opinions, prove
and test them against other different opinions and interests and explain their decision in
a written way. Thus, the citizen can participate and influence an important part of life. In
the correct way, however, there are sometimes seen problems. For example, it is not
arranged how those plans are laid out, how easy it is to reach them, where they are laid
out. It can happen of course that the interested citizen sits in front of meter-long piled-
up files without a chance gasping the main importance and the problems of the content.
That is why citizens are often very frustrated, because in comparison the opinion of a
big investor or the administration counts much more than their objection. Hence, here
much improvement is still needed.

3
A further point of establishment for the participation of the citizens on budget-related
questions exists in the so-called social reports. In all areas we find the different reports,
children-and youth reports, health reports, poverty reports, sometimes wealth reports.
Most often it is about big data grave yards, which are being used by the politicians
according to their various arguments. The social reports offer a big advantage. They
deliver important information over the social situation. Only these allow statements if
certain budget means are appropriate or not. With the help of the so-called budget
analysis the consequences of certain budget decisions onto certain living situations
could be documented, for instance for children, for the equality of the sexes or for the
nature. This allowed a better understanding of the budget instead of just a simple
representation of figures for receiving and spending. With this better understanding, the
citizen got more chances getting involved. Unfortunately, as far as I know, the existing
political instrument for the social reports in Germany is until now not being used for the
representation of the budgets.

With this I reached the main point of my report, the participatory or citizen budget in
Germany. As already mentioned, everybody can look into the budget in public. Also, via
the parliamentary parties he can try to take influence into the decisions of the
parliament. Often the parliaments themselves offer discussions to certain parts of the
budget. However, all this is not valid for the participatory or citizen budget. The question
is, how far can the citizen take influence into the creation and arrangement of the
budget.

The furthest development can be seen in the federal state Nordrhein-Westfalen. There,
at the end of the year 2000 the interior ministry in cooperation with the Bertelsmann
Foundation initiated the model event “Communal citizen budget” in which six
communities take part on. “The aim of the project is to inform every citizen better about
the budget of their community and to promote a stronger citizen participation on the
developments and happenings of the budget.” (www.buergerhaushalt.de). The project
is composed of three parts. The first part deals with the information over the budget. “In
this step the towns inform their inhabitants over their budget, but in a form that is
understandable not only for the expert but for everybody. Where does their money
come from? What is it spend on? How is the financial situation like? Which
opportunities for negotiating exist?” (dito). The second part is concerned with the citizen

4
participation on the budget. “The citizen participation is the ‘heart’ of the project. The
cities will offer their inhabitants the opportunity to express their opinion to all their
questions about the budget and to make suggestions and proposals…The decision
over the suggestions and the budget remain with the council” (dito). The third part is
concerned with the proving of what has been done. “After the budget has been agreed,
the towns have to explain to their inhabitants what had happened with their
suggestions, how the council had decided and why it had made this decision” (dito). As
an aim of this model it is given: “Our aim is, to improve the understanding as well as the
engagement of the citizens in order to prepare the foundation for one of the most
important directional changes of their towns” (dito).

Let us have a closer look at the single models in some of the participating communes.
The most interesting procedure is maybe the one in the city of Emsdetten. There the
mayor views the project as his project, which is according to all experiences a very
important assumption. The administration has presented understandably and obviously
the budget as a sort of brochure or in the internet. The citizens have got countless
possibilities taking part on the consultations, for instance via questionnaires, internet or
in a citizen forum. Additionally, around 2000 citizen chosen by chance according to
demographic viewpoints have been invited. 90 citizen registered themselves, 76
actually came.

The debate dealt with six different possibilities to balance the budget:

– by the reduction of costs for staff and objects;


– by the reduction of building maintenance and –managing;
– by the reduction of voluntary service, so for example in culture and sport;
– by taking away support, savings;
– by rising the taxes and by taking on a credit;
– and by the selling of buildings.

The largest number of citizens decided for the selling of buildings. The council, the
communal parliament there, mainly followed this proposal.

The city of Hamm in Westfalen with 185.000 inhabitants set up its first citizen budget for
2003/2004. Therefore, 50.000 homes received appropriate brochures. Also, the citizens

5
have been asked for their main concerns, problems, questions etc. This questioning
showed that the streets and cycle ways were most important to most people. A citizen
forum and a questionnaire action also deal with this problem later on. Thus, the people
could point out a problematic topic first and then discuss their suggestions for the
appointed area. Then the council decided a part of the proposed methods and offered
the needed means. However, due to the lack of money, most of the from the citizen
given proposals had to be rejected. Most probably a frustrating event for all of the
participants. In my view, this procedure has to be changed in a way that all interested
people get to know the available amount of money and thus the possible steps at the
first place.

With the help of students, a very visual way explaining people the budget has been
done in the city of Hilden. In February 2003 the citizens were invited to an giant
Monopoly game, HILDOPOLY. The rules for the game where the following: Every field
of HILDOPOLY represented a part or service of the city of Hilden. Staff working in the
departments of the city council had to give answers to every question. The citizens
could ask and give proposals. Also, the city offered a “Budget Tour”, a bus tour, on
which interested people could ask about certain plans and events. So far, the model in
Hilden was limited on a better understanding about what the city spends people’s
money on, and on the collecting of suggestions for changes and amendments.

All of these models differ significantly from the procedure in Porto Alegre, in which the
citizens discuss the entire budget and formulate the priorities for the layout of the
budget, in which the suggestions of the citizens are very obligatory and the method of
the citizen participation is discussed and varied.

Who knows a bit about politics in Germany, is asking anyway, why precisely the interior
ministry of Nordrhein-Westfalen and the Bertelsmann Foundation put so much effort
into the citizen budget. So far both, however, did not really strike through a remarkable
basic democratic engagement. One can get a possible answer by looking at the budget
situation in the German communes. For a long time the revenues do not cover the
necessary expenditures anymore. Even apparently wealthy communes such as Munich
are in sever debt. Poorer communes even have to sell some of their best properties in
order to “survive”. Almost all communes had to take on credits, which they do not know

6
if and how to pay back. Almost none without a budget security concept that at least acts
as if there could be a balanced budget again in ten years time.

Despite the hope of objective, expertise decisions and the bigger acceptance of the
made decisions through the participation of the citizens, the next and most important
question, which the mentioned model trial should explain, is how do I show and explain
the budget situation to a citizen without making him angry or ‘run away’. Almost with
relief one of the first model result analysis says: ”The concern that for a proper citizen
participation on the budget financial play rooms are necessary has not become true.
Some project communes are being watched by a budget security concept. Especially
here it has been proved that the proposals and concerns of the citizens have been
done in a cost conscious way. The understanding for the necessity to safe exists. Also,
there is the willingness of the people to even renounce for their own disadvantage upon
public accomplishments”. The on the project participating 80.000 people housing town
Castrop-Rauxel, whose constant expenditures also could not been covered by the
revenues any longer, asked their citizens for suggestions to safe. The mentioned citizen
forum in the town of Emsdetten offered all “participants the opportunity to take part in
the involvement and discussion regarding the balance of the entire budget.” “The goal
was closing a financial gap of 2.8 Mio Euro. The aim of the citizen forum was to offer a
proposal to the council that would be able to close this financial gap” (2. Middle Report).
In the city of Rheinstetten the question is also about the citizen budget: “Should
Rheinstetten be in favour of the rise of the revenues or the reduction of voluntary
service?”

Hence, the question is not as in Porto Alegre the participation on budget decisions or at
least the consultations regarding the budget, but the acceptance of reductions, it is
about the participation on the administration of the increasingly larger becoming
shortage. At the end of the day the model is not about stopping the appearance of critic
and protest regarding the shortage by giving the citizens the feeling of taking part in the
shortages. That is why it is – in contrast to Porto Alegre – not about actual decisions of
the people but about their questioning. Logically, the middle reports have changed the
phrase “participation of the citizens” correctly into “the consultation of the citizens”. The
model project initiated by the Bertelsmann Foundation is thus a so called conservative
variant of the “Orçamento Participativo” of Porto Alegre. Strangely, it follows completely
the already mentioned model of the GDR, participation yes, but the basic conditions for
the participation remain absolutely untouchable. As seen then in the GDR, the citizen

7
should help managing the shortage and not think about the shortage. Somebody might
recognise that in this country, nevertheless one of the richest countries in this world,
some become wealthier and faster wealthy, and that thus there is no money in the
public tills any longer.

This is not a criticise the honest engagement the participating communal councils and
citizens. I also think the form of participation is a progress, since participation of the
citizen on the shortage management is still better than a shortage management without
their agreement. Within the communal field there does not exist any play room that
could question the basic neoliberal concept. I just want to point out that one should
always remember the involvement of the citizens into neoliberal concepts.

Finally, we will dare a little view into the future. One has to stress the German capital
Berlin, which is federal state and commune at the same time. There initiatives are most
often organised by the citizens of the city. In two groups of initiatives they try to support
the idea. Slowly, politics prepares itself for this. Two factors contributed to this largely.
First of all Berlin is bankrupt as no other federal state and even those are not well. In
Berlin nothing works without the help from outside, thus the federation anymore. It
seems that in such absolute emergency situations politics is willed easier going
different, unusual routes even going in compromises. At least all educational
associations close to the parties have already talked to each other and have organised
a joint event regarding this topic. This is even more remarkable considering I do not
know about a second joint event of the educational associations close to the parties
SPD, CDU, FDP, Gruene and PDS.

The second factor is the government participation of the left wing party PDS in single
city districts and in the federal parliament, the parliament of Berlin. Although it has got
some difficulties with the citizen budget it principally supports this idea. It has included
the citizen budget as a demand in the their new party programme. In Berlin it will make
participation as one of their brands. In some city districts of Berlin the city councils with
influence of the PDS start municipals that deal with this topic. Even in my own federal
state Brandenburg enclosing Berlin, first developments are visible. For instance, as the
first and so far only commune in Brandenburg the federal capital Potsdam has decided
to introduce “elements of a citizen budget” for the budget of the year 2005. In other

8
cities more or less intensive discussions are held about the possibilities of a bigger
citizen participation on the budget. The Rosa Luxemburg Foundation Brandenburg is
supporting this development by their own internet site. Also, we are working on a
budget analysis, which should test what effects the new federal budget has on children
of the age to 12.

However, back to the Berlin initiatives “from below”. These initiatives have defined their
measures for a participation procedure on the budget and presented to the politics.
According to those measures differences and common characteristics of the model
trials between the Bertelsmann Foundation and the interior ministry of Nordrhein-
Westfalen become clear:

– Citizens should take part on political decisions already before the base line of the
decision has been fixed.
– The composition of the citizens should be balanced or in other words for the
population representative (no dominance of the “activists”).
– Low level opportunities for the participation should been offered (no long ways, less
time effort, no commitment to continuous involvement, no “dictatorship of the
sitting”).
– In a dialogue like procedure different suggestions have to be analysed by the
participating people and multiply voted solutions to be looked for.
– The expertise knowledge of the citizens should be used, but further needed
expertise been offered (by experts, administration and interest groups).
– At the beginning of the procedure one should agree under which conditions and in
which degree citizen proposals are given political binding for the final decision (for
example if in case of a rejection an explanation has follow).
– Groups with a weak articulation should be supported by the procedure.

In contrast to the model in Nordrhein-Westfalen citizens should be able to say their


opinion about the procedure of their participation. The should have a right expressing
their view about the determination of the priorities. And their involvement should be
more binding for the politics. As in Nordrhein-Westfalen offers regarding the citizen
participation should be easy to enter for everybody and the budget understandable and
clear without the need of expertise knowledge. The next two years will show most
probably if and how these visions become reality in Berlin.

9
All in all I can say: A not even similar ripe and far reaching procedure as in Porto Alegre
does so far exist in Germany. But slowly, very slowly the citizen participation on the
budget develops even in my country. Very certainly the citizen or participatory budget
remains an exiting topic and will most probably not be removed from the agenda.

10
IV Fórum Social Mundial, Mumbai, 16 a 21 de janeiro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

O que é uma vida decente?

Síntese da palestra de Gita Sen,


Por Guacira Oliveira,
do Cfemea

A questão, hoje fundamental a partir de uma perspectiva de desenvolvimento


humano, já teve diferentes respostas. Os processos sociais e as disputas políticas
que levaram ao estabelecimento de contratos sociais, desde o século XIX,
delimitaram os parâmetros do que se reconheceu como uma vida decente.

Ao longo do século XX, firmaram-se contratos sociais que contemplavam


fundamentalmente três dimensões:

 A primeira dimensão tem a ver com a natureza da relação entre


trabalhadores/empregados e empregadores, pela qual define-se o que seja
trabalho, as condições em que deve se realizar e os direitos dos
trabalhadores (salário mínimo, jornada de trabalho etc).

 A segunda dimensão do contrato social tem a ver com o que se faz com as
pessoas que não estão empregadas. Esta, é claro, é a parte do contrato
que trata da seguridade social e dos serviços sociais.

 A terceira dimensão do contrato social diz respeito às relações Norte-Sul no


que se refere à assistência para o desenvolvimento. Ainda que
implicitamente, depois da Segunda Guerra Mundial e do período de
descolonização, os países do Norte reconheceram, em alguma medida, a
necessidade dos países pobres viabilizarem certos projetos sociais e
programas de desenvolvimento no Sul e, evidentemente, algum tipo de
acumulação de capital, além de apoio para a mobilização de recursos para

1
a criação de infra-estrutura. Alguns designam esta dimensão do contrato
como Bem-estar Social, outros preferem denominá-la de reparação pelo
colonialismo e para uma globalização inclusiva.

Gita Sen destaca que estas três dimensões do contrato social são gravemente
rebaixadas em termos de eqüidade de gênero. No que se refere à relação
empregado-empregador, o contrato com os trabalhadores nunca incluiu todos os
trabalhadores. Foi tipicamente um contrato que esteve dirigido aos trabalhadores
homens e somente àqueles que estivessem na situação principal de receber seu
salário e sustentar uma família, uma esposa “não trabalhadora” e seus filhos. Isto
significa que as mulheres foram colocadas em segundo plano e posição no
mercado de trabalho.

Analisando a dimensão da seguridade social no contrato, percebe-se que ela


alude a elementos críticos para a vida das mulheres: o cuidado com as crianças e
idosos, a assistência aos inválidos, a proteção aos que estão vivendo em
condições de altíssima vulnerabilidade. As possibilidades de realizar estes
cuidados chegaram muito mais tarde aos contratos sociais do século XX e não
tinham nenhuma pretensão universalizante. Na área da reprodução social os
direitos estão sub-reconhecidos, têm muito pouca relevância.

Neste ponto há que se enfrentar o fato de que tudo o que está estabelecido nos
contratos sociais é resultado de muitos esforços e lutas. Nada é dado pelo
Estado, mas sim conquistado. A natureza destes contratos está diretamente
vinculada às relações estabelecidas entre o Estado, o povo e as instituições como
os mercados. Portanto, se as pautas em discussão, se os termos da disputa entre
as partes não conferiram prioridade à reprodução da vida social, não se
orientaram pela eqüidade de gênero, tanto quanto pelo direito a um salário
mínimo decente, aqueles elementos, inevitavelmente, ficaram de fora do contrato,
ou presentes de maneira muito precária.

As duas últimas décadas demarcam um período de fraturas em diferentes


âmbitos do contrato social: em todo o mundo, os trabalhadores não têm mais os
direitos que tinham há vinte ou trinta anos; as garantias sociais também não são
mais as mesmas; e a assistência para o desenvolvimento está eivada de
condicionalidades.

O rompimento com direitos e a mudança nas regras de negociação sobre os


direitos e sobre a satisfação de necessidades básicas recolocam o debate sobre o
contrato social na ordem do dia. A questão do que seja uma vida decente se
renovou e exige novas respostas. Então, em que bases se poderia definir na
atualidade o que é uma vida decente?

Gita Sen vê no momento da fratura do velho contrato social a oportunidade de


construir novas propostas e caminhos para pensar o que seja uma vida decente.
Para avançar neste sentido, destaca um elemento estratégico: que a afirmação
dos direitos humanos universais ocupem um lugar central na discussão sobre o
que seja uma vida decente. Tendo este marco ético e político, no seu

2
entendimento, será possível levantar questões que nunca puderam ser suscitadas
antes, sob a vigência dos contratos sociais prévios. Questões sobre a justiça de
gênero, sobre os direitos das pessoas que foram marginalizadas e que tiveram
seus direitos negados sob os contratos anteriores têm de ser considerados
direitos fundamentais na nova definição do que seja uma vida decente.

Neste sentido, Gita Sen destaca especialmente dois aspectos: o primeiro deles
trata do papel decisivo das alianças políticas para a redefinição do que seja uma
vida decente, sobre bases mais abrangentes e fundadas no respeito aos direitos
humanos universais. A forma como se constituem e os princípios que orientam as
alianças políticas nesta disputa em torno da resignificação do que seja uma vida
decente são de fundamental importância. O tipo de amálgama político capaz de
promover mudanças paradigmáticas é qualitativamente diferente daquele que se
produz em conjunturas específicas para o apoio a uma ou outra causa. Por
exemplo, os atores políticos envolvidos em determinadas ações de combate à
pobreza ou esforços pelo cancelamento da dívida não necessariamente
reconhecem a eqüidade de gênero ou os direitos das minorias sexuais. Ou seja,
aqueles que em determinadas circunstâncias podem estar do mesmo lado numa
arena política, podem ser incapazes de promover juntos mudanças estruturais,
porque neste ponto se trata de ter mais do que questões em comum: é preciso
comungar dos mesmos princípios.

O segundo aspecto que Gita destaca em torno da definição do que seja uma vida
decente é, em verdade, uma crítica ao marco teórico de atendimento das
necessidades básicas de consumo como elemento definidor do que seja uma vida
decente. O problema da fome na Índia, por exemplo, implica a violação de vários
direitos humanos além do direito à comida. O atendimento desta necessidade
básica não se dará pela simples garantia de uma cesta de alimentos. Há muito
mais envolvido. A fome vem acompanhada de humilhação, muitas vezes de
violência doméstica, de cerceamento do direito à educação, de violação dos
direitos da criança, entre várias outras privações. Visto por outro lado, o simples
direito à comida, a não passar fome, contem inúmeros ingredientes: questões de
subordinação de gênero, hierarquia de castas, de pobreza, entre outros
elementos que são fundamentais e que devem ser compreendidos e
reconhecidos. Não se pode falar de necessidades básicas e serviços básicos que
desconsiderem estas dimensões, como dimensões prioritárias.

Além do problema da fome, Gita apresenta um outro exemplo: de 10 a 15% das


mortes por aborto inseguro na Índia são entre adolescentes. Trata-se da
necessidade básica de serviços de saúde. Quando não se garante o serviço de
interrupção da gravidez às adolescentes, os direitos delas, incluindo o aborto
quando necessário, não está sendo satisfeito. O problema destas mortes
desnecessárias não está sendo atacado. As necessidades básicas não estão
sendo atendidas.

Um exemplo final: vários estudos realizados na Índia indicam que uma das causas
de mobilidade social descendente, que leva famílias inteiras a situações
gravíssimas de pobreza, deve-se a enfermidade de algum membro da família. O

3
fenômeno decorre dos elevados custos da saúde, em especial dos
medicamentos. Mais do que a atenção médica, neste caso, a possibilidade de não
empobrecer e de levar uma vida decente vincula-se a uma ordem internacional
mais justa, ou seja, regras justas para o comércio internacional de medicamentos.

Gita alerta para a necessidade de se olhar para a questão da provisão de serviços


a partir de um marco mais amplo. Não se trata de um marco pluralístico, mas sim
holístico, que permita ver todas estas questões, suas conexões e como elas
funcionam.

Gita encerra reafirmando a importância de aproveitar a oportunidade de


reabertura dos diálogos perante a fratura dos contratos sociais, não apenas para
nos remetermos aos contratos sociais anteriores, mas para expandir o nosso
pensamento com vistas a um marco mais inclusivo e apropriado à afirmação dos
direitos humanos.

4
IV World Social Forum, Mumbai, 16 -21 January 2004

Project: Ibase
Partners: ActionAid Brasil, Attac Brasil e Rosa Luxemburgo Foundation

Public goods

Ulla Lötzer

Last month the European Commission and the European ministerial conference
presented a paper to the WTO council and the European parliament reviving the
negotiations after the breakdown in Cancun. The result: Hardly any alterations to the
positions at Cancun can be found.

Especially they decided: the service negotiations on GATS are key priority for the
European countries. Only one actual point that shows again: the topic “public goods” is
of paramount political importance to be able to intervene in the globalization process.
Therefore the scientific advisory board of Attac Germany, the NGO WEED an the Rosa
Luxemburg foundation started a project on this topic last summer.

One part of this is to set up a mailing list on this topic, to stimulate the exchange
process between scientists, social movements and politicians. As many people as
possible are invited to participate.

Although there are many individual case studies on privatization, there is no systematic
incorporation on it and the international debate on the definition, provision and financing
public goods, especially “global public goods” is in its infancy. This is why second part
of the project is to evaluate the effects of privatization of public goods on the living

1
condition of people.

We started this process with a study on the effects of liberalization and privatization in
the European union. The reasons for this starting point were: firstly, the basis of he role
of the European union in the disputes on liberalization and privatization in the
developing countries is the process of privatization and their effects in the European
countries itself; secondly, to define the united common interests between people in
industrial countries and developing countries in this affairs.

Let me tell you only some of the first results of the evaluation in an overview. Since the
end of the 80s, a wave of liberalization and privatization has overwhelmed the
European states, somewhat later than in the US or Great Britain, where the “neoliberal
counter revolution“ had already begun in the mid of the 80s an in the southern
European countries in the 80s by structural adjustment programs of the IMF and the
world bank.

Firstly it seemed to be a solution of the crisis of private capital, the slow-down of


economic growth in the mid of the 70s worldwide with a lack of investment opportunities
for private firms and financial investors. Opening up these sectors for private investors
created new perspectives for them.

A driving force of privatization was the European market integration, which established
the framework for market liberalization, which started with telecommunication, railways
and other public transportation systems, the postal system and energy.

At the same time the states lost income for taxes, the state debts greatly increased and
the public budgets had come under strong pressure by continued tax reductions. So
they started to privatize the public enterprises, taking forms of contracting out, public
private partnership models or cross-border-leasing arrangements of great varieties.50%
of the worldwide turnovers in privatization in 1998 were results of sales of European
public assets. The arguments to justify privatization relate to greater internal and
external efficiency, better provision for goods and services at lower prices and with less
bureaucracy as a result of more competition. But experience does not confirm this
claims but mostly displays the opposite.

Privatization often is the beginning of a wave of mergers and concentration. Public

2
monopolies are replaced by private monopolies with European dimension. The former
public enterprises in the telecommunication sector for example remain the greatest
supplier in the telecommunication market and have a share in other European
companies or joint ventures with other European companies. In the electricity markets
the companies have insisted on vertical integration of generation and distribution with
the result that 6 or 7 companies dominate the market.

This concentration is happening in a number of sectors, not only electricity. There are
now four large companies, each which sales of Euros 30 billion or more, which are
dominating the sectors electricity, waste and water, Suez, Vivendi, RWE and EON.

Liberalization led to price reduction for business customers in the electricity sector,
domestic customers however have not seen such sharp falls in prices, many remained
unchanged or even risen after a short period of transition.

An important consequence is the deterioration of working conditions, an increase of


bad jobs and the informal sector in combination with job losses in all these sectors.
Since the beginning of liberalization and privatization 850.000 jobs were lost.

Transparency, public regulation and control has proved to be unable. For example in
the privatized water concessions of France. In a 1997 report they stated: “the lack of
supervision and control of delegated public services, aggravated by the lack of
transparency of this form of management has led to abuses.“ And all forms of
privatization able created formidable windows of opportunities for widespread
corruption.

There is a second wave off privatization: the social security systems, health, culture and
the education sector.

In those sectors the reforms are taken autonomously by the Member States, and the
European ministerial Conferences and the commission lay the ground for coordination
of the national policies.

And at least the privatization of knowledge. The trade in research intensive goods was
1998 51 percent of the exports of the industrialized countries. Patents are the key in the
international competition between the industrialized countries. And so the European

3
union too began in the 80s the process to widen patens on nature, plants, animals and
genes. The European regulations surpass the regulations in Trips in every point.

As a general conclusion we can say: the results are negative in Europe too. It led to
increasing inequality and social polarization, unemployment and deterioration of living
and working conditions.

On the other hand it led to great multinationals in these sectors with undemocratic
power and great profits.

Third part of the project will be to elaborate and concretize the concept of public goods
on a global, regional and national level:

There are some cornerstones on this:

In the traditional economic discourse, defining the Public good has been first and for
most a technical issue decides above all by the criteria of non-rivalry and non-
exclusiveness. However, there are on lay al few goods the nature of which
distinguishes them as pure public goods.

We think it always bears a political and normative component. “A public good is one
that the public decides to treat as a public good.“ (Malkin and Wildavsky, 1998)

What a society deems to be a public good depends on the respective historical context
and may change. So it will be an important part of the concept to look for democratic
regulations to decide on public goods.

Public goods and services should be established independently of the market


framework and the rules and regulation able to follow special social needs and rights
and political priorities and choices.

The set-up of public goods needs financial resources and therefore a continuous and
stable flow from the private to the public sector. The policy of competitive tax reduction
undermine the viability of the public sector and must therefore be terminated.

4
Fórum da Sociedade Civil na Unctad, em São Paulo,
14, 15 e 16 de junho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Desenvolvimento, dignidade humana e anti-racismo:


uma equação inacabada

Jurema Werneck 1

1- A ausência de modelos alternativos ao neoliberalismo

O professor Francisco de Oliveira, em entrevista a um canal de televisão


paga brasileiro (Globo News, em 31/05 / 2 0 00) chamava atenção para um
processo já em curso e em franco crescimento: a emergência do discurso
contestador ao neoliberalismo – tanto ativista quanto teórico. Ao contrário
da estratégia dogmática dos primeiros anos de implantação no Brasil e em
outros países do mundo, o neoliberalismo, agora com seu efeitos deletérios
dolorosamente expostos em cenas cotidianas de miséria, desesperança,
fome e morte; passa a angariar cada vez mais críticas. Segundo o professor,

1Secretária executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras.


Doutoranda em Comunicação e Cultura, ECO/UFRJ
este fenômeno ocorre sem, no entanto, tais discursos apontarem o caminho
da mudança, do novo modelo, da nova utopia.

Esta ausência tem provocado movimentações e articulações amplas de


diferentes setores que em comum têm o desejo de justiça não sepultado
pela queda do Muro de Berlim e a perplexidade diante da necessidade de
elaboração política que produza um real e pragmático patamar de eqüidade.
Como o caminho se faz caminhando, muitos destes setores têm descoberto
também que a viagem não pode ser feita de modo isolado ou sectário. E
mais, têm sido levados por diferentes circunstâncias – que incluem a
pressão política intensa e continuada dos diferentes atores organizados fora
do círculo tradicionalmente auto- identificado como de esquerda, onde estão
os movimentos anti- racista e feminista, bem como os sem terra e os sem
teto, entre outros - a reconhecer a necessidade de confronto com as
diferentes posições de privilégio que ocupam. E que, de diferentes maneiras,
embaçam sua capacidade de elaboração de novos modelos que atendam aos
seus (e de muitos) desejos de mudança.

2- A pergunta central: existe vida digna possível sob o regime capitalista?

As respostas que têm sido dadas para esta pergunta tendem a ser
inconclusivas ou evasivas até. Exemplos de falência de princípios
norteadores da organização do mundo e das relações entre países e povos,
são oferecidos tantos pelas nações centrais do sistema capitalista (o
ocidente) quanto por suas vítimas – as nações periféricas (os des-ocidentais,
como definiu Edward Said em sua obra O Orientalismo. ) Note- se que tais
princípios foram definidos pelas sociedades ocidentais ainda sob os
escombros e sob o trauma do pós II Guerra Mundial. E sustentaram a criação
da Organização das Nações Unidas e os esforços empreendidos por diversos
estados e organizações da sociedade civil em nome da paz e do
enfrentamento das injustiças.
A vitória do capitalismo real sobre o socialismo real e suas inconsistências
abriu espaço para um capitalismo livre de regulações que se poderia definir
como morais e políticas. Livre destes limites, a experiência capitalista se
espraia, se radicaliza no neoliberalismo mundializado, num sistema único de
produção de riquezas e destruição – bem como de produção de
significações. Suas faces são: o paroxismo individualista; o reforço à
concentração de riqueza e do pensamento; a destituição de sistemas
tradicionais de produção de trabalho; e a aceleração dos mecanismos de
produção e manutenção das desigualdades. Há que se chamar atenção que o
seu fundamento principal é a disseminação do paradigma ocidental sobre o
resto do mundo, anulando ou destruindo diferenças e singularidades.

Neste processo é preciso dar maior atenção a uma aparente contradição.


Esta diz respeito ao fortalecimento das ideologias desagregadoras (racismo
por exemplo), ao mesmo tempo que inclui em seu receituário o
desenvolvimento de políticas compensatórias (remédios) para as vítimas.
Não é atoa que as ações afirmativas raciais e outras estão incluídas nas
agendas do BIRD, ONU, BID2 ). Note- se que tais políticas serão incorporadas
nas agendas de estados fragilizados pela redução de sua capacidade de
intervenção e controle dos meios de regulação das relações de produção e
de redistribuição de riquezas. Considerando que a adoção destas agendas
pelos diferentes organismos retratam também a penetração das bandeiras
“específicas” no discurso geral.

A aparente contradição se revela também ao notarmos que as ações anti-


racistas penetram as agendas estatais sem que os tradicionais setores de
esquerda tenham tido capacidade de incorporá - las em suas próprias
agendas e matrizes teóricas de forma aprofundada e consistente.

2Aqui é preciso reconhecer ação bem sucedida dos movimentos organizados que foram
capazes de hegemonizar suas reivindicações e propostas, ainda que subordinadas aos
paradigmas do ocidente.
3- É possível um capitalismo anti-racista? Ou: de que modo um sistema
político pode disponibilizar as condições necessárias à dignidade e
subsistência de diferentes populações?

Parto do capitalismo porque, neste momento, é o sistema dominante em


vigor na maioria dos países do mundo, bem como a razão que nos trouxe
até aqui.

Muitos de nós já respondemos negativamente a esta pergunta – com


alternativas que vão desde o confronto armado até a busca de mudança sob
as regras do sistema democrático. Ou seja, via eleições.

A eleição de partidos políticos e candidatos majoritários identificados com


aspirações de reforma do capitalismo, de modo a incluir em seus esquemas
de vantagens a ampla maioria dos explorados acalentou sonhos e
estratégias de ação de muitos. Em última instância, a ascensão desta
corrente de pensamento ao poder nacional poderia significar a
hegemonização de ações em diferentes níveis, estatais e da sociedade civil,
que no médio e longo prazos significariam a implantação do socialismo
ideal. Ou do comunismo. Ou mesmo do capitalismo em bases eqüitativas –
no que se refere à distribuição dos meios de produção e subsistência a
todos. Uma espécie de estado de bem estar social ou de programa de renda
mínima maximizados.

No entanto, sempre restaram para muitas e muitos dos integrantes daqueles


grupos então chamados de excluídos 3 , um certo receio quanto a eficácia
destes modelos numa perspectiva anti - racista, por exemplo, ou anti- sexista,
ou popular. Uma vez que seus modelos teóricos eram falhos para
compreender e incluir a perspectiva da eqüidade das relações tanto de

3
Sabemos que a interconexão das relações raciais e sociais na esfera capitalista impedem o
isolamento de segmentos ricos ou pobres, uma vez que é a destituição de uns que vai
produzir o privilégio de outros. Daí que a denominação de excluído seria apenas um
eufemismo para indicar os segmentos atingidos pela super- exploração, expropriação e
aniquilamento.
produção material e simbólica, quanto das relação interpessoais e
intergrupais.

Neste contexto uma outra questão se impunha para aqueles mais


identificados com tais setores, em especial o anti- racista e popular: será que
existem modelos recentes na história do mundo que possam ancorar
propostas de desenvolvimento eqüitativo e sustentável partir destas
perspectivas?

4- Governos de e para a maioria?

A ascensão da maioria negra ao poder político num país 4 , para a


reconstrução da coesão social e redistribuição das riquezas em bases não
raciais, ou seja, numa perspectiva anti- racista, tem um exemplo importante
e de destaque: a África do Sul de 1994 em diante. A mudança de regime
proposta por um processo político de mobilização de amplos setores tanto
nacional quanto internacionalmente, que propiciou a queda do regime
racista em fins do século XX, produziu alterações na vida da maioria da
população sul- africana, notadamente a população negra (que corresponde a
88% da população total do país 5 ) ainda não suficientes para uma efetiva
realização das aspirações de bem estar e eqüidade. Isto apesar da mudança
estar ancorada na figura de uma liderança carismática e de amplo apoio
popular – Nelson Mandela; e num partido de esquerda representativo – o
African National Congress/ ANC.

Após 10 anos no controle do poder estatal na África do Sul pela maioria


negra e indiana, o cenário que se apresenta não oferece resultados

4
Ainda em épocas coloniais a região da América Latina e Caribe assistiu ao fenômeno da
revolução no Haiti, fortemente influenciada pela revolução francesa e seus princípios de
igualdade, fraternidade e liberdade (Ver: Os Jacobinos Negros) . Estes princípios, eles vieram
a descobrir – e a história tem tornado evidente até os dias de hoje - não se aplicavam à
população negra num forte contexto racista que dominam as relações entre povos e estados
e que fundamentam a dominação de origem eurocêntrica e/ou branca .
5 Aqui, fruto da
soma entre africanos/negros equivalentes a 79% e coloureds, 9%.
adequados a qualquer afirmação de mudança profunda e radical do
cotidiano da população 6 .

A fuga de investimentos do primeiro momento, foi seguida pela implantação


da agenda neoliberal de controle de setores estratégicos da economia pelo
segmento privado internacional via privatizações e da reduzida capacidade
estatal para investimentos públicos necessários à prestação de serviços de
saúde, educação, geração de empregos, entro outros, à maioria antes
excluída pelo apartheid.

Exemplos posteriores, talvez com diferentes graus de representatividade e


reconhecimento, a América Latina tem oferecido, onde se pode destacar as
figuras de Lula (uma representação marcadamente vinculada à noção de
classe social, da ascensão da classe dos pobres ao poder) e de Alejandro
Toledo (significando a retomada do poder pela maioria indígena no Peru).

Há muitas semelhanças entre os processos, desejos e aspirações que


projetaram e pavimentaram o caminho para que propostas políticas de
transformação, representadas por estes líderes e seus partidos, fossem bem
sucedidas na obtenção da hegemonia política. Ressalte- se entre estes
fatores a incapacidade do sistema político- econômico em prover um
patamar mínimo de condições adequadas à dignidade humana, tanto de
sobrevivência material quanto simbólica.

Cabe perguntar aqui se os fracassos aparentes ou incapacidades em curso


também têm as mesmas origens...

É possível constatar que, apesar da forte sustentação popular que tais


governos angariaram, a adoção de uma agenda fortemente marcada pelo
contexto neoliberal na gestão da economia – ainda que em contradição com
projetos e políticas sociais que objetivavam e objetivam o bem estar da

6 Ver Gelb, Stephen. Inequality in South Africa: Nature, causes and responses, 2003
maioria – é um traço marcante e comum. Ao mesmo tempo que a
agressividade das iniciativas neoliberais não foram suficientes para a
derrubada do apoio popular a estes governantes. É fato que à exceção
somente de Alejandro Toledo, que enfrenta baixos índices de aprovação
neste momento.

Ao contrário, no caso da África do Sul, o sucessor de Nelson Mandela, Thabo


Mbeki foi recentemente agraciado com um segundo mandato frente o
governo daquele país.

No Brasil, o governo de Lula permanece com alto grau de apoio popular,


apesar da crescente contestação que sofre dos setores médios da população,
onde se insere a maioria dos partidos e das organizações da sociedade civil
de esquerda.

Acredito que as interpretações que vão afirmar razões ligadas ao populismo


– e a um suposto conservadorismo ou “ignorância das massas”- por traz do
apoio presente tanto na África do Sul quanto no Brasil se devem, em muito,
a impregnações racistas e preconceituosas de seus autores. Bem como a um
messianismo e suposta capacidade de liderança transformadora que a classe
média se atribui, que buscam legitimar suas aspirações como de maioria.

Na defesa de seu pontos de vista e interesses, estes setores têm se


mostrado incapazes de uma leitura adequada da realidade, no que se refere
às aspirações e proposições no campo da política de negros e pobres não
apenas no Brasil quanto em outras partes do mundo.

Estas deficiências estendem- se à incapacidade de articular análises políticas


ao campo da cultura, que inclui sistemas de pensamento, de crença e modos
de projeção do futuro. Acredito que esta incapacidade têm origem no
eurocentrismo que perpassa o pensamento da esquerda, inclusive e
paradoxalmente no Brasil, incapaz de dialogar com as perspectivas
indígenas, africanas a afrodescendentes, para a produção de modelos
híbridos 7 e capazes (ou ao menos, pré- condicionantes) de eqüidade.

Por outro lado as matrizes e discursos expostos pelo movimentos sociais


excêntricos8 não foram capazes de explicitar a abrangência de suas propostas
no que se refere às transformações dos sistemas políticos e regimes
econômicos que seriam necessárias à plena realização de suas bandeiras.
Em muitos dos casos por não enfrentarem suficientemente – ou por não
problematizarem adequadamente - o sentido das desigualdades raciais e
étnicas, ou das diferentes desigualdades , como fatores estruturantes
fundamentais ao sistema de trocas assimétricas do capitalismo. E mais, a
forma como estas assimetrias são vivenciadas e potencializadas no
neoliberalismo.

5- Uma outra leitura

Em tempos recentes, quando as últimas crenças da esquerda foram


destituídas pela força de submissão ao receituário neoliberal à medida que
angariam o controle do poder central e político das nações, fez- se
necessária a releitura da realidade buscando matrizes originais de
pensamento ou, ao menos, um olhar alternativo sobre os dados que a
política e a economia apresentam.

Nesta perspectiva, uma das formulações mais interessantes nos últimos


tempos foi feita pelo professor Francisco de Oliveira em seu ensaio O
Ornitorrinco. 9

7 Esta noção de híbrido aproxima- se daquela posta por Nestor Garcia Canclini, considera o
processo de encontro e mistura marcados pela fricção, pelo atrito, ou seja, incorporando a
dimensão de conflito inerente ao encontro de diferenças.
8 Em referência à esquerda tradicional aqui definida como central.

9 Oliveira, Francisco de. Crítica à Razão Dualista/ O Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo Editorial,

2003
Para o autor, o ornitorrinco seria a metáfora do Brasil, visto como híbrido
inconcluso, esdrúxulo e o improvável realizado. Nesta metáfora, a
singularidade brasileira ancora- se num sistema econômico formado por
setores avançados e padrões compatíveis com nações capitalistas bem
sucedidas, inclusive quanto ao patamar de democracia; sem no entanto ter
produzido os mesmos resultados de bem estar e ainda vivenciar fragilidades
no que se refere à dívida interna e aos processo de inovação tecnológica, por
exemplo.

Sua análise, amparada na ótica evolucionista visibilizada por Darwin 10 ,


desvela, nas palavras de Roberto Schwarz na contracapa do livro, “o
monstrengo social em que, até segunda ordem, nos transformamos”.

Este ensaio, reflexão apaixonada sobre o Brasil, seus paradoxos e desafios,


afirma determinada matriz de pensamento que, ao mesmo tempo em que
desnuda incongruências, não oferece saídas. Permitam - me uma longa
transcrição:

O ornitorrinco é isso: não há possibilidade de permanecer como


subdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução Industrial
propiciava; não há possibilidade de avançar, no sentido da acumulação digital-
molecular: as bases internas da acumulação são insuficientes, estão aquém
das necessidades para uma ruptura desse porte. Restam apenas as
“acumulações primitivas”, tais como as privatizações propiciaram: mas agora
com o domínio do capital financeiro, elas são apenas transferências de
patrimônio, não são, propriamente falando, “acumulação”. O ornitorrinco está
condenado a submeter tudo à voragem da financeirização, uma espécie de
“buraco negro”: agora será a previdência social, mas isso o privará
exatamente de redistribuir a renda e criar um novo mercado que sentaria as
bases para a acumulação digital-molecular. O ornitorrinco capitalista é uma
acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem remissão. Vivam

10Como nos lembra Mohamed El Hajji, este evolucionismo foi tomado emprestado de Herbert
Spencer e é compatível com as idéias de Gobineu, em especial sua teoria de “desigualdade
das raças humanas” divulgadas em 1853.
Marx e Darwin: a periferia capitalista finalmente os uniu. Marx, que esperava
tanto a aprovação de Darwin, que não teve tempo para ler O capital. Não foi
aqui, nas Galápagos, que Darwin teve o seu “estalo de Vieira”?11

E será que foi mesmo este, o primeiro encontro dos dois pensadores
brancos europeus para a produção de modelos explicativos do que se passa
com o resto do mundo?

6- O mundo animal ou o que?

Em primeiro lugar eu preciso dizer que, desde os meus tempos escolares,


sempre fui uma apaixonada pela figura do ornitorrinco presente em meu
livro de ciências, bem como de sua companheira de habitat, a eqüidina (que
me criava, e cria, inúmeras dificuldades na pronúncia do nome).

É do lugar desta paixão que prossigo nesta análise, a partir do pensamento


do professor Francisco de Oliveira, sem, no entanto, pretender me equiparar
à sua estatura intelectual.

Começo pela metáfora, ou seja, pela escolha da figura do ornitorrinco como


representação do que é esdrúxulo e incompleto, ou uma conclusão
inadequada de um processo evolutivo.

Não irei discorrer aqui sob os aspectos questionáveis do pensamento


darwinista e sua teoria evolutiva – tanto o pensamento científico racional
quanto o pensamento religioso ocidentais já se encarregaram disto, já que
nem sempre de forma bem sucedida.

O que interessa aqui é tentar desnudar alguns aspectos envolvidos neste


processo de metaforização, de modo a contribuir para elucidar a visão anti-

11 Oliveira, Francisco, op. cit., p. 150


racista e uma possibilidade de se pensar alternativas para o
desenvolvimento.

Deste lugar, considero crucial o questionamento da visão que coloca o


ornitorrinco em condição de inferioridade – ou de excentricidade – em
relação a um padrão de adequação pouco explícito mas poderoso. Esta visão
traz embutida um modelo de certo, de belo, do perfeito. Em muitos
momentos, principalmente em obras de arte, o pensamento ocidental elegeu
um animal que representasse esta perfeição: o cisne. Ou, ao menos, ele tem
sido celebrado na cultura européia como modelo de beleza, de delicadeza,
de elegância.

A escolha do ornitorrinco no contexto já assinalado traz à baila uma outra


metáfora. Uma fábula infantil da literatura ocidental que narra a história do
patinho feio: o inadequado e esdrúxulo por erro de visão. Ou visão
distorcida. Ou preconceituosa.

O patinho feio é aquele deslocado de seu habitat, de seu conjunto de


significações – e, portanto, o que não se encaixa no modelo dominante.
Lembra o Caliban shakespeariano, na sua condenação à inferioridade atávica
segundo Próspero.

Há aqui fortes relações de poder e dominação. Relações de dominação que,


transpostas para o contexto político que aqui tratamos, falam de um
eurocentrismo gritante: o patinho feio era, na verdade, um cisne! O discurso
de Próspero como enunciador único e válido do ideal de beleza e adequação;
referência discursiva que produz, para seu próprio deleite, para sua auto-
afirmação identitária, o estranhamento frente ao ornitorrinco. É
explicitamente o eurocentrismo ordenando a leitura do mundo.

Em sua obra contundente, Edward Said, entre outros, deixou explícito o


poder do pensamento ocidental- europeu em ordenar e classificar o resto do
mundo, suas histórias e circunstâncias, a partir de uma posição de
superioridade. O eurocentrismo, reafirmamos, é um ordenamento do
mundo. Através dele a Europa, em sua branquitude, seu amparo na
racionalidade, cientificização dos processos da natureza, no individualismo e
numa tradição definida a partir de uma civilização greco- romana (entre
outros aspectos, xenófoba, belicista e machista), encontra as prerrogativas
que sustentam sua ação constante na subjugação do resto da humanidade.

É a partir desta perspectiva que surge a inadequação do ornitorrinco e sua


incapacidade de ajustar- se às matrizes alienígenas (as eurocêntricas).

O ornitorrinco é um animal atual, pleno de significação e cujo sentido diz


respeito a seu habitat natural, imbuído de todo seu sistema de significações.
Portador de todos os requisitos necessários e adequados à sobrevivência e
persistência – como prova sua presença neste século XXI – está sob ameaça,
como grande parte dos seres vivos, devido ao espalhamento do padrão de
exploração e produção capitalista ocidental que requisita cada vez mais a
destruição das paisagens naturais em troca do lucro e da movimentação do
sistema econômico- financeiro.

O ornitorrinco representa uma possibilidade de contestação a visão ocidental


como paradigma, da estrutura monoteísmo de pensamento que exige o
desaparecimento de toda e qualquer alteridade; do etnocentrismo racista
que revigorado pelas ferramentas econômicas ameaça povos e gentes.

7- Qual o modelo?

O Brasil não se encaixa no modelo erigido pelo pensamento europeu.


Galápagos não é a pré- história do mundo. E Darwin e Marx juntos não serão
suficientes para encerrar esta discussão.
O Brasil, apesar de ser visibilizado e teorizado fundamentalmente a partir
das matrizes ocidentais européias brancas de pensamento, é depositário
também das tradições ameríndias e africanas. Estas, vêm a fundamentar
outras matrizes de pensamento que se colocam em diálogo na produção de
realidades e sistemas de significações – ainda que em subordinação, na
vigência do racismo ou da aparente impossibilidade de existência sem o
atrelamento aos discursos eurocêntricos. Admito não ter condições aqui de
discorrer sobre as matrizes ameríndias em vigor no cenário que habitamos
neste princípio de século XXI, mas recuso adesão à esquemas minorizantes e
tentativas de redução destes múltiplos sistemas cognitivos- culturais à
patamares de primitivismo. Mas, felizmente, os povos indígenas
contemporâneos estão aí, capazes de elaborar e emitir seus próprios
discursos e interpretações do mundo e seus fenômenos, em diálogo e crítica
a todos os outros.

Aqui, busco as referências africanas e afrobrasileiras – e nelas, elementos


que possam contribuir para a reflexão ao redor do tema aqui proposto:
desenvolvimento e dignidade humana.

Começo por uma perspectiva que é básica: não é possível falar em matriz
africana ou afrobrasileira no singular. Por traz da classificação de lingüistas
europeus de povos bantos e iorubas, sabemos que se tratava de centenas de
povos diferentes à época da penetração violenta de europeus no continente
africano. Diferentes línguas, diferentes sistemas de crenças, diferentes
formas de ordenar o mundo nos propiciaram uma forma que talvez seja
chamada de pluralista de ver o mundo. A partir daí não é possível definir um
centro, um modelo, um pensamento único.

No sistema de crenças elaborado no Brasil, as religiões afrobrasileiras


propõem diferentes formas de contato e de afirmação com o sagrado (a que
a racionalidade ocidental moderna não foi capaz de banir). E mais, um
sistema de crenças onde a pluralidade se espalha vertical e horizontalmente
e atinge inclusive aos deuses: uma profusão de orixás ajudam a afirmar as
diferenças que constituem e movimentam a existência.

Os orixás, na sua ostensiva diversidade, nos freqüentam e contribuem para


o ordenamento do mundo neste século XXI. São elementos transformadores
e símbolos da interconexão dos diferentes mundos coexistentes e
justapostos.

Eles fazem do conjunto cognitivo que mantém o vigor de conceitos como


axé e muntu.

Estes, afirmam um princípio da existência como jogo de forças. Muntu é a


força que se organizada na forma humana dotada de inteligência e bantu é o
seu plural.

Axé é a força de realização, o movimento que faz a existência acontecer em


toda a sua dinâmica. A partir destas perspectivas, da plenitude das forças
em interação, toda hierarquia será momentânea, toda subordinação,
instável. Uma vez que a movimentação da existência significa jogo, significa
disputa e troca entre as forças. A matemática resultante daí privilegia o
ímpar, porque significa movimento e, portanto, a possibilidade de
emergência do novo.

O que isto tem a ver com a questão do desenvolvimento e da dignidade? É


que estas perspectivas ajudam a dar consistência à afirmação da adequação
do ornitorrinco e sua pertinência num contexto de pluralidade. Permite
visibilizar a irredutibilidade de Caliban aos meros desígnios de Próspero. A
afirmação de que estes elementos coexistem neste mundo conflituoso do
século XXI é recusar o ocidentalismo /eurocentrismo / etnocentrismo /racismo
como patamar único de análise a partir do que se erige o conceito de
desenvolvimento.
E mais, permite trazer para o diálogo a perspectiva de dignidade a ser
incorporada ao debate sobre modelos de desenvolvimento que denuncia no
próprio conceitos seu poder de aniquilamento de toda e qualquer dignidade
que não aquela que diz respeito a sujeitos homens, brancos, ocidentais,
heterossexuais, racionais etc.

É assim que entendo poder debater alternativas de desenvolvimento


segundo um conjunto de pensamentos já expressos pelo movimento anti-
racista no Brasil.

Durante o Fórum Social Brasileiro (Belo Horizonte, 7 e 8/11 / 2003) tive a


oportunidade de colocar na mesa de reflexões sobre novos modelos de
desenvolvimento um exemplo antigo oriundo da luta de negras e negros
para a construção de possibilidades de vida digna frente a um modelo de
sociedade com hipertrofia da dimensão eurocêntrica econômica e a redução
radical de humanos à super- exploração produtiva. Naquela ocasião o
exemplo dos quilombos, como uma das possibilidades engendradas pelas
lutas de liberdade e dignidade, produziu patamares de convivência de
diferentes grupos humanos, diferentes sistemas cognitivos e de formas de
relação com o sagrado. Mulheres e homens de diferentes idades, negros,
indígenas e brancos, a partir dos sistemas erigidos pelas diferentes culturas
africanas aqui instaladas, forma capazes de construir sociedades de auto-
defesa contra ataques do Império, ao mesmo tempo que de bem- estar e
convivência.

Esta iniciativa de análise do quilombo visava fornecer elementos para o


pensamento político contemporâneo, a partir da a proposição de um
deslocamento que não é o do olhar – o mais comum – mas sim um
deslocamento dos corpos, das matrizes, dos sujeitos, das histórias.
Acreditava – e acredito – que é deste deslocamento radical que se produzirá
as condições de possibilidade essenciais à renovação do pensamento e das
formas de elaboração do futuro.

É o deslocamento do indivíduo, do sujeito, do individualismo como


ideologia, do ocidente como única matriz, e da branquitude como critério,
que se colocam na base da acumulação que será possível pensar
conjuntamente alternativas de convivência e compartilhamento de riquezas
passíveis de ser apropriada por todos os diferentes – e não apenas pelos
brancos.

Este deslocamento deve significar necessariamente o desvelamento de


outras falas e outras matrizes que, em interação poderão abrir espaço novos
discursos – que só serão novos se novos emissores se apresentarem nos
novos contextos e novos cenários.

É preciso acrescentar que, de algum modo, algum tipo de deslocamento já


está em curso – e a inclusão da perspectiva que eu represento nos debates
sobre o desenvolvimento é um retrato (e não é o único) disto.

Cabe interrogar, no entanto, qual o limite deste movimento. Até onde se


pode ir? Como romper a cerca ou o nicho do viés dos direitos humanos para
poder desfrutar do conjunto, das diferentes perspectivas; dos diferentes
temas?

Da mesma forma que será preciso desnudar outras armadilhas, outros


encarceramentos do pensamento ainda em voga, inclusive para se poder dar
maior complexidade aos significados embutidos nas idéias mesmo que bem
intencionadas de desenvolvimento.

Tratar do tema do desenvolvimento e/ou da dignidade humana desde a


perspectiva anti- racista implica, como passo essencial, a desmontagem de
todo um sistema de pensamento que, ao longo de séculos tem oferecido as
condições para espalhamento e manutenção de diferentes esquemas de
inferiorização de negras e negros em qualquer parte do mundo. De uma
visão d de mundo que possibilita a competição desenfreada como substrato
à desejos de acumulação. E a redução das relações humanas à possibilidade
unidimensional atrelada a paradigmas da economia.

Nos diferentes sistemas culturais presentes na nossa afrobrasilidade é


importante destacar que o jogo que dá sustentação e dinamiza é um sistema
de trocas que, como assinalou o professor Muniz Sodré em seu livro A
Verdade Seduzida, não deixa resto. A equivalência é pressuposto da
existência. A dignidade está no reconhecimento da presença e pertinência
das forças em disputa.

Assim, o modelos de interação poderá ser definido, então, como movimento


agônico, pulsante, de forças que se encontram num patamar de
responsabilidade individual e coletiva. Fazer crescer esta força, para além de
acumulações individualistas é obrigação do ser que existe.

Qualquer sistema econômico, qualquer modelo de desenvolvimento que


venha a ser adotado deverá ser mais uma peça dentro das possibilidades
deste jogo.

8- Referências Bibliográficas:

EL HAJJI, Mohamed. O Discurso da Exclusão: globalização e ocidentalização do


mundo. Rio de Janeiro, ECO/UFRJ, 2003. Mimeo.
GELB, Stephen. Inequality in South Africa: Nature, causes and responses. South
Africa, Johannesburg, The Edge Institute, 2003
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista/ O Ornitorrinco. São Paulo,
Boitempo Editorial, 2003
SODRÉ, Muniz. A Verdade Seduzida.
Fórum da Sociedade Civil na Unctad, em São Paulo,
14, 15 e 16 de junho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Francisco de Oliveira
Sociólogo

Por quê política ?

 Boa tarde. Neste fim de tarde, começo da noite fria de São Paulo, muito
obrigado ao Ibase, aos meus velhos amigos do Ibase e das outras
organizações, o Attac e a Fundação Rosa Luxemburgo pelo convite para
estar aqui hoje.Devo citar especialmente o Ivo Lesbaupin, que me fez o
convite, pessoalmente. E a ele fico devendo muitas coisas, inclusive um
texto. A pergunta é: por quê reinventar a política? É porque, numa definição
muito polêmica, a política é a reivindicação da parte dos que não têm parte.
Esta é uma definição de Jacques Rancière, um filósofo francês em seu
pequeno e magnífico O Desentendimento. Isto é, se faz política quando,
para dizer da forma mais simples, quando se reivindica o que não é nosso
pelo sistema de direitos dominantes, e se cria um campo de contestação.É
o que o MST faz, por exemplo. Rancière chama as manobras cotidianas da
política de “política policial” para distinguir entre as rupturas e a criação de
um campo de disputas e o movimento comum da atividade política. E,
como estamos e ainda estaremos por muito tempo, até onde a vista
alcança, numa sociedade em que os que não têm parte são a maior
parte,então é preciso fazer política. Por quê? Porque o sistema capitalista é
fortemente concentrador de riquezas, de recursos e também concentrou a

1
política. E a política apareceu, num sistema de propriedade privada, como
a invenção capaz de corrigir, senão totalmente, pelo menos parcialmente,
em algumas questões muito importantes, a assimetria de poderes que o
sistema capitalista cria no seu movimento. O sistema fortemente privatista,
concentrador em todos os sentidos, do qual não se pode esperar
automaticamente da sua dinâmica, nenhuma distribuição ou redistribuição
da riqueza e do poder. Mesmo os casos mais bem sucedidos em que o
sistema capitalista chegou a níveis de, eu não diria de igualdade, mas a
níveis de desigualdade toleráveis, é uma ilusão pensar que isso se deu
automaticamente. Na história da Europa Ocidental foram as instituições
que se chamou do Estado do Bem-Estar que conseguiram produzir os
níveis menores de desigualdade. Mesmo na tradição americana, que é tida
como a mais liberal, é uma ilusão pensar que foram os mecanismos de
mercado. Foi aí, precisamente na Grande Depressão que surgiram com
maior força elementos também do Estado do Bem-Estar, que a retórica
liberal norte-americana oculta como tendo sido de iniciativa estatal.

 Seria longo alinhar as razões pelas quais foi pela política e não pelos
automatismos de mercado que se conseguiu reduzir os níveis de
desigualdade nas experiências mais exitosas da democracia
representativa. Mesmo na sua periferia e, sobretudo, falando da periferia
latino-americana, embora nunca se tenha chegado a nenhum Estado do
Bem-Estar - os nossos se parecem muito mais com o Estado do Mal-Estar
– percebe-se pela narração da experiência mexicana - na palavra aqui do
companheiro Victor Quintana - como a pretensa instalação de
automatismos de mercado elevou, de novo, os níveis de desigualdade
mexicana a patamares que os mexicanos não conheciam há mais de 50
anos. Mesmo que o Estado criado pela revolução mexicana tenha sido
eivado de um forte componente autoritário e carcomido por uma corrupção
talvez sem paralelo. Mas este estado que tem no governo o senhor Fox –
rapôsa em inglês, como sabemos -é pior do que a experiência mexicana
anterior, autoritária e corrupta. O caso brasileiro, que conhecemos mais,
confirma a experiência mexicana, assim como a argentina e a chilena.

 Então, o ruim da história é que a dinâmica capitalista está tornando a


política irrelevante para as classes dominantes e inacessível para as

2
classes dominadas. Irrelevante do ponto de vista de que as grandes
questões, as grandes decisões, passam por fora do sistema representativo
e não estão ao alcance das instituições que a democracia criou para
veicular esta reivindicação da parte dos que não têm parte. Qual é o caso
mais dramático entre nós que explicita essa irrelevância da política para as
classes dominantes na América Latina? Sem dúvida, O caso da
Venezuela, onde a burguesia venezuelana com seus aliados, com o apoio
norte-americano e da Espanha, fortemente insuflado pela mídia, operou
simplesmente a tomada do poder político pelo presidente da
FEDECÁMARAS, a superfederação das federações das
empresas.Reduziram o poder político ao poder econômico, anulando a
separação entre os campos dos dois poderes, que o próprio liberalismo
elevou ao estatuto de princípio fundamental. Isto mostrou a irrelevância da
política como método de ação dentro da sociedade capitalista.

 Isto mostra a chamada crise da democracia representativa, a principal


forma da política na longa experiência que vem se
universalizando.Passamos então de uma situação em que a esquerda, e
eu me incluo nela, fazia a qualificação da democracia como “burguesa” e
não lhe reconhecíamos o caráter, contraditório, democrático da
democracia. Mas dessa situação de apelidar “democracia burguesa”
transitou-se a uma outra, oposta e igualmente perigosa. Aquilo que na
senda do discurso político dos anos 20 e 30 do século XX, chamou-se
“cretinismo parlamentar”, remember Carl Schmitt e a “conversa sem fim”
dos parlamentos. Do zero ao infinito. Então louva-se que hoje praticamente
não há sistemas totalitários ou mesmo autoritários. E também declinou o
número de tiranos, tiranetes, ditadores e chefetes. Aí chegamos ao
paraíso. E isso ocorre precisamente quando a política torna-se irrelevante.
O paradoxo da ampla democratização no mundo é que as instituições
democráticas e representativas não funcionam mais. Não funcionam para
fazer a correção das assimetrias de poder econômico e político dentro do
sistema.

 A arena política, dos partidos e das instituições representativas, foi


abandonada pelo poder econômico e o poder político foi transformado em
um simulacro. Em tradições liberais mais afoitas como a norte-americana,

3
que detém a mais longeva experiência democrática mundial, os gringos
com seu espírito pragmático se deram conta logo cedo que os mecanismos
da democracia representativa eram insuficientes para processar os novos
interesses criados pelo capitalismo mais dinâmico do planeta. Então
inventaram os lobbies que são uma forma, também institucionalizada,
reconhecida, de pressionar por fora do sistema representativo. Em outras
tradições paradoxalmente menos liberais e mais cínicas, como a da própria
Europa e as da periferia capitalista, os lobbies sequer são
institucionalizados; em certas práticas do capitalismo asiático, não há nem
necessidade de lobbies: as classes dominantes são donas do poder
político, como na experiência do Partido Democrático no Japão, por
exemplo.No Brasil, quem passeia pelos corredores do Congresso Nacional
logo reconhece os lobistas:todos têm cara de lobistas; Lombroso estava
certo. E estão não oficialmente, porque essa espécie de cinismo larvar das
nossas instituições não reconhece o que os americanos já reconheceram
faz mais de um século.

 O que nos diz tudo isso? Diz que as formas da democracia representativa,
o principal lugar onde se exerce a política, são claramente suficientes para
processar os novos conflitos sociais, econômicos e de interesses, no
capitalismo globalizado. O que não quer dizer, absolutamente, que
devemos colocá-las de lado, mas quer dizer sim que é preciso acrescentar
às instituições da democracia representativa novas formas de fazer
política.Por quê? Porque ela tornou-se irrelevante para os que dominam e
inacessível para os que precisam fazer reivindicações, isto é, ação política.
Tomou-se conhecimento agora de uma pesquisa da Unesco, realizada em
vários paises da América Latina em que se perguntava aos cidadãos pelo
valor da democracia. A resposta foi surpreendentemente negativa. A maior
parte dos latino-americanos respondeu que talvez fosse preferível um
regime autoritário, desde que satisfizesse a certas demandas sociais. Aí é
que mora o perigo. Porque não está provado que regimes autoritários
satisfaçam melhor às necessidades da população que reivindica do que
regimes democráticos. A tragédia é que tampouco os regimes
democráticos estão satisfazendo.

4
 Mas não nos apressemos a ver componentes atávicos de autoritarismos
nos nossos povos. Se se fizesse a pergunta a cidadãos dos países
desenvolvidos, iríamos encontrar algo muito parecido. Fazendo a pergunta
diretamente, provavelmente tem-se uma resposta positiva. Inverta-se a
pergunta: qual é a relevância da política para a sua vida cotidiana? Então
se obterá a resposta, nos países desenvolvidos, de que ela é irrelevante.
Desde os membros das classes dominantes, passando pelas classes
médias, pelos liberais e pelo operariado e trabalhadores de serviços,
responderão que a política é irrelevante mesmo.Onde está a resposta a
essa enquête que não foi feita? Nas eleições norte-americanas. Só 25%
dos eleitores escolhem o Presidente da República Norte Americana. Só
25%. Por quê? Como a eleição é de comparecimento voluntário, o grau de
abstenção nas eleições americanas é fantasticamente alto e o presidente é
eleito pela metade dos eleitores que comparecem. A França mostrou
também de outra maneira que a política pode se tornar irrelevante. Na
última eleição presidencial a esquerda considerou que no feriado eleitoral,
ela devia ir para a praia, mesmo que as praias francesas não sejam lá
grande coisa.E no primeiro turno deu Chirac e Le Pen. A opção francesa
ficou entre o pescoço e a guilhotina. A opção do mal menor, ou do menos
pior. Correram socialistas, toda a esquerda e os liberais – lugarzinho difícil
no espectro político francês - às urnas no segundo turno para votar em
Chirac, para evitar que a guilhotina se apoderasse da presidência da
república francesa, para decepar Marianne. O primeiro turno foi um outro
modo de ver que para o cidadão comum está fazendo pouca diferença a
política. Nos países desenvolvidos, isto é trágico.

 Mas nas periferias isso é devastador. Porque você renuncia ao único


mecanismo de fato criado dentro da civilização política do capitalismo para
corrigir as desigualdades e transformar carências em direitos. Como é que
estão as coisas entre nós, América Latina e Brasil? Como é que está a
correlação de forças, na nossa langue de bois? Ela é extremamente
desfavorável à democracia, à política como “reinvidicação da parte dos que
não têm parte”.As grandes questões não passam pelo sistema
representativo, estão fora. Há, em primeiro lugar uma espécie de
desterritorialização da política. Ela saiu fora do território nacional e fora do

5
“alcance de método” das classes dominadas.Elas estão, agora, no âmbito
de instituições supranacionais. Uma das quais, aliás, a mais fraca delas
que é a UNCTAD, que não tem nenhum poder decisório, está se reunindo
nas nossas costas, no Palácio das Convenções do Anhembi, às margens
desse desagrádavel Tietê. A UNCTAD é fraca porque não decide nada.
Mas os que decidem, como o Fundo Monetário Internacional, a
Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, a Agência
Internacional de Energia Atômica, na verdade decidem as políticas dos
países mais fracos do sistema capitalista. Decidem nossas políticas.

 Eu estou esquematizando muito, evidentemente, e dramatizando, um


recurso necessário no discurso político. Mas a verdade não se afasta muito
disso. Há limites impostos, como por exemplo o superávit primário nas
contas fiscais do Estado. Se se acordou com o Fundo Monetário um certo
nível de superávit primário e não se o cumpre, a retaliação vem
imediatamente. A retaliação vem pelo mercado.Não estar cumprindo a
meta significa que não pode pagar a dívida. Vai dar um calote. E aí o risco
Brasil dispara lá pra cima. Quando o risco-Brasil vai para cima, a
credibilidade do Brasil vai para baixo. Há uma queda do valor dos títulos da
dívida externa brasileira, e os investidores deles se desvencilham, o que
faz entrar em ação a espiral descendente. A guilhotina funciona
imediatamente. As instituições financeiras vão elevar a taxa de juros para
emprestar ao Brasil, externamente, e internamente as mesmas instituições
elevam também a taxa de juros para empréstimos da dívida pública interna.
Então esse é o primeiro ponto em que a política deixa de estar ao alcance
dos cidadãos de cada um de nossos países.E o interessante é que o risco-
Brasil é um procedimento de avaliação realizado por empresas privadas
que trabalham nos mercados financeiro e de capitais! Elas podem declarar
a falência dos países! Então é como se o nosso voto não valesse nada.
Como o George Soros disse descaradamente, o voto dos brasileiros não
pode decidir o que o Brasil deve escolher. Quem tem esse direito, disse
ele, são os investidores.Votem em fulano ou sicrano, tanto faz, disse ele.
Essa é uma questão importante que não é vista como crise da política: é
vista como crise dos estados devedores.Quando ela deve ser entendida de

6
outra forma, para alcançarmos o entendimento de qual é o desgaste que a
forma representativa e as formas da política estão sofrendo entre nós.

 Para não falar das grandes empresas multinacionais que atuam nas
nossas economias.Este é um tema importante porque se pensa sempre,
sobretudo nós que trabalhamos nesses organismos que a gente chama
com a boca cheia de “sociedade civil”.A descoberta da “sociedade civil” foi
uma enorme novidade, preenhe de consequências, para uma tradição
estadolatra como a brasileira e, em geral, a latino-americana.E fora dessa
sociedade civil estão, na tradição de Gramsci, o estado e o mercado. Só
que a empresa privada por si mesma, é um ator político de primeira
grandeza. E, sobretudo devido ao seu tamanho.

 Pensa-se que a empresa só atua no mercado. Na verdade ela atua no


mercado e atua na sociedade. Ela cria regras de comportamento que
anulam a capacidade da política de corrigir as assimetrias de forças no
capitalismo contemporâneo. O exemplo mais banal dá-se no nosso
cotidiano. Hoje, se tivermos a sorte, vai-se pra casa, e como está frio,
alugamos um filme e tomamos uma sôpa quente.Ligou o aparelho, a
legenda lhe traz a primeira advertência: “O senhor não pode usar este filme
senão para fins de exibição privada. Se for usado para qualquer outra
exibição, estará incorrendo nas penas determinadas pela lei”.Você diz isso
é banal, o senhor está exagerando. Mas aí eu pulo e vou para o tema do
companheiro Victor, e de muitas organizações que tratam disso
cotidianamente. É o tema também do MST e do Greenpeace, os
transgênicos. A escolha de camponeses, trabalhadores rurais, pequenos
proprietários, está bloqueada pela patente da Monsanto. Ali há um veto
claro. O sistema chegou a tal ponto que o capitalismo já anulou a
propriedade do valor de uso da mercadoria. Isto é, a utilidade que você dà
à mercadoria. Pois este valor de uso, uma espécie de pedra fundamental
do sistema,está anulado nos transgênicos. Você só pode fazer com a
semente transgênica aquilo que a Monsanto inscreveu no seu código
genético. Você não pode usá-la, por exemplo, como semente. Os
transgênicos avançam do mundo vegetal para o mundo animal. Esse tipo
de coisas torna as empresas um ator político por excelência. Não somos só
nós que estamos na sociedade civil. Elas estão mais do que nós e não

7
temos muitos meios de anular essa intervenção da empresa na sociedade
civil e na política porque isto corre por dentro daquilo que se consome.

 Então, são restrições desse tipo que terminam naquilo que minha amiga
Vera da Silva Telles, socióloga da USP e colaboradora do Polis e de várias
de nossas ONGs, chama com muita graça de “brincar de fazer casinha”.
Fazemos nossas organizações, tentamos mobilizar a sociedade para as
lutas, vocalizamos o que ainda não tem nome no léxico político e...? Nada.
Porque o que fazemos afeta muito pouco o poder das empresas, das
instituições supranacionais e das instituições estatais. É claro que contra
isso vem se reagindo. As grandes manifestações, como o companheiro
Victor Quintana conseguiu mostrar, têm uma certa capacidade de deter
medidas predadoras. Mas é pouco em relação ao poder que as empresas
têm no campo da política. Nós pensamos, geralmente, que o campo da
política é nosso e que o campo das empresas é o campo da economia.
Não é verdade. O campo da política é também um campo dominado pelas
empresas. Esse processo na periferia foi agravado, evidentemente, pelo
processo de globalização. É um conjunto de fenômenos que vem erodindo
o campo da política. O campo onde os cidadãos decidem sobre sua
república, sobre sua democracia, sobre seu estado.

 Nesse campo, o movimento simultâneo de globalização e reestruturação


produtiva, na periferia tem um efeito devastador. Que se mede, em
primeiro lugar, pelo porte das empresas frente aos poderes nacionais. O
porte de qualquer das grandes empresas mundiais frente aos poderes
nacionais é simplesmente desproporcional. Em segundo lugar vem uma
reestruturação produtiva que mudou a relação entre as classes sociais. Ao
mudar essa relação entre as classes sociais, ela escanteia boa parte das
organizações que a antiga institucionalidade criou.Por exemplo, o poder
dos sindicatos, que foi na experiência ocidental, um lugar onde essa
assimetria de poder entre patrão e empregado podia ser corrigida, podia
ser atenuada. Com a reestruturação produtiva os sindicatos perdem
espaço, em todo o mundo. Há mais. Há um processo de subjetivação do
individualismo predatório no interior das massas operárias. Vê-se pelas
pesquisas que se fazem na universidade. O processo de trabalho chamado
de células, é um processo de subjetivação do individualismo predatório.O

8
que era competição entre trabalhadores chega, através desses processos,
a níveis quase inacreditáveis. E tudo se faz em ambientes que são cleans,
limpos. Este hotel perde de longe para qualquer fábrica, por exemplo, de
fármacos. É uma espécie de opressão limpa. Operários e sobretudo
operárias são jogados na competição mais desapiedada. E as instituições
de classes criadas para corrigir essa assimetria são inteiramente
escanteadas. Isso está passando para a subjetividade de trabalhadoras e
trabalhadores.Produzindo o que Grammsci chamava hegemonia. Está
construindo uma nova forma de pensar, de ver o seu trabalho, de ver a
relação com o outro. Este é o dado, provavelmente, mais poderoso desse
processo.

 Então a questão exatamente é a de criar novas formas de política. De


reinventar a política. Essa reinvenção está se dando. Essa reunião é uma
prova dela. As ONGs são instituições criadas por fora do sistema político
tradicional, que começaram a vocalizar e processar aquilo que o sistema
representativo não sabia nem podia fazer, incluindo-se aí os partidos
políticos. Mas vejam a capacidade do sistema de cooptar. Porque as
organizações das classes dominantes começaram a copiar as ONGs e se
apresentam como iniciativa cidadã. Na verdade, trata-se de uma forma de
apropriação de um novo campo da política que foi inventado fora dela.

 Todos os grandes temas da novidade política foram trazidas por essas


organizações porque o sistema antigo não tinha capacidade de processá-
las. Os partidos, na velha tradição esquerdista na qual eu me criei, tinham
um “departamento feminino”, encarregado de preparar as festas,
ornamentá-las, cuidar da creche, etc. E era tudo. Movimento feminista
mesmo é coisa que estava subordinada à classe. Até que Elizabeth Lôbo,
que infelizmente já nos deixou, veio nos ensinar que a classe tem sexo. E o
tema do ambiente veio também como uma demanda que o sistema não
sabia como processar.Estão aparecendo, portanto, para além disso, novos
temas, novos conflitos, que esse sistema não tem capacidade de
processar.

 É, portanto urgente a criação de novas formas de fazer política. O Plínio de


Arruda Sampaio propõe os clubes democráticos. É como se nós

9
tivéssemos que reinventar os clubes jacobinos. E vamos ter que reinventá-
los. Para criar um novo espaço de conflito, um novo espaço capaz de dizer
aquilo que o sistema representativo já não tem capacidade de dizer porque
ele foi completamente absorvido. Ele é irrelevante. O Fábio Comparato
que é uma espécie de santo, tem uma proposta de uma confederação
geral de ONGs, associações civis e políticas,associações populares, para
formar um contra-poder.Nós não queremos que ele morra, quanto mais ele
durar melhor,mas quando ele morrer, será santo certamente, junto com
Paul Singer.

 Não temos que ter piedade de fazer a crítica à democracia representativa.


Se não a fizermos, a direita fará. E a direita faz uma crítica que é
simplesmente afastá-la, como mostra a história da direita brasileira,
vivandeira de quartéis. A expressão foi do marechal Castelo Branco, que
os cariocas chamaram de “O Corcunda do Nosso Drama”.Temos que fazer
a crítica para fortalecê-la e para criar novos campos que sejam capazes de
processar os conflitos que ela não sabe processar ou que ela, pela sua
cooptação, já é incapaz de processar.

 Se olharmos o sistema representativo brasileiro hoje, os partidos


respondem exatamente a quê? É fácil dizermos e devemos continuar a
dizer, porque água mole em pedra dura tanto bate até que fura, o PFL é
um partido de direita no Brasil. Mas ele é mesmo um partido de direita? Ele
representa os grandes interesses de multinacionais, das grandes empresas
e tal? Certamente não. Ele pode ser um partido que serve à direita, mas
ele não tem mais a capacidade de expressar esses interesses. Eles são
muito maiores do que o PFL pode processar. Nós podemos dizer que o PT
é o partido das grandes massas? Já foi, mas provavelmente hoje não é. E
não é não por questões de caráter ou falta de caráter. Não é porque a
política faz esse processo: no momento em que o partido de oposição
passa ao poder, ele seqüestra a sociedade civil. Ele arrasta parte da
sociedade civil para dentro do governo. E ao arrastar, ao fazer essa
operação, ele anula a capacidade de reivindicar. É só por isso que é
preciso contestar sempre, criar novos campos de contestação e inventar
novas organizações. Senão perde-se as duas batalhas. A da política e a

10
da capacidade de reivindicar e de corrigir as assimetrias de poder
existentes numa sociedade como essa.

 Vê-se esse drama precisamente no governo Lula, que se empossa com o


respaldo de 62% da votação brasileira.Algo que só ocorreu na história
republicana nos últimos 50 anos com Jânio Quadros. Mas o que é que
ocorreu? A eleição de Lula mostrou, mais do que nada, que o sistema
político estava ultrapassado, pois não era capaz de processar esses novos
interesses, incluindo o desgaste que o neo-liberalismo estava sofrendo no
Brasil. Aliás, é bom deixar de otimismo. Nós não estamos exatamente
numa era pós-neoliberal. Ainda não.

 A eleição mostrava que o sistema partidário havia sido ultrapassado.


Então, o governo se estabelece e remonta o sistema. Como se isso
significasse alguma coisa. Bota quase todos os partidos dentro do governo.
Escolhe um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e pensa
“representar” a sociedade brasileira no Conselho e no Ministério. Três
Ministérios para os banqueiros, já é muito. Quatro para os industriais, dois
para o agro-negócio, cinco sindicalistas, três intelectuais, que todo pudim
se enfeita com cereja. Bota a cerejinha em cima do pudim e a gente o
come com mais gosto. E quatro ou cinco ongueiros, que é a sociedade
civil. E pensa: agora a gente governa. Não, não governa, porque esse
sistema não tem mais eficácia. Ele foi ultrapassado. A sua eleição
ultrapassou esse sistema. Só você não reconheceu isso. E ao remontá-lo
pensa que governa e não governa. Qual foi a decisão importante que
passou no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social? Nenhuma.
Nenhuma porque não pode passar. E os partidos então no governo mudam
qualquer representante, nos Ministérios e tudo continua igual.

 É preciso, portanto, criar novos lugares de fazer política, novas formas de


fazer política. Inventar mesmo, porque a política é permanentemente uma
invenção para podermos voltar à capacidade de reivindicar, no mínimo, e
desafiarmos a desigualdade enorme de forças que existe no sistema. Na
minha juventude, e isso já vai longe, eu subi muitas vezes no caixão de gás
para blasfemar contra a política. Mas nunca foi tão importante fazê-la
quanto agora. E voltamos ao Chico Buarque dos bons e velhos tempos,

11
para dizer a quem estiver de plantão no governo: “Você que inventou a
maldade/ faça-me o favor de desinventá-la”.

12
Fórum da Sociedade Civil na Unctad, em São Paulo,
14, 15 e 16 de junho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e


Fundação Rosa Luxemburgo

El Movimiento Campesino Mexicano y su Impacto en las Politicas Publicas

Víctor M. Quintana S.1

Introduccion

En poco más de un año las principales organizaciones campesinas


mexicanas han obtenido importantes logros en sus demandas ante el
Gobierno Federal:

- Incrementan el Presupuesto de Egresos de la Federación de 2003


en el rubro destinado a agricultura,
- Logran que el Congreso de la Unión promulgue la Ley de
Desarrollo Rural Sustentable y la Ley de Energía para el Campo,

1Asesor del Frente Democrático Campesino, miembro del Movimiento El Campo No


Aguanta Más, de Equipo Pueblo. Investigador de la Universidad Autónoma de Ciudad
Juárez.

1
- Logran que el Gobierno Federal firme el Acuerdo Nacional para el
Campo, a fines de abril de 2003, con 242 items que cubren casi
todos los aspectos de la vida rural.
- Logran detener la importación de maíz blanco y de frijol y que se
respeten los cupos pactados y los aranceles contemplados en el
Tratado de Libre Comercio de América del Norte. (TLCAN),
- Influyen para que el Gobierno de México se sume al Grupo de los
20 (luego Grupo de los 22), ante la Ronda Cancún de la
Organización Mundial del Comercio (OMC):
- Vuelven a obtener un incremento sustancial en el rubro de
desarrollo productivo del Presupuesto de Egresos de la Federación
para 2004, por un monto de 10 mil millones de pesos (alrededor
de 900 millones de dólares).

¿Cómo lograron las organizaciones campesinas estos resultados? ¿Cuál es


el verdadero alcance de los mismos? ¿de verdad se cambian las políticas
agropecuarias del Gobierno de México? ¿Constituye esto el principio de un
cambio definitivo en las políticas de ajuste estructural aplicadas a la
agricultura y el inicio de políticas conducentes a la soberanía alimentaria
con campesinos? ¿Se puede decir que los movimientos sociales de los
hombres y las mujeres del campo mexicano han logrado ir conformando
una agenda posneoliberal en su relación con el Estado? A estas
interrogantes intentamos responder con el presente trabajo.

1. Contexto: politicas de ajuste en el campo, TLCAN.

Desde la mitad de los años treinta hasta mediados de los sesentas el


campo mexicano fue la plataforma del desarrollo nacional. Produjo
alimentos baratos para la ciudad y materias primas para la industria en
continua expansión. A pesar de que los precios rurales se sacrificaban a

2
favor del sector industrial, la agricultura mexicana conoció tasas de
crecimiento anuales que ya quisiera el presidente Fox para engalanar sus
mejores promesas, hasta un 7% anual.

Dos factores, sobre todo, influyen en el agotamiento de ese modelo, ya en


1965: la subvaloración de los productos agrícolas, es decir, la enorme
transferencia de recursos del sector agropecuario a otros sectores de la
economía. Y la manipulación política de los campesinos. Porque el campo
produjo muchos granos básicos, pero también muchos votos. Y en el
manejo del campesinado como masa de maniobra del PRI a través de la
ahora “arrepentida y combativa” CNC se fincaron también la corrupción, el
control y sofocamiento de cualquier esfuerzo de organización campesina
independiente.

Los gobiernos de Echeverría y López Portillo intentaron relanzar la


agricultura nacional. Le inyectaron enormes recursos e hicieron repuntar
un poco la producción y el crecimiento. Sin embargo, con un canal viciado
de raíz: todo lo que los regímenes corporativos priístas hicieran por el
campo iría fatalmente marcado por la demagogia, el acarreo, y el privilegio
de la producción de capital político sobre los alimentos y materias primas.

El punto de quiebre en el proceso de la agricultura mexicana es 1982 En


agosto de ese año, aprovechando la declaración de quiebra de México
hecha por el Secretario de Hacienda, Silva Herzog, se impone a México el
Primer Paquete de Medidas de Ajuste Estructural.. La imposición corre a
cargo del Fondo Monetario Internacional, el Banco Mundial y el
Departamento del Tesoro de los Estados Unidos. Se le llama a este trío “El
Consenso de Washington”.

3
El hambre se junta con las ganas de comer. Porque las medidas de ajuste
de la economía impuestas por el trío anterior son bien recibidas por la
generación de tecnócratas educados en las universidades norteamericanas
precisamente para que aplicaran estas políticas de ajuste. Así, desde 1982,
se liberan los precios de los insumos agrícolas: energéticos, fertilizantes,
maquinaria. Se controlan los precios de garantía y se empieza a reducir la
inversión y el gasto gubernamentales en apoyos, extensión e investigación
agrícolas. Al mismo tiempo, comienza a abrirse la economía nacional a las
importaciones agroalimentarias del extranjero con el ingreso de México al
GATT en 1986. Esta es la primera generación de medidas de ajuste
estructural en el campo.

Al llegar Salinas al poder en 1988, se inicia la segunda generación de


medidas de ajuste estructural de la economía. La postura del salinismo en
agricultura la resume bien uno de sus altos representantes al decir: “En el
campo mexicano sobran muchos millones de campesinos, pues su
contribución al producto interno bruto es muy desproporcionada con su
participación en el total poblacional. Por lo tanto, de 25 millones hay que
reducir la población a unos 5 millones”. Con eso todo estaba dicho.

Salinas continúa reduciendo los apoyos al campo a la vez que controla los
precios de garantía y reduce el número de productos que cuentan con
ellos. Pero su estrategia hacia el campo se centra en dos políticas:
privatización de la propiedad agraria y negociación de un tratado de libre
comercio con los Estados Unidos.

La primera la logra imponiendo una Contrarreforma Agraria. Desde 1992 y


con el apoyo de los diputados del PRI y del PAN, las tierras ejidales se
pueden enajenar y las compañías por acciones pueden poseer propiedades
rurales. El resultado de esta apuesta salinista es el fracaso: actualmente ni

4
el uno por ciento de la inversión extranjera directa que llega a México se
dirige hacia la agricultura.

La segunda política desemboca en la firma y entrada en vigor del Tratado


de Libre Comercio de América del Norte, en 1994. Ocho años después el
Secretario de Agricultura, Javier Usabiaga, reconoce que “estuvo mal
negociado”, que no se defendió adecuadamente al sector agropecuario.
Pero en aquellos momentos el inicio de la integración económica (selectiva)
con los Estados Unidos tuvo el consenso de todos quienes se fueron de
boca con el salinismo. Sólo las organizaciones campesinas independientes,
y luego la rebelión del EZLN en Chiapas se atreven a criticar la utopía
librecambista de Salinas

2. Los resultados de nueve años de TLCAN

Si nuestros políticos se hubieran propuesto más explícita e


intencionadamente acabar con la agricultura nacional, no lo hubieran
hecho con más eficacia. Según José Luis Calva, la producción de alimentos
per cápita se ha derrumbado ostensiblemente desde que se ponen en
marcha las políticas de ajuste: entre 1981 y el 2001, el producto interno
bruto agropecuario y forestal per cápita se ha disminuído en 14.3%. La
producción per cápita de los ocho principales granos ha caído en 21.8% y
la de carnes rojas en 28.8%. La producción nacional de litros de leche per
cápita ha disminuído en un 8.4% y los decímetros cúbicos de producción
maderable en un 39.9%.2

Por otra parte, el TLCAN ha significado, sobre todo, incremento de las


importaciones agroalimentarias. En 1995, importamos de los Estados
Unidos 3,254 millones de dólares y exportamos, 3,835 millones. En 2001,
2 Calva José Luis, artìculo en el periódico ElUniversal, 8 de noviembre de 2002.

5
nuestras importaciones se dispararon a 7,415 millones de dólares y
nuestras exportaciones a 5.267 millones. En este lapso, nuestra balanza
agroalimentaria que tenía un superávit de 581 millones de dólares se tornó
3
deficitaria en 2,148 millones.

Más, en 1990 el promedio anual de importación a México de los diez


cultivos básicos (maíz, frijol, trigo, sorgo, arroz, etc..) era de 8.7 millones
de toneladas. Para el año 2000 llegó a 18.5 millones de toneladas, 112% de
incremento. De maìz lo más que llegamos a importar antes del tratado
fueron 2.5 millones de toneladas, en 2001 ya importamos 6 millones 148
mil toneladas. 4

México ya no tiene soberanía alimentaria. Importa 95 por ciento de la soya


de consumo y la dependencia en arroz llega a 58.5 por ciento, en trigo al
49 por ciento, en maíz a 25 por ciento. Importamos además el 40% de la
carne que consumimos. 5

A consecuencia de la competencia desleal de las importaciones extranjeras


el valor real de los productos del campo se ha derrumbado. Entre 1985 y
1999 el maíz perdió 64% de su valor y el frijol, 46%, sin que esto significara
de ninguna manera un abaratamiento de la comida para los consumidores. 6

Todo esto ha empobrecido aun más a los habitantes del campo mexicano.
De los 8.2 millones de mexicanos que trabajan en él la mayoría está en
pobreza extrema, según la Sedesol. En 1992, el 35- 6% de la población
rural estaba en pobreza alimentaria, hoy, el 52.4%. En 1992, el 41.8%
estaba en pobreza de capacidades, ahora el 50%. (Reforma, 16 de octubre
3 Quintana Vìctor, Por qué el campo no aguanta más, Cuadernos de Investigación de la UACJ,
2002.
4 Idem.

5 Idem.

6 Idem.

6
de 2002). El propio Banco Mundial reconoce que los índices actuales de
indigencia en el agro nacional superan los prevalecientes hace una
década. 7

La pobreza expulsa a la población campesina hacia las ciudades y los


Estados Unidos. Según la propia Sedesol, un promedio de 600 campesinos
dejan su tierra cada día. En el estado de Chihuahua, en 1995, el 19.4% de
la población ocupada se ubicaba en el sector primario: agricultura,
ganadería, silvicultura, minería y pesca. Para el 2000, ese porcentaje se
había reducido al 8.9%. Un campo sin campesinos, el sueño salinista
cumplido 8 .

3. La coyuntura y el arranque del movimiento.

La inminencia de varios hechos en el proceso de globalización económica


empieza a reactivar las protestas campesinas desde la segunda mitad del
año 2002. Estos hechos son: la entrada en vigor de la desgravación de la
gran mayoría de importaciones agroalimentarias dentro del marco del
Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLCAN). Por otro lado, el
proceso de negociación del Acuerdo de Libre Comercio de las Américas
(ALCA) y la nueva ronda de negociaciones de la Organización Mundial del
Comercio cuya reunión cumbre habrá de celebrarse en Cancún en
septiembre de 2003.

El 12 de octubre de 2002 el país se llena de movimientos de protesta


contra el ALCA, considerado por las organizaciones campesinas y
populares como la extensiòn del TLCAN a toda América. Se toman puentes

7 Idem.
8 Idem.

7
internacionales, se realizan bloqueos de carreteras. Se organizan marchas y
plantones con la consigna unánime: “No al ALCA”:

El Gobierno de Vicente Fox desde el mes de agosto presenta una propuesta


de Blindaje Agropecuario para hacer frente a la importación sin cuotas y sin
aranceles, de todos los productos agroalimentarios, con excepción del
maíz, el frijol y la leche en polvo. 9 Sin embargo, a juicio de las
organizaciones campesinas, el susodicho blindaje resulta insuficiente para
proteger la producción nacional de granos básicos, de cárnicos y de
lácteos.

A principios de noviembre, doce organizaciones campesinas nacionales y


regionales presentan un manifiesto. Se titula Seis propuestas para la
salvación y revalorización del campo mexicano y las suscriben las siguientes
organizaciones: ANEC, AMUCSS, CEPCO, CNOC,CIOAC, CNPA, CODUC,
FDCCH, FNDCM, Red MOCAF, UNOFOC, UNORCA. Las propuestas son:

1. Moratoria al apartado agropecuario del TLCAN. Para la salvación y


revalorización del campo mexicano es indispensable frenar la
competencia desleal de las importaciones norteamericanas, a partir de
la entrada en vigor del décimo año del TLCAN y de la ley agrícola
norteamericana (Farm Bill) . Para esto, conforme señala nuestra Carta
Magna el Senado de la República debe declarar el campo mexicano en
estado de emergencia social, económica, y ambiental y en consecuencia
decrete la suspensión provisional por tres años del apartado
agropecuario del TLCAN. Esto implica que en la Ley de Ingresos 2003 se
establezcan a partir del 1 de enero de 2003 aranceles y aranceles
cuotas con impuestos ad valorem para las importaciones de las cadenas

9
SAGARPA: Acciones de política agroalimentaria y pesquera para el fortalecimiento sectorial, 16
de agosto de 2002, (fotocopias).

8
agroalimentarias básicas. Asimismo, se damanda que el Congreso de la
Unión instruya al Ejecutivo que inicie un proceso de renegociación del
apartado agropecuario del TLCAN.

2. Programa emergente 2003 y de largo plazo 2020. No basta con suspender y


renegociar el TLCAN. Para que esto tenga sentido hay que reorientar las
políticas públicas para el sector agropecuario mediante la formulación
de un programa emergente para el 2003 y un programa de cambios
estructurales, basados en la nueva ley de desarrollo rural sustentable,
con un horizonte hasta el año 2020. Dicho programa debe fomentar la
producciòn agropecuaria para el mercado interno. Debe reducir la
dependencia alimentaria y reconstruir las cadenas alimentarias
reduciendo las asimetrías entre los productores y las regiones rurales.
Dicho programa debe ser fromulado por una Comisión de Estado,
donde intervengan Ejecutivo, Legislativo, representantes de los sectores
sociales y productivos, así como de las universidades y centros de
investigación.

3. Por una verdadera reforma financiera rural. Se trata no sólo de sustituír


Banrural por otro organismo centralizado, sino de crear una banca
social rural apoyando iniciativas locales y dotarla de un fondo suficiente
de recursos.

4. Asignación de 1% con respecto al PIB para el desarrollo productivo y 1.5% con


respecto al PIB para el desarrollo social y ambiental del sector rural para el
2003 . El presupuesto para el sector rural se ha venido reduciendo
sistemáticamente año con año. Es necesario incrementarlo del 0- 62%
del PIB (34 mil millones de pesos), al 1%, aproximadamente, es decir,
unos 60 mil millones de pesos, teniendo en cuenta que los subsidios
agrícolas norteamericanos han aumentado 300% de 1994 a 2002.

9
Además, es necesario que ese presupuesto no sea ajustado más que por
el Congreso de la Unión y que su orientación básica sea para impulsar y
fortalecer la producciòn agroalientaria para el mercado interno.

5. Inocuidad y calidad agroalimentaria para los consumidores mexicanos. El libre


comercio ha significado para los consumidores mexicanos la
importación de alimentos dañinos, trnasgénicos, contaminados, de
chatarra y desecho. Por eso se demanda al gobierno una política de
seguridad alimentaria, y la certificación de la inocuidad y calidad de los
alimentos para el mercado interno, lo que exige una ley para el
etiquetado de alimentos y para la información a los consumidores.

6. Reconocimiento de los derechos y cultura de los pueblos indios. Las


organizaciones campesinas demandan el cabal cumplimiento de los
Acuerdos de San Andrés como paso indispensable para el
reconocimiento de los derechos y cultura de los pueblos indios y para
el reinicio de las pláticas de paz en Chiapas. 10

El manifiesto comienza con la frase El campo mexicano no aguanta más, y


una periodista bautiza así al agrupamiento de organizaciones que lo
suscriben. A partir de ahí el movimiento será conocido como tal.

4. Primera etapa: los combates en el legislativo

El 3 de diciembre, en el contexto de discusión del paquete económico por


parte de la Cámara de Diputados, las organizaciones integrantes de El
campo no aguanta más organizan un multitudinario acto en el Palacio
Legislativo de San Lázaro, donde dan a conocer sus Seis propuestas...Al acto

Cfr. Seis propuestas para la salvación y revalorización del campo mexicano, (fotocopias),
10

México,D.F., noviembre de 2002.

10
se suma el Consejo Agrario Permanente (CAP), instancia en la que
participan otras 12 organizaciones. Acuden sólo los legisladores del PRI y
del PRD y se comprometen a apoyar las propuestas del movimiento.

El mismo día los integrantes de El campo no aguanta más se trasladan en


marcha al local de la Embajada de los Estados Unidos en México y entregan
un documento comunicando que, en vista de los perjuicios causados a la
agricultura mexicana, las organizaciones campesinas declaran
unilateralmente una moratoria al TLCAN en su capítulo agropecuario.

Los actos del día tres causan un gran impacto en la opinión pública y
logran colocar el tema del campo en primer plano de la agenda política
nacional. Esto permite que algunos representantes de El campo no aguanta
más empiecen a cabildear en la Cámara de Senadores una propuesta. Se
trata de que, en lugar de eliminar la mayorìa de los aranceles y cuotas a las
importaciones agroalimentarias a partir del 1 de enero de 2003, se
restablezcan los vigentes hasta el 31 de diciembre de 1993, es decir, hasta
antes de la vigencia del TLCAN. Senadores de las tres principales
formaciones partidarias se muestran interesados y hacen una
contrapropuesta: congelar durante todo 2003 los aranceles y cuotas de
2002, ya que los Estados Unidos no permitirían volver a los términos pre-
TLCAN.

El campo no aguanta más ve con buenos ojos la contrapropuesta de los


senadores. Pero entonces comienza una intensa labor de cabildeo
individualizado por parte de funcionarios de la Embajada de los Estados
Unidos de la mano con funcionarios de la Secretaría de Economía.
Argumentan que mantener los aranceles sería violar los términos del
TLCAN y resultaría catastrófico para México. Los legisladores se dejan
convencer y retiran el borrador del acuerdo a que ya habian llegado.

11
El 10 de diciembre un nutrido contingente de El Barzón y de la UNTA se
hace presente en el Palacio Legislativo de San Lázaro demandando también
la moratoria al TLCAN en materia agropecuaria y el incremento
presupuestal para el campo. Al converger la manifestación campesina con
otra de trabajadores de la educación se crea la confusión, se derriba una
de las puertas del Palacio Legislativo y se dañan algunos muebles. El pleno
de la Cámara de Diputados rechaza el acto y se atribuye la autoría
intelectual del mismo al dirigente barzonista Alfonso Ramírez Cuéllar.
Luego se inician acciones penales en contra de él.

A pesar de este incidente, las movilizaciones decembrinas de las diferentes


organizaciones del campo rinden sus frutos: el presupuesto federal para
desarrollo rural, fijado en alrededor de 34 mil millones de pesos por la
administración foxista, es incrementado hasta 47 mil millones. Por otro
lado, la Cámara Baja aprueba por unanimidad la Ley de Energía para el
Campo que establece mecanismos para reducir los costos de los
energéticos de uso agrícola.

Sin embargo, el Ejecutivo no cede un ápice a la demanda de moratoria al


capítulo agropecuario del TLCAN. Así, las organizaciones campesinas
declaran que emprenderán movilizaciones y cierres de puentes
internacionales a partir del 31 de diciembre por la noche.

5. Segunda etapa: las grandes movilizaciones de enero.

El Ejecutivo Federal teme una gran oleada de movilizaciones y se apresura


a llamar a diversas organizaciones campesinas a negociar. No acuden
todas. Así, aunque el gobierno de Fox anuncia el 30 de diciembre que no
habrá acciones de protesta al día siguiente, El campo no aguanta más reitera

12
su decisión de plantarse en los puentes internacionales de la frontera de
México con los Estados Unidos.

Así, al primer minuto del 1 de enero, un contingente del Frente


Democrático Campesino, acompañado por líderes de la Asociación
Nacional de Empresas Comercializadoras del Campo (ANEC), de la
Organización Popular Independiente y de las Comunidades Eclesiales de
Base y de las organizaciones de El Paso, Unión de Trabajadores Agrícolas
de la Frontera (UTAF) y de la Unión de Trabajadores Fronterizos, se instalan
en el Puente Internacional Còrdoba- Américas, o Puente Libre, entre Ciudad
Juárez y El Paso, Texas y dan lectura al Manifiesto de Ciudad Juárez. En esta
proclama se retoman las demandas fundamentales del movimiento El
campo no aguanta más y además se lanza la iniciativa de iniciar un Diálogo
Nacional para la Salvación del Campo Mexicano con una convocatoria amplia a
todos los sectores sociales y políticos. 11

Varios dirigentes del FDC se declaran en ayuno y llaman a la ciudadanía a


sumarse a la demanda de moratoria al TLCAN en materia agropecuaria.
Desde la mañana del dìa primero numerosas personas de muy diversas
organizaciones sociales se dan cita en el Puente Libre para solidarizarse
con los campesinos. Luego se suman a la acción contingentes de la
UNORCA del estado de Durango y de Sonora. Al mismo tiempo se realizan
acciones de protesta en otras partes de la República, por parte de la CNPA
en Morelos y en Zacatecas.

El plantón - ayuno en el Puente Libre logra una gran difusión nacional e


internacional. Esto obliga al Gobierno Federal a apresurar las negociaciones
y llama a las diversas organizaciones a dialogar el lunes 6 de enero . Antes
de retirarse del puente, la PGR entrega un citatorio a uno de los dirigentes
11 Movimiento El campo no aguanta más, : Maniiesto de Ciudad Juárez,, (fotocopias).

13
del FDC, para que se presente a declarar por la denuncia de “ataques a las
vías generales de comunicación”.

El 6 de enero se realiza en Los Pinos una gran reunión entre el Gobierno


Federal y las organizaciones rurales. Preside Vicente Fox, acompañado por
su gabinete. Previamente en una reunión celebrada en Veracruz, con la
CNC, es abucheado el Secretario de Agricultura, Javier Usabiaga. El
Presidente ofrece iniciar un diálogo para buscar soluciones a la
problemática del campo. La representación del CAP, lo acepta sin
condiciones. Por su parte, la representación del movimiento El campo no
aguanta más plantea como condiciones de dicho diálogo, “señales claras de
que el gobierno va a renegociar el TLCAN en materia agropecuaria” y el
“cese de acciones penales contra campesinos y sus dirigentes”.

El mismo día la UNORCA inicia un ayuno en el Angel de la Independencia y


se sigue convocando a la realizaciòn de actos similares en otras partes de
la República. El 16 de enero culmina el ayuno con la celebración en el
Museo de la Ciudad de México del Diálogo Nacional para la Salvación del
Campo, con la participación de numerosos intelectuales, artistas y líderes
de opinión.

El 20 de enero en muy diversas entidades de la República se celebra una


gran jornada de movilización y protesta. Se bloquean carreteras, se toman
oficinas públicas, se realizan marchas, plantones y protestas. Participan
numerosas organizaciones campesinas y anuncian que el viernes 31 se
llevará a cabo una gran marcha- mìtin de los diversos agrupamientos
campesinos en la Ciudad de México.

A la par de las movilizaciones, continúan las reuniones de negociación con


el gobierno. Se acuerda iniciar en febrero las mesas de diálogo sobre la

14
problemática del campo, con la organización conjunta del propio gobierno
federal y las organizaciones campesinas.

Por otro lado, se acercan al movimiento importantes organismos sindicales.


Tanto la Unión Nacional de Trabajadores (UNT) como el Frente Sindical
Mexicano manifiestan su solidaridad con las demandas campesinas y se
dicen dispuestas a llegar hasta a un paro nacional con tal de lograr la
moratoria al TLCAN en materia agropecuaria.

El Episcopado se muestra muy interesado en la problemática que presentan


las organizaciones campesinas. La Comisión Episcopal de Pastoral Social
cita a dialogar a varios de los representantes de ellas y el 29 de enero
emite el documento “Por la dignidad del campo, por la dignidad de
México”, donde reconoce el daño causado a la agricultura y a la sociedad
campesina por los tratados de libre comercio:

“Los resultados de este tratado (TLCAN) han sido benéficos para algunas
regiones y algunos productores del país, pero la mayoría de los
productores, pequeños productores, campesinos e indígenas han visto
seriamente deteriorada su actividad económica y su calidad de vida. Como
ejemplo de los sectores beneficiados están los productores de legumbres,
hortalizas y frutasles, quienes tuvieron la oportunidad de aprovechar las
ventajas del Tratado. Sin embargo, otros, como los productores de granos
y carne se han visto afectados negativamente. Cabe destacar que mientras
los primeros se cuentan en decenas de miles, los segundos ascienden a
tres millones”. 12

Los obispos hacen un llamado muy claro:

12
Comisión Episcopal de Pastoral Social, Por la dignidad del campo, por la dignidad de México,,
fotocopias, p. 3.

15
“Ante la situación de emergencia ambiental, económica y sociocultural que
vive el campo, llamamos al Gobierno a escuchar a la sociedad, a dialogar
con los campesinos demás productores del campo y a utilizar todos los
recursos a su alcance en orden a asegurar el beneficio de la población
actualmente excluida del desarrollo. Los tratados comerciales de ningún
modo representan un compromiso fatal e inamovible. Las partes
involucradas tienen siempre la oportunidad de recurrir a mecanismos y
salvaguardas en situaciones de emergencia. El libre juego de las fuerzas
del mercado no corrige por sí mismo la exlcusión y la pobreza. Rescatar al
campo significa rescatar la oportunidad de construir un futuro mejor para
las generaciones venideras. Esto es una obligación ética, una necesidad
económica y un imperativo político”. 13

El 31 de enero convergen en la Ciudad de México contingentes de todos


los rumbos del país. Los más numerosos al principio son los de las
organizaciones del movimiento El Campo No Aguanta Más. Luego hacen su
apariciòn los de El Barzón, llevando impresionantes maquinarias agrícolas.
Se integra también un nutrido contingente del CAP. Al partir la marcha se
suman las organizaciones sindicales y organizaciones urbano- populares .
Luego se integra un contingente de más de tres mil gentes de la CNC14. La
población capitalina vitorea a la más importante manifestación campesina
de las últimas décadas. 15

13 Ibídem, p. 7.
14 La CNC es la Confederación Nacional Campesina, organización formada desde los años
treinta desde el gobierno para ejercer un control corporativo sobre el campesinado.
Siempre ha pertenecido al oficialista (al menos hasta el año 2000) Partido Revolucionario
Institucional,PRI.
15 Ver la
crónica de la manifestación en los diarios de la Ciudad de México, sobre todo La
Jornada, El Universal y Reforma, del 1 de febrero de 2003.

16
Se culmina con un combativo mítin a Zócalo lleno con alrededor de cien mil
almas. Participa un representante por cada agrupamiento: El Campo No
Aguanta Más, El Barzón, el CAP y la CNC. Hay además oradores de la UNT y
del FSM, así como del Comité Mexicano por la Paz.

Esta gran marcha- mítin marca el apogeo de la etapa de movilización


masiva de este nuevo movimiento campesino unificado.

6. Tercera etapa: el dialogo nacional para el campo, sus logros, sus


dificultades

La fuerza demostrada en la manifestación del 31 de mayo hace que el


Gobierno se apresure a buscar la negociación. Se forma un comité conjunto
de organización y negociación con representación paritaria del Gobierno
Federal y los cuatro agrupamientos campesinos. Lo encabeza la Secretaría
de Gobernación. En el seno del mismo se acuerda realizar ocho mesas de
diálogo, todas en la Ciudad de México, con cada uno de los siguientes
temas:

I Papel del campo en el proyecto de nación.


II. Presupuesto y financiamiento para el campo..
III. Desarrollo y política social para el campol.
IV. Ordenamiento de la propiedad rural.
V. Medio ambiente y desarrollo rural.
VI. El campo y la gobernabilidad..
VII.Agenda legislativa para el campo.
VIII. Comercio interior, exterior y TLCAN.

Se acuerda iniciar la primera mesa el lunes 10 de febrero en el Archivo


General

17
de la Nación

Las mesas de diálogo resultan muy ricas en convocatoria y en


participación. Además de las cerca de dos mil ponencias que se presentan
hay una importante representación de regiones, sectores y organizaciones
campesinas. Cada mesa cuenta, además, con una ponencia de la Cámara
de Diputados y otra de la Conferencia Nacional de Gobernadores.

Así se coloca el tema del campo en el primer lugar de la agenda nacional,


se le da una gran importancia ante la opinión pública. Se expresan con
libertad todos los análisis y las opiniones. Aunque uno de los efectos
colaterales de todo este proceso de diálogo es que la movilización de la
etapa previa, con gran participación de las bases, de las regiones, de las
comunidades, entra en un impasse y el combate se centraliza en la Ciudad
de México.

Empieza luego una gran lucha de sentidos. Tanto el gobierno como las
organizaciones campesinas realizan cada quien su propia síntesis de las
mesas de diálogo, de acuerdo a las prioridades y énfasis de cada quien.
Los cuatro agrupamientos campesinos inician el lunes 17 de marzo un
trabajo de armonización de sus propios resúmenes en busca de la
elaboración de un proyecto común. Luego de intensas sesiones lo logran y
con fecha de 24 de marzo publican su documento: Propuesta de un acuerdo
nacional para el campo: por el desarrollo de la sociedad rural y la soberanía
alimentaria con campesinos como elementos fundamentales del proyecto de
nación de México en el siglo XXI.

Este documento marca el máximo avance estratégico y programático del


movimiento campesino iniciado en noviembre de 2002. Es lo que le da
rumbo y propuesta alternativa, no sólo de agricultura, sino de sociedad. Lo

18
que le confiere a las acciones de los meses precedentes el carácter de
movimiento social y no sólo de conjunto de acciones contestatarias.

El documento conjunto de los cuatro agrupamientos campesinos emitido el


24 de marzo es una visión unitaria de las muy diversas organizaciones
rurales. Se logran zanjar años de profundas diferencias y desacuerdos. Es
un aporte no sólo crítico a la situación actual del campo en México, sino a
los efectos de las políticas económicas de ajuste en el agro, pero a la vez
es un documento que plantea un modelo diferente, una alternativa de
proyecto de nación, propuesta desde el campo. Viene a ser un verdadero
Plan Campesino para el Siglo XXI.

En efecto, este documento plantea como principios rectores una serie de


reconocimientos : el papel del campo y de las agriculturas campesinas e
indígena como prioridad nacional. Reconocimiento al principio de paridad, es
decir, de la plena ciudadanía de toda la población rural. Reconocimiento de
la soberanía alimentaria como eje rector de la política agroalimentaria.
Reconocimiento del carácter multifuncional de la agricultura y del derecho
de los campesinos a seguir siendo campesinos. 16

Se plantea un “Acuerdo General sobre reformas estructurales, la nueva


política hacia el campo y el nuevo pacto Estado- Sociedad Rural”. Luego
vienen los “acuerdos básicos” agrupados en 10 diferentes rubros: medidas
de emergencia, soberanía alimentaria, TLCAN y comercio exterior,
desarrollo social en el campo, presupuesto para el desarrollo rural,
financiamiento, ordenamiento de la propiedad rural, medio ambiente,
gobernabilidad, y cambios constitucionales y legislativos. 17

16
CAP, El Barzón, CNC, Movimiento El Campo No Aguanta Más: Propuresta del Acuerdo
Nacional para el Campo, 24 de marzo de 2003. (fotocopias), pp.6- 7.
17 Ibídem, pp. 1- 37.

19
Sin embargo, este acuerdo no es valorado suficientemente en su momento
por las propias organizaciones campesinas. La llevan a la mesa de
redacción a los representantes del gobierno federal. Estos contraproponen
un borrador muy limitado de acuerdo y no aceptan discutir el de las
organizaciones campesinas, sino elaborar un documento conjunto. Esto se
lleva más de dos semanas de intensas discusiones y, de hecho, de
negociaciones. Y, naturalmente, el documento que resulta, el borrador final
del Acuerdo Nacional para el Campo termina siendo un hìbrido bastante
extenso, farragoso, que, a pesar de contener avances indudables, al menos
en el planteamiento, a la política actual hacia el campo, diluye mucho los
planteamientos originales de las organizaciones campesinas.

A principios de abril se tiene ya, pues, el borrador del Acuerdo. El Gobierno


federal presiona para que se firme cuanto antes. Sin embargo, los cuatro
agrupamientos campesinos deciden discutirlo internamente y llevarlo a
consulta de las bases. La organización en donde más se discute es el
Movimiento El campo no aguanta más. Al principio una buena parte de las
organizaciones de este agrupamiento son reticentes a la firma. Las
principales objeciones que plantean son que el Gobierno Federal no se
compromete a revisar el TLCAN, ni a revertir las contrarreformas al Artículo
27 constitucional. Se arguye también que el monto de recursos frescos
para el campo es muy reducido; que no hay voluntad política de suspender
los procesos penales en contra de campesinos y dirigentes.

Sin embargo, en el contexto hay varios factores que presionan a las


organizaciones de El campo no aguanta más a firmar el Acuerdo: la
prolongación del período de negociaciones le resta impulso al movimiento;
el hecho de que algunos agrupamientos, como la CNC y el CAP estén
dispuestos a firmarlo amenaza con romper la unidad y con que las
organizaciones oportunistas se apropien los logros de un movimiento no

20
iniciado por ellas. También pesa fuerte el hecho de que los recursos de
algunos programas gubernamentales no se liberen si no se firma el
Acuerdo. Asimismo, influye el comienzo del periodo de campañas para las
elecciones federales a celebrarse en julio.

Así, la situación al interior del movimiento El campo no aguanta más llega al


punto máximo de tensión los días previos a la firma del Acuerdo,
programado para el lunes 28 de abril. Parece que la decisión de firmar o no
firmar va a abrir un tajo entre las organizaciones iniciadoras del
movimiento. También contribuye a esta tensión el debate que se da en la
prensa sobre las ventajas y desventajas de sumarse a la firma del Acuerdo.
Para tratar de zanjar un poco las diferencias se conviene elaborar un
“resumen” del Acuerdo, en forma de cláusulas con compromisos claros,
evaluables y exigibles al gobierno. El resumen se hace, pero el mismo
viernes 25 lo rechazan con gran molestia los representantes del Gobierno
Federal en la mesa de negociación.

La UNORCA y el Frente Democrático Campesino de Chihuahua insisten en


que lo más importante es mantener la unidad del movimiento campesino
más allá de la firma o no del Acuerdo. En un documento difundido a todas
las organizaciones y a la prensa, el FDC señala que “el Acuerdo Nacional
para el Campo no debe sacralizarse ni se debe satanizar o canonizar a
quien lo firme”. Propone que se respete la decisión de cada organización
de firmar o no firmar, pero que se ponga el énfasis en el máximo avance
logrado por el movimiento. Este es la “Propuesta de Acuerdo Nacional para
el Campo”, firmado por los cuatro agrupamientos campesinos el 24 de
marzo. Este debe ser el germen del Plan Campesino para el Siglo XXI y la
base para un compromiso estratégico y unitario de lucha. 18

Frente Democrático Campesino de Chihuahua : Postura ante el Acuerdo Nacional para el


18

Campo, (fotocopias)

21
Luego de varias sesiones de discusión y análisis, ocho organizaciones del
movimiento El campo no aguanta más, deciden firmar junto con la CNC el
CAP y El Barzón. No firman, la UNORCA, el FDC, la UNOFOC y el Frente para
la Defensa del Campo Mexicano.

7. El acuerdo nacional para el campo y las acciones posteriores

El lunes 28 de abril, en el Palacio Nacional, el Presidente Fox, los


secretarios de Gobernación, Agricultura, Economía y Reforma Agraria
firman el Acuerdo Nacional para el Campo. Por las organizaciones
campesinas, la CNC, el CAP, El Barzón y ocho de las doce organizaciones
del movimiento El campo no aguanta más. Asisten varios cientos de
personas, aunque muchas sillas quedan vacías en el solemne acto. Una vez
más es abucheado el Secretario de Agricultura, Javier Usabiaga.

Los voceros de las organizaciones campesinas en el acto insisten en que el


Acuerdo sólo es un inicio, que de ninguna manera consagra un pacto ya
terminado, sino el comienzo de una nueva relación. Se trata, dicen, de un
acuerdo parcial e insuficiente. Se insiste mucho en las demandas que el
gobierno no aceptó de las organizaciones campesinas. Se hace énfasis en
que, si bien algo se avanzó, la lucha continuará.

Sin embargo, el Gobierno Federal ve las cosas de diferente manera. Para él,
el Acuerdo marca ya una nueva relación con la sociedad rural y obliga a los
representantes de ésta a conducirse dentro de los límites señalados por la
ley. Así lo expresa Santiago Creel, Secretario de Gobernación: “Ya firmado
el presente Acuerdo no habrá lugar para manifestaciones fuera de la ley o
del marco de las instituciones”.

22
Entre los logros principales del Acuerdo, según una de las organizaciones
firmantes, la ANEC, destacan;

a) Exclusión del maíz blanco y el frijol del TLC entretanto se llevan


las negociaciones correspondientes con los gobiernos de los
Estados Unidos y Canadá. Se prohíbe la importación de maíz
blanco y se inicia un procedimiento de salvaguarda para el frijol.

b) Reconocimiento de la crisis del sector y del fracaso de las


políticas neoliberales. Establecimiento de la soberanía alimentaria
como el objetivo central del Acuerdo.

c) Reconocimiento de la necesidad de un presupuesto rural


multianual.

d) Realización en forma conjunta, gobierno - organizaciones de un


estudio para la reforma integral de las instituciones rurales.

e) Un programa de acciones inmediatas en las que sobresale la


asignación de dos mil 800 millones de pesos adicionales, y la
revisión de las reglas de operación de los programas
gubernamentales orientados hacia el campo.

f) Una comisión de seguimiento del acuerdo, una comisión especial


del poder legislativo y la creación de un Instituto de políticas
públicas ara el sector rural. 19

19
Suárez Víctor; ¡Por qué firmamos un acuerdo para el campo? (artículo enviado por correo
electrónico por

23
Quienes no firman el acuerdo señalan entre sus principales objeciones:

a) Es un documento que no llama a las cosas por su nombre: no es


un Acuerdo Nacional, sino un convenio inicial, que no debía ser
publicitado tan pomposamente.

b) El Acuerdo tiene un contenido más político electoral que de


reivindicaciones concretas para los campesinos.

c) En los trámites y gestiones cotidianas de los campesinos no se


ven muestras de voluntad política del Gobierno de cambiar la
relación con ellos.

d) No se compromete el Gobierno a excluir el frijol y todo el maíz,


del TLCAN. El maiz blanco sólo representa 200 mil toneladas de
los 6 millones del grano que se importan cada año. El resto es el
maíz amarillo, con cuyas importaciones lucran grandes compañías
norteamericanas y mexicanas.

e) Tampoco hay un compromiso por revisar el Articulo 27 de la


Constitución.

f) No hay compromisos del gobierno por cumplir lo estipulado en


los Acuerdos de San Andrés sobre los derechos y cultura de los
pueblos indios.

g) En general, el Gobierno concede muy poco más de lo que ya


estaba obligado a hacer, sea por la Ley de Desarrollo Rural
Sustentable, ya sea por el Presupuesto de Egresos de la

24
Federación, tal como fue modificado por el Congreso con la
presión de las organizaciones campesinas.

El 6 de mayo se constituye la Comisión de Evaluación y Seguimiento del


Acuerdo Nacional para el Campo con representantes del Gobierno y de las
organizaciones. El 12 del mismo mes, se forman tres grandes comisiones
mixtas de trabajo: una para revisar las reglas de operación de los diversos
programas rurales, otra, para revisar lo referente a los tratados de libre
comercio, y una tercera para trabajar la agenda legislativa y los asuntos
relacionados con la gobernabilidad.

Esta Comisión de Evaluación y Seguimiento sufre un agudo proceso de


desgaste.
Las razones son diversas:exige una presencia continua de los negociadores
en el Distrito Federal, cosa que muchas organizaciones no pueden costear.
En segundo lugar, implica la participación en largas y farragosas
discusiones sobre las reglas de operación de los diversos programas
federales y las organizaciones campesinas disponen de poco personal
capacitado para ello. En tercer lugar, cuadros importantes de las
organizaciones se retiran del proceso para participar en las elecciones
federales. Adicionalmente, el propio Gobierno Federal le resta importancia
a la Comisión e intenta subsumirla en el Consejo Nacional de Desarrollo
Rural Sustentable. Así, para el mes de septiembre el movimiento se
encuentra ya en reflujo, con una correlación de fuerzas más desfavorable y
con algunas tensiones internas.

A pesar de ello, se logra un impacto significativo en la política del gobierno


mexicano ante las negociaciones de la Ronda de Cancún de la
Organización Mundial del Comercio. Desde antes de la celebración de la
reunión ministerial en esa playa del Caribe, la postura del movimiento El

25
campo no aguanta más incide en la decisión del gobierno de Vicente Fox de
que México ingrese al Grupo de los 20, (G-20), que, entre otros países está
integrado por Brasil, Argentina y la India y que exige el retiro de los
subsidios a las exportaciones agropecuarias y de las ayudas
gubernamentales internas a la agricultura por parte de los Estados Unidos
y la Unión Europea. Durante la celebración de la reunión ministerial en
Cancùn, la primera semana de septiembre, las organizaciones de El campo
no aguanta más y las organizaciones campesinas de otros países,
aglutinadas en la Vía Campesina realizan fuertes acciones de protesta en
diversos sitios de la ciudad. Finalmente, la reunión de Cancún fracasa,
pues al no ceder los Estados Unidos y la Unión Europea en el tema de los
subsidios agrícolas, las negociaciones en otros temas también se
derrumban.

La presentación del Presupuesto de Egresos de la Federación en el otoño


de 2003 da la oportunidad de que se muestre la correlación de fuerzas
entre el Ejecutivo presidido por Vicente Fox y las demandas del movimiento
campesino a través de sus representantes en la Cámara de Diputados. El
Ejecutivo intenta reducir el presupuesto para desarrollo productivo en el
campo, que incluye a varias secretarías de estado. Pero, las comisiones
unidas de Desarrollo Rural, agricultura y Reforma Agraria de la cámara,
integradas por varios de los dirigentes del movimiento campesino le
corrigen la plana a Vicente Fox e incrementan dicho presupuesto en cerca
de 900 millones de dólares.

8. Algunas reflexiones

8.1 Alcances y lìmites de la influencia campesina en las políticas públicas


del gobierno de México.

26
El movimiento El campo no aguanta más es un excelente termómetro para
señalar cuánto neoliberalismo aguanta el campo mexicano, cuánto libre
comercio. Pero no sólo eso: más allá de la resistencia constituye un
movimiento de propuesta, de oferta al gobierno y a la sociedad mexicanas
de todo un plan, de un proyecto de campo y de sociedad diferentes.

El movimiento y las subsecuentes acciones de los campesinos organizados


de México logran cuando menos contener el proceso de liberalización de
los mercados agropecuarios, de apertura comercial al exterior y de retirada
del Estado del medio rural.

En primer lugar, se logra que el Gobierno de México se sume al G- 20 en


las negociaciones de la Ronda de Cancún para rechazar la política de
subsidios de los Estados Unidos y la Unión Europea, y se logra detener una
mayor liberalización de los mercados internacionales. Se logra también
influir la postura del gobierno de Fox en el tratado comercial con Japón y
que aquel detenga la búsqueda de nuevos tratados. Hay cuestiones que,
sin embargo no se logran: a pesar de que el Acuerdo Nacional para el
Campo así lo establece, ni se publica la evaluación pactada del impacto del
TLCAN en la agricultura mexicana, ni se logra que México cambie su
postura pronorteamericana en las negociaciones del ALCA. En éstas hace
bloque con los Estados Unidos, Canadá y Costa Rica en lugar de unirse al
grupo lidereado por Brasil y Argentina. Además, gracias al Acuerdo se
logra detener por primera vez durante el 2003 las importaciones al país de
frijol y de maíz blanco.

En segundo lugar, el movimiento campesino organizado logra detener y


empieza a revertir las políticas de ajuste en el campo y la retirada del
Estado del medio rural. Por segundo año consecutivo el Legislativo corrige
la plana al Ejecutivo y opera aumentos significativos en el rubro de

27
desarrollo rural del Presupuesto de Egresos de la Federación. Se logra la
aprobación de la Ley de Desarrollo Rural Sustentable y se empieza a llevar a
la práctica los postulados de ésta. Gracias a las presiones del movimiento
se logra también el establecimiento de esquemas de ingresos-objetivo o de
precios-soporte para el maíz, lo que viene a restablecer, en cierta manera los
precios de garantía. Se logran también algunos programas sociales, como
el de subsidios temporales a adultos mayores. No puede decirse que las
políticas del gobierno mexicano hacia el campo ya no sean de corte
neoliberal, pero es evidente que este carácter va en retroceso y las
propuestas campesinas van ganando másy más espacio.

En tercer lugar, un logro evidente es que los productores agropecuarios


organizados tienen ahora la posibilidad de participar en la elaboración de
las políticas públicas. Tanto a nivel nacional en el Consejo Nacional de
Desarrollo Rural Sustentable, como a nivel estatal y municipal, en los
consejos respectivos. Esto se ha ido operando desde el 2003. Las
limitaciones de aquí no son tanto del marco legal o de la voluntad política
de los gobiernos, sino de las propias organizaciones campesinas. La falta
de tiempo de las mismas, la insuficiencia de cuadros con formación
adecuada, las tensiones y las divisiones entre ellas le han restado
contundencia y efectividad a su participación en estos espacios.

8.2 Los factores que han permitido la influencia del movimiento campesino
en las políticas del gobierno de México.

Son muchos los factores que aquí se conjugan. Entre los más importantes
se pueden considerar:

a) Una política económica que homogeniza a los actores: Como su mismo


nombre lo indica, este movimiento es una clara expresión del

28
hartazgo de un sector social duramente golpeado por 20 años de
políticas económicas de ajuste. No se trata de los jornaleros
agrícolas luchando por sus reivindicaciones laborales. Se trata de
todos los segmentos de productores rurales afectados por la retirada
del Estado de la agricultura; por la apertura comercial; por las
políticas que privilegian las ventajas comparativas sobre la
suficiencia alimentaria. Así, el sujeto de este movimiento no es
clasista: es pluriclasista: productores temporaleros de subsistencia;
de transición, pequeños productores de agricultura de riego;
medianos e incluso algunos grandes empresarios agrícolas. Lo
integran lo mismo los tradicionales maiceros que los cafetaleros
indígenas; frijoleros, sorgueros, cebaderos. Hay también productores
de piña; ganaderos, fruticultores. Y también los otrora prósperos
agricultores del noroeste del país A todos ellos los ha
homogeneizado en su ira y en sus demandas el conjunto de políticas
puesto en marcha por el Gobierno desde 1982.

b) El fin del monopolio de la representatividad rural. Las organizaciones


independientes, es decir, las que no están afiliadas al PRI ni tienen
corporativizadas grandes masas rurales son las que arrancan el
movimiento. Se trata de las doce agrupadas en El campo no aguanta
más y en El Barzón. Ellas han ganado progresivamente espacios y
credibilidad. Por el contrario, la CNC y algunas de las organizaciones
priístas del CAP, acostumbradas sus bases a plegarse a las políticas
oficiales, con fuertes divisiones internas y desgastadas, tienen
dificultades para movilizarse. Lo hacen sólo en un segundo
momento, ante el temor de ser rebasadas por el proceso de las
demás. Y se tienen que sumar como “una más”, teniendo un papel
significativo, aunque no hegemónico. Llama, por ejemplo, la
atención, que la CNC tenga el mismo peso y el mismo número de

29
representantes en las negociaciones que una organización que
apenas tiene una década de existencia: El Barzón.

Este hecho es uno de los que marca que en México la transición política se
está dando, no tanto porque se promueva desde arriba, sino porque las
fuerzas desde abajo ya no se someten a las organizaciones del partido del
gobierno. Por eso, puede decirse que en el movimiento de fines de 2002 y
primer tercio de 2003 la CNC pierde su papel hegemónico. Esta
organización se sitúa en el lugar que debe ocupar en el México
democrático: una organización con fuerza, con representatividad, con
presencia nacional, pero nunca por encima de otras organizaciones y
agrupamientos campesinos. Estos cinco meses marcan, pues, el inicio de
una transición muy importante en el campo: el fin del monopolio de la CNC
en la representación de intereses rurales. Esta organización, que desde los
años treinta operaba como el control del campo por parte del Estado, tiene
desde ahora que competir con otras organizaciones por el mercado del
apoyo de los hombres y las mujeres del campo. 20

c) Claridad en la percepción del adversario:: un gobierno al servicio de los


agronegocios. En todo momento le queda muy claro a los diversos
integrantes del movimiento que el adversario es el gobierno federal,
sin ninguna duda. Es él quien conduce la política económica, fiscal y
agropecuaria que está dañando seriamente a los diversos sectores de
productores rurales. Es quien negoció el Tratado de Libre Comercio
de América del Norte sin consulta ciudadana alguna. Quien no ha
aplicado los aranceles respectivos a las importaciones de granos
básicos, quien ha tolerado importaciones mayores a las cuotas
20Lo cual no obsta que la CNC pueda buscar, como lo hace el Congreso del Trabajo de
Rodríguez Alcaine, una refuncionalización de su forma de apoyar al régimen. Este riesgo
está presente durante todo este tiempo y, además de generar tensiones al interior de los
cuatro grandes agrupamientos campesinos, genera también tensiones y divisiones en las
propias filas cenecistas.

30
pactadas en el Tratado. Quien ha sido sumiso y poco crítico ante las
políticas proteccionistas implementadas por el gobierno de los
Estados Unidos ante sus agricultores. Quien ha favorecido sobre todo
a los grandes importadores de granos de este país, que son
empresas oligopólicas como Leche Lala, Bimbo, Maseca, Bachoco,
etc. Por eso las demandas se dirigen desde el principio y con toda
claridad a la Secretaría de Agricultura, pero tambièn a las de
Economía y de Hacienda y Crédito Público. Porque queda claro que el
gobierno federal ha actuado más como representante de los
intereses de las grandes compañías de los agronegocios que del
conglomerado de agricultores pobres y medios del país.

d) Solidez y estrategia de las demandas. Desde la primera formulación de


las Seis propuestas para la salvación y revalorización del campo mexicano
las organizaciones campesinas muestran una clara visión estratégica,
no se hunden en el inmediatismo, ni en los aspectos meramente
defensivos. Piden, sí, la exclusión de la agricultura del TLCAN, pero
al mismo tiempo proponen una estrategia multianual, una
planificación de Estado del sector, cuando menos a 20 años.

Por otro lado, no se restringen a los aspectos comerciales de la


problemática rural. Contemplan el financiamiento, la organización, la
calidad e inocuidad de la producción y la sustentabilidad. Todo esto se va
a potenciar y alcanzar su máxima expresión en el documento conjunto del
24 de marzo. Ningún sector de la sociedad mexicana ha presentado una
propuesta alternativa tan completa al modelo económico dominante. Podrá
haber otras propuestas muy completas que se presentan como discurso,
pero nunca como el contenido básico de una gran movilización nacional.
Como ya decíamos, esto es lo que le confiere a las acciones de estos meses
su carácter de movimiento social, y no sólo de acción contestaria o de

31
movimiento de protesta.

Si el documento conjunto del 24 de marzo es suficientemente valorado por


las propias organizaciones. Si se mantiene vivo como orientación
fundamental de su accionar, como un verdadero Plan campesino para el siglo
XXI, por más que entre en períodos de reflujo, la reactivación del
movimiento siempre estará latente.

e) El problema del campo se hace público. Anteriormente, los problemas


rurales eran vistos por buena parte de la sociedad urbana como
cuestión que solamente atañía a los campesinos y al gobierno. Si no
como problemas privados, al menos como “semiprivados” o
“semipúblicos”. Este es otro de los saltos del presente movimiento.
Desde su inicio logra colocar la problemática rural, no sólo la
derivada del TLCAN, como un asunto de interés general, central en la
agenda pública. Se convierte en uno de los temas principales en los
medios de comunicación todos estos meses; centra debates, genera
polémicas. Ante él tienen que definirse los principales actores
políticos, sociales y económicos del país. Y lo hacen: los más apoyan
las demandas campesinas, los menos, los sectores empresariales, se
oponen a toda posibilidad de revisión del tratado. Sin embargo, una
visión que se impone, más allá de las divisiones de opinión es que el
problema del campo afecta a toda la nación que, como dice el slogan
del movimiento “salvar al campo es salvar a México”.

f) Un movimiento que gana las ciudades y la opinión pública. Es


precisamente este carácter público y urgente de las cuestiones
rurales lo que hace que el movimiento se despliegue, sobre todo, y
con gran éxito en los medios urbanos. Desde el principio su accionar
se desarrolla en la Ciudad de México, luego, en la Frontera Norte, en

32
las capitales de los estados, de nuevo en el Distrito Federal. La
excelente acogida de los citadinos al movimiento le confiere una
gran capacidad de resistencia en las movilizaciones de la primera
quincena de enero y le da una gran caja de repercusión a la marcha
del 31 de enero. Hay una especie de “solidaridad pasiva” de la
opinión pública nacional que pronto se apropia de la expresión “El
campo no aguanta más” y le da a la razón a las y a los campesinos en
lucha, hecho que se demuestra en los sondeos de opinión hechos
esos días por la radio y por la prensa escrita.

8.3 La aportación del movimiento El campo no aguanta más a la


construcción de una agenda posneoliberal.

Desde el primer manifiesto del movimiento El campo no aguanta más, hasta


el Plan Campesino para el Siglo XXI, pasando por el documento de la
Comisión Episcopal de Pastoral Social, se dejan ver con claridad los asuntos
o los temas fundamentales de una agenda posneoliberal en lo que se
refiere al campo, a la alimentación y al desarrollo rural sustentable. Así,
desde la perspectiva de las y los campesinos mexicanos los ejes
fundamentales de esta agenda desde los espacios rurales serían:

a) La soberanía alimentaria es parte constitutiva de la soberanía de las


naciones. No es libre ni independiente una nación que dependa de
otra u otras en su alimentación básica. La soberanía alimentaria se
entiende como la libertad que debe tener una nación para producir
alimentos suficientes y sanos para toda su población de acuerdo a
sus tradiciones y hábitos alimenticios.

b) La soberanía alimentaria debe construirse sobre todo a partir de las


agriculturas familiares. Los actores principales de esta soberanía deben

33
ser los pequeños y los medianos agricultores, los campesinos, los
que dependen sobre todo de la fuerza de trabajo familiar para
producir los alimentos básicos de la nación.

c) La agricultura campesina tiene un carácter multifuncional que los


gobiernos y la sociedad de cada país, así como los organismos
multilaterales deben respetar y promover. En efecto, la agricultura
campesina es productora de alimentos básicos, es conservadora del
patrimonio genético de cada país, mantiene el tejido social y la
integración de las comunidades. Además de esto, es depositaria de
saberes tradicionales, es fuente de múltiples expresiones culturales.

d) Los tratados de libre comercio entre naciones y grupos de naciones deben


estar acotados y limitados por las opciones de soberanía alimentaria
de éstas y por la protección e impulso a las agriculturas familiares.
En este sentido, o debe limitarse o de plano excluirse el libre
comercio de productos agroalimentarios que lesione la soberanía
alimentaria o perjudique a las agriculturas familiares.

e) La participación de los diferentes actores rurales es la única garantía de


que las políticas públicas hacia el campo sean favorables a ellos. El
desarrollo rural si se planifica sin los actores rurales, se planificará
contra los actores rurales. Por lo tanto es necesario que los
productores y los habitantes del medio rural y las organizaciones
que ellos se den participen activamente en todos los niveles en el
diseño, implementación, ejecución y evaluación de las políticas
públicas para el desarrollo rural.

f) Las consideraciones éticas y ambientales deben estar presentes en las


negociaciones comerciales. No pueden realizarse éstas teniendo en

34
cuenta sólo objetivos de lucro y de expansión económica. La vida
digna para las personas y para las comunidades; el respeto al medio
ambiente, la conservación y aprovechamiento adecuado del mismo;
el respeto a la diversidad cultural y social son valores que deben
preservarse y promoverse en los tratados y planes comerciales.

g) Para que las agriculturas familiares o campesinas sean viables debe


garantizarse el acceso de las mismas a la tierra y a los medios sustentables
de producción. La reforma agraria sigue siendo un asunto primordial
en la agenda rural. Pero debe entenderse más allá del puro acceso a
la tierra, pues debe contemplarse también el que las y los
campesinos puedan disponer de los medios más adecuados para
cultivar con productividad y sustentabilidad sus parcelas.

h) El desarrollo social es componente fundamental del desarrollo rural. No


sólo ha de promoverse la expansión productiva de las agriculturas
familiares. Han de promoverse las polìticas que aseguren el
desarrollo integral de las comunidades, de las familias y de las
personas. Para esto son necesarios programas de educación, salud,
vivienda, equidad de género, atención a grupos vulnerables. Así
mismo de promoción, rescate y desarrollo de las culturas diversas.

i) Los derechos y la cultura de los pueblos indios son parte fundamental de


esta agenda. Esto, en la manera como éstos los conciben y en las
formas en que exigen que sean cumplimentados por el Estado y el
resto de la sociedad.

j) La agricultura no es sólo asunto de los productores; es también asunto de


los consumidores. No debe olvidarse que la agricultura es la actividad
productora de alimentos por excelencia. La calidad y la inocuidad de

35
éstos son un derecho para los consumidores que debe hacerse
cumplir por parte de los productores y las instituciones reguladoras
del gobierno.

Conclusion

Esto es algo de lo que puede aprenderse luego de año y medio de accionar


del movimiento El campo no aguanta más. Sus logros son inéditos en la
historia del movimiento campesino mexicano. Pero todavìa hay mucho por
hacer y por reflexionar. El movimiento, como todos los de su tipo, no sigue
una línea siempre hacia delante y hacia una mayor fuerza y coherencia. Ha
conocido etapas de reflujo, donde predominan las tensiones y las
contradicciones internas. Tal vez la que se vive actualmente sea una de
ellas. Sin embargo, su contribución a la transformación de las políticas
públicas hacia la agricultura y a la democratización del campo mexicano,
ha sido indudable. La consolidación de los cambios logrados, la expansión
de los mismos y la conformación de una sólida y coherente agenda
posneoliberal para la sociedad rural mexicana, dependerá sobre todo de la
capacidad de las organizaciones campesinas de superar sus inercias, sus
viejos antagonismos, sus sempiternos protagonismos y de vincularse
efectivamente con las organizaciones que en toda América Latina y en todo
el mundol luchan por abrirle paso a la vía campesina para vivir y para
pensar esta posmodernidad de oposiciòn, como dice Boaventura de Sousa
Santos.

36
Civil Society Forum at the Unctad meeting, São Paulo, 14-16 June 2004

Project: Ibase
Partners:ActionAid Brasil, Attac Brasil e Rosa Luxemburgo Foundation

Food Security as the Basis for Human Wellbeing:


Putting Livelihoods and Habitats at the Centre of a Post-Neoliberal Agenda

Harriet Friedmann
Centre for International Studies
University of Toronto

Food security is condition of existence of human individuals, communities, and


global society. We are nearing the point at which we can no longer deny the bodily
basis of all human cultural achievements and the earthly basis of all human
production. It is time to remember that we are a biological species who must eat,
and that our numbers and effects on the earth for several thousand years, and
particularly for the past century, require us to act together as a species to take
responsibility for growing and eating wisely.

Let’s start with the problem. Denial of the link between human bodies and integral
ecosystems underpins the industrial food system. It started with hope. I recall
reading in a document in French national archives a plan for post-World War II
food security, which thrilled at the possibilities offered by freezing technology for
everyone to eat year-round vegetables. Now year-round pears come to the rich

1
consumers in the North from places such as Chile, where land was converted from
food production under pressure from structural adjustment. The bounty of the
“breadbaskets” of North America and a few other places, including Argentina, were
offered cheaply to help postcolonial nations shift to industry. Yet now they are
trumpeted by liberal traders --- both export junkies like the U.S. and the Cairns
Group and giant agro-food corporations that have become branches of the
chemical industry --- despite falling yields, loss of crop and livestock diversity,
weed and insect resistance, and marginalization of farming people. The lesson is
about more than industrial agriculture and food. It is about assuming a simple link
between needs and technologies.

Another food system is possible. It underpins the possibility for another world
centred on human wellbeing. Three principles are at the heart of a food system
that can support human communities within the earth community:

1. Grow what is good for the earth.


2. Eat what is good to grow.
3. Live in relationships that make the first two possible.

Simple and simply obvious, yet opposite to the whole logic of the agro-food
system. Industrial monocultures and mass produced edible commodities have
increased supplies of a tiny number of the thousands of plants ever eaten by
humans and reduced old problems of scarcity, including infant mortality and
infectious diseases. But industrial crop and livestock production have produced a
variety of well-documented ills, including export dependence on chaotic and
oversupplied markets, pollution and destruction of precious soils and waters and
forests, and loss of knowledge of how to work with natural cycles that for
thousands of years has resided with the majority of humans who selected and
tended the myriad plants and animals on which human lives and cultures thrived.
Mass produced edible commodities have created a range of new diseases, such
as cancer and heart disease, that are no longer restricted to privileged humans but
have become the democratic inheritance of the human species in a late industrial

2
age. Standard foods are rapidly marginalizing the people and cultures who create
the myriad cuisines that nourish body and soul for inhabitants and travellers alike.

II

What are the specific obstacles to creating a sustainable food system? History is
always a useful guide. In my analysis of the international political economy of food
I have identified two distinct “food regimes.” The first one was created by British
railway and commercial capital, state-building armies and surveyors who evicted
indigenous people, uprooted indigenous plants, and killed indigenous animals like
the buffalo of the North American plains, and European settlers and Chinese
railway workers who created a way of farming never before seen on earth. A vast
expanse of land was traversed, fenced, and plowed by steel implements of
factories. Those who cultivated the soil mined the fertile riches deposited by
ancient glaciers to produce simple crops of wheat and cattle and had to sell them
to live and work. Those who ate the crops were across the ocean and depended
on food from a distant ecosystem and carried to them through opaque systems of
transport and industry. This was the Settler-Colonial food regime. It collapsed in
the world economic depression and the North American ecological crisis of dry
topsoil blown away in the 1930s.

It took another World War, widely shared hope invested in technological advances,
and probably also competition between the Cold War blocs, to allow for a new
regime to arise after World War II. The multilateral plans of the Allies during the
War for a World Food Board were rejected in 1947, along with the International
Trade Organization that would have made U.S. trade controls illegal. The GATT,
for the same reason, excluded agriculture. Yet shared values of “development” as
industry made food marginal, and U.S. surpluses were used in Marshall Aid to
Europe and its colonies, and to Japan, and then later to emerging nations as a
way to support both U.S. farmers and the perceived interests of consumers for
cheap food. Within the shared goals of the postwar world emerged the giant
industries supplying machines and chemicals to industrialize agriculture and make

3
food durable and profitable by ever more complex manufacturing. This was the
Mercantile-Industrial food regime. It deepened the legacies of the Settler-Colonial
food regime through industrializing and exporting monocultures and processed
foods, yet added the paradoxical framework of massive government controls over
production and trade everywhere.

Now there is no dispute over the existence of a crisis. The good news is that by
now most agree (in some fashion) mercantile practices are part of the crisis. For
neoliberals it is domestic subsidies and trade restrictions built up during the
twentieth century. For the South it is recognition that “food aid” has turned into a
liability; it was always dumping but it had effects that were welcome in the fifties
and sixties. Analysis and debate over the proper role of government at all levels of
scale are an excellent development.

However, a great divide exists over the nature of the crisis, even among those
dedicated to multilateral solutions. At one extreme are those who project present
trends into the future and argue that new technologies, particularly genetic
technologies created specifically to solve the problems of industrial agriculture, are
necessary to provide the diets, particularly the meat-intensive diets, of populations
expected to become more like middle class consumers of the North (Runge et.al.
2003). At another extreme are those who emphasize the ecological limits of
industrial agriculture and the physiological limits of industrial diets. We can’t prove
that the system can’t go on forever, nor can the proponents of more trade and
monocultural technologies prove that it can. However, I argue that wisdom lies in
reversing direction.

The obstacles to sustainable livelihoods are in received ideas and social


arrangements. The cumulative legacies of the Settler-Colonial and Mercantile-
Industrial food regimes are: agriculture dependent on industry, deeply
commodified farms and diets, measures of efficiency based on land-extensive
monocultures, and globalization and democratization of a diet based on European
desires, particularly for beef and white bread.

4
There are two bases for a shift to livelihoods centred on food. One is to recognize
and embrace the creativity of humans in gardens, fields, and kitchens to the
destructive features of industrial agrofood systems. An adequate understanding of
food security, of course, includes the diversity of natural systems, and the
specificity of agronomic and culinary knowledges to sustaining humans in each
place, and therefore within the earth community. The second is to use human
health and ecosystem integrity, as well as human rights and democracy, as the
touchstones for reforming multilateral institutions. This would put food security at
the centre of sustainable human livelihoods.

III

I would like to point out four perceptions that shape our way of measuring food
production and lead in my view to illusions that need to be changed.

First, measures of productivity of agriculture based on labour output need to be


replaced by more complex measures centred on longterm sustainability of land in
each place. When settler agriculture drove out farms back in Europe in the 19th
century, perceptions changed drastically. Land was short in Europe. Expanding
states in the U.S., Canada, Australia, and Argentina particularly wanted to be
efficient not in farming but in occupying land. Settlers were deposited on unplowed
grids of land and did the best they could to produce as much as possible. Land
was “free” in monetary terms. The wheat and meat produced seemed miraculous.
Never had so few people produced so much food. And when tractors later
replaced animal power, the land freed from pasture could be devoted to food
crops, including of course for export. Chemical fertilizers from converted war
production replaced manure to renew fertility. Competition was stabilized in the
Mercantile-Industrial food regime, allowing for farms to become bigger and the
number of farmers to plummet. Thus did efficiency appear ever to increase even
though soil and water were depleted and polluted. The shortage of labour in settler

5
times and after on the grasslands left a legacy that has outlived its historical
usefulness. It has become destructive in a time of unemployment.

Back in Europe, it seemed, the farms driven out by imports were inefficient.
Neither production enthusiasts nor social justice advocates had much reason to
think about the agronomic features of English High Farming. But agro-ecology and
environmental history have changed that. Starting late in the 18th century, capitalist
farmers had scientifically transformed farming. What is recorded in history books
as the Agricultural Revolution was cruel in evicting peasants from the land and
reducing agricultural labourers to miserable conditions of life. But it analyzed the
agronomic relationships among humans, animals, and crop and instituted an
innovating approach to each farm, including its size, division into fields, rotations,
and so on, so as to guide the natural cycles to mazimize yields while improving
fertility.

The illusion was thus created out of some very specific historical circumstances
that grassland farming in North American and elsewhere is naturally suited to
specialize in grains. So productive did they seem that grain started being grown
just to feed animals. In Canada animals eat more than three-quarters of all grain
consumed (not counting exports). China and India feed animals under a quarter
and a tenth, respectively. Producing beef requires 1,000 times the amount of water
for the same weight of wheat.

Since the Green Revolution at least, industrialization and monocultures,


sometimes including export monocultures, have been exported across the globe.
Yet the measures of efficiency that justify this way of growing food are now in
question. Vandana Shiva (1993) has shown that standard measures of productivity
ignore most of the polycultural species of traditional agriculture. Netting has shown
that when measures take into account the great diversity of cultivated and wild
plants, each harvested from and returned to one of many interwoven cycles,
polycultures yield more food and renew conditions for further harvests. New
techniques to stabilize swidden agriculture, and to support farmers and those who

6
would like to farm and learn to farm, all focused on working with natural cycles, are
easy to justify if the measure of productivity focuses, as it should, on the longterm
capacity of the land to yield food.

Second, industry needs to be replaced with livelihoods and habitat enhancement


as the as measure of “development”. From the point of view of sustaining food
production, it is more accurate to calculate energy ratios of inputs to outputs.
Bayliss-Smith (1982)’s calculations show that even swidden cultivation achieved a
far better ratio between energy inputs and food energy outputs than industrial
agriculture. English High Farming was the most efficient so far created. Industrial
agriculture is the least. English farming, which used scientific observations to
further enhance harvests from natural cycles, was exceptionally modern though
not at all industrial. Industrial techniques replace cyclical flows within a farm and
watershed by linear flows in which inputs are brought in by “outside” and outputs
are sent “out” the other end. The farm buys inputs and sells or ignores outputs (as
commodities or wastes). No one is responsible for or even capable of knowing and
respecting limits. Producers of phosphates, for instance, mine them and move on
to a new site. Water polluted by nitrogen runoff is not a problem for the farm.
Industrial techniques are inherently depleting and polluting.

Reliance on hydrocarbons is risky in both the longterm -- due to depletion -- and


the short-term – due to volatile supplies and prices. The food crisis of 1974 was
compounded by the energy crisis of the same year, but had little lasting impact on
agricultural policy. Global sourcing of industrial inputs and fossil fuel energy makes
it impossible to stabilize prices for farmers and thus for consumers. The present
war in the Middle East has once again brought volatile energy prices. We need to
note how vulnerable is food production even in the moment and consider whether
industrialization should continue to conquer the remaining areas of ecological
farming.

Reliance on hydrocarbons is compounded by global marketing, a feature inherent


in industrial monocultures. UK food analyst Tim Lang has created “food miles” as a

7
unit to measure how far food moves before it reaches the kitchen table. Costs of
sea freight have fallen 70 percent since 1980 and air freight falls 3-4% a year. As a
result it is profitable for many countries to export and import the same product,
such as milk or cookies. Canada exports 98,000 tons and imports 54,000 tons of
milk, which fifty years ago would all have been local. It may seem less absurd to
import fruits and vegetables to cold countries. Yet one kg of asparagus sent from
Chile to New York takes 73 kg of fuel energy and contributes 4.7 kg of carbon
dioxide to global warming (Millstone and Lang 2003). FoodShare Toronto recently
compared foodmiles traveled by similar items at a farmer’s market and the
supermarket across the street (Bentley 2004). On November 27, 2003, very late in
the Ontario season, both offered local apples, but supermarket pears travelled
5887 km from Washington via Los Angeles, compared to 58 km at the farmer’s
market. Local lamb chops traveled 72 km, while across the street they flew13,882
km from New Zealand. The average foodmiles of the supermarket items was over
5,000 times greater than the same items in the farmer’s market. The study
calculated energy used and greenhouse gas emissions depending on how food
was transported, and found the imports to be on average almost 400 times
greater. This is not unusual --- or wise.

Third, measures of human wellbeing need to focus on substantive criteria such as


health and knowledge rather than monetary income. There is undeniable drama in
numbers of people living on one or two dollars a day. But such numbers give an
aura of unreality. Particularly for food, measures that assume the normalcy of
commodity relations are misleading. Surely no one is buying all they need in world
markets on such sums. A moment’s reflection makes it clear that people with little
or no income are getting what they use to survive in local markets or outside
markets altogether. It implies that people are always worse off outside commodity
relations and discourages thought about the diverse relations of reciprocity,
redistribution, householding and communities through which people thrive even in
highly commodified societies. Yet many studies document how wellbeing
deteriorates when farming households and communities can no longer supply their
own food needs through farming, gardening, and harvesting from intact common

8
lands such as forests (Norberg-Hodge, Shiva; study of Mexico and Ecuador). Even
for the few modernizing farmers who do better from specialized crops, income
measures do not include social or environmental losses, nor the cost of sacrificing
dependable local supplies to those whose availability and prices may quickly
change.

Human Development Reports of the United Nations Development Program have


since 1990 been experimenting with statistical reporting that separates economic
growth as measured by GNP from wellbeing. The Human Development Index has
been refined to make clear that per capita income does not necessarily entail
progress in health, education, democracy, human rights or environmental
protection. Again, this should be obvious but neoliberal ideology consistently
conflates markets and wellbeing, and usually democracy, too. It is important to
continue this process of measuring what is important abstractly and comparatively,
and also to include in democratic processes at local levels ways of accounting for
what is specifically important to people in specific habitats.

The World Health Organization recently announced that obesity is no longer a


problem of rich countries or privileged consumers but a “global epidemic.” The
evidence for the report is that chronic diseases, the so-called “diseases of
civilization” such as diabetes and heart conditions, are displacing the grossest
types of malnutrition in many parts of the South --- except the increasing numbers
of people caught in wars. This is called the “nutrition transition.” A leading cause of
the change is exactly commodification of diets, including standardized industrial
foods that are high in fats and sugars. The foods of ordinary people, mostly rural
until very recently, had a pattern of a starchy staple complemented by foods that
supply proteins (mostly vegetable) and flavours (Mintz 1994). In Brazil, Geoffrey
Cannon (2003) is among those who have argued that it is not an advantage to
replace diseases of underconsumption with those now prevailing in the North. And
it is not necessary. Confusion about nutrition in the North is based on the
vulnerability of people separated from practical experience of eating the foods from
local farms.

9
According to nutritionist Marion Nestle (2003), nutritionists agree that health comes
from eating appropriate quantities, a diverse, balanced diet, and foods with little
processing. It is also the way to public health and fiscal soundness, removing the
burdens of preventable chronic disease on public health systems. If eaters
abandoned the tens of thousands of complicated edible commodities in
supermarkets in favour of local fresh foods, profits would suffer but health would
improve. Yet local food systems are everywhere in danger. Measures of wellbeing
would document, protect, and celebrate the local plants and animals that are good
to grow and good to eat.

Fourth, is to find ways to correct for the over-valuation of “modernity” in and the
devaluation of its supposed opposites, such as ‘tradition”, and to recover the core
values of “science”--- open inquiry, skepticism, experimentation, observation.
James Scott (date) has revived the name of the Greek goddess Metis to name the
creativity of people embedded in specific cultural and social relations work with the
specific features of each place. Metis is what is displaced by what Scott calls High
Modernity, yet the simplification of social relations and ecosystems corrode the
bases of renewal in Metis. I have developed a parallel idea of polycultures, both
agronomic and culinary, to describe how people continually invent new ways to
grow and cook food despite the oversimplification of monocultures (Friedmann
2002). Most of the gardens and kitchens in the world since 1500 have incorporated
new plants, animals, flavours, and techniques of farming and cooking. Brazil, with
its lively mix of peoples, plants, animals, and techniques of growing and eating, is
a perfect example of polycultures. Indigenous and transplanted ways of gardening
and cooking have always adapted to and altered habitats. Tradition is lively and
has much in common with the observant and experimental values of science.
Polycultures are now being invented and reinvented in many parts of the world,
both North are learning from the South, as people carry with them their knowledge,
skills, desires, tastes, and companion species.

IV

10
How can we take these insights forward? First, make human activity linked to
human needs the new value guiding measures of effectiveness. Livelihood is a
useful way to think simultaneously about the contributions and gifts that each
person and culture can contribute, as well as the ways that each person and
culture lives from useful things. Livelihood is better than employment and
consumption as separate measures. In a time when people are made redundant
and the fruits of nature are in danger, it makes more sense to measure food yields
of land. By organizing people’s efforts --- labour --- in ways that serve the needs of
the land to feed human communities for generations, it should be possible
incrementally to discover how much labour, and what kinds, enhance food systems
and the integrity of agro-ecosystems. Study the past, such as English High
Farming, and rescue the farming communities whose knowledge is in danger of
being lost. In this, racial and cultural hierarchies need to be questioned. The
burden of proof should shift to those who intend to use land in novel and simplified
ways to show that it will not only improve what they measure, but also improve the
wellbeing of humans and enhance the vitality of the ecosystem. This includes
great care in disrupting “traditional” farming communities and indigenous
communities and their tended habitats.

Second, make agriculture the centre of policy and acknowledge it as the basis of
livelihood (Duncan). Education should make ecology as important as literacy and
numeracy, and knowledge of local ecosystems part of responsible citizenship.
Democracy depends on responsible citizens. Since agriculture is necessary, since
it must alter ecosystems, it is crucial for each community, and for all humans, to do
so responsibly. Agriculture is also an important way to monitor the effects of
industry and all human activities on ecosystems. Scientists need to work with
farmers, and farmers need to learn ecological sciences. To make agriculture
central means to reconnect science and practical applications. It means restoring
public agendas of scientific research, but also revising them to create, among
others, farmer-scientists and agricultural scientists serving the needs of humans to

11
grow healthy food to eat, for this and many generations. In many cases it will take
great scientific effort and experimentation to restore and improve human habitats.

Only then --- and also incrementally --- can trade find its proper place in
livelihoods. If governments in each place take responsibility for moving in the right
direction, the type of trade that is possible, necessary and desirable can be
continually assessed and reassessed as conditions change, both locally and with
potential trading partners. Governments will need an educated citizenry and
scientists whose agendas (not findings!) are set by the public interest. Rules
governing money and investment as well as trade must serve responsible
democratic decisions about how to move in the direction of livelihoods at the
centre of thriving human communities.

Third, begin a public discussion of the best measures of human wellbeing. It is


important to recall that early measures of “development” focused on health and
education, food and housing quality, and the like. At that time little experience or
criticism of commodification, standardization, and simplification was possible, yet
rarely were simple income or GNP measures used alone. Now we need complex
measures that include the specific needs of ecosystems and the people who live
there.

Finally, rethink the best way to enhance knowledge. The distinctions between
science and wisdom, science and spirit, science and values, are surely false. In
documenting food systems, too much emphasis on quantities (apart from inspiring
doubt about reliability) has encouraged blindness to the reasons for food --- to
support life, materially, culturally, emotionally, socially, spiritually. To integrate
health into policies for agriculture, trade, and money requires a complementary
focus on the quality of foods and the processes that create them.

This will necessarily apply abstract principles to the biological and cultural
uniqueness of each place. Biological diversity depends on cultural diversity.
Humans have tended ecosystems as long as we have been on earth, as

12
environmental historians and anthropologists are beginning to discover (Cronon,
Achuar). There was never a time when humans simply lived from the land without
changing it --- even animals and plants change their environments. Cultures and
habitats change in mutual relationship.

High Modernity considers standard technologies, landscapes and commodities the


highest good, but it may be reaching the limits of Metis to renew the diversity that
invisibly underpins it. An emerging understanding of the unity of humankind and
the biosphere coincides with new appreciation for diversity and change. Together
these understandings provide the basis for valuing and supporting the continuing
experimentation of farmers and cooks, both those in place and those that move to
new places. To complement farmer-scientists, awareness of the quality of food,
nutrition and health entails revaluing the work of women in sustaining cultures
through culinary knowledge and practices of feeding and sharing food. Again, it is
time to change education to help create a citizenry replete with nutritionist-cooks,
who appreciate (and contribute to) both the insights of scientific research and the
sensory, social and cultural pleasures of good food.

How can these practices be incorporated into a shared human project for
democracy and rule of law (Ritchie 2003, pp.13-14)? To inspire conversation, I will
offer a few brief comments.

Recently Mark Ritchie recalled what he learned from some of the founders of the
United Nations and other international organizations, including the Bretton Woods,
after World War II --- that they were “first and foremost a desperate attempt to find
a path to World Peace by ensuring economic, social, and political justice.” My own
studies show that the great hopes for ending the suffering of world depression and
fascism included a proposal by the victorious Allies for a World Food Board. It
would have augmented the strong national planning envisioned by world leaders
with international coordination of exports and imports. It was defeated by a

13
meeting in Washington, D.C. in 1947, opposed by the U.S. and U.K. As a result of
this defeat, and of the Cold War and other forces preventing the UN from
achieving the ambitions of its founders, the Food and Agriculture Organization
became a marginal to the relations of power and property governing the unfolding
of the food system; it focused on data collection and programs for countries low in
the hierarchy of power and wealth.

In the absence of a strong, legitimate FAO, national planning was without


international coordination. The Mercantile-Industrial food regime was the
unplanned result of unequal governments, all of which managed farm, food, and
export sectors. Within implicitly mercantile rules, the regime spawned transnational
corporations that increasingly provide the “market” for farmers and for consumers.
These corporations benefit from both subsidies and free markets. Private entities
always work within the rules set by governments, explicitly and implicitly, legally
and illegally. These corporations now wish to have international rules --- but only
ones that favour their power and profits.

The end of the Cold War brought a brief period of rapture, full of hope that
democracy and cooperation could replace war economies and rivalry. Universal
food security, a goal pronounced at the World Food Summit of 1974, seemed
possible. Between 1974 and 1990 there had been economic contraction, Détente
between Cold War blocs, and the project for a New International Economic Order
supported by the Brandt Commission in the North as well as UNCTAD and the
South. But the neoliberal project had begun to unfold from those same events. In
the 1980s indebtedness of governments of the South and Eastern Europe, deficits
in North government accounts, the Uruguay Round of trade negotiations that led to
the WTO, inspired a combined response of the North to support a broadly
corporate agenda.

The contest between projects for social justice and for economic power continues
to unfold, but three new processes began in the 1990s. First, the Earth Summit of
1992 set a new agenda and created a crosscutting set of inter-state alliances.

14
Second, health risks associated with industrial agriculture, manufactured foods
and fast foods have led to international disputes and rising citizen concerns. Third,
social movements have proliferated in all these issues, and in some very new ones
related to indigenous rights and knowledge, and have increasingly engaged in
discussions finding common ground across national and social divides.

My view of the centrality of agriculture and food lead me to suggest that multilateral
and democratic projects put health and ecology at the centre of reform at all levels.
FAO, like all UN agencies, contains the struggle between projects. It has a
mandate and programs to assist a policy shift away from exports, monocultures
and industrial diets, but also strong pressures to focus on the neoliberal agenda.
The contradictions are manifest, for instance, in Codex Alimentarius, a food safety
body newly empowered by enforcement through the WTO. Codex is a joint
commission with WHO, and therefore has health incorporated into its structure;
WHO has recently widened its approach to health to include diets. Yet neoliberal
governments and lobbies that want food standards in trade legislation are working
hard to institute the kinds of standards favouring monocultures and industrial
foods. Along with “Sanitary and Phyto-Sanitary” rules, food standards are the place
where quality and health can enter. The struggle is to implement rules that support
diversity, quality, and democracy. These cannot be centred on trade. Indeed trade
rules have had to bend to the (unacknowledged) specifics of real foods and real
agro-ecosystems.

At the same time, the Earth Summit, and particularly the Convention on Biological
Diversity and the Biosafety Protocol give governments tools to apply a
precautionary principle over trade. Similarly challenges to TRIPs in favour of
governments whose lands contain most crop diversity and in favour of farmers who
have selected and tended those crops in changing conditions, have slowed the
neoliberal project. It is crucial to get ratification of these agreements, but also to
continue efforts to challenge narrow definitions of property and knowledge.

15
To go further, it is crucial to redefine crop diversity and farming knowledge not as
“resources” or as “indigenous” but as the ecological and social basis of human life.
It may also help to link the CBD to Kyoto through the contribution, which needs to
be fully documented, of long distance durable food shipments to climate change.
One focusing idea offered by Tim Lang and others is that of Ecological Public
Health. Conflicts between “economy” and “environment” disappear when social
policy focuses on food as the basis for health, and agriculture as the basis for
inhabiting each place and all the places whose web forms the living earth.

16
Fórum da Sociedade Civil na Unctad, em São Paulo,
14, 15 e 16 de junho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Hacia una nueva agenda del desarrollo en América Latina

Constanza Moreira

Después de dos décadas de aplicación casi irrestricta del modelo económico


emanado del Consenso de Washington, América Latina se encuentra hoy más
pobre y más vulnerable de lo que era entonces. Por más críticas que se le puedan
hacer al desarrollismo económico y al populismo político que caracterizaron a los
modelos latinoamericanos de la postguerra, lo cierto es que el liberalismo
económico no ha conseguido superarlo, al menos, en términos de los objetivos del
crecimiento económico. En efecto, el modelo liberal parece ser un fracaso, si
comparado con el legado del desarrollismo anterior, al menos desde el punto de
vista de sus logros económicos. Sin embargo, ni el desarrollismo ni el liberalismo,
han conseguido dar cuenta de la enorme deuda social de América Latina. Los
últimos años, además, parecen haber profundizado algunos aspectos de la
misma, en especial, en materia de empleo y derechos sociales. Pero más allá de
las consecuencias materiales de dos décadas de “reformas orientadas al
mercado”, el liberalismo económico ha tenido otra consecuencia, menos material,
y por ello, menos perceptible: haber abandonado el propio concepto de desarrollo.

1
No es sólo reducirlo a un problema de equilibrio macroeconómico y crecimiento
del producto: es haberlo abandonado como concepto.

1.Desarrollo: la historia de un concepto

¿Qué entendemos por desarrollo? ¿Es posible pensar en un modelo de desarrollo


que haga del legado de la desigualdad y la pobreza el principal objetivo de la
política económica y no un objetivo subordinado a la meta de la estabilidad y el
crecimiento? ¿Es posible pensar un modelo de desarrollo que asegure
condiciones dignas de vida para todos y cada uno de los seres humanos? ¿Es
posible pensar un orden político donde las preferencias de los ciudadanos sean
prioritarias a los imperativos de la gobernabilidad que imponen los organismos
internacionales, el sistema financiero mundial o las presiones de los grandes
grupos económicos? El desarrollo político, social y económico deben ser tres
aspectos del mismo proceso, de la misma manera que los derechos políticos no
pueden ser disociados de los derechos civiles y sociales. Pensar integralmente el
desarrollo, a partir de una perspectiva de los derechos, es parte del debate a ser
colocado para esta reunión. Para ello, vale la pena que revisemos los conceptos
de desarrollo que tenemos, en términos de su propia historia: su historia como
concepto, y la práctica política específica de los países de la región.

El concepto de desarrollo ha salido de la agenda después de al menos tres


fracasos: el fracaso del impulso “modernizador”, la crisis del desarrollismo, y el
agotamiento del Estado de bienestar. Ultimamente, ha sido sustituido por el de
“crecimiento económico”. Y sin duda, esto es parte del problema, ya que las
últimas décadas en América Latina han mostrado que se puede tener crecimiento
económico y “recesión” social. Cuando el modelo de crecimiento es inequitativo y
excluyente, esta conclusión se sigue por añadidura. Así, no todo modelo de
crecimiento es un modelo de desarrollo en sentido integral. Se puede crecer con
exclusión, reproduciendo pobreza, violando derechos civiles, y multiplicando el
hambre. El Brasil y el Chile de la dictadura son buenos ejemplos de este tipo de

2
crecimiento. ¿Qué entendemos entonces por desarrollo?

El diccionario de Bobbio define tres conceptos de desarrollo: el primero, clásico,


que vincula el desarrollo al crecimiento económico; el segundo, que plantea el
desarrollo como un proceso en el que son discernibles fases (nosotros seríamos
“subdesarrollados”, o en versión optimista: en vías de desarrollo); y el tercero, que
entiende el desarrollo como un cambio de estructuras.

El desarrollo como crecimiento económico es parte inseparable de la ciencia


económica, pero como dijimos antes, es una definición que segmenta el
concepto, y lo aísla de sus consecuencias políticas y sociales. Se puede tener
crecimiento económico sin desarrollo social (manteniendo una porción sustancial
de la gente excluida de los frutos del crecimiento económico), y sin desarrollo
político (básicamente, sin democracia).

En cuanto al concepto de desarrollo como “fases”, no es muy diferente del


concepto de modernización; aquél que concebía a las poblaciones indígenas
latinoamericanas como “el pasado del hombre”. En esta interpretación, los países
partirían de una economía primitiva o tradicional, atravesarían unos estadios
intermedios y finalmente llegarían a un nivel de desarrollo similar al de la moderna
sociedad industrial. El subdesarrollo serías uno de esos estadios intermedios, y
distintos autores han tratado de encontrar la explicación a su consolidación como
“tipo de desarrollo”, más allá de su carácter transitorio, basandose en algún factor
específico. Las teorías del capital humano (el subdesarrollo como consecuencia
de la insuficiente acumulación de nuestros países en capital humano,
especialmente educación); las teorías culturalistas (la herencia “ibérica” que
generó un tipo de sociedad donde los valores individuales no ayudan al
disciplinamiento de la mano de obra necesario para la meta del crecimiento), entre
otras, son ejemplos de esta concepción. A veces se piensa este proceso como
“trunco”, o incompleto: de esta forma, cuando se habla de Brasil como un “nic”
(new industrialized countries) abortado, se habla de un proceso incompleto, no de
la forma de un proceso.

3
La tercera versión del desarrollo, y sin duda la menos ingenua de las aquí
mencionadas, es la del desarrollo como cambio de estructuras. Aquí se ubica el
grueso de la literatura latinoamericana sobre el tema, en especial las
contribuciones de la Comisión Económica para América Latinal: existen procesos
que regulan las relaciones económicas entre los países “centrales” y “períféricos”.
Nuestro “subdesarrollo” es funcional al desarrollo de otras regiones del mundo:
por eso no lo superamos. Cuando Fernando Henrique Cardoso, en el Congreso
Internacional de Ciencia Política del año 1991 se refirió a su propio teoría
dependentista, la declaró superada. Ahora ni siquiera se trata de dependencia,
afirmó: si no nos integramos al mundo vamos a caer en el agujero negro de la
historia. La globalización y sus ubicuidades habían tomado el lugar de la vieja
teoría de la dependencia, con sus dependencias asimétricas entre capital y
trabajo, y entre centro y periferia.

El ¿desarrollo? de América Latina como región, ha revelado, en sus distintas


fases, la propia historia del concepto. Primero, era la región del atraso y la
barbarie, destinada a procesar en poco menos de dos siglos, los cambios
modernizadores que las sociedades europeas habían superado ya hacía tiempo.
Modernizarse implicaba no sólo una dimensión material (expandir la
infraestructura, urbanizarse, alfabetizar a la población, y controlar su crecimiento),
sino un cambio de valores. Pero los procesos de modernización no fueron
acompañados del impulso industrializador de la vieja Europa, y los procesos de
modernización, que variaban de país a país, muchas veces quedaban truncados,
incompletos (países altamente urbanizados y con una industrialización mínima,
incapaz de absorver los contingentes de mano de obra que el campo expulsaba,
por ejemplo). Luego, comenzamos a pensarnos como “subdesarrollados”, hasta
que la aparición de las izquierdas desencantadas con el tipo de modernización
excluyente que se procesaba en América Latina, vió la necesidad de redefinir
nuestras relaciones de dependencia asimétrica con los países del “capitalismo
central”. Luego, las izquierdas y los movimientos sociales refractarios al impulso
“modernizador” que implicaba una cada vez mayor explotación en la mano de

4
obra, fueron silenciadas, reprimidas y los golpes de Estado se sucedieron en
América Latina.

Muchas dictaduras, sobretodo en los países que habían sido pioneros en la


revolución (como Chile), implantaron el que ahora llamamos de “modelo
neoliberal”: desmovilización de la mano de obra, abolición de los derechos
sociales, reducción del rol del Estado, y apertura externa, Ello aseguraría el
crecimiento económico, decían. La desmovilización de la mano de obra era
necesaria para ajustar salarios y condiciones de trabajo al “capitalismo
competitivo”, la reducción del rol del Estado era necesaria para “incentivar al
mercado”, la abolición de los derechos sociales era fundamental para estimular la
inversión y el empleo, y la apertura externa permitiría el ingreso de los capitales
externos, al tiempo que haría que triunfaran los competitivos y se depurara el
ineficiente sistema industrial que se tenía.

Hacia inicios de los 90s el giro ya estaba dado, y la propia Cepal mostraba la
tibieza de su argumento “post-desarrollista” pregonando el “crecimiento con
equidad”. Para ello, no era necesario cambiar el modelo de acumulación vigente
(el del Consenso de Washington), sino impulsar políticas sociales. Palabras como
“política social” y “servicios sociales” comenzaron a ser usadas entonces, aunque
ya ni recordemos cómo ni cuándo, y por supuesto, tendieron a despolitizar el
lenguaje, de la misma manera en que se depolitiza el debate si yo, en vez de
hablar de “ciudadano”, hablo de un “usuario de los servicios sociales”.

2.Un breve repaso al desarrollo latinoamericano.

América Latina ha tenido un legado colonial que marcó desde el inicio la desigual
apropiación de los frutos del crecimiento económico. La explotación de las
poblaciones nativas, la concentración de la tiera en pocas manos, y los modelos
de acumulación basados en la explotación intensiva de la mano de obra sin
contraparte de derechos sociales, generaron desde el siglo XIX modelos
fuertemente excluyentes. Asimismo, la velocidad y el ritmo del proceso de

5
modernización e industrialización fueron muy diferentes entre países. Mientras
que algunos se modernizaron e industrializaron en la primera mitad del siglo, otros
países conocieron procesos de industrialización acelerados y tardíos (como el
Brasil de los 70s), y otros, no completaron nunca estos procesos.

Los modelos de industrialización sustitutiva de la post-guerra, en algunos casos


relativamente exitosos (vale citar los países del Cono Sur en esta perspectiva),
fueron de la mano con una relativa ampliación de los derechos sociales, a
menudo de la mano de lo que fueron conocidos como “regímenes populistas”.
Pero los procesos de radicalización política de los 60s, y la crisis económica de
los 80s, truncaron estos procesos de crecimiento y desarrollo social, y volvieron a
colocar a América Latina como un continente signado al mismo tiempo por la
incertidumbre de su desarrollo económico, social y político.

En particular, la crisis de los años 80s y el legado autoritario, introdujeron la


“teoría” del “goteo”, según la cual sólo asegurando el crecimiento económico,
podía esperarse algún “goteo” de los frutos del mismo hacia los estratos más
pobres. Esto fue complementado con la idea que la única manera de imponer un
“ahorro forzado” a los países, era a través de la instalación de regímenes
autoritarios, que reprimieran fuertemente la demanda, y desmovilizaran a los
sectores afectados por las reformas económicas en boga. Nuevamente, la política
social fue relegada a un lugar subordinado a las recetas de política económica
que se impusieron en masa, producto de la crisis de la deuda, y de la “hegemonía
intelectual” del paradigma neoclásico.

El modelo económico privilegiado durante la década de los 80s y 90s en América


Latina y los procesos de reforma económica subsiguiente, implicaron la
eliminación o disminución de aranceles proteccionistas y subsidios internos,
redujeron el gasto público, privatizaron empresas y actividades estatales, y
desregularon los mercados financieros y laborales. Los costos sociales, como
muestra la evolución de la pobreza y la desigualdad en el período, fueron muy
altos. Sin embargo, las élites domésticas “compraron” el paradigma neoclásico, en

6
parte porque estaban obligadas a ello, en parte por la legitimidad que comenzaron
a tener estos modelos: en cualquier caso, estos paradigmas ofrecieron “una
matriz teórica que permitía justificar los costos sociales en el corto plazo. Como
fuera dicho anteriormente, con el perverso ejemplo de la “teoría del goteo”, el
desarrollo social pasó a depender del crecimiento económico, por lo cual todos los
objetivos de corto plazo debían encontrarse subordinados a este principio
orientador del crecimiento.

Las recetas del Banco Mundial y los organismos multilaterales, frente a los
problemas de pobreza y distribución que enfrenta la América Latina de los 90s y
del presente, se redujeron a tres factores básicos, que se suponía tenían un
impacto decisivo sobre los niveles de desarrollo social: aumentar el crecimiento
económico, incentivar la “inversión en capital humano” (básicamente educación), e
instrumentar políticas sociales específicas para “proteger” a los sectores más
vulnerables.

Sin embargo, ni el crecimiento económico ni la “inversión en capital humano” son


posibles, si no se alteran los patrones distributivos de los modelos de desarrollo.
El efecto distributivo que tuvieron las estrategias para enfrentar la crisis de los 80
aparece como un factor tan determinante como la propia crisis, para explicar la
“recesión social” de esos años. Además, entre 1980 y 1993, el PBI per cápita de
estos países permaneció estancado, en tanto los niveles absolutos de pobreza se
incrementaron. Evidentemente, el “goteo” no funcionó.

El propio modelo de crecimiento fue excluyente: los efectos agregados de la


liberalización del comercio exterior, de la reforma fiscal y de las reformas del
mercado laboral, en el corto y mediano plazo, implicaron una caída del salario
real, un incremento del desempleo y una caída del salario mínimo: ello afectó los
ingresos de los más pobres, incrementó la desigualdad de ingresos y aumentó la
aumentar la pobreza.

Los efectos inmediatos de la liberalización del comercio exterior, fueron una caída

7
del empleo y el salario. Los efectos de la reforma fiscal redundaron en una caída
del empleo estatal y de la inversión pública. Los efectos de la flexibilización del
mercado de empleo en contextos de ajuste y/o alta competitividad es la
disminución del empleo (dado que se facilita el despido) y los salarios (ya que
queda minimizada o derogada la aplicación de salarios mínimos y pautas
salariales sectoriales). Finalmente, la “resistencia política” a estos procesos,
desde los sectores organizados afectados por los mismos (como el sindicalismo),
fue mínima en contextos autoritarios, y fue notoriamente más reducida que en el
pasado, en aquéllos países que efectuaron el ajuste en democracia, dado que las
sociedades que emergieron de la dictadura, habían perdido los niveles de
cohesión y la capacidad organizativa que las habían caracterizado antes de los
golpes de Estado.

La crisis de Asia Oriental y de Rusia, el desplome de los precios de los productos


básicos, la volatilidad de los capitales externos, las crisis financieras recurrentes, y
el deterioro de la relación de nuestros países con los orgnismos crediticios
internacionales, han hecho “entrar” a América Latina al siglo futuro, por la puerta
trasera.

3.La media década perdida

América Latina se encuentra hoy clasificada como una región de “desarrollo


económico medio”, aunque su clasificación como región obscurece el hecho de
que existe una enorme heterogeneidad regional: los países latinoamericanos
ofrecen variaciones tan importantes en sus niveles de ingreso, que pueden
encontrarse algunos con un promedio similar al de los países desarrollados, y
otros con niveles de ingreso similares al promedio africano. El ritmo de progreso
económico de América Latina ha sido pobre si lo comparamos con los promedios
mundiales, las economías han sido casi siempre inestables y los patrones de
redistribución fuertemente regresivos, lo que hace ostentar a América Latina el
deshonroso título de la región más inequitativa del mundo. El nivel promedio de
ingresos per cápita de las economías de la región hoy es de menos de la tercera

8
parte del ingreso per cápita de los llamados “países desarrollados”, inferior al de
los países del Sudeste Asiático, Medio Oriente y Europa del Este, y sólo supera al
del resto de Asia y a Africa.

Como resultado de las reformas emprendidas en América Latina en los noventa y


en línea con los dictámenes del consenso de Washington, América Latina retomó
la senda del crecimiento, y logró un control efectivo de la inflación, un mal que se
había vuelto casi endémico en algunos países. Sin embargo, la llamada “crisis de
los mercados emergentes”, el desplome de los precios de los productos básicos y
la volatilidad de los capitales externos, produjeron un desaceleramiento de la tasa
de crecimiento en muchos de los países afectados y cuestionaron la
sustentabilidad de los resultados obtenidos a través de las reformas. El impacto
de las crisis financieras de los países emergentes, ha sido determinante en este
escenario negativo

Más allá de la crisis financiera reciente, las reformas no produjeron los resultados
para los que fueran diseñadas. En primer lugar, los países no experimentaron una
recuperación económica tan importante y ésta hoy parece fuertemente jaqueada
por las crisis financieras de la segunda mitad de los noventa. De hecho la tasa de
crecimiento del producto bruto interno regional fue 50% menor que la que la
región había experimentado con anterioridad a la “década perdida” de los
ochenta. En segundo lugar, aunque la inversión externa creció y la tasa de
inversión tendió a recuperarse, no se tradujo en la dinámica de crecimiento
esperada, y reveló un patrón de dependencia acentuada frente a los altibajos del
financiamiento externo, en especial después de la gran inestabilidad de los flujos
de capital a partir del efecto "tequila". Los procesos de devaluación
experimentados en el Cono Sur a partir de la crisis asiática y la crisis rusa, así
como la crisis financiera experimentada en Argentina y Uruguay recientemente,
son una clara señal de esta dependencia.

El tipo de manejo macroeconómico colaboró a incrementar la vulnerabilidad de la


región a los flujos de capital, incrementó las crisis financieras nacionales y generó

9
serios problemas de reestructuración de los sectores productivos. Uno de sus
principales dispositivos, la política cambiaria, ha sido responsable de los serios
problemas de ajuste que han enfrentado los sectores productores de bienes y
servicios comercializables en varios países, y de los ataques especulativos que
han acentuado la inestabilidad y los riesgos de crisis financieras. Las crisis
financieras nacionales en la década de 1990 han sido recurrentes en muchos
países, absorbiendo enormes recursos fiscales, y la década del 2000 presenta el
mismo patrón.

Si, como señala Stiglitz “la economía no es una ideología, sino el uso de la
evidencia disponible y la aplicación de la teoría” (y se pregunta: “¿qué evidencia
sugirió que liberalizar los mercados de capital en los países pobres resultaría en
un crecimiento económico más rápido”), cabe también preguntarse si las recetas
emanadas del Consenso de Washington no son hoy más una ideología que el
resultado de un análisis serio de nuestras economías y sus condicionantes. La
sustentabilidad del crecimiento de nuestras economías está más que puesta en
duda; las crisis financieras se han hecho cada vez más recurrentes, el déficit fiscal
aumentó, y algunas de las economías de la región más “prometedoras” (como
Argentina) están en situación de quiebra.

La tasa de crecimiento de mediano plazo ha caído sustancialmente desde la


segunda mitad de los noventa. A partir de 1997 –año récord desde un punto de
vista del desempeño macroeconómico- se debilita el proceso de crecimiento
económico en la región, para registrarse una media década perdida a fines de
2002. Como parte de este proceso, el coeficiente de inversión de 2002 (18% del
PIB) fue inferior al de fines de los años ochenta y el desempleo regional superó el
9% de la población activa, la tasa más alta registrada desde que se dispone de
mediciones comparables a nivel regional.

En los últimos tres años, la expansión del producto tuvo una marcada
desaceleración; la tasa promedio de variación del PIB apenas superó el 1% anual
y el producto por habitante decreció. La contracción de las economías como

10
Argentina y Uruguay (con significativas caídas del producto) y el pobre desmpeño
de Brasil y México, dan buena cuenta de este resultado. Pero el resto también se
desempeñó mal (en 2002 sólo crecieron Perú, República Dominicana y Ecuador):
el escaso aumento de la demanda de EEUU afectó a los países en su “área de
influencia”: México, Haití, Panamá y República Dominicana; Chile y Perú se vieron
afectados por el deterioro de sus términos de intercambio; y las crisis financieras,
los movimientos especulativos, y las dificultades de acceder al financiamiento
internacional afectaron al Mercosur y a Bolivia indirectamente. En Ecuadro,
Venezuela y Colombia, la propia situación política interna emperó las expectativas
económicas en su conjunto.

La expresión “media década perdida” tiene que ver con la naturaleza de la crisis
que afecta a la región. La recesión en 2001-2002 y, por ende, la recuperación
esperada para el año 2003 contrasta en naturaleza y profundidad con las
anteriores crisis que afectaron a la región. El deterioro del crecimiento económico
en América Latina comenzó en 1998 y se profundizó y consolidó en el año 2000.
El ciclo de estancamiento y recesión ha sido más largo y profundo que en
episodios anteriores: existe un debilitamiento de varios factores productivos, y el
tiempo de recuperación de la economía después de un “bajón”, se ha multiplicado
por dos, en sólo diez años.

El repunte esperado para estos años no permite esperar un crecimiento por


encima de entre el 2% y el 3%. Con los niveles de desigualdad existente (y que
dos décadas de neoliberalismo sólo han consolidado) las metas sociales,
llamadas ahora “del milenio” estarán lejos de ser alcanzadas. Los estudios del
Banco Mundial y del PNUD señalan que se requiere un crecimiento “x” para
reducir la tasa de pobreza, dependiendo del padrón de desigualdad que exista.
Olvidan que es la propia base del crecimiento (es decir, el modelo de
acumulación) el que está impidiendo que los frutos del crecimiento puedan ser
aprovechados por todos. Si este crecimiento estimula la exclusión (por ejemplo,
de los pequeños campesinos), o la sobreexplotación de algunos (la mano de obra
no calificada), y no participan de él todos por igual (dada la tasa de desempleo

11
estructural que el actual modelo de acumulación promueve), ninguna meta social
será alcanzada. El desarrollo social se volverá incompatible con el modelo de
crecimiento económico. A desigualdad igual o creciente, precarización del trabajo
y aumento de la desocupaciión, lo que está en cuestión es el propio modelo de
desarrollo latinoamericano. Y la “recesión social” parece un resultado inevitable
del modelo de desarrollo.

4.Desarrollo económico y desarrollo social: los resultados de dos décadas


de liberalismo en términos del “desarrollo social”: empleo, pobreza,
desigualdad

Tres variables tomaremos en cuenta para hablar de “desarrollo social”: empleo,


desigualdad (social y de género) y pobreza. Estas tres dimensiones están
intrínsecamente vinculadas entre sí, y con el modelo actual de desarrollo
económico.

Muchos estudios han señalado que más allá de la evaluación pesimista que
ofrece la región en términos de su desarrollo social, algunos aspectos “macro” hay
que destacar y no deberían ser olvidados en una evaluación. Así, estos estudios
señalan que la esperanza de vida aumentó en el período (de hecho, aumentó en
un año en el último lustro), se redujeron la tasa de mortalidad infantil y el
analfabetismo, y aumentó el acceso al agua potable y saneamiento.

Sin embargo, la propia Cepal señala que la mejora de estos indicadores no es


resultado de esta década sino la continuación de un proceso de más larga data
iniciado en los años ochenta. Asimismo, los promedios globales impiden visualizar
las enormes diferencias entre países y al interior de los países en términos del
desarrollo social. Así,m mientras en Costa Rica la esperanza de vida llega a 77
años, en Bolivia es de 61 años, en tanto que en Haití la población vive en
promedio tan solo 57 años. La población analfabeta de 15 años y más es del 3%
en Cuba, pero llega a 36% en Nicaragua, y a la mitad de la población haitiana. La
tasa de mortalidad de menores de cinco años en Hait (109 por mil nacidos vivos)

12
es diez veces superior a la de Cuba, de 10 por mil.

Los caminos al bienestar están todos relacionados: los países con menor pobreza
y desigualdad, son los que tienen los mejores indicadores sociales (Chile, Costa
Rica y Uruguay): asimismo los países caracterizados por altos niveles de pobreza
e indigencia, como Bolivia, Guatemala y Nicaragua, registran las mayores
carencias sociales.

Asimismo estos logros son muy contradictorios con la tasa de crecimiento


sostenida de los países de América Latina al menos durante la primera mitad de
los 90, lo cual nos hace preguntarnos: qué desarrollo é esse? Finalmente, también
es contradictorio el legado social con la democracia: Cuba es un buen ejemplo de
esto. El desarrollo de la demcoracia en los países no-democráticos, no resultó en
un mejoramiento de las condiciones de vida.

Una de las dimensiones más clásicas del desarrollo social es la “pobreza”. Sin
condiciones básicas de vida, ningún ser humano podrá ejercer sus derechos más
elementales cívicos, y menos aún políticos. América Latina no sólo no ha
superado el legado de pobreza que le dejó la “década perdida” y en algunos
países, las más sangrientas dictaduras, sino que en algunos casos, este legado
se ha profundizado.

En “El Panorama social de América Latina 2003”, se evidencia un un deterioro de


la pobreza y la indigencia en América Latina en los últimos cuatro años. Los
valores de pobreza e indigencia están hoy más o menos en el mismo valor que en
1990 (48% y 19% respectivamenbte), pero además, habiendo experimenbtado un
descenso leve hacia el final del período de “bonanza” (1998-99), inmediatamente
se evidenció una recuperación de los niveles de pobreza, al comenzar el nuevo
siglo. Siguen existiendo, de acuerdo a estos cálculos, doscientos veinte millones
de pobres. De éstos, casi cien millones son indigentes; es decir, viven en la
pobreza extrema (representan casi la quinta parte de la población).

13
Entre la población indigente se dibuja el mapa del hambre y la desnutrición. Más
del diez por ciento de la población latinoamericana está subnutrida, y el ocho por
ciento de los niños menores de cinco años, están desnutridos. Cincuenta y cinco
millones de latinoamericanos padecen algún grado de subnutrición. La mayoría de
estos indigentes se encuentran en países que producen menos alimentos que los
que su población requiere, pero en muchos casos, lo que ocurre puede ser
explicado por la falta de acceso de los indigentes a una sociedad rica en
alimentos. Parece imperdonable, ¿no? Pues estas desigualdades en el acceso al
consumo de alimentos aumentaron durante los años noventa. No es casual que el
primer gobierno “de izquierda” de América Latina, el gobierno de Lula, comience
su gestión con un “Plan de Combate al Hambre”.

Una dimensión menos “clásica” pero igualmente importante de la desigualdad


social es la desigualdad de género, que crece y se reproduce con la desigualdad
social, pero requiere una mirada específica, y por supuesto, un tratamiento
específico. Alrededor de la mitad de las mujeres mayores de 15 años no tienen
ingresos propios, y aunque la incorporación de la mujer al mercado de trabajo ha
aumentado, siguen existiendo muchas mujeres que no tienen autonomía
económica o financiera para tomar sus decisiones. Por otra parte, los cambios en
las relaciones familiares y conyugales, que determinan que la mujer quede a
cargo del hogar, han tenido impactos sobre el empobrecimiento de estos hogares.
Así, la pobreza va tomando “cara de mujer”. Dada la responsabilidad de
reproducción de la vida familiar y biológica que recae casi enteramente sobre las
mujeres (la maternidad, el cuidado de los niños, los viejos y los enfermos), y la
desigual apropiación de los bienes sociales por hombres y mujeres, la asimetría
tiene un lado trágico. Los niños de madres empobrecidas (en países como
Uruguay, la mitad de los niños que nacen, nacen en hogares pobres o indigentes),
serán la mano de obra del futuro, y reproducirán una sociedad más pobre,
material y culturalmente.

La otra dimensión “clásica” del desarrollo social es el empleo. Las


transformaciones en el mercado de trabajo en América Latina son muy profundas,

14
e irreversibles en el corto plazo. El informe de CEPAL para América Latina
muestra que en la década, la evolución del empleo no acompañó a la de la fuerza
de trabajo ni al crecimiento del producto, con un consecuente aumento de la tasa
de desempleo, que se mantuvo en alrededor de 6% hasta 1993 y llegó al 10% al
final de la década. La absorción de la mano de obra se produjo principalmente en
el sector informal: la OIT observó que 85% de los nuevos puestos de trabajo
creados en América Latina y el Caribe se concentraron en actividades informales
en la década, y sólo una pequeña proporción de los empleos generados
corresponde a los sectores modernos de la economía: la gran mayoría
corresponde al sector privado de menor productividad relativa. El desempleo y la
precariedad laboral afectan a los sectores más vulnerables de la sociedad: a los
estratos de menores ingresos, a las mujeres y a los jóvenes.

El desempleo viene subiendo en América Latina, pero la “media década perdida”


agudizó esta tendencia. La crisis reciente se caracterizó, salvo excepciones, por el
aumento de las tasas de desempleo en los países de la región. La tasa de
desempleo regional se situó en 9%: en los países de América del Sur, y en el
Cono Sur, el aumento fue aún más pronunciado.

Finalmente, la cuarta dimensión del desarrollo social, y tal vez la más importante,
porque limita todos esfuerzos que una sociedad haga para el bienestar de todos,
es la desigualdad. La vieja y conocida desigualdad, de la cual nos hemos ocupado
bastante menos que de la pobreza, o del crecimiento, y gracias a la cual los frutos
de este último tendrán un impacto más que relativo sobre el primero.

Es la persistencia (y aumento) de la inequidad en el continente más desigual del


mundo, lo que debe constituir el principal motivo para sospechar de la “bondad”
de nuestro modelo de acumulación.

En los países latinoamericanos una cuarta parte del ingreso nacional es percibida
por sólo el 5% de la población y un 40% por el 10% más rico. El 10% de los
hogares con más recursos capta una proporción del ingreso total que supera, en

15
promedio, 19 veces la que recibe el 40% de los hogares más pobres. En la
mayoría de los países la situación no mejoró, e incluso empeoró durante los años
noventa, pese a la relativa recuperación del crecimiento económico y al aumento
del gasto social, que fueron los mayores logros del período. Esta situación de
desigualdad tendió a agudizarse durante el último trienio de la década. Durante
este período, en sólo cuatro de los países hubo un incremento en el porcentaje de
los ingresos recibido por el 40% de los hogares más pobres; en los demás casos,
incluidos aquellos más equitativos, la situación empeoró o se mantuvo estable.

Medido por el índice de Gini, los países de América Latina con mayores niveles de
concentración del ingreso en la actualidad son Brasil (0,64) y Bolivia (0,61). Se les
ha unido un país que nunca fue el campeón de la desigualdad, pero a la cual una
década de “hacer bien los deberes” ha deteriorado irreversiblemente: Argentina
(0,59), cerca de Honduras, Nicaragua y Paraguay.

Entre el 2001 y el 2002, la mayoría de los países exhibe deterioros en su grado de


distribución del ingreso, si comparados con 1997: son muy pocos los casos que
muestran una menor concentración del ingreso que en ese entonces. Por lo tanto,
la “media décadda perdida” no lo fue sólo desde el punto de vista del crecimiento
económico: también fue un período de “deterioro distributivo” generalizado
.
En síntesis: el “estancamiento social”, por parafrasear la terminología
economicista, se transformó en una verdadera “recesión” social. El modelo de
crecimiento no fue un modelo de desarrollo social: no hubo “crecimiento con
equidad”, ni siquiera goteo (salvo la que registra la reducción de la pobreza y el
aumento del crecimiento en la primera mitad de la década, y que no se sostuvo en
el tiempo). Hubo crecimiento económico y “recesión” social. Pero esto no es
extraño: de la misma manera que la modernización económica no lleva
necesariamente a la democracia (y esto lo evidenciaron los fenómenos del
nazismo y el fascismo en la Europa de la primera mitad del siglo XX), tampoco
lleva a un sociedad más igualitaria, más justa, y que promueva una vida más
digna de sus seres humanos. Para que ello se produzca, es necesario hacer

16
esfuerzos deliberados, muchos de los cuales podrán conspirar contra el
crecimiento económico, la libre capacidad de acumulación de los individuos, y
todas las libertades de un mercado que, para ser libre, ha menudo ha esclavizado
a los individuos (como lo muestran las “transiciones hacia el mercado” inicada
bajo dictaduras, como en Chile, Argentina y Uruguay).

El hacer “esfuerzos deliberados” para producir algo, pertenece al territorio de lo


político, de lo público, de lo colectivo. Es construír agenda, e imponerla. El modelo
de relación Estado-mercado que se suponía iba a tener un impacto positivo sobre
el crecimiento fue construído políticamente, más allá del Consenso de
Washington. Fueron las élites políticas domésticas las que “compraron” el paquete
reformista: sin su consenso, nada hubiera sido posible en un mundo que desde
hace un par de décadas, también se ha vuelto democrático. Una nueva agenda de
desarrollo deberá ser también construída políticamente, pero tal vez, para ser
“nueva” requiera el concurso de las voluntades que no fueron incorporadas
políticamente hasta ahora: la de los movimientos sociales, las de la resistencia
ciudadana, las del sindicalismo, la de los movimientos de mujeres, las de los
gobiernos locales, las de las Ongs.

5.La crisis de legitimidad de los sistemas políticos de la región: El impacto


político del modelo de acumulación económico: la democracia
latinoamericana en el banquillo

Durante la década de los noventa, se vivió, con cierto optimismo, la instalación o


reinstalación de los regímenes democráticos en la mayor parte de los países de la
región. Los años noventa fueron escenario de un proceso democratizador amplio
en la región, caracterizado por la reinstitucionalización de los derechos civiles y
políticos y la elección de las autoridades como base del funcionamiento del
sistema político.

Sin embargo, el último tercio de la década y, especialmente, los primeros años de


la década del 2000 levantan señales de alarma sobre el funcionamiento del

17
sistema político en algunos países de la región. Tal es el caso de ciertas
transiciones presidenciales en los límites institucionales del sistema, como las que
caracterizaron el tránsito de De la Rúa a Duhalde en Argentina, o las destituciones
de Bucaram y Mahuad en Ecuador, o el tránsito de Fujimori a Toledo en Perú
(incluyendo, claro está, el propio “autogolpe” de Fujimori durante su primer
mandato en este país). El caso de Venezuela, se ha transformado en el caso más
paradigmático de este tipo de “transiciones”, y más allá de que el golpe de Estado
contra Hugo Chávez no haya prosperado, la situación política en Venezuela está
lejos de resolverse. Finalmente, la campaña de desestabilización protagonizada
por las “calificadoras de riesgo” en Brasil, ante el eventual triunfo de un partido de
izquierda en ese país, muestra con sobrada largueza la fragilidad propia de las
democracias en la región.

En segundo lugar, llama la atención la evolución de los indicadores de opinión


pública en la mayoría de los países, testeado a través de las encuestas de opinión
pública permanentes –Latinobarómetros- que se realizan anualmente. La
insatisfacción con la democracia ha aumentado desde 1996 en el promedio de los
países, y también han aumentado las preferencias por regímenes autoritarios
(aunque siguen siendo minoritarias), en países como Bolivia, Ecuador, Paraguay y
Perú. El dato más alarmante a este respecto es la confianza en las instituciones
del sistema político. Sólo la quinta parte de los ciudadanos entrevistados declara
confiar en sus partidos políticos, y poco menos de la tercera en instituciones como
el parlamento. En cambio, la Iglesia, el Ejército (en algunos países), o los medios
masivos de comunicación, concitan amplios márgenes de confianza entre los
ciudadanos. El descrédito de las instituciones políticas es alto y creciente. A ello
se suma la evolución que los latinoamericanos hacen de la corrupción en las
instituciones públicas. La gran mayoría de ellos creen que la corrupción ha
aumentado, o ha aumentado en forma significativa.

En tercer lugar, los indicadores de opinión señalan que la mayoría de


latinoamericanos cree que sus países se encuentran en mala situación
económica, que en generaciones anteriores se vivía mejor, que la pobreza ha

18
aumentado mucho y que la distribución del ingreso es injusta. Tan sólo cerca del
10% de los encuestados de todos los países manifiestan que la situación
económica actual es buena o muy buena, casi un 40% la encuentra regular, y
prácticamente la mitad de la población la considera mala o muy mala. El
pesimismo es generalizado, como puede verse en el siguiente gráfico.

Para entender el vínculo entre crisis de legitimidad de las instituciones políticas,


pesimismo económico y reformas estructurales, es necesario entender que las
democracias “de la tercera ola” que se vivieron en los países de la región, fueron
de la mano con transformaciones profundas en el Estado y la economía. Estas
transformaciones distan de ser aceptadas por las poblaciones de los países,
quienes crecientemente responsabilizan a la clase política por sus resultados.
Asimismo, los elencos gobernantes que llevaron a cabo tales políticas, se
encuentran hoy cada vez más maniatados en los márgenes de maniobra
disponibles, para controlar sus propias variables económicas. El propio proceso
de globalización ha agudizado la incapacidad de los países de controlar las
variables económicas domésticas, y esto se ha convertido en una fuente de
debilidad de los sistemas políticos, con el consecuente desgaste de los gobiernos,
y la insatisfacción generalizada de la ciudadanía, de la que el colapso institucional
de Argentina es un buen ejemplo.

Ello no es ajeno al cambio en el rol del Estado que el espíritu reformista ha


preconizado. El decaecimiento de las instituciones públicas es en alguna medida
el resultado de ideologías “antipáticas” al Estado. En la mayor parte de los casos
en América Latina estos Estados ya eran endebles y se han vuelto mucho más a
lo largo de la década.

La debilidad de los gobiernos y del Estado en general se producen en un cuadro


de fuertes desigualdades sociales, altos niveles de pobreza, falta de densidad
democrática y desorganización creciente de la sociedad civil. Esta última se
expresa tanto en la creciente incapacidad de aquéllos grupos más afectados por
una década de reformas de actuar colectivamente en la defensa de sus intereses

19
(y la desarticulación del movimiento sindical en aquéllos países donde fue
tradicionalmente fuerte es un ejemplo de ello), como en la incapacidad del sistema
político de representarlos, obligándolos a menudo a actuar en los límites del
sistema. Como resultado, se produce un proceso de distanciamiento y alienación
de la ciudadanía con el sistema político, una ciudadanía que se vuelve
crecientemente refractaria no sólo a la política, sino también muchas veces, a la
propia legalidad, como lo muestra el crecimiento de la actividad delictiva en el
continente en los últimos años. Los datos de las encuestas de opinión pública son
concluyentes en este sentido: los latinoamericanos no están satisfechos con los
órganos de gobierno.

Las democracias latinoamericanas distan de contar con un sistema político con


capacidad de representación de todos los intereses de grupos y sectores, y con
gobiernos que puedan ser controlados por sus ciudadanos. Todo ello supone un
sistema político robusto, y partidos políticos estables y legítimos ante sus
electores. Estos requerimientos están lejos de ser cumplidos en la mayor parte de
los países de América Latina. Pero, ¿puede consolidarse un sistema democrático
en el escenario de crisis económicas recurrentes como el que creemos se está
consolidando en la América Latina del siglo XXI?

Las democracias de la “tercera ola” surgieron con una enorme expectativa, y el


giro hacia el siglo XXI muestra hasta qué punto esas expectativas (en particular,
las de asegurarle una mejor vida a la gente) han sido frustradas, en especial en
estos últimos años, cuando las fragilidades de las economías de América Latina
están tan de manifiesto. La democracia no está nunca asegurada, y como
régimen de gobierno, es extremadamente inestable y frágil. No puede pensarse
separada de la economía; antes bien, hay que repensar esta última antes de que
la democracia se nos transforme en un concepto vacío, en una práctica estéril, o
ya no represente nada. Hay que repensar la economía para afirmar la
democracia. La satisfacción de los latinoamericanos, además, no se logrará sólo
con el recurso a “políticas sociales activas” (como los “progresistas” de los
organismos financieros multilaterales preconizan), sino repensando los modelos

20
de acumulación, en la búsqueda de una alternativa de desarrollo menos
excluyente. Basta constatar cómo creció no sólo el producto sino el gasto público
social en la mayor parte de los países de América Latina en los noventa, y
observar, concomitantemente, el deterioro del mercado de trabajo y el aumento de
la desigualdad, para percibir la profunda asimetría que existe entre crecimiento y
desarrollo social y la enorme dependencia que tiene este último, del tipo de patrón
de crecimiento que se escoja como rector de la política económica.

6.Elementos para una nueva agenda del desarrollo

El informe sobre “El desarrollo de la Democracia en América Latina” editado


recientemente por PNUD (2004) llama la atención sobre los indisolubles vínculos
entre democracia, pobreza y la desigualdad. América Latina, sostiene el informe,
ha consolidado sus democracias en la última década, y los derechos políticos
están hoy vigentes en la mayor parte de los países. Sin embargo, en muchos de
ellos, los derechos civiles ni siquiera están vigentes en todo el territorio, y la
pobreza y la miseria impiden a grandes contingentes humanos de ejercer sus
derechos en forma libre.

Aunque la democracia electoral en la región se haya instalado, ésta muchas veces


carece de las garantías elementales para su ejercicio. Los modelos económicos
implantados, además, han erosionado algunas instituciones básicas para la
democracia, como el sindicalismo, por ejemplo, o al propio aparato del Estado. El
propio informe señala que los procesos de reforma económica y ajuste estructural
implementados en nuestros países, lo han sido a costa del sacrificio de millones
de personas, y prescindiendo del apoyo de la ciudadanía a los mismos. Se han
implantado aún cuando hubo hostilidad manifiesta de la población hacia los
mismos. En este contexto, las reformas estructurales de los noventa se han visto
acompañadas de un incremento de las libertades políticas efectivas, pero limitaron
los precarios derechos sociales y erosionaron la ciudadanía social.

Una nueva agenda del desarrollo tiene que comenzar por redefinir entonces, el

21
propio concepo de desarrollo, y hacerlo desde la base, redefiniendo el concepto
de desarrollo económico. El desarrollo económico de los países no puede medirse
por el crecimiento y la estabilidad económica, sino por la situación de bienestar
generalizada de sus habitantes (algo a lo que el propio IDH apunta).

En segundo lugar, una agenda del desarrollo tiene que privilegiar el desarrollo
social como un componente inseparable del desarrollo económico, entendido
como un proceso destinado a proporcionar bienestar a los ciudadanos. El
concepto de desarrollo social no debe comprender sólo las dimensiones “clásicas”
con las que se miden logros hasta hoy: malnutrición, mortalidad infantil y materna,
esperanza de vida, educación básica (todos ellos indicadores que luego se
cuantifican para por ejemplo, diseñar el plan de las Metas para el Milenio).
Algunos elementos han faltado de esta conceptualización del “desarrollo social”:
empleo y desigualdad son dos de las ausencias más significativas. El empleo
tiene que ser hoy una dimensión esencial del desarrollo social, y el derecho al
empleo tiene que formar parte de cualquier agenda política. Asimismo, hay que
comenzar a considerar la desigualdad, e incorporarla transversalmente a todos
nuestros análisis. Sin un enfoque desde la desigualdad, los “promedios” de
acceso y uso de los servicios sociales nos dirán poco. Sin un enfoque desde la
desigualdad, la discusión sobre la pobreza quedará corta. Sin un enfoque desde
la desigualdad, se va a cifrar siempre las metas de reducción del hambre y la
pobreza al objetivo del crecimiento, sin entender que es nuestro propio modelo de
crecimiento el que está exigiendo la desigualdad.

Hace ya mucho tiempo que pobreza y desigualdad parecen haber dejado de


pertenecer a una misma discusión técnica y académica. Los estudios sobre
pobreza parecen tender a tipificarla como un fenómeno específico, que debe ser
combatida “técnicamente” a través políticas que estimulen el crecimiento
económico, la inversión en capital humano y la implementación de políticas
sociales eficientes. Cualquiera de los tres mecanismos son perfectamente
compatibles con las actuales políticas económicas que se aplican en nuestros
países. Sólo deben ser corregidas y mejoradas: los Estados deben ser menos

22
corruptos, se debe buscar mayor articulación entre Estado y sociedad civil,
eliminar el clientelismo, y focalizar el gasto. Se olvida que el actual modelo de
desarrollo sólo tiende a incrementar o estabilizar la desigualdad, y no solamente al
interior de los países (entre aquéllos trabajadores que se cualifican y los que
permanecen como “analfabetos funcionales”, por ejemplo) sino entre países (que
se insertan exitosa o catastróficamente al mundo globalizado). La desigualdad no
se combate con mercado, se combate con Estado: no se combate con economía,
se combate con política.

En tercer lugar, está la dimensión del desarrollo político y de la vigencia de los


derechos civiles como inseparable del mismo. Cuando hablamos de desarrollo
político, no estamos hablando sólo de instituciones y partidos: también estamos
hablando de la gente. En América Latina las instituciones democráticas parecen
estarse consolidando en un número importante de países: pero no han alcanzado
aún una plena legitimidad ante los ojos de la gente. Como fuera mencionado
anteriormente, menos del veinte por ciento de los latinoamericano creen en
instituciones tan vitales para la democracia como los partidos políticos, o el
parlamento. Es que los partidos políticos se han preocupado más por gobernar
que por representar. Si las instituciones políticas enfrentan el descrédito de la
gente, es porque no han sabido canalizar la inmensa voluntad de participación
que han expresado siempre los latinoamericanos.

A menudo se habla de estrategias de “empoderamiento” de los pobres, como si


los pobres fueran unos seres pacíficos y sin voz. Se olvidan que desde el principio
de los tiempos, la resistencia de los pobres latinoamericanos siempre fue
manifiesta: se alzan los campesinos en Bolivia y Ecuador, continúa la guerrilla en
Chiapas, las izquierdas logran éxitos electorales en el Cono Sur, el movimiento de
los “Sin Tierra” hace sentir su voz a lo largo y a lo ancho de Brasil, los ex-
guerrilleros se incorporan a la arena política en El Salvador y los uruguayos votan
una y otra vez contra la privatización de las empresas públicas que sus gobiernos
promueven. Al mismo tiempo que los gobiernos suscriben acuerdos
internacionales donde la palabra “empoderamiento” se repite por decenas,

23
reprimen o desmovilizan cualquier resistencia organizada a sus planes de
combate a la crisis, o de reconversión económica. Finalmente, los académicos
escriben sobre las “coaliciones de veto” a las reformas estructurales, no vacilando
en aconsejar estrategias que permitan “saltearlas”, “desarticularlas”, o
“desmovilizarlas”.

La dimensión del desarrollo político debiera incluír entonces no sólo una agenda
de consolidación democrática en el sentido estricto del término, sino una agenda
destinada a revitalizar y jerarquizar la participación y movilización ciudadana que
ya existe, y que los partidos políticos no canalizan.

24
Fórum Social das Américas, Quito, Equador, 25 a 30 de julho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Pueblos Indígenas y Globalización


Aresio Valiente López
Centro de Asistencia Legal Popular-Cealp. Panamá

Introducción

Los pueblos indígenas en América Latina representan aproximadamente entre 40


a 50 millones indígenas los que constituyen el 10% de la población general, y
ocupan el 14% de la superficie del terrestre, y su territorio representan el 25% de
las boscosas del mundo, por lo tanto, existe interés político-económico, incluyendo
geo-estratégico, ya que la mayoría de los territorios indígenas están divididos por
fronteras nacionales, por ende, son considerados áreas de seguridad nacional
para los Estados.

Los últimos bosques que todavía existen están en los territorios indígenas y eso
prueba la relación estrecha que existe entre los pueblos indígenas y la naturaleza
que les rodea, que han llamado la Madre Tierra. Estos elementos coloca a
América Latina y a los pueblos indígenas, en gran atractivo de las empresas

1
nacionales y transnacionales madereras, petroleras, mineras, turísticas,
farmacéuticas, incluyendo de moda.

Según los informes del Banco Mundial, Banco Interamericano de Desarrollo,


Pnud, Unicef, entre otros, incluyendo los documentos de las entidades estatales,
demuestran que el 80% de la población indígenas vive en pobreza, lo que nos
indica que el crecimiento económico de los países no han tocado las puertas de
las casas de los pueblos indígenas. Las tres carabelas españolas La Pinta, La
Niña y La Santa Maria, siguen navegando los bosques donde habitan las primeras
naciones de Abia Yala, ahora acompañado a través de las figuras de las
empresas nacionales y transnacionales.

Contextual Mundial y Regional

El tema de la globalización de la economía mundial es parte de la agenda de los


Estados y de la Banca Multilateral, y sus consecuencias ya se dejan sentir en
todas partes y a todo nivel, y los pueblos indígenas tampoco se escapan a esa
realidad. También el tema de uso razonable de los recursos naturales es parte de
la agenda de las reuniones de los Jefes de Estados y es así los países del mundo
han firmado instrumentos internacionales que establecen los principios sobre la
estrategia del Desarrollo Sostenible y la participación ciudadana.

A nivel regional los países de América están en la negociación del Acuerdo de


Libre Comercio para las Américas (Alca), y los países del Norte compuesto por
Canadá, Estados Unidos de Norteamérica y México, ya tienen su acuerdo
multilateral, Tratado Libre Comercio. Uno de los propósitos de globalización de
economía es la eliminación o reducción de barreras arancelarias o de incentivos a
los productos nacionales, por ende, el mercado de los países.

En los últimos años en la región centroamericano se esta ejecutando proyectos


millonarios financiados por la Banca Multilateral; el Proyecto Corredor Biológico
del Atlántico Mesoamericano financiado por el Banco Mundial; está en consulta el

2
Proyecto Plan Puebla Panamá (PPP), que será financiado por el Banco
Interamericano de Desarrollo y el Proyecto Corredor Biológico y Cultural del
Atlántico Mesoamericano, financiado por el Banco Mundial.

Como parte de la estrategia de la globalización de la economía mundial es la


implementación del Proyecto Plan Puebla Panamá (desde el sur de México-
Yucatán, hasta Panamá), cuyo objetivo es potenciar la riqueza humana y
ecológica de la Región Mesoamericana, dentro de un marco de desarrollo
sustentable que respete la diversidad cultural y étnica. Para cumplir con este
objetivo se ha planteado una estrategia integral para la región que ampara un
conjunto de iniciativas y proyectos mesoamericanos y se divide en 8 grandes
objetivos, uno de ellos es, elevar el nivel de desarrollo humano y social de la
población y lograr una mayor participación de la sociedad civil en el desarrollo.

La Región Mesoamericana de Puebla a Panamá cuenta con una enorme riqueza


humana, fruto de su diversidad étnica y cultural, con la concentración en su
territorio de una biodiversidad admirable, y una localización privilegiada por su
condición de istmo hemisférico, los que deberían ser bases para poder enfrentar
con éxito los desafíos del presente y construir un futuro próspero, armónico con la
naturaleza, en el que cada vez haya menos pobres.

Así, una de las iniciativas planteadas en el Plan Puebla-Panamá (PPP) es la


Iniciativa Mesoamericana de Interconexión Energética, que significa la
construcción de las represas hidroeléctricas y redes viales en áreas donde existen
bosques y recursos hídricos (agua) y también una extensa diversidad humana y
cultural, con sus respectivos sistemas de supervivencia económica, cuyo objetivo
es unificar e interconectar los mercados eléctricos, con miras a promover un
aumento de las inversiones en el sector y una reducción del precio de la
electricidad.

Existe en la actualidad en la región de Mesoamérica los siguientes proyectos


hidroeléctricos:

3
 Cinco represas sobre el Rió Usumacinta (binacional: Guatemala/México)

 Itzantún, La Parota, Copainalá y El Cajón en México

 La Maroma en El Salvador

 El Chaparral y El Tigre (binacional: El Salvador/Honduras),

 Chulac, Xalala, Serchil, Oregano, Santa Maria II, Camaton y El Palmar en


Guatemala

 Susuma, Patuka 2, Patuca 3, y Los Llanitos en Honduras

 Chalillo en Belice

 Tabasará, Bonyic, Gualaca, Los Añiles, Chiriqui, Santa Maria, Pando y


Montelirio en Panamá

 Pacuare y Boruca en Costa Rica

 13 grandes proyectos hidroeléctricos identificados como promisorios en


Nicaragua

En el tema de la construcción de la represas Hidroeléctrica no podemos olvidar el


Informe de la Comisión de Represas, financiado por el Banco Mundial. Citemos
algunas parte del informe:

Muchas intervenciones de desarrollo para transformar


recursos naturales, en particular proyectos de infraestructura

4
en gran escala, conllevan alguna clase de desplazamiento de
personas de sus hogares y medios de subsistencia. Las
grandes represas son quizá únicas entre esos proyectos por
cuanto tienen impactos ecosistémicos muy difundidos y de
largo alcance debido simplemente a la obstrucción de un río.
El resultado es una serie de impactos terrestres, acuáticos y
ribereños que no sólo afectan ecosistemas y biodiversidad
sino que también tienen consecuencias graves para las
personas que viven tanto cerca como lejos del lugar de la
represa. Una base grande y multifuncional de recursos, como
un río y su entorno, se caracteriza por una red compleja de
papeles funcionales implícitos y explícitos, de dependencias
e interacciones. En consecuencia las implicaciones sociales y
culturales de construir una represa en un paisaje dado son
espacialmente significativas, localmente obstructoras,
duraderas y a menudo irreversibles.

Las grandes represas han causado graves impactos en las


vidas, medios de subsistencia, cultura y existencia espiritual
de grupos indígenas y tribales. Debido a la negligencia y falta
de capacidad para garantizar la justicia, los grupos indígenas
y tribales, por razón de injusticias estructurales, disonancia
cultural, discriminación y marginación política, han sufrido de
manera desproporcionada los impactos negativos de las
grandes represas, además de que a menudo se los ha
excluido del reparto de beneficios...1

Los proyectos hidroeléctricos financiados en su mayoría por el Banco Mundial


comenzaron en América Latina durante los años 50, 70 y 80, es decir, bajo los
regímenes militares, que convirtieron sus ríos productores de gas metano, el cual
es una de las causas que afecta la capa de ozono, por consiguiente del
calentamiento de la tierra.

Un elemento que se repite en buena parte de los proyectos económicos que se


vienen gestando, radica en que tienen sus campos de acción en los territorios
indígenas con sus respectivos sistemas de supervivencia económica y son lugares
donde se encuentran las últimas reservas de biodiversidad.

1
REPRESA Y DESARROLLO. Un Nuevo Marco la Toma de Decisiones. El Reporte Final de la
Comisión Mundial de Represas. 2000. Earthscan Publications Ltd. Traducido por José María
Blanch Pag. 104

5
Aunque la presión social ha influido a través de los acuerdos internacionales que
comprometen a los Estados, para que los gobernantes del mundo establezcan en
sus estrategias de desarrollo nacional e internacional, la obligación de permitir la
participación activa de la ciudadanía en la planificación, decisión y evaluación de
las políticas ambientales, económicas y culturales, en la práctica estos propósitos
no se cumplen; continúan dándose acuerdos bilaterales y multilaterales, sin
observar realmente la participación, consulta e información de la ciudadanía en la
formulación y decisión de los megaproyectos.

Pero, ¿Cuál es el grado de información que poseen los ciudadanos (as) y


especialmente los pueblos indígenas sobre los acuerdos económicos que los
países han suscrito o se encuentra negociando con las agencias financieras? Se
trata básicamente de espacios de negociación en la que participan los
representantes de los gobiernos y las agencias financieras.

Cosmovisión de los Pueblos Indígenas sobre la Tierra

Cada cultura existente en mundo tiene su propia interpretación sobre el mundo


que los rodea que se le conoce con el nombre de cosmovisión. Una de las
culturas existentes en el planeta tierra es del pueblo indígena que cuenta con su
propia su historia, geografía, filosofía, política, religión, economía, astronomía,
creencias, artes, medicina y otros conocimientos. Todas los seres humanos
tenemos el derecho a profesar y practicas nuestras creencias y eso esta previsto
en el artículo 18 de la Declaración Universal de los Derechos Humanos, por lo
tanto, los Estados deben respetar la cosmovisión indígena.

Para los pueblos indígenas la tierra es madre ya que ella le ofrece todas las cosas
para satisfacer sus necesidades vitales como la medicina, alimentos, aire, agua,
leña, elementos para construir su casa, etc. y de esta manera no puede utilizarse
a ella, a la Madre Tierra, sin control ya que tiene sus límites. Los pueblos
indígenas en sus territorios tienen identificados los sitios sagrados donde se
reproducen los animales, plantas, minerales, piedras, etc. La cultura occidental

6
han llamado estos santuarios Reservorios Biológicos. Para los pueblos indígenas
la naturaleza es para su subsistencia física y espiritual, mientras que para la
sociedad occidental es un medio para acumular las riquezas.

En la cultura indígena cada elemento de la naturaleza tiene una función para


sostener a la Madre Tierra. Es así, para los pueblos indígenas realizar la
exploración o explotación minera en su territorio es un atento contra su Madre, ya
que nadie puede sacar las extrañas de su madre para obtener beneficios
económicos.

Participación Indígena y Desarrollo

Declaración de Estocolmo

Antes que las Naciones Unidas y otros organismos internacionales incorporarán


como parte de su agenda y de su política, para los pueblos indígenas el tema
ambiente y el uso razonable de los recursos naturales ya era parte de su vivencia,
ya que sus vidas giran alrededor del concepto de la Madre Tierra. Los organismos
internacionales y los Estados han reconocido el papel protagónico de los pueblos
indígenas en uso razonable de los recursos naturales a favor de los presentes y
futuras generaciones.

En 1972 las Naciones Unidas a través de realiza la Conferencia sobre el Medio


Ambiente Humano en Estocolmo del 5 al 16 de junio de 1972, a fin de establecer
criterios y principios comunes para preservar y mejorar el medio ambiente y se
emite la Declaración de Estocolmo sobre el Medio Ambiente Humano.

La Declaración de Estocolmo reconoce que el hombre es obra y artífice del medio


que lo rodea, el cual le da sustento material y le brinda la oportunidad de
desarrollarse intelectual, moral, social y espiritualmente que son parte de los
Derechos Humanos. También reconoce que el hombre esta acelerando la
contaminación del agua, del aire y de los seres vivos, eso ha traído la destrucción

7
y agotamiento de los recursos naturales y perjuicios para la salud física, mental y
social del hombre.

A pesar que la Declaración de Estocolmo no obliga si establece como principio


que el hombre tiene el derecho de llevar una vida digna y gozar de bienestar y de
proteger y mejorar el medio ambiente, por lo tanto, a preservar los recursos
naturales en beneficio de las generaciones presentes y futuras. Para eso los
Estados deben crear leyes que realmente proteja los recursos naturales.

Cumbre de Río

En 1992 los jefes de Estados del mundo se reúnen en Río de Janeiro, Brasil, del 3
al 14 de junio, en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente
y el Desarrollo, para establecer nuevas relaciones entre los Estados, la sociedad y
las personas, sobre el uso de los recursos naturales. En esta Conferencia se
emitió la Declaración de Río sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, que reafirma
la Declaración de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente Humano,
aprobado en Estocolmo en 16 de junio de 1972.

Uno de los principios que establece la Declaración de Río es que los seres
humanos constituyen el centro de las preocupaciones relacionadas con el
desarrollo sostenible, por ende, tienen derecho a una vida saludable y productiva
en armonía con la naturaleza. También establece que los Estados deberán
cooperar con espíritu de solidaridad mundial para conservar, proteger y
establecer la salud y la integridad del ecosistema de la Tierra.

En el principio 10 establece que el mejor modo de tratar temas ambientales es


con la participación de todos los ciudadanos, como la oportunidad de participar en
los procesos de adopción de decisiones. Por lo tanto, los Estados deberán facilitar
y fomentar la sensibilización y a participación de la población. De igual manera el
Estado deberá proporcionarse a sus ciudadanos acceso efectivo a los

8
procedimientos judiciales y administrativos, para la indemnización por los daños
causados y por los recursos naturales.

También los Estados, según uno de los principios, deberán crear leyes que
realmente proteja al medio ambiente y a los recursos naturales. Además, dichas
leyes deben establecer responsabilidad y la indemnización respecto de las
víctimas de la contaminación y por los daños ambientales.

El principio 22 en materia indígena establece lo siguiente:

PRINCIPIO 22

Las poblaciones indígenas y sus comunidades, así como


otras comunidades locales, desempeñan un papel
fundamental en el ordenación del medio ambiente y en el
desarrollo debido a sus conocimientos y prácticas
tradicionales. Los Estados deberían reconocer y apoyar
debidamente su identidad, cultura e intereses y hacer posible
su participación efectiva en el logro del desarrollo sostenible.

El principio transcrito reconoce el papel que ha jugado los pueblos indígenas en el


uso razonable y conservación de los recursos naturales que se encuentran en sus
territorios, utilizando sus conocimientos y prácticas tradicionales. De igual manera
insta a los Estados a reconocer y apoyar la identidad de los pueblos indígenas así
como su cultura y hacer posible su participación efectiva en el desarrollo
sostenible.

Además uno de los principios de la Declaración de Río establece que la paz, el


desarrollo y la protección del medio ambiente son interdependientes, por lo tanto,
están encima de la guerra y de esta manera que los Estados que están en guerra
deberán respetar leyes internacionales que protejan al medio ambiente.

Uno de los acuerdos suscritos entere los Estados en la Conferencia de las


Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, es el Programa o
Agenda 21 en donde se establece un Capítulo 26 sobre Reconocimiento y

9
Fortalecimiento del Papel de las Poblaciones Indígenas y sus Comunidades. La
Agenda 21 reconoce que los pueblos indígenas han establecido una relación
histórica con las tierras que ellos han estado ocupando, y han acumulado
conocimientos científicos sobre los recursos naturales y e medio ambiente.

También la Agenda 21 establece que los gobiernos y los pueblos indígenas,


según procediera, deberían crear o fortalecer los mecanismos nacionales para
celebrar consultas con los pueblos indígenas, con miras a tener en cuenta sus
necesidades e incorporar valores y sus conocimientos y prácticas tradicionales
(creencias) o de otra índole en las políticas y programas nacionales o actividades
que puedan afectar.

Al igual que la Declaración de Estocolmo y Declaración de Río, la Agenda 21 no


obliga a los gobiernos a cumplirlas, sino solamente insta que tomen medidas
legales y administrativa para que sea realidad los principios plasmado en ella.
Pero lo mas importantes estos instrumentos se basan en la cosmovisión de los
pueblos indígena que es proteger y de usar en forma razonable los recursos
naturales: Interdependencia entre el ser humano y la naturaleza.

Alides

A nivel de la región de Centroamérica los Presidentes del área y el Representante


del Primer Ministro de Belice, se reunieron en el Cumbre Ecológico
Centroamericano para el Desarrollo Sostenible, en la ciudad de Managua,
Nicaragua, 1995, a fin de adoptar una estrategia integral de desarrollo sostenible
de Centroamérica. En este Cumbre los Presidentes de Centroamérica y
Representante del Primer Ministro de Belice emitieron la Alianza para el
Desarrollo Sostenible de Centroamérica (Alides).

Alides es una iniciativa regional de políticas, programas y acciones a corto,


mediano y largo plazos que establece cambio de esquema de desarrollo de las
actitudes individuales y colectivas, nacionales y regionales, hacia la sostenibilidad

10
política, económica, social, cultural y ambiental de las sociedades, basado en la
Agenda 21 de Río de Janeiro de 1992.

Alides establece que el desarrollo sostenible debe respetar la diversidad étnica y


dice así:

Este proceso implica el respeto a la diversidad étnica y


cultural regional, nacional y local, así como el fortalecimiento
y la plena participación ciudadana, en convivencia pacífica y
en armonía con la naturaleza, sin comprometer y
garantizando la calidad de vida de las generaciones futuras.

Significa que las políticas de desarrollo debe respetar la diversidad cultural, por
ende, de la existencia de los pueblos indígenas en la región, con todas sus
manifestaciones políticas, sociales, religiosas, económicas y creencias, que
incluyen los derechos históricos, culturales, artísticos y fundamentales de los
pueblos indígenas.

También Alides reconoce que el derecho a la identidad cultural es un derecho


humano fundamental y la base para la coexistencia de los seres humanos. Al
igual reconoce que la diversidad biológica están generalmente en los territorios
indígenas, independientemente sí están legalizados o no.

Banca Multilateral y Pueblos Indígenas

Banco Mundial

En 1982 el Banco Mundial emitió Documento del Manual de Operaciones OMS


2.34 relativo a la poblaciones en los proyectos que financiaba, cuyo fin era
proteger los intereses de grupos indígenas en las actividades de desarrollo
financiadas por el Banco Mundial. Ya en 1982 el Banco Mundial al emitir OMS
2.34, reconoció la necesidad de adoptar medidas especiales para proteger a las
poblaciones indígenas de los efectos potencialmente peligrosa del desarrollo. La
experiencia ha demostraba que era más que las poblaciones indígenas se vieran

11
perjudicadas en lugar de beneficiarse de los proyectos de desarrollo previstos
para otros beneficiarios.

Al igual que el documento OMS 2.34 la Directriz Operativa DO 4.20 se centra en


gran medida en salvaguardar los intereses y la cultura de estos pueblos, ya que
tiene como objetivo asegurar que el proceso de desarrollo promueva un pleno
respeto de su dignidad, sus derechos humanos y su identidad cultural, a fin de
asegurar que los pueblos indígenas no sufran efectos adverso durante el
proyecto, y sobre todo reciban beneficios sociales y económicos culturalmente
compatibles.

También la Directriz Operativa 4.20 prevé condiciones mínimas para salvaguardar


los intereses de los indígenas al establecer la participación activa de los pueblos
indígenas en toda la fase del proyecto, es decir, desde la formulación hasta la
evaluación del Proyecto.

Es decir, que todos los proyectos que financie el Banco Mundial en los territorios
indígenas, incluyendo las actividades que va afectar sus recursos naturales debe
cumplir la Directriz Operativa 4.20 a fin de garantizar los derechos fundamentales
e históricos de los pueblos indígenas.

Banco Interamericano de Desarrollo

El Banco Interamericano de Desarrollo (BID) también ha incluido en sus políticas


la participación de los pueblos indígenas en los proyectos que financia en las
áreas indígenas. Las pautas generales sobre los pueblos indígenas están
basadas en la Política del BID sobre Medio Ambiente y el Marco Conceptual para
la Protección y Mejoramiento del Medio Ambiente y la Preservación de los
Recursos Naturales.

El BID ha planteado que los pueblos indígenas deben participar en la


identificación, diseño, análisis, ejecución y evaluación de los proyectos que

12
financia el Banco. También el BID plantea el respeto a los derechos individuales y
colectivos de los pueblos indígenas, como el derecho a la posesión y propiedad
de la tierra que tradicionalmente habitaban y de los recursos naturales que existen
en ella y dentro de sus políticas ha planteado el de no financiará proyectos que
buscan la reubicación de los pueblos indígenas en otros territorios; al menos que
haya consentimiento de parte de los pueblos indígenas el que tomará en cuenta
que se respeto los derechos indígenas.

Las pautas generales sobre los pueblos indígenas están basadas en la Política
del BID sobre Medio Ambiente y el Marco Conceptual para la Protección y
Mejoramiento del Medio Ambiente y la Preservación de los Recursos Naturales.

Derechos Humanos y Pueblos Indígenas

Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos

Uno de los instrumentos de Derechos Humanos emitidos por las Naciones Unidas
es el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, y en el se prevé que en
Estados donde existan “minorías étnicas”, incluyendo a los Pueblos Indígenas, no
se negará a las personas que pertenezcan a dichas minorías la practica de su
religión, que incluyen todos los elementos que constituyen sus valores
espirituales, incluyendo el concepto espiritual de la Tierra y de los recursos
naturales que practican los pueblos indígenas.

Sí los Estados violan o impiden que los pueblos indígenas practiquen la parte
espiritual que les vincula con la tierra estarán incumpliendo con los convenios
internacionales de Derechos Humanos. El artículo 27 del Pacto Internacional de
los Derechos Civiles y Políticos dice así:

ARTICULO 27: En los estado en que existen minorías


étnicas, religiosas o lingüísticas, no se negará a las personas
que pertenezcan a dichas minorías del derecho que les
corresponde, en común con los demás miembros de su

13
grupo, atener su propia vida cultural, a profesar y practicar su
propia religión y a emplear su propio idioma.

Convenio 107 de la OIT de 1957

Uno de los primeros organismos internacionales que se preocupe por el tema de


los Derechos de los Pueblos Indígenas es la Organización Internacional del
Trabajo (OIT) y en 1957 adoptó el Convenio No. 107, Relativo a la Protección e
Integración de las Poblaciones Indígenas y de Otras Poblaciones Tribuales y
Semitribuales en los Países Independientes, vigente en algunos países incluyó el
tema, además del uso de Control Social para resolver los conflictos sociales en
las sociedad indígena, la artesanía indígena, entre otros, el reconocimiento de
propiedad, colectiva o individual, de las tierras que han ocupado tradicionalmente
los pueblos indígenas.

Además el Convenio 107 de la OIT de 1957 incluye un Derecho Fundamental de


los seres humanos que es el no traslado de los pueblos indígenas de sus
territorios sin su libre consentimiento. Pero si son trasladados de sus territorios los
pueblos tienen a recibir, por lo menos, tierras de igual calidad, incluyendo la
indemnización económica y su artículo preceptúa lo siguiente:

ARTÍCULO 12

1. No deberá trasladarse a las poblaciones en cuestión de


sus territorios habituales sin su libre consentimiento, salvo
por razones previstas por la legislación nacional relativas
a la seguridad nacional, al desarrollo económico del país
o a la salud de dichas poblaciones.

2. Cuando en esos casos fuere necesario tal traslado a título


excepcional, los interesados deberán recibir tierras de
calidad por lo menos igual a la de las que ocupaban
anteriormente y que les permitan subvenir a sus
necesidades y garantizar su desarrollo futuro. Cuando
existan posibilidades de que obtengan otra ocupación y
los interesados prefieran recibir una compensación en
dinero o en especie, se les deberá conceder dicha

14
compensación, observándose las garantías apropiadas.

3. Se deberá indemnizar totalmente a las personas así


trasladadas por cualquier pérdida o daño que hayan
sufrido como consecuencia de su desplazamiento.

Aplicando el artículo transcrito el Comité de Expertos en la Aplicación de


Convenios y Recomendaciones (Cearc), uno de los órganos especiales de control
de los Convenios de la OIT, en su observación individual a la India en un caso de
traslado de los pueblos indígenas a consecuencia de la construcción de una
Represa Hidroeléctrica, encomendó que los indígenas deben tener tierras de
calidad iguales como mínimo a las tierras que anteriormente ocupaban y a la
indemnización económica.2

Convenio 169 de la OIT de 1989

Después de la revisión de varios años del Convenio 107 de 1957, en 1989 la


Organización Internacional de Trabajo emite el Convenio 169. Uno de los
principios en que se basa el Convenio 169 es que los Estados al aplicar las
disposiciones contenidas en el deberán reconocerse y protegerse los valores y
practicas sociales, culturales, religiosos y espirituales de los pueblos indígenas. A
diferencia del Convenio 107 el Convenio 169 establece en forma expresa el
respeto a la cultura y valores espirituales que tienen los territorios o tierras para
los pueblos indígenas, incluyendo los recursos naturales que están en estos
territorios. El numeral 1 del artículo 13 establece lo siguiente:

ARTICULO 13

1. Al aplicar las disposiciones de esta parte del Convenio, los


gobiernos deberán respetar la importancia especial que para
las culturas y valores espirituales de los pueblos interesados
reviste su relación con las tierras o territorios, o con ambos,
según los casos, que ocupan o utilizan de alguna manera, y
en particular los aspectos colectivos de esa región.

2
Observación Individual a la India sobre el Convenio 107 de la OIT de 1957. Informe de CEARC,
1990/60ª reunión.

15
También el Convenio 169 reconoce los derechos a los pueblos indígenas en la
protección, al igual en la participación en la utilización, administración y
conservación de los recursos naturales. El Convenio 169 fue un avance en la
reivindicación de los derechos históricos de los pueblos indígenas ya que ellos
pueden decidir los proyectos que pueden afectar su territorio y sus recursos
naturales, y así se respeta los intereses de dichos pueblos, y así evitar daños a su
territorio y a su mundo espiritual o creencias. El Convenio 169 de la Organización
Internacional del Trabajo de 1989 sobre Pueblos Indígenas incorpora la
participación activa de los pueblos indígenas en las políticas ambientales.

El Convenio 169 de la OIT de 1989 en su artículo prevé en forma clara en su


artículo 16 que no se puede ser trasladado los pueblos indígenas de sus territorios
sin su libre consentimiento. A pesar de eso los pueblos indígenas son forzados a
trasladarse de sus territorios ancestrales por las implementación de las políticas
económicas y por seguridad nacional. En algunas veces los pueblos indígenas a
fin de salvar sus vidas, buscan refugio en los territorios de sus hermanos que
habitan en otros países, por lo que las políticas económicas y de seguridad
nacional violentan los derechos sociales, culturales, familiares y espirituales de las
primeras naciones de Abia Yala.

Protocolo de San Salvador

A nivel regional los Estados Americanos han promulgado instrumentos de


promuevan y defienden los Derechos Humanos y uno de éstos es la Convención
Americana sobre Derechos Humanos el cual tiene el Protocolo Adicional llamado
Protocolo de San Salvador, en el que se incluye el Derecho a Un Ambiente Sano y
su artículo 11 dice lo siguiente:

ARTICULO 11

16
Derecho a Un Ambiente Sano

1. Toda persona tiene derecho a vivir en un ambiente sano y


a contar con servicios públicos básicos.

2. Los Estados partes promoverán la protección,


preservación y mejoramiento del medio ambiente.

Teniendo en cuento el principio establecido en la norma transcrita la Corte


Interamericana de Derechos Humanos mediante la sentencia de 31 de agosto de
2001, CASO DE LA COMUNIDAD MAYAGNA (SUMO) AWAS TINGNI VS. NICARAGUA , determinó la
importancia de la relación de los pueblos indígenas con la naturaleza, en su
cosmovisión ya que es parte de su superivivencia espiritual y cultural. A
continuación un párrafo de la Sentencia del Caso Awas Tingni:

149. Dadas las características del presente caso, es


menester hacer algunas precisiones respecto del concepto
de propiedad en las comunidades indígenas. Entre los
indígenas existe una tradición comunitaria sobre una forma
comunal de la propiedad colectiva de la tierra, en el sentido
de que la pertenencia de ésta no se centra en un individuo
sino en el grupo y su comunidad. Los indígenas por el hecho
de su propia existencia tienen derecho a vivir libremente en
sus propios territorios; la estrecha relación que los indígenas
mantienen con la tierra debe de ser reconocida y
comprendida como la base fundamental de sus culturas, su
vida espiritual, su integridad y su supervivencia económica.
Para las comunidades indígenas la relación con la tierra no
es meramente una cuestión de posesión y producción sino
un elemento material y espiritual del que deben gozar
plenamente, inclusive para preservar su legado cultural y
transmitirlo a las generaciones futuras. (Lo subrayado es
nuestro)

Es un gran avance la Sentencia del caso de Awas Tingni ya que es el primer caso,
además de reconocimiento del Derecho a la Tierras a favor de los Pueblos
Indígenas, reconoce la importancia de la tierra en la vida cultural y espiritual y de
supervivencia económica de los Pueblos Indígenas. La Corte Interamericana de
Derechos Humanos reconoce el papel que ha jugado los pueblos indígenas en la
conservación, protección y uso razonable de los recursos naturales. En este caso

17
el Estado de Nicaragua fue condenado y la Corte Interamericana de Derechos
Humanos ha estado requiriendo su cumplimiento.

Convenio Sobre la Diversidad Biológica

Uno de los instrumentos internacionales firmados por los jefes de Estados en la


Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo de
Río de Janeiro, Brasil, además de la Convención Marco de las Naciones Unidas
sobre el Cambio Climático es el Convenio sobre la Diversidad Biológica.

El aumento de la población, la destrucción y el uso irracional de los recursos


naturales que durante décadas han practicado los seres humanos, ha hecho
disminuir los recursos biológicos que nos ofrece la tierra, a fin de satisfacer las
necesidades vitales y espirituales, ha generado preocupación a la humanidad por
lo que emitió el Convenio de Diversidad Biológica, que tiene como objetivo la
conservación , el uso sostenible y la distribución de los beneficios de la diversidad
biológica. El uso razonable y conservación de la diversidad biológica es la práctica
diaria de los pueblos indígenas y es la existencia cultural y espiritual de ellos, ya
que es parte de sus cosmovisión.

El Convenio de Diversidad Biológica reconoce la estrecha y tradicional


dependencia de los pueblos indígenas que tienen su modus vivendi o modo de
vivir, basado en los recursos biológicos y la conveniencia de compartir
equitativamente los beneficios que se derivan de la utilización de los
conocimientos tradicionales, las innovaciones y las prácticas para la conservación
de la diversidad biológica y su utilización sostenible.

Los Derechos de los Pueblos Indígenas en la conservación y uso sostenible de los


recursos naturales que se encuentran en sus territorios está en el literal j del
artículo 8 del Convenio de Diversidad Biológica que dice así:

18
ARTICULO 8

CONSERVACIÓN IN SITU
Cada parte contratante, en la medida de lo posible y según proceda:
J. Con arreglo a su legislación nacional; respetará, preservará y
mantendrá, los conocimientos, las innovaciones y las prácticas
de las comunidades indígenas y locales que entrañen estilos
tradicionales de vida pertinentes para la conservación y la
utilización sostenible de la diversidad biológica y promoverá su
aplicación más amplia, con la aprobación y la participación de
quienes posean esos conocimientos, innovaciones y prácticas
y fomentará que los beneficios derivados de la utilización de
esos conocimientos, innovaciones y prácticas se compartan
equitativamente.

Los pueblos indígenas a través del Convenio de la Diversidad Biológica tienen


derecho a rechazar la expropiación de sus conocimientos, innovaciones y
prácticas tradicionales cuando el acuerdo no les satisface. Los Estados que han
ratificado el Convenio de Diversidad Biológica deben crear leyes que protejan la
propiedad intelectual de los pueblos indígenas sobre los conocimientos,
innovaciones y prácticas tradicionales.

También el numeral 4 del articulo 18 del Convenio en análisis establece de


conformidad con la legislación y las políticas nacionales, la Estados que lo han
ratificado fomentarán y desarrollarán métodos de cooperación para el desarrollo y
utilización de tecnologías, no solamente occidentales sino también de las
tecnologías tradicionales o indígenas.

Situación Actual de la Propiedad Intelectual de los Pueblos Indígenas

Con la llegada de los europeos comenzó el robo, además de la etnocidio y


genocidio de los habitantes originarios de Abia Yala (Madre Tierra en plena
madurez en la lengua Kuna), de las riquezas naturales y culturales que poseían
los pueblos indígenas. Los habitantes originarios de “América” vivían en armonía
con la naturaleza que habían llamado la Madre Tierra. Existían diferentes
civilizaciones, algunos con avances científicos que superaban a los países de

19
Europa. Todas estas culturas fueron avasalladas hace mas de 500 años y algunas
siguen la misma suerte.

En los últimos años, se ha visto incrementado el robo de los conocimientos de los


pueblos indígenas tales como los cantos tradicionales, cuentos, artes y otros
bienes que reflejan los conocimientos científicos y las manifestaciones culturales y
espirituales. Las empresas farmacéuticas hoy en día están interesadas en
patentizar los conocimientos curativos y medicinales indígenas, ya que poseen
curas de algunas enfermedades actuales que padecen los seres humanos.
Existen conocimientos indígenas en materia de uso biodiversidad, que ya han sido
registrados por las empresas farmacéuticas.

Tanto los gobiernos como las empresas transnacionales tienen interés de ser
dueños de los conocimientos de los pueblos indígenas como el arte, las plantas
medicinales, el lenguaje y materiales genéticos. Este sería los nuevos robos de
los hombres blancos a las riquezas y conocimientos que poseen los pueblos
indígenas.

Los Estados han emitido leyes y han suscrito instrumentos internacionales con la
finalidad de proteger la propiedad intelectual de los seres humanos. Pero para los
pueblos indígenas estas legislaciones de propiedad intelectual han sido
insuficientes, toda vez que sus conocimientos históricos y ancestrales no han
podido ser protegidos realmente.

La visión que tienen los pueblos indígena sobre los sistemas políticos, sociales,
económicas, culturales y espirituales, son diferentes a la de la sociedad no
indígena. En la sociedad occidental existe la supremacía del interés individual,
mientras en la cultura indígena el interés colectivo es la regla general. Por ende,
el concepto de propiedad intelectual de la sociedad occidental se diferencia del
concepto de propiedad intelectual que tienen los pueblos indígenas. En la cultura
indígena existe la supremacía de la propiedad colectiva.

20
Del 12 al 18junio de 1993 se reunió la delegación de los pueblos indígenas de
todas partes del mundo en Nueva Zelanda en la Primera Conferencia
Internacional de los Derechos Culturales y de Propiedad Intelectual de los
Pueblos Indígenas, a fin de analizar el valor del conocimiento indígena,
biodiversidad y biotecnología, el manejo tradicional ambiental, artes, música,
lenguaje y otras formas culturales, espirituales y físicas.

Uno de los resultados de la conferencia fue la emisión de la Declaración del


Mataatua sobre los Derechos de Propiedad Cultural e Intelectual de los Pueblos
Indígenas, 3
en el que se plantea que los mecanismos de protección de la
propiedad intelectual existentes son insuficientes para la protección de los
derechos de propiedad cultural e intelectual de los pueblos indígenas, ya que en
los últimos los conocimientos milenarios de los pueblos indígenas del mundo,
como el arte, las plantas medicinales, el lenguaje y materiales genéticos, están
siendo robados. Es decir, están siendo pirateados los conocimientos científicos y
los trabajos artesanales de los pueblos indígenas por las empresas y por
personas naturales, tanto nacionales como los extranjeras. En las selvas de
Amazonía, las empresas farmacéuticas han estado robando los conocimientos
curativos que poseen los pueblos indígena sobre la planta llamada uña de gato.

En 1992 los científicos norteamericanos trataron de patentizar los genes de una


india Ngöbe de Panamá, ya que tenía anticuerpos que sirven para curar cáncer y
el Sida; gracias a las protestas de las organizaciones indígenas y solidarias no
pudieron patentizar los genes de la india Ngöbe. Es decir, tanto los gobiernos
como las empresas privadas nacionales y transnacionales están tratando robando
los conocimientos y la propiedad intelectual de los pueblos indígenas.

Al igual que las demás civilizaciones del mundo los pueblos indígenas en el
transcurrir de su historia han creado objetos que no pueden ser superados por
otras culturas, por su compleja elaboración.

3
Declaración del Mataatua de los Derechos Intelectuales y culturales de los Pueblos Indígenas.
Junio 1993. http://www.soc.uu.se/mapuche/indgen/Mataaspa.html

21
La mayoría de los sitios donde se encuentran las manifestaciones artísticas de los
primeros pobladores de América han sido considerado patrimonio de la
humanidad por parte de Organización de las Naciones Unidas para la Educación,
la Ciencia y la Cultura (Unesco), uno de los organismos especializados de las
Naciones Unidas. Algunos de estos sitios son sagrados para los pueblos
indígenas, por lo tanto, les prohiben practicar su religión en éstos sitios y
constituye una de las violaciones de los derechos humanos que es la libertad de
religión. La mayoría de estos sitios son sitios de turismo.

Antes las manifestaciones artísticas de los pueblos indígenas eran consideradas


objetos folclóricos que no tienen un valor material e inmaterial; hoy en día
constituyen la atracción de las grandes empresas de moda y esta siendo
desvirtuada por los intereses mercantilistas. Sí no haya una protección efectiva de
ellas se desaparecerá la autenticidad de ellas y sobre todo la identidad cultural de
los pueblos indígenas, sin que los verdaderos dueños tengan un justo
recompensa y protección legal.

Los diseños y los vestidos indígenas hoy en día esta siendo comercializado por
las grandes empresas, sin que haya una protección legal a favor de sus
creadores. Cito el informe de la OMPI:

v. Los pueblos indígenas y las comunidades


tradicionales se han referido a la necesidad de poder
proteger los diseños incorporados en textiles, tejidos y
accesorios hechos a mano que sido copiados y
comercializados por personas ajenas a esas
comunidades. Entre esos ejemplos cabe destacar los
siguientes: los amauti del Canadá; los saris de Asia
Meridional, el batik de Nigeria y Malí, el tejido kente de
Ghana y otros países de África Occidental; los
sombreros de Túnez; el huipil maya de Guatemala; los
paneles de mola de las mujeres kuna de Panamá; las
tapicerías y bandas de textiles tejidas del Perú; los
tapices (de Egipto, Omán, República Islámica del Irán
y otros países); las carpas (como las tradicionales tipi
de América del Norte)...
La imitación de diseños textiles tradicionales no solo
genera un perjuicio económico sino que amenaza con

22
destruir los textiles tradicionales u los oficios basados
en el tejido...4

Es decir, pareciera que los diseñadores de las grandes empresas de moda ya no


tiene imaginación para crear algo novedoso, ya que están robando los
conocimientos tradicionales de los pueblos indígenas y de otros artesanos no
indígenas.

Etnodesarrollo (Economia)

A pesar de existir acuerdos nacionales e internacionales sobre la participación de


los pueblos indígenas en el desarrollo económico los territorios indígenas son las
áreas pobres, ya que el concepto desarrollo que manejan las autoridades
estatales y las bancas multilaterales desconocen los aspectos sociales, culturales,
económicas y espirituales de los pueblos indígenas, aunque en varios de sus
territorios se encuentren la diversidad biológica y son ricos en recursos hídricos.

Para superar su pobreza los territorios indígenas deben contar con los proyectos
que realmente satisfacen las necesidades vitales de los pueblos indígenas y sobre
todo que valoren su cultura milenaria. Los organismos que piensan financiar los
proyectos en las áreas indígenas, deben realizar estudios de factibilidad de los
proyectos con el fin de evitar sus fracasos y sobre todo debe haber participación
activa y efectiva de los pueblos indígenas, a través de sus mecanismos e
instituciones tradicionales.

Los proyectos que se ejecuten en los territorios indígenas deben salir del seno de
las comunidades indígenas y respetar las condiciones económicas, sociales,
políticas, culturales y espirituales de los pueblos indígenas, y no deben ser
impuestos por los organismos financieros.

4
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA PROPIEDAD INTELECTUAL. Documento
WIPO/GRTKF/IC/5/3. Fecha 2 de mayo de 2003. Anexo, pagina 36

23
Por ultimo cito a Héctor Huertas y Alicia Korten cuando hablaban de Desarrollo
Sostenible:

En la vorágine económica que agita nuestros países, hoy la


lucha por la sobrevivencia se traslada de las selvas y
llanuras, de las ciudades a las últimas áreas boscosas del
planeta, en lo que es la reserva de los ecosistemas del
mundo y futuro de la humanidad; es entonces el momento
indicado para asignarle un valor renovado a la vocación vital
de los pueblos indígenas en la conservación de este nuestro
universo.5

Conclusiones

Los territorios indígenas, legalizados o no, son casi los últimos refugios de los
recursos naturales, lo que demuestra la relación que existe entre los pueblos
indígenas y los recursos naturales. Para los pueblos indígenas la tierra es su
Madre, ya que la provee la alimentación. El concepto de la Madre Tierra es la
base del sustento de la cosmovisión de los pueblos indígenas, ya que todo su
mundo, físico, espiritual, político, cultural, económico y social, gira alrededor de
ella.

Tanto los sistemas económicas pasadas como las actuales han afectados a los
pueblos indígenas y sus territorios. A nivel mundial el nuevo orden planteado a
través de la globalización de las economías, comienza afectar no solo a los seres
humanos, que incluye a los pueblos indígenas, sino a los recursos naturales, y
uno de los lugares que va a tener consecuencia muy negativas son los territorios
indígenas.

Los instrumentos internacionales, tratados, convenios, acuerdos o declaraciones,


han establecido la participación real y activa de los pueblos indígenas, en las
políticas y proyectos de conservación, uso, aprovechamiento y desarrollo de los
recursos naturales existentes en sus territorios, legalizados o no, a fin de que se
respeten los valores sociales, culturales y espirituales que conlleva la relación
5

24
entre los pueblos indígenas con la naturaleza. Estos instrumentos internacionales
no son respetados por las agencias financieras ni por las empresas nacionales y
transnacionales.

Igualmente los Bancos Multilaterales, Banco Mundial y BID, han incorporado como
parte de su política la participación activa de los pueblos indígenas en los
proyectos que financien, a fin de asegurar que se respete sus derechos históricos
y humanos.

Recomendaciones

Los proyectos que se ejecuten en los territorios indígenas deben respetar las
estructuras políticas, sociales, económicas, culturas e incluyendo los valores
espirituales de los pueblos indígenas.

Es necesaria la creación de leyes para proteger la propiedad intelectual de los


pueblos indígenas, con el fin de proteger su arte, música, danza, cantos
tradicionales, sistema de producción y los conocimientos sobre las plantas
medicinales.

Es necesario que los países que no han ratificado el Convenio 169 de la O.I.T de
1989 lo ratifiquen, a fin de que actualice sus instrumentos jurídicos de Derechos
Humanos, ya en ella se establece la participación de los pueblos indígenas en los
proyectos que se ejecuten en sus territorios y legalizados o no, y también su no
traslado de sus territorios sin su libre consentimiento.

Se debe crear créditos especiales y otros mecanismos, para que los pueblos
indígenas puedan financiar sus proyectos sin comprometer sus territorios y sus
valores sociales, culturales, económicas y espirituales.

Los organismos de las Naciones Unidas y Organización de los Estados


Americanos deben aprobar la Declaración Universal de los Derechos de los

25
Pueblos Indígenas y Declaración Americana de los Derechos Humanos de los
Pueblos Indígenas, respectivamente.

Bibliografía

REPRESA Y DESARROLLO. Un Nuevo Marco la Toma de Decisiones. El Reporte


Final de la Comisión Mundial de Represas. 2000. Earthscan Publications Ltd.
Traducido por José María Blanch Pag.

Huertas, Héctor, y Korten, Alicia. Hablemos de Desarrollo Sostenible: EL CASO


BAYANO Y EL TAPON DEL DARIEN. Centro de Asistencia Legal Popular-
CEALP.

Valiente, Aresio. Derechos de los Pueblos Indígenas de Panamá. Organización


Internacional del Trajo-OIT, San José y Centro de Asistencia Legal Popular-
CEALP, 2002.

Cumbre de la Tierra. Acuerdos de Río ’92. Informe de la Conferencia de las


Naciones Sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo de las Naciones Unidas Sobre
el Medio Ambiente y el Desarrollo. Río de Janeiro, 3 al 14 de 1992. Universidad de
Costa Rica, 1995.

Derechos Humanos, Desarrollo Sostenible y Medio Ambiente. IIDH y BID. San


José, Costa Rica. 1995.

26
Fórum Social das Américas, Quito, Equador, 25 a 30 de julho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Fronteras, naciones y región

Alejandro Grimson1
Instituto de Desarrollo Económico y Social
Universidad Nacional de San Martín

Este texto constituye un ensayo que procura señalar algunos de los aportes
que recientes estudios antropológicos pueden realizar para pensar crítica y
políticamente cuestiones sobre fronteras nacionales, procesos identitarios y
proyectos de integración regional. En las últimas décadas se han multiplicado
los estudios etnográficos y sociológicos en diversas zonas de frontera. En el
cono sur los estudios son más recientes que en Europa o Norteamérica. Pero
tanto por la especificidad de los procesos históricos como por opciones
teóricas, se ha desarrollado un diálogo crítico especialmente con las
concepciones posmodernas de las fronteras que se pusieron de moda en
Estados Unidos desde fines de los ochenta.

La frontera de México-Estados Unidos condensó una gran parte de la


imaginación acerca del contacto de "culturas". Sobre aquella frontera han
surgido imágenes contradictorias y hasta incomensurables: desde los
migrantes mexicanos perseguidos por la migra -como ícono de la desigualdad
y la represión- hasta mestizos y mestizas híbridos -como símbolo de

1
Investigador del CONICET – Instituto de Desarrollo Económico y Social – Profesor de la Universidad
de Buenos Aires.

1
multiculturalidad, cuando no de posmodernidad-. El énfasis sobre esta imagen
del "cruce de fronteras" devino una sinécdoque que da cuenta de la sociedad
inestable y difusa de "fin de siglo" y del inicio de un nuevo milenio. Así, aquella
frontera parecía más hecha por los poetas que por los policías (Hannerz,
1996). Anzaldúa (1999) celebraba el potencial de las fronteras para la apertura
de nuevas formas de entendimiento humano, para la mezcla, la tolerancia y el
pluralismo. Rosaldo (1991) también hizo hincapié en la multiplicidad, en el
carácter poroso, ambiguo, híbrido de las fronteras, hasta el punto de que a
veces parece olvidar por qué se las sigue llamando así: límite, diferencia, frente
de batalla, separación, discontinuidad. El estudio de las fronteras requiere
escapar a las versiones estáticas y homogéneas de culturas unitarias. Sin
embargo, poco valor tendrá esa ruptura si se pretende aplicar un modelo de
ambigüedad y multiplicidad al conjunto de las fronteras.

Las articulaciones y desajustes entre diferencia y desigualdad son una de las


claves de la frontera. Cuando las aduanas y la “migra” aceitan cotidianamente
una maquinaria de producción de desigualdad no parece llamativo que sobre
ésta se encastren las diferencias. Hay diferencia por desigualdad cuando el
lenguaje de las identificaciones utiliza la sintaxis de la exclusión. En ese caso,
la utopía es la que apunta Sáenz (2003): “chicano” expresa desigualdad y, por
ello, es “una identidad que sólo espera el día en que ya no sea necesaria”. Esa
es la frontera que lleva la desigualdad hasta el límite.

Para pensar las fronteras políticas entre los estados latinoamericanos es


necesario al mismo tiempo considerar los aportes realizados por múltiples
estudios fronterizos e inscribirlos en una historia social diferente. El desafío de
estudiar fronteras donde el límite político y simbólico actúa a pesar de que no
se sustenta en una impresionante maquinaria de desigualdad exige repensar y
crear herramientas conceptuales. Estos replanteos se sustentan en
investigaciones empíricas, un conjunto de estudios etnográficos desarrollados
en los límites entre Argentina, Brasil, Chile, Bolivia, Paraguay y Uruguay. Esas
investigaciones y esas críticas teóricas, en mi opinión, tienen implicancias
políticas.

2
Estos estudios muestran que es necesario distinguir con claridad dos tipos de
frontera que se confunden en el debate actual: las fronteras culturales de las
fronteras identitarias; las fronteras de significados de las fronteras de
sentimientos de pertenencia.

Esto es clave para comprender el diagnóstico que postulan estos estudios y


que podría sintetizarse en la afirmación, por cierto esquemática, de que las
culturas son más híbridas que las identificaciones.

América Latina

En los últimos años, una parte sustancial de las investigaciones sobre fronteras
en el Cono Sur se vinculó a una disconformidad teórica y política respecto a
una importante corriente del estudio de las identificaciones y las culturas. Se
trata de aquella vertiente que enfatiza la multiplicidad de identidades y su
fragmentación ocluyendo las relaciones de poder en general y la intervención
del Estado en particular. Las fronteras políticas constituyen un terreno
sumamente productivo para pensar las relaciones de poder en el plano
sociocultural, ya que los intereses, acciones e identificaciones de los actores
locales encuentran diversas articulaciones y conflictos con los planes y la
penetración del Estado nacional. La crisis del Estado, como se ha visto en
diversas fronteras, se expresa fundamentalmente en términos de protección
social, pero los sistemas fronterizos de control y represión (del pequeño
contrabando fronterizo, de las migraciones limítrofes) tienden a reforzarse. Por
ello, el Estado continúa teniendo un rol dominante como árbitro del control, la
violencia, el orden y la organización para aquellos cuya identidad está siendo
transformada por fuerzas globales. Por ello, es riesgoso subestimar el rol que
el Estado continúa jugando en la vida cotidiana de sus propios y otros
ciudadanos.

Cuando el papel de los Estados y los efectos de sus políticas son


subestimados se corre el riesgo de caer en el esencialismo de la hermandad o
en el esencialismo de la hibridación generalizada. Estos dos esencialismos han
devenido sentido común académico y político en lugares tan remotos como la
frontera entre México y los Estados Unidos y diversas fronteras del Cono Sur

3
(Grimson y Vila, 2004). Ambos esencialismos se sustentan en metáforas que
refieren al concepto de "unión", y hacen hincapié en la metáfora de la
"hermandad" y la métafora del "cruce". Así, es muy frecuente escuchar hablar
acerca de la "hermandad de los pueblos fronterizos" en el Cono Sur de
América Latina y de la "hermandad" de inmigrantes mexicanos y méxico-
americanos en la frontera de México-Estados Unidos (Recondo, 1997; AA.VV.
1997 a y b; Anzaldúa, 1999; Rosaldo, 1991). La metáfora del "cruzador de
fronteras" a su vez, ha sido ampliamente usada para dar cuenta de algo así
como un "nuevo sujeto de la historia" (el inmigrante mexicano o
centroamericano en los EE.UU. es tal vez el mejor ejemplo de este uso) y
como paradigma para pensar los contactos interculturales en general. Ambas
metáforas, tienden a invisibilizar el conflicto social y cultural que muchas veces
caracteriza las fronteras políticas. Al subestimar el conflicto como dimensión
central del "contacto entre culturas" se dificulta la visualización de las
asimetrías entre sectores, grupos y estados, y las crecientes dinámicas de
exclusión.

En una parte importante de los estudios sobre fronteras de los estados


latinoamericanos prevalece la imagen de que las poblaciones limítrofes han
llevado a la práctica desde hace mucho tiempo una "integración" por abajo y
que, más allá de las hipótesis de conflicto de los estados, los pueblos
fronterizos han dado muestras de su "hermandad". También en otras regiones
del mundo algunos de los estudios de fronteras han tendido a analizar a las
poblaciones fronterizas vecinas como una "comunidad", tendiendo a minimizar
el rol del Estado, de la nación e incluso de la frontera (Wilson y Donnan, 1998:
6).

En un esfuerzo teórica y políticamente orientado a deconstruir las


identificaciones nacionales se ha realizado a veces un énfasis excesivo en la
"inexistencia" de las fronteras para las poblaciones locales, produciendo una
imagen congelada previa a la construcción del Estado en el caso de las
fronteras del cono sur como si las constantes intervenciones del Estado y sus
complejos dispositivos hubieran podido no afectar y no involucrar de ningún
modo significativo a las poblaciones locales. Esta versión romántica y

4
esencialista ha impedido comprender de modo cabal la relevancia cognitiva,
política, económica y cultural del estado y de la nación.

Quizás la paradoja más notoria de esta concepción en el marco del Cono Sur
es que reúne el concepto de "falsa conciencia" y el populismo, que tanto
impactó a la región en los últimos cincuenta años. Así, aunque la nación se
aproxima en esa visión a una "falsa conciencia", no se trataría de realizar una
crítica política de su función, sino de describir su ausencia dada la capacidad
de resistencia y producción autónoma de los sectores populares. Estas
pretensiones de totalización cultural e identitaria imposibilitan percibir la
relevancia del concepto quizás más importante en las luchas de carácter
político en la actualidad: la alianza, la articulación de intereses y diferencias.

Investigar las fronteras y comprender sus sentidos para la gente del lugar
implicó suspender los presupuestos etnocéntricos, sean estos los derivados de
la geopolítica estatal, sean los diversos romanticismos populistas. Al analizar y
revelar conflictos sociales y simbólicos entre grupos fronterizos y ciudades
vecinas pretendemos saber de dónde partimos para la construcción de
eventuales alianzas, entendiendo que una comunidad de intereses está mucho
más por ser creada que lo que puede ser considerada un hecho presente. Es
necesario reconocer los efectos sociales y culturales del largo proceso de
construcción de los estados nacionales latinoamericanos y comprender los
sentidos prácticos de la nacionalidad para amplios sectores sociales.

Históricamente, en América Latina no podría afirmarse que "la frontera, ese


producto de un acto jurídico de delimitación, produce la diferencia cultural tanto
como ella misma es el producto de esa diferencia" (Bourdieu, 1980:66). Más
bien la frontera produce esa diferencia mucho más de lo que es producto de
ella. Hay innumerables espacios poblados donde las diferencias sólo son
producidas por la frontera y todo lo que ella implica: sistemas escolares,
regimientos militares, medios de comunicación, condición de estar afectados
por una economía y una política "nacionales" (en un territorio hay crisis
económica o represión política, mientras en el otro no). Y donde la frontera
potencial o real es percibida como herramienta de una posible mejoría de la

5
condición de vida que, por lo tanto, puede valer la pena mantener para
sectores locales.

Prácticamente no hay fronteras en América Latina que coincidan con alguna


diferencia cultural anterior a la colonización. Esto es tan impactante que ha
llevado al engaño de creer que esa no coincidencia de distinciones culturales y
límites territoriales llegaría incólumne hasta nuestros días. Pero la instauración
de la frontera es una transformación del marco de significaciones y acciones
de esas poblaciones, sin mencionar aquellas otras que fueron dirigidas a
colonizar los límites de las patrias. Así las cosas, la frontera -como institución
territorial de estados que se pretenden naciones, de instituciones y fuerzas
sociales que se reclaman culturas- es la "línea de base" de la producción de
diacríticos más que un resultado de alguna objetividad cultural previa. Es de
intereses y relaciones de fuerza entre grupos y ejércitos que surgen las
fronteras. Y desde allí las distinciones son creadas y reproducidas. El error, tan
grave como corriente, consiste en creer que porque son construidas, creadas o
artificiales sean menos poderosas.

En oposición a las hipótesis de conflicto bélico que las élites militares de


Argentina, Brasil y Chile imaginaron en diferentes momentos del siglo XX,
muchas veces los intelectuales y científicos sociales buscaron enfatizar que las
poblaciones fronterizas viven unidas. Según esta visión los Estados se
enfrentarían por intereses de algunas élites, mientras los pueblos serían
hermanos y solidarios entre sí. Más allá de que esa imagen pueda resultar
bonita, es fácil darse cuenta de que se encuentra muy alejada de los procesos
reales. Conocer la complejidad de esos procesos es una condición necesaria
para cualquier intento de transformación.

Lo cierto es que los procesos históricos que mencionamos acerca de la


construcción de los Estados y las naciones tuvieron impactos muy relevantes
en las maneras de pensar, sentir y actuar de las poblaciones ubicadas en las
zonas de frontera. Entonces las investigaciones desmienten creencias
bastante comunes sobre las zonas fronterizas. La primera creencia dice que
como las líneas políticas dividieron culturas, las poblaciones mantienen una
cultura a pesar de un siglo o más de procesos de nacionalización. Sin

6
embargo, las políticas estatales y la constitución de un espacio nacional
experiencial transformaron los modos de sentir, pensar e identificarse de esas
poblaciones al punto de hoy lo nacional resulta central en la vida de amplias
zonas de frontera.

Un ejemplo. En las ciudades de La Quiaca y Villazón, ubicadas en la frontera


entre Argentina y Bolivia, se realiza una fiesta de carnaval con trajes idénticos.
En el año 2000, por escasez de especialistas, sólo había trajes hechos en
Villazón, Bolivia, para un solo grupo de bailarines. Cuando los argentinos
cruzaron a Villazón y compraron los trajes de diablos, dejaron a los bolivianos
sin trajes para su carnaval. Esto provocó un escándalo en la frontera, ya que
fue considerado por los bolivianos como un “robo de cultura”. Las dos
poblaciones realizan la misma fiesta. Pero nadie imaginó entonces que puedan
realizarla conjuntamente. Para los pobladores locales la frontera constituye y
limita su imaginación (Karasik, 2000).

Suele decirse también que en las zonas de frontera la gente se casa


indistintamente con sus connacionales o con los vecinos. Tampoco esto es
cierto. Los estudios muestran que la cantidad de matrimonios que podemos
llamar “mixtos” es relativamente baja (entre los casos estudiados con tasas
más altas no llegan a uno de cada cinco casamientos). Y, además, tiende a
disminuir durante el siglo XX, ubicándose en algunas zonas en cifras como un
matrimonio “mixto” cada cien matrimonios (Grimson, 2003a). Esto indica que la
nacionalidad se convierte durante el siglo para la gente de la frontera en una
categoría relevante en la elección del cónyugue y, por lo tanto, en la
estructuración de toda la trama de las relaciones sociales.

Otra afirmación típica respecto de las zonas de frontera es que tienen la


“misma cultura” a ambos lados, una “cultura fronteriza” o, al menos, que
comparten un conjunto de prácticas y rituales característicos. En la zona que
estudié de la frontera de Argentina y Brasil, efectivamente, podía verse con
facilidad que a ambos lados había religiones afro-brasileñas, se festejaba el
carnaval y se realizaban rituales gauchos o gaúchos. Desde una perspectiva
superficial, entonces, podía afirmarse que había prácticas culturales
transfronterizas.

7
En mi estudio mostré que esa afirmación es superficial porque implica no
comprender los sentidos que cada una de esas prácticas adquieren en
Argentina y en Brasil. Mostré, en efecto, que el sentido del carnaval, de las
religiones afro, de lo gaucho-gaúcho, es muy distinto a uno y otro lado. Las
religiones afro ocupan un lugar relevante y público en Uruguayana (Brasil)
mientras están relegadas y son menospreciadas en Paso de los Libres
(Argentina). La cultura gaucha, sus vestimentas, sus comidas, sus rituales, son
la cultura oficial del Estado de Rio Grande do Sul (Brasil), son el orgullo de sus
habitantes y el gentilicio del Estado (los nacidos allí son “gaúchos” aunque
sean rubios, aunque sean afrodescedendientes). En cambio, en las tierras
fronterizas correntinas (Argentina) los gauchos son discriminados,
considerados parte de los sectores más pobres y menos educados.

La idea de que a ambos lados de la frontera hay una misma cultura no solo es
afirmada por algunos antropólogos, sino también en algunas circunstancias lo
dicen también los lugareños. Ahora bien, es interesante señalar que según de
qué lado de la frontera uno se encuentre los ejemplos prototípicos de las
"culturas transfronterizas" se modifican. Es decir, el estudio de los argumentos
nativos acerca de que la frontera "no existe" en términos culturales —algo que
es afirmado en circunstancias en que pretenden distinguirse de sus respectivos
centros capitalinos— indica que hay fronteras de significados o, mejor dicho,
de marcos de significación. En Libres para sostener esa afirmación se hará
alusión al carnaval, a la influencia del samba y de la "música popular brasileña"
en general. Obviamente, nadie de Uruguayana citará esos ejemplos, ya que el
carnaval y la Música Popular Brasileña (MPB) no son aquello que los conecta
con Paso de los Libres, sino con Río de Janeiro y el resto del Brasil. La
afirmación de la existencia de una cultura transfronteriza en Uruguayana alude
sistemáticamente a la cultura gaucha/gaúcha, pampeana. Otra vez,
difícilmente se cite ese ejemplo en Paso de los Libres: primero, porque en la
ciudad argentina, a diferencia de la brasileña, no hay un "orgullo gaucho";
segundo, porque nuevamente eso los conecta más con otras zonas de la
Argentina que con el Brasil. Así, cada ciudad manipula de maneras diferentes
las referencias simbólicas en función de construir una identificación propia.

8
Con estos ejemplos intentamos explicar que hay una frontera sutil, difícil de
percibir y de analizar. Se trata del límite que separa y contacta a dos campos
de interlocución nacionales, a dos formaciones específicas de diversidad
(Segato, 1998). Se trata de una frontera entre significados y entre regímenes
de articulación de significados. Las dificultades por percibir y conceptualizar
esta frontera llevan usualmente a hablar de "culturas transfronterizas", ya que
a ambos lados del límite hay prácticas y creencias compartidas.

Por una parte, la nación es el modo de identificación central en esta zona. Por
otra parte, es también el marco de experiencias históricas configurativas que
han sedimentado. Las políticas estatales, las experiencias económicas y
políticas, la circulación cultural y muchos otros elementos no solamente
presentaron diferencias de un lado y otro del río. Especialmente, fueron
percibidas, significadas y visualizadas de modos históricamente diferenciales,
instituyendo así modos de imaginación, cognición y acción distintos entre sí,
articulados con los de sus respectivos países.2 Así, la nación también se
constituye como condición de producción de sentidos, como el espacio
histórico a partir del cual los diálogos entre identidades y prácticas se
estructuran crecientemente desde la última parte del siglo XIX hasta la
actualidad. Por ello, las relaciones y los elementos culturales transfronterizos
son un ámbito clave en el cual se producen y reproducen las fronteras
simbólicas, tanto en el plano de las identificaciones de las personas y los
grupos como en el sentido de sus prácticas. La nación, como formación de
diversidad y espacio de significación, es condición de producción de los
sentidos de las identificaciones, incluso de la propia identificación nacional.

Ya retomaremos la cuestión de la nación, pero permítanme decir que para


complicar más las cosas, en el contexto del Mercosur se han construido y se
siguen construyendo puentes que, según afirman las autoridades en sus actos
de inauguración, unirán más aún a pueblos hermanados por la historia. Sin
embargo, lo más frecuente es que cuando las poblaciones desean atravesar
esos puentes deben someterse a trámites migratorios y aduaneros, a
desinfecciones y controles bromatológicos, y otros procedimientos brucoráticos

2
La crítica a los excesos del (de)constructivismo y la propuesta de desarrollar una teoría experiencialista
de la nación fue planteada en Grimson, 2003b.

9
que producen grandes demoras. Por ello, en muchos casos las políticas
estatales en esos puentes y en otros pasos fronterizos han generado conflictos
inéditos entre las poblaciones, produciendo retóricas y reclamos nacionalistas
en acciones de protesta social. Si esas políticas estatales que crean
obstáculos son persistentes es probable que generen otros conflictos entre las
poblaciones y que al final los puentes terminen separando a ambas orillas.

Un cambio de ecuación

Consideremos ahora las tendencias políticas en las fronteras del cono sur en las
últimas dos décadas. En varias zonas hubo dos tendencias complementarias.
Mientras los Estados renovaron y fortalecieron los controles y regulaciones de las
que consideraban sus fronteras críticas (ver Karasik, 2000; Grimson, 2000a),
entraron en franco retroceso los modelos de nacionalización del territorio a través
de políticas asociadas al "bienestar" (ver Escolar, 2000; Vidal, 2000).

Es decir, hacia mediados del siglo XX se constituía una ecuación que combinaba
visiones militaristas de hipótesis de conflicto con ciertos procesos de "integración
territorial y social" de las poblaciones periféricas. El "bienestar" era función de la
nacionalización, así como ésta era función de la fortaleza nacional en una guerra
que -por suerte- nunca se concretó. A partir de los años '90 puede percibirse en
diversas fronteras del Cono Sur que los proyectos de "integración regional"
(como el Mercosur) disuelven las hipótesis de conflicto. Pero en lugar de
revalorizar la frontera como espacio de diálogo e interacción, esto se traduce en
el abandono de toda política activa y de desarrollo social de las zonas fronterizas.
Si el "bienestar" convivió con el conflicto, la "integración" convive actualmente con
tiempos neoliberales.3

Por una parte, no hay más políticas estatales de ocupación de espacios


fronterizos con empresas públicas o destacamentos militares (ver Vidal, 2000).
La promoción del poblamiento de las fronteras -anclada en hipótesis de conflicto
bélico- con la instalación de carreteras, escuelas y otra infraestructura ha llegado
a su fin en diversas regiones. Las nuevas carreteras y puentes no buscan

3
Obviamente, es necesario también cuestionar qué significa en nuestras regiones "bienestar" e
"integración". Sobre este último aspecto ver Grimson, 2001.

10
beneficiar a las poblaciones fronterizas (en la lógica secular del enfrentamiento
interestatal), sino promover el comercio terrestre entre países atravesando
ciudades fronterizas concebidas como "zonas de servicios". Así, se crean
importantes facilidades para la circulación de mercaderías de grandes
empresas.

Por otra parte, el control sobre las poblaciones fronterizas parece haberse
fortalecido, tanto en relación a la circulación de personas como de pequeñas
mercaderías del llamado "contrabando hormiga". Así, en muchos casos, los
pobladores fronterizos perciben una mayor -no una menor- presencia estatal.
El Estado se retira en su función de protección y reaparece en su papel de
control y regulación. En otras palabras, podríamos estar asistiendo -más que a
una "desterritorialización" generalizada- a la sustitución de un modelo de
territorialización por otro.

Los procesos de regionalización como el Mercosur han impactado de manera


compleja en las zonas fronterizas. Los estados llegan con fuerzas renovadas a
las fronteras a partir de la "integración". Ejercen un control inédito sobre
algunas poblaciones fronterizas desconociendo o tratando de anular las
historias y tradiciones locales. Pobladores de espacios fronterizos con libre
intercambio de productos durante décadas ven aparecer refuerzos en los
puestos aduaneros o de gendarmería. Perciben nuevos controles migratorios.

Así, en muchas de las fronteras del cono sur el abandono de las hipótesis de
conflicto bélico fue seguida de una desmilitarización a la vez que de nuevos
controles al movimiento de mercaderías, personas y símbolos. Esto último es
visible tanto en las dificultades que migrantes bolivianos y pobladores
fronterizos argentinos encuentran para ingresar los trajes del carnaval, como
en los discursos nacionalistas e higienistas que se desarrollaron en los últimos
años en las fronteras de Brasil, Uruguay y Argentina. A partir de nuevos focos
de aftosa, en diferentes momentos, cada Estado instala prohibiciones de
ingreso de mercaderías y procedimientos de "desinfección" de los propios
pobladores fronterizos que pretenden atravesar el límite internacional.

11
El Estado no se ha retirado completamente, sino que ha cambiado su eje de
intervención. Si en la fase anterior su obsesión era la preservación territorial, el
control del espacio, ahora su eje de acción se vincula a controlar los flujos, los
movimientos de personas y mercaderías entre los países. Especialmente, a
promover los flujos “por arriba” y controlar los flujos “por abajo”.

Las tres fases de las políticas teóricas de la frontera interestatales

Estos distintos momentos de política estatal han sido contemporáneos de


distintas políticas de la teoría sobre las fronteras. Desde fines de los '70 una
serie de trabajos antropológicos ha desafiado a través de la investigación
social en zonas de frontera política entre estados nacionales las visiones
tradicionales que identificaban el límite político como un límite cultural. Es
decir, frente al sentido común que buscan imponer los estados nacionales
acerca de la frontera política como división cultural se mostró la existencia de
numerosos circuitos de intercambio, códigos e historias compartidas, dando
cuenta del carácter socio-histórico del límite. Actualmente, esa deconstrucción
de las operaciones geopolíticas y militares de los Estados se complementan
con otros estudios que muestran que, más allá de los deseos, ha habido
fuertes efectos materiales y simbólicos de aquellas estrategias geopolíticas. La
fijación de límites concretos entre los estados nacionales, los dispositivos de
los procesos de nacionalización y las políticas nacionalistas han tenido
consecuentes políticas y culturales en la conformación de las subjetividades de
los pobladores fronterizos.

Hace unas dos décadas las ciencias sociales comenzaron a cuestionar el


estudio de territorios “nacionales” a partir de los imaginarios estatales y
comenzaron a considerar esos imaginarios como objeto de sus trabajos. Los
estados tienden a considerar que sus posesiones les corresponden por
naturaleza. La distancia analítica de las ciencias sociales desnaturalizó los
espacios de la soberanía estatal. Allí donde había primado el relato geopolítico
de reunir al ser nacional con “su” territorio, pasó a dominar el deconstructivismo
historicista que repuso la artificialidad y los procesos de configuración en los
paisajes limítrofes. Una paradoja de esta inversión fue que se diluyera la idea
de fronteras naturales y consecuentemente poderosas en su división, y

12
comenzara a pensarse en su contingencia y porosidad. Una vez desprendidos
del ímpetu estatal que se imprimía sobre los discursos sociológicos, ahora
parecía que el Estado no había sido nada en sus propios confines, y que
cualquier otra identidad no estatal había resistido heroicamente los embates
sistemáticos de la escuela, los medios, el ejército y los documentos de
ciudadanía. Las fronteras jurídicas se desnaturalizaban, mientras las
identidades sociales se esencializaban.

Se pasó de una naturalización de la geopolítica estatal, que sen este punto


dominó la geografía y al conjunto de las ciencias sociales, a un nuevo
romanticismo que adjudicaba a las poblaciones una poderosa resistencia a los
procesos de nacionalización. La gente del lugar, los pobladores fronterizos,
fueron objeto de esta disputa. Interpelados por la retórica geopolítica como
patriotas (en su “deber hacer”) o como patriotas deficientes (por su
“contaminación cultural” con los vecinos), devenían cruzadores ejemplares de
las fronteras en nuevos relatos de la interculturalidad. Muchas veces los
fronterizos fueron imaginados a partir de una multiplicidad esencial, como
sujetos trascendentes de la era posnacional. Un cierto (de)constructivismo que
encontraba el origen de los males en el Estado que había soñado y diseñado
una homogeneidad para la nación, diseñaba él mismo un “buen salvaje” que
habría resistido las embestidas estatales en las zonas periféricas.

La idea, tan vigente aún hoy en cierta cultura “progresista”, era que la frontera
jurídica había cruzado por la mitad pueblos enteros y que esos pueblos habían
conservado una autenticidad transhistórica. Que los quechuas, guaraníes,
tükuna o mapuches atravesados por los límites nacionales conservaban una
identidad étnica intacta.

El razonamiento suponía que los procesos de nacionalización habían sido,


básicamente, procesos de dominación. En particular, procesos de
domesticación de una diversidad previa que constituía un cierto obstáculo al
proyecto hegemónico. Así, se consideraba que a fines del siglo XX cuestionar
a la nación era cuestionar el proceso de dominación y, correlativamente, que
reivindicar la diversidad se vinculaba a un proyecto contrahegemónico. Esta
concepción, que obviamente aquí nos vemos en necesidad de simplificar,

13
supone una continuidad que sin embargo no se verifica sin otras
complejidades.

Aunque más adelante retomaremos ciertas intersecciones entre


multiculturalismo y neoliberalismo, ahora debemos concentrarnos en otro
aspecto: toda identificación, sea nacional o étnica, es el resultado de una
construcción social y de una relación política. Por lo tanto, la asociación de una
comunidad con un territorio y una cultura homogénea (sea esta una comunidad
nacional o étnica) es abiertamente cuestionada hoy en la teoría antropológica.
Esto llevó a una revisión conceptual en la relación entre fronteras y cultura.

Cultura y frontera

La propia noción de “cultura” de la antropología fue, como se sabe, creadora


de fronteras. De hecho, una teoría de la frontera es una teoría de la cultura.
Durante una larga etapa de la teoría antropológica se tendió a aceptar que
cada comunidad, grupo o sociedad asentada en un territorio era portadora de
una cultura específica. Así, los estudios se dirigían a describir y comprender
una cultura particular o áreas culturales. Esa descripción se concentraba
fundamentalmente en los valores o costumbres compartidos por los miembros
de una sociedad. De ese modo, el énfasis fue colocado en la uniformidad de
cada uno de los grupos.

Las fronteras pueden concebirse de modo tan fijo entre razas como entre
culturas. Por ello, el concepto de "cultura" entendido como “conjunto de
elementos simbólicos” o como “costumbres y valores” de una comunidad
asentada en un territorio, es problemático en términos teóricos y en términos
ético-políticos (Appadurai, 2001; Hannerz, 1996; Rosaldo, 1991; Ortner, 1999).
Los principales problemas teóricos se vinculan a la tendencia a considerar a
los grupos humanos como unidades discretas clasificables en función de su
cultura como en otras épocas lo eran en función de la raza, lo cual haría
posible diseñar un mapa de culturas o áreas culturales con fronteras claras. Es
la idea del mundo como archipiélago de culturas. Las fronteras entre los
grupos son muchos más porosas que esta imagen de un mundo dividido. El
mundo, hace tiempo y de modo creciente, se encuentra interconectado y

14
existen personas y grupos con interconexiones regionales o transnacionales
diversas. La gente se traslada y migra desde diferentes lugares del mundo
hacia otras zonas y rearma en sus nuevos destinos sus vidas y sus
significados culturales. Por lo tanto, símbolos, valores o prácticas no pueden
ser asociados de modo simplista a un territorio determinado.

La pregunta es por qué si hay tanta porosidad y cruce también tenemos


creciente fundamentalismo desde lugares y con proyectos tan diferentes. Nos
gustaría aportar un elemento que surge de las investigaciones en el Cono Sur
para construir la respuesta de esta pregunta compleja. Se trata de entender
que las culturas son más híbridas que las identificaciones. O más aún: que es
posible que a partir de un contexto de creciente interconexión transnacional, de
mayor porosidad cultural surjan nuevos y más fuertes fundamentalismos
culturales. Una cuestión suplementaria, que no podremos considerar aquí,
propone interpretar esos procesos de diferenciación identitaria como un modo
de articulación y expresión de crecientes desigualdades estructurales.

Hay otros dilemas acerca de los sentidos de esos marcos y esas líneas.
Cuando las fronteras son pensadas exclusivamente desde experiencias de
extrema desigualdad (del tipo USA-México) puede producirse un
deslizamiento: abordar la frontera necesariamente como sitio de encuentro
entre una cultura dominante y una subalterna, e identificar a esas culturas con
nacionalidades o etnicidades que la frontera marcaría. Si la frontera es
dicotomizada, como una línea entre el bien y el mal, se confirmaría por otro
camino la fuente misma de su poder: el poder de establecer los parámetros del
conocimiento. Para ello no es necesario llegar al simplismo de generar una
oposición entre quienes habitan a uno y otro lado de una línea. Puede
reconocerse que ha habido migraciones y que la gente se desplaza. Por este
camino se supone que la frontera ya no está allí y sus rastros deben ser
reconstruidos. Ese supuesto suspenso, de todos modos, anuncia un final
conocido: la frontera ya no es material, sino simbólica, ya no es la línea de las
aduanas, sino el límite de la identidad.

Llegados a este punto cabe interrogarse: ¿es que hay alguna diferencia entre
ese concepto de frontera y el concepto de raza? Porque si la identidad “se

15
lleva en la sangre”, como marca indeleble “en el cuerpo”, si no cambia aunque
cambien los espacios y las historias, si la frontera persigue a sus sujetos a
través de sus diásporas, nos encontramos en la plenitud de otras fronteras
naturales.

Las teorías constructuvistas y de la hibridación, de modos diferentes,


contribuyeron decisivamente para sacudir esas conceptualizaciones. Sin
embargo, el nuevo consenso académico abrió nuevos debates. El contacto se
encuentra entrecruzado con poderes, desigualdades y hegemonías. Por eso,
recientemente García Canclini ha planteado que para analizar las
desigualdades entre sociedades y culturas también hay que considerar a la
hibridación como “un proceso al que se puede acceder y que se puede
abandonar, del cual se puede ser excluido o al que pueden subordinarnos”
(2001:19).

Así, el desarrollo antropológico de la investigación sobre fronteras planteó un


doble reconocimiento. Por un lado, las zonas fronterizas se revelaron no sólo
lugares de cruce y diálogo, sino también espacios de conflicto y de
desigualdades crecientes. En los últimos años Estados Unidos fortaleció
militarmente sus controles en la frontera con México, así como Europa liberó
sus fronteras internas en una proporción igual al endurecimiento de las
externas (Driessen, 1998).

Por otro lado, en términos conceptuales se reconoció que cruzar una frontera
no implica necesariamente desdibujarla. Así como el vínculo no implica
ausencia de conflicto, la comunicación entre dos grupos puede ser el proceso
a través del cual esos grupos se distinguen mutuamente. Nadie se preocupa
demasiado por diferenciarse de grupos lejanos. “Los otros” que más nos
importan generalmente son nuestros vecinos, los grupos limítrofes geográfica o
simbólicamente.

Michaelsen y Johnson (2003) en su Border Theory realizaron una crítica de la


esencialización de las culturas de la frontera. Es decir, la hegemonía no
consistiría sólo en la jerarquización de un “nosotros” (anglo) y la
estigmatización de un “los otros” (mexicano, chicano u otro). Si así fuese, se

16
trataría sencillamente de proponer y luchar por la inversión de sus sentidos (eje
de muchas articulaciones subalternas). La trampa consiste en que la
hegemonía se constituye en el proceso de oposición de dos entidades,
contraste reproducido en el intento de sólo trastocar la valoración. El secreto
radica en la frontera, ya que cuando esta no es cuestionada, la política cultural
revela sus propios límites.4

Las fronteras pueden desplazarse, desdibujarse, trazarse nuevamente. Pero


no pueden desaparecer, son constitutivas de toda vida social. Un proyecto de
abolición de todas las fronteras estaría necesariamente destinado a fracasar,
ya que no puede vivirse fuera del espacio y sin categorías de clasificación. Más
bien, el debate es dónde colocar fronteras, por un lado; y por otro lado, cuándo
pretender cruzarlas, debilitarlas, asumirlas reflexivamente o reforzarlas.
Difícilmente convenga adjudicarle un sentido unívoco a “frontera” y adoptar una
actitud homogénea hacia las diversas fronteras con las que convivimos. Más
bien se trata de tener políticas activas para la constitución de alianzas y
fronteras en función de contextos históricos, para evitar que otros nos
impongan nuestros propios límites.

Implicancias políticas

Esta es una síntesis apretada de los debates conceptuales a partir de las


investigaciones sobre fronteras políticas. Quien estuviera interesado podrá
profundizar en cualquiera de las líneas de trabajo a partir de las referencias
que hemos propuesto. De lo que se trata aquí, sin embargo, es de avanzar en
un camino bastante menos explorado, aquel que se vincula a las eventuales
consecuencias que estos avances conceptuales puedan tener para la

4
Especialmente en antropología esto implicó un flashback para algunos, y una
continuidad para otros en la recuperación de autores como Barth (1976) o Cardoso de
Oliveira que, en sus críticas al culturalismo, habían prestado atención en los años
sesenta a la interacción étnica y las fronteras interétnicas, a las organizaciones grupales
y a lo que se conceptualizó como una cultura del contacto (Cardoso de Oliveira, 1976).
Esas genealogías teóricas, que podrían remontarse a Gluckman, Evans-Pritchard y
Leach, daban cuenta de que los estudios de frontera se habían iniciado muy lejos del Río
Grande.

17
ampliación de nuestra propia imaginación política y, especialmente, para la
potenciación de una política transformadora, opuesta al neoliberalismo.

A nuestro entender, debemos considerar diferentes planos. Por una parte, hay
consecuencias a nivel de la propia política en zonas de frontera, hay
consecuencias acerca de cómo imaginar la llamada "integración regional". Por
otra parte, en un nivel mucho más general me gustaría afirmar que estos
estudios sobre zonas de fronteras, al conectarse con otros estudios sobre
contacto intercultural, tienen dos aportes que realizar en el terreno político
general. El primer aporte se refiere a la cuestión de la nación y el nacionalismo.
El segundo aporte se refiere a la cuestión de la diversidad y de las políticas de
la diferencia.

Voy a abordar las cuestiones en ese orden. A primera vista parece la que la
cuestión de las políticas para las zonas fronterizas son poco relevantes ya que
se trata de políticas dirigidas a una porción escasa de la población. Sin
embargo, si los gobiernos dictatoriales le dedicaron importancia es porque
entendieron que las fronteras son también laboratorios de relaciones entre
sociedades y entre grupos. Las relaciones en las fronteras son una dimensión
y afectan al conjunto de las relaciones entre los países. Por lo tanto, dejar atrás
las lógicas de una geopolítica paranoica y militarista no debería implicar un
nuevo capítulo de centralismo y marginación territorial considerando a las
fronteras sólo como lugares de paso. Las fronteras son lugares estratégicos
para configurar nuevas relaciones entre las sociedades y las culturas. Estos
“laboratorios” de vínculos simétricos y solidarios deben imaginarse y
construirse no sobre la negación de conflictos o distancias históricas, sino a
partir de la elaboración reflexiva de los mismos.

Esto se encuentra muy conectado con el segundo punto, es decir, con la


construcción de otra política de regionalización. Las zonas de frontera pasaron
de tener un tipo de valor instrumental a otro, en el sentido de que la hegemonía
militar y territorial es desplazada con el neoliberalismo por la hegemonía del
container y los flujos entre las transnacionales. Nuestras afirmaciones
anteriores sólo adquieren sentido si comenzamos a imaginar y diseñar una
regionalización de derechos ciudadanos.

18
La concepción neoliberal de la regionalización considera que al integrar
mercados habrá una tendencia natural a que los derechos sociales se
homogenicen hacia abajo. Frente a esto la alternativa del tipo "cada uno a
conservar sus conquistas" está condenada al fracaso más temprano que tarde.
Es necesario imaginar otras alianzas y conflictos en otros niveles, alianzas y
conflictos transfronterizos. Es clave promover articulaciones desde abajo entre
los trabajadores y los diferentes grupos subalternos en diferentes países. Así la
integración es también la configuración de un nuevo horizonte político, de un
nuevo escenario.

La cuestión nacional

Evidentemente, esto implica retomar la cuestión nacional. Los estudios sobre


fronteras muestran, a mi modo de ver, que la concepción de la nación como
falsa conciencia presenta serios límites y tiene, al menos, dos problemas. El
primero es que constituye una teleología de la una identidad o conciencia de
clase que no se verifica como proceso político. El segundo es que reduce un
verdadero universo de sentimientos, creencias y prácticas a una mera
deformación de la realidad condenada a desaparecer. Es interesante constatar
que ese pronóstico de la inminente desaparición de las nacionaes es el
hegemónico de la concepción de la globalización.

En el mundo contemporáneo pareciera evidente que el “Estado”, los Estados,


tienden a desdibujarse y perder poder de intervención de manera creciente.
Como es muy sabido que la “nación”, y especialmente el nacionalismo, es
históricamente mucho más una consecuencia del Estado y sus políticas que
cualquier forma de causa del proceso institucional, se tiende a suponer que al
plantearse la disgregación o el debilitamiento del Estado se plantea la
difuminación de la nación.

Considérese este silogismo: El Estado creó la nación, el Estado se difumina;


luego, la nación se difumina.

19
Aquí hay dos cuestiones diferentes para discutir. La primera se refiere a si el
Estado realmente está desdibujándose en el mundo contemporáneo. La
segunda se refiere a si eso realmente tiene consecuencias sobre la nación y,
en todo caso, qué tipo de consecuencias. Una cosa es la lógica formal y otra la
lógica de la historia.

El Estado, en muchos países del mundo, se ha retirado y continúa retirándose


como dispositivo institucional vinculado al desarrollo social, a la redistribución y
al bienestar. Esta es una tendencia que se manifiesta de manera muy
heterogénea, con excepciones, con distintas negociaciones, idas y vueltas. A
pesar de esa diversidad, el neoliberalismo impulsó con bastante éxito la
destrución de las versiones locales del “Estado de bienestar”. Esta es una
tendencia histórica que puede ser revertida o transformada. Esto es importante
porque no es consistente la nueva teleología que afirma que esta tendencia es
una prueba suficiente de que el Estado no cumplirá más el papel de principal
articulador social, agente hegemónico clave.

Por otra parte, es necesario distinguir entre las “funciones sociales” del Estado
y sus funciones represivas. Porque si es cierto que en muchos países el
Estado se ha retirado de su papel en la protección y seguridad social, también
es cierto que eso no indica nada acerca del poder estatal de represión y
control. La mayoría de los países conservan intactas sus fuerzas armadas y de
seguridad, otros han incrementado en diferente grado sus dispositivos. En las
crisis sociales y políticas que el propio retiro social del Estado provoca puede
verificarse que en muchos países el papel represivo continúa siendo muy
poderoso.

En otras palabras, los Estados, como dispositivos institucionales que ejercen


soberanías territoriales, no han desaparecido ni desaparecerán en los
próximos años. Un cambio dramático, sin embargo, es cómo se articulan sus
diferentes funciones.

Ni la nación ni los nacionalismos precedieron históricamente a los Estados.


América Latina es un ejemplo peculiarmente importante en ese sentido. El
“principio de las nacionalidades” es muy posterior a los procesos de las

20
independencias. La distribución de territorios estatales se sustentó
básicamente en las distribuciones administrativas coloniales y las disputas de
poder entre ciudades con sus hinterland, y no en alguna forma de identidad
comunitaria.

En ese sentido, la nación, como modo de imaginación de pertenencia a una


comunidad, es consecuencia del Estado, de sus dispositivos, de sus políticas
culturales. De sus arduos trabajos de nacionalización.

Como la nación es producto del Estado y el Estado excluyente no produce


nación, podría suponerse que la nación se encuentra en proceso de
desaparición. Sin embargo, no se constata por diferentes motivos. Entre otros,
podemos señalar tres motivos. Primero, hasta ahora no ha surgido ningún otro
interlocutor equivalente que tenga legitimidad y legalidad para definir políticas
de ciudadanía. Por lo tanto, los reclamos de los movimientos sociales se
dirigen básicamente al Estado. Segundo, en algunos de esos procesos la
identificación nacional ha cumplido un papel relevante en la articulación de
demandas hacia el Estado. Tercero, el espacio nacional continúa siendo un
ámbito decisivo para la elaboración de la experiencia social y la generación de
sentidos (ver Grimson, 2003b).

Como identificación, la nación se vincula a los procesos históricos de


imaginación de pertenencia comunitaria. En ese plano, la nación se encuentra
en proceso de articulación y desarticulación con las ideas de “pueblo” y
“Estado”. A veces la nación se articula y legitima al Estado: desde conflictos
bélicos hasta políticas internas pueden sostenerse en función de “intereses
nacionales”. En otras ocasiones se presentan grietas entre Estado y nación, en
la medida en que “nación” sea comprendida como “pueblo” y que el Estado sea
percibido como afectando los intereses populares. En muchos países de
América Latina (la Argentina entre ellos) las ideas de nación y Estado se
desarticulan constantemente, hasta el punto de que la visión socialmente
prevaleciente puede explicar el desamparo y la devastación de la nación como
consecuencia de persistentes políticas del Estado, en las cuales el Estado
aparece más cercano a intereses extranjeros o tan sectoriales que no consigue
articularse con idea alguna acerca de la nación.

21
Esta conceptualización permite comprender por qué un modo de imaginación
construido históricamente por dispositivos estatales puede mucho más que
sobrevivir a la transformación de esos dispositivos. El retiro social del Estado
puede generar, o actualizar, una articulación entre la idea de pueblo y la de
nación en oposición a Estados antipopulares o antinacionales. El movimiento
social puede recoger justamente el modo nacional de identificación que,
legitimado por el Estado en otros contextos históricos, es irrenunciable
explícitamente en la medida en que constituye la única vía de legitimación de
su propia existencia.

Así, un Estado que renuncia a la construcción de la nación en los hechos de


sus políticas, aunque nunca en las formas difusas de sus imaginarios, puede
generar procesos de nacionalización e incluso retóricas nacionalistas, aún más
fuertes que a través de los mecanismos de imposición de identificaciones
nacionales. En esa posibilidad se encuentra concentrada la ambivalencia de la
nación, una ambivalencia simbólica y ético-política. La nación, como referencia
de consenso, aparece y se revela como una de las categorías más polisémicas
ubicadas en el centro mismo del conflicto social que se desarrolla en el espacio
nacional.

Para analizar la dimensión identitaria de la nación es relevante incorporar en el


análisis como conceptos nodales a los sentidos prácticos de la acción social y
a la sedimentación experiencial. Esos conceptos permiten comprender, entre
otras cuestiones clave, por qué las identificaciones nacionales en el mundo
contemporáneo ya no son construidas desde arriba hacia abajo, sino muchas
veces al revés, así como por qué pueden dejar de ser el corset ideológico de la
hegemonía para devenir (como en otros momentos históricos) articuladores y
fuentes de legitimidad de movimientos sociales que enfrenten al
neoliberalismo.

Esto implica que lejos de entrar en alguna era “posnacional” estamos más
cerca de nuevos usos de la nación, incluso usos cosmopolitas y
transnacionales, que aún deben ser estudiados.

22
Los límites del multiculturalismo

Estas consideraciones políticas nos obligan a retomar la cuestión de la


diversidad y de la producción desde arriba y desde abajo de fronteras
simbólicas. En las últimas décadas, acompañando el desarrollo de nuevos
movimientos sociales y en contraposición a las políticas de discriminación,
asimilación y homogeneización, las políticas multiculturalistas comenzaron a
imponerse en el mundo académico y en áreas de la gestión pública. Se trata
de establecer, en contraposición a las políticas de exclusión, políticas de
reconocimiento de grupos o colectividades subordinadas o despreciadas como
los pueblos originarios, los afro, los inmigrantes excluidos, entre muchos otros.
La pretensión del multiculturalismo es invertir o modificar la valoración que se
realiza de estos grupos y reivindicar, entre sus derechos civiles, su derecho a
la diferencia.

Puede plantearse una paradoja si esta pretensión de invertir la valoración se


inscribe, como a veces sucede, en una extensión de la lógica de la
discriminación. Es decir, si la diferencia cultural se concibe como un dato
objetivo, claro, con fronteras fijas que separan a ciertos grupos de otros. En
esos casos, tanto quienes discriminan como quienes pretenden reconocer a
esos grupos, comparten el supuesto de que el mundo está dividido en culturas
con identidades relativamente inmutables. Mientras tanto, las personas,
grupos y símbolos atraviesan fronteras. Desde las artesanías hasta los
productos de la industria cultural viajan por diferentes zonas del mundo. Se
generan, así, paisajes de tránsitos híbridos, más que mapas con colores
delimitados e incontaminados.

La diferencia cultural, entonces, puede ser utilizada a la vez para intentar


subordinar y dominar a grupos subalternos, como para reivindicar los derechos
colectivos de esos grupos. Por ello, el reconocimiento de diferencias culturales
no tiene un valor ético-político esencial, sino que su sentido depende de la
situación social. El problema surge cuando distintos sectores entablan una
disputa sobre las valoraciones y consecuencias de unas diferencias que se
consideran autoevidentes. Sin embargo, la diversidad no debe comprenderse
como un mapa esencializado y trascendente de diferencias, sino como un

23
proceso abierto y dinámico, un proceso relacional vinculado a relaciones de
poder.

En estas luchas por establecer el valor ético-político de la diversidad, los


distintos sectores pueden tender a enfatizar sus diferencias (supuestas o no)
de manera creciente, perdiendo de vista la importancia de las luchas por la
igualdad o la justicia. Las diferencias construidas en situaciones de contraste
específicas y en contextos políticos concretos pueden reificarse hasta el punto
de que terminemos convencidos de lo radicalmente distintos que somos
"nosotros" de "los otros", sean ellos los "hispanic", los “sudacas”, los
"indígenas", los “negros” o los "gays".

Ante estos dilemas, algunos intelectuales especialmente sensibles a registrar y


comprender a los movimientos del tercer y cuarto mundo, han planteado que
actualmente la aceptación de las diferencias culturales tiene un valor político
positivo ya que varios pueblos del planeta están oponiendo su "cultura" a las
fuerzas de la dominación occidental que los viene afectando hace tanto tiempo.
Cuando los pueblos utilizan la "cultura" como herramienta para retomar el
control de su propio destino sería positivo su valor político.

Si el respeto por la diversidad es un patrimonio ideológico que debe ser


defendido ante todas las variantes del etnocentrismo, comprender el carácter
histórico y político de esa diversidad puede permitirnos adquirir una visión más
compleja. La construcción de homogeneidad cultural en países periféricos es
sumamente ambivalente. Como no se trata realmente de sociedades
homogéneas, puede suceder que la idea necesaria de que los pueblos
retomen “el control de su propio destino” se convierta en ciertos contextos sólo
en un camino de producción de hegemonía.

En nuestro continente, en contextos de incremento cualitativo de la


desigualdad social ha habido propuestas de constituir el mapa de la sociedad
como un mapa de culturas, de grupos diversos, cada uno de los cuales tenía
derechos particulares, antes que cualquier idea de igualdad de derechos,
incluyendo el derecho a la diferencia. La cultura como una nueva narrativa de
legitimación. Por eso, como plantea Yúdice es necesario ser prudente respecto

24
de la celebración de la “agencia cultural” (idem:14-15) porque, si se analiza
desapasionadamente, es claro que “la expresión cultural per se no basta”, más
bien “ayuda a participar en la lucha cuando uno conoce cabalmente las
complejas maquinaciones implícitas en apoyar una agenda a través de una
variedad de instancias intermedias”.

En ese marco, diversos autores han desarrollado una crítica ético-política del
multiculturalismo en su pretensión de universalidad. Por una parte, se ha
planteado que esa pretensión se vincula a una globalización impuesta del
modelo de sociedad de los Estados Unidos (Segato, 1998). Por otro, se ha
planteado que las luchas por el reconocimiento cultural llevan a un callejón sin
salida si no se combinan con luchas por una mayor distribución económica y
social. Las políticas de reconocimiento deben combinarse con políticas de
redistribución (Fraser, 1997).

Esto implicaría recuperar historias de movimientos sindicales, culturales y


políticos de diversos países pluriculturales de América Latina: "Podemos
desarrollar una lucha unitaria todos los oprimidos del campo, pero respetando la
diversidad de nuestras lenguas, culturas, tradiciones históricas y formas de
organización y de trabajo. Debemos decir basta a una falsa integración y
homogeneización forzosa... No puede haber una verdadera liberación si no se
respeta la diversidad plurinacional de nuestro país y las diversas formas de
autogobierno de nuestros pueblos", sostenía la central campesina boliviana
(CSUTCB) a principios de los años '80.

Tal como está planteado hoy el debate sobre identidad, discriminación racial
en América Latina el camino se parece bastante a una cornisa. Frente a
argumentos acerca de la especificidad de las historias nacionales y regionales,
se ha respondido que existe el riesgo de que las élites latinoamericanas, bajo
el argumento de que “aquí es distinto”, terminen ocultando o menospreciando
problemas endémicos, estructurales, persistentes de racismo en muchos
países. Se trata de una advertencia que no se puede menospreciar.

Complementariamente, y de allí la cornisa, hay una paradójico riesgo de re-


colonización. Justamente, son autores preocupados con la colonialidad

25
quienes plantean que debe asumirse como central la cuestión de la etnicidad y
la raza en América Latina y que, quienes se nieguen a hacerlo, están
expresando proyectos intelectuales de países colonizados. El problema es que
verdaderamente creer que la cuestión de la raza puede tener relevancia
universal, sin atender a la especificidad de los procesos históricos y al papel
específico del Estado puede haber otra colonización del saber, incluyendo la
posibilidad de que la anterior y la actual sean de signos ideológicos
contrastantes.

Se trata de dos puntos ineludibles. El primero se refiere a que sólo es


constitutivo del ser humano aquello que sea general de la especie. La raza, lo
sabemos, no hace a la definición de lo humano porque es una construcción
histórica. Adicionalmente, los Estados Unidos no resultan un lugar desde el
cual resulte muy conveniente postular cuestiones universales sin atender con
extremo cuidado a la diversidad mundial. Sucede que la cultura
estadounidense (al igual que otras, a diferencia de otras) es muy proclive a
postular cierto standard de universalidad respecto de su propia cultura como
para estar advertidos del riesgo.

El segundo punto se refiere a que esa “diversidad” de la que tanto se habla hoy
en día (y a la que aludíamos recién) es en realidad ella misma un proceso
histórico, producto de actores e instituciones, de representaciones y prácticas,
de hegemonías y subalternidades. O sea que las fronteras que cada diversidad
instituye en un momento histórico, y aquellas otras fronteras que pueden ser
emergentes e instituyentes, se corresponden con las articulaciones
hegemónicas y las imaginaciones políticas de aquellos que intentan socavarla.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AA.VV.: O Mercosul e a Integração Sul/Americana: mais do que a Economia.


Encontro de Culturas, Brasília, Fundaçã Alexandre Gusmão, 1997a.
AA.VV.: Mercosur: un atlas cultural, social y económico, Buenos Aires, Instituto
Herbert Levy y Manrique Zago Ediciones, 1997b.
Anzaldúa, Gloria: Borderlands/La frontera, San Francisco, CA: Aun Lute, 1999.

26
Appadurai, Arjun: La modernidad desbordada, Buenos Aires, FCE, 2001.
Barth, Fredrik: "Introducción", Los grupos étnicos y sus fronteras, México,
1976, pp. 9-49.
Bourdieu, Pierre: "L' identité et la Representation. Eéments pour une réflexion
critique sur l' idée de région", Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº
35, 1980: 63-72.
Cardoso de Oliveira, Roberto: Identidade, etnia e estrutura social, Sab Paulo,
Pioneira Editora, 1976.
Driessen, Henk: "The 'new inmigration' and the transformation of the European-
African frontier", en Wilson, T. y Donnan, H., 1998:96-116.
Escolar, Diego: “Identidades emergentes en la frontera argentino-chilena”, en
Grimson, A. (com.): Fronteras, naciones e identidades, Buenos Aires, CICCUS-
La Crujía, 2000.
Fraser, Nancy: “La justicia social en la era de las políticas de identidad”, en
Apuntes de investigación, n- 2/3, 1998.
García Canclini, Néstor: “Introducción a la nueva edición”, en Culturas Híbridas,
Buenos Aires, Paidós, 2001.
Grimson, Alejandro: “La producción mediática de nacionalidad en la frontera”,
Documentos de discusión, nº 26, París, MOST/UNESCO, 1998.
- - - "El puente que separó dos orillas", en Grimson, A. (com.):
Fronteras, naciones e identidades, Buenos Aires, CICCUS-La Crujía, 2000a.
- - - "Cortar puentes, cortar pollos. Conflictos económicos y agencias
políticas en Uruguayana (Brasil) - Libres (Argentina)", en Revista de
Investigaciones Folclóricas, nº 15, Buenos Aires, 2000b.
- - - "Fronteras, migraciones y Mercosur. Crisis de las utopías
integracionistas", en Apuntes, nº 7, Buenos Aires, mayo 2001.
- - - La nación en sus límites. Contrabandistas y exiliados en la
frontera Argentina-Brasil, Barcelona, Gedisa, 2003a.
- - - “La nación después del (de) constructivismo”, en Nueva
Sociedad, nº 184, Caracas, 2003b.
Grimson, Alejandro y Vila, Pablo: “Sujetos fronterizos olvidados: los
reforzadores de fronteras. Comparaciones entre México-Estados Unidos y el
Cono Sur”, 2004, en curso de publicación.
Hannerz, Ulf: Conexiones transnacionales, Madrid, Cátedra, 1996.

27
Karasik, Gabriela: "Tras la genealogía del diablo. Discusiones sobre la nación y
el estado en la frontera argentino-boliviana", en Grimson, A. (com.): Fronteras,
naciones e identidades, Buenos Aires, CICCUS-La Crujía, 2000.
Michaelsen, Scott y Johnson, David: Teoría de la frontera, Barcelona, Gedisa,
2003.
Ortner, Sherry: "Introduction", en Ortner, Sh. (ed.): The Fate of 'Culture'. Geertz
and Beyond, Los Angeles, University of California Press, 1999:1-13.

Recondo, Gregorio (comp.): Mercosur. La dimensión cultural de la integración,


Buenos Aires, CICCUS, 1997.
Rosaldo, Renato: Cultura y Verdad, México, Grijalbo, 1991.
Sáenz, Benjamín: “En las zonas fronterizas de la identidad chicana sólo hay
fragmentos”, en Michaelsen, Scott y Johnson, David: Teoría de la frontera,
Barcelona, Gedisa, 2003.
Segato, Rita: “Identidad políticas / Alteridades históricas”, en Anuário
Antroppológico, 97, 1998.
Vidal, Hernán: "La frontera después del ajuste", en Grimson, A. (com.):
Fronteras, naciones e identidades, Buenos Aires, CICCUS-La Crujía, 2000.
Wilson, Thomas y Donnan, Hasting (eds.): Border Identities, Cambridge,
Cambridge University Press, 1998.

28
Fórum Social das Américas, Quito, Equador, 25 a 30 de julho de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação


Rosa Luxemburgo

Notas para una agenda posneoliberal1

Por José Luis Coraggio2

“La paralizante perspectiva según la cual la política nacional se reducirá en


el futuro a un más o menos inteligente management de la forzosa adaptación a los
imperativos que las economías nacionales deben cumplir para preservar su
posición dentro de una economía global vacía el debate político de su último resto
de sustancia”.” (p. 84)”...la política, entendida como la capacidad de lograr
decisiones colectivas se disuelve como tal arrastrada por el hundimiento del
Estado-nación. Y junto a la forma de organización nacional estatal, también una
política social que supuestamente se reduce a una pura ‘administración de lo
social’ pierde su sentido”
(Jürgen Habermas)3

1
Esta presentación toma partes de la hecha en el Foro Temático sobre Economía Social y Solidaria
realizado por el Comité Movilizador Buenos Aires del Foro social Mundial, 4-6 junio 2004.
2
Director Académico de la Maestría en Economía Social de la Universidad Nacional de General
Sarmiento (Argentina).
3
Habermas, 2000, 117.

1
”La lista de problemas ante los que se topa cualquier lector de periódicos
sólo pueden convertirse en una agenda política si encuentran un destinatario en
el que se pueda confiar y que todavía confíe en una transformación de la
sociedad como medio para realizar determinados fines. El diagnóstico de los
conflictos sociales sólo se transforma en una lista de desafíos políticos... con el
supuesto de que los ciudadanos reunidos en una comunidad democrática pueden
conformar su medio social y desarrollar la capacidad de acción necesaria para
esa intervención.”
(Jürgen Habermas)4
El contexto y sus tendencias

Hablar de pos neoliberalismo supone anticiparnos a, y acelerar el desenlace de,


un proceso de pérdida de hegemonía del pensamiento único (lo que no supone
que no tenga poder y esté derrotado en todas sus formas). Supone politizar lo que
ha sido despolitizado, supone disputar con sustento moral y científico-técnico el
contenido o la legitimidad misma de los puntos de la agenda neoliberal aún
vigente.

Por supuesto que lo global está ya instalado como realidad en gestación, al punto
que hablamos de “otra globalización”, y la agenda no puede ser meramente local y
particular. Y toda agenda para procesos con tantos actores y fuerzas en juego, en
tanto es pensada como preparatoria para posibles debates, decisiones y
acciones, no puede dejar de estar marcada por una gran incertidumbre en el
futuro, difícil de escenificar con pocas variables y, sobre todo de ponerles tiempos
a los desarrollos posibles o deseables. Parte de la incertidumbre es que este
sistema global es de alta inestabiilidad, por lo que algunos acontecimientos
pueden desencadenar procesos hoy impredecibles.

En esto nos parece útil movernos con la hipótesis gruesa pero significativa y
fundada, de Immanuel Wallerstein, para quien el sistema capitalista global está

4
Habermas, 2000:83.

2
atravesando por un proceso de transición final, si bien va a tardar varias décadas
en definirse, que esa transición será dolorosa y no tenemos mapeado que clase
de bifurcaciones y nuevas institucionalidades nos va a plantear la historia.

No parece que debemos ver esa incertidumbre en que nos deja la falta de un
sistema conocido como horizonte, como una fuente de certidumbre dado que, no
estando determinado hacia dónde vamos, tenemos la posibilidad efectiva de
imaginar y construir otra realidad. Y también que, siendo el capitalismo
actualmente existente un referente empírico que no puede ser dejado de lado
porque “se va a acabar”, pues todavía despliega y desplegará fuerzas y eficacias,
no es ya el sistema que va a dominarnos al que tendríamos que pretender darle
un “rostro humano” o en cuyas catacumbas tendríamos que seguir buscando un
rincón para sobrevivir.

Preocupados por el nuevo orden mundial, no podemos dejar de asumir nuestro


lugar en éste que entra en transición: fuimos y somos periferia del sistema global
capitalista y esto no dejará de marcar los caminos específicos, los recursos, las
historias y voluntades que podamos proponer para contribuir a otro mundo
posible. Desde ese punto de vista es que vamos al Foro Social Mundial a hablar
con los hermanos del norte, vamos a hablar con los europeos o los canadienses
que también quieren otro mundo, vamos a conversar y vamos a hacer alianzas,
pero nosotros estamos en la periferia. Nosotros, además de estar dentro de un
sistema capitalista injusto, somos saqueados por el norte y ese saqueo en alguna
medida se derrama en todas esas sociedades.

De modo que no sólo tenemos un problema de manejo asimétrico de los


mercados y de la relación del estado permisible con ellos, no sólo tenemos un
problema de relaciones injustas internas, también tenemos una posición periférica
en un sistema de saqueo sistemático y nos quieren seguir saqueando con el pago
eterno de la deuda en nombre, nos dicen, de unos pobres ahorristas que
confiaron en la palabra de nuestros ministros de economía, y en realidad fueron
vilmente engañados por la coalición de especuladores financieros y de

3
gobernantes irresponsables, fijados en los tiempos electorales si es que no en los
negocios personales.

Esto no es un dato menor, porque es en este contexto que tenemos que pensar
una agenda que nos permita construir vías alternativas de desenlace de esta
transición en mundo justo.

Quién arma la agenda?

Conviene recordar la historia de los actores globales y nacionales que concitaron


el Consenso de Washington, de sus actuaciones y de las circunstancias que
hicieron posible el reinado del pensamiento único y su sucesión de agendas. Y en
esto tienen una responsabilidad especial los organismos internacionales, cuyos
técnicos se han dedicado a armar y rearmar agendas, con ritmos alucinantes, sin
aprender de la experiencia, sin hacer una crítica profunda y asumir que son
agencias globales con mandatos formales que han sido notoriamente incumplidos.

Sin duda que, desde una perspectiva sensible a la situación en el mundo, un tema
candidato a encabezar esta agenda pos neoliberal será “la Cuestión Social y
como resolverla”. No vamos a hablar aquí de las cifras de desempleo, subempleo,
precariedad, inseguridad social, empobrecimiento, ferocidad de la competencia a
la que se somete a las sociedades entre sí para ver cual sobrevive, etc. En este
punto es esencial que desmitifiquemos la utopía del crecimiento que finalmente (si
hace falta más evidencia, tenemos los últimos informes de la misma Banca
Internacional y los organismos de Naciones Unidas y sus predicciones para los
países periféricos). Ya no es un problema de indicadores y sus variaciones
anuales. Estamos hablando de estructuras, de sistemas.

Pero pudiendo haber acuerdo sobre la centralidad sociológica de esa cuestión,


parece importante no repetir lo que ha venido ocurriendo: que algún autor, alguna
corriente teórica, definan en qué consisten las grandes cuestiones de un sistema

4
global o económico, y eso se traslade como matriz cognitiva a cada esfera pública
nacional o regional.

Proponemos que el primer punto de agenda es cómo se construye la agenda. Las


agendas pueden definirse por intelectuales o a partir del encuentro de los pueblos
en un proceso dialógico, con innumerables mediaciones, que no será breve, si
bien puede ir arrojando resultados inmediatos (como el de acordar dar prioridad
absoluta a garantizar la subsistencia de todos los seres humanos y cómo se
define transculturalmente esa “subsistencia”). La Constituyente Brasileña fue un
ejemplo de una sociedad discutiendo sobre sus derechos, y por más perfectible
que sea, nos muestra que no hay por qué delegar en las elites el armar y discutir
una agenda por nosotros.

Sin duda, muchos temas de esa agenda tendrán que ver, dado que se daría tanta
centralidad a los procesos participativos, con la política, con el poder, incluso con
el por qué está quién está en cada mesa, en cada espacio de diálogo, con las
formas de ejercer la representación colectiva de lo diverso y conflictivo.

En todo caso, nuestras propuestas (incluso por supuesto las que hagamos en
este breve trabajo) sobre qué es tema y con qué problematización entra en la
agenda, y cómo se articulan los problemas en jerarquías o equivalencias que
permiten pensar en transacciones, son eso: propuestas con pretensión de
legitimidad hechas por intelectuales más o menos orgánicos, más o menos
científicos, más o menos representativos, más o menos ideológicos. Y la
complejidad sistémica de los temas de la agenda deberá emerger sobre la base
empírica de la complejidad de las diferencias entre culturas, clases, situaciones,
conocimientos, posiciones, conocimientos, historias.

La jerarquización de los derechos humanos y la economía5

5
En esto, el pensamiento de Franz Hinkelammert es inspirador.

5
Visto como cuestión sistémica, la multiplicidad de injusticias en el mundo requiere
asumir que “la sociedad global” tiene que comenzar su debate posneoliberal
discutiendo cuáles son los principios de jerarquización de los derechos humanos
que hemos listado como compromisos interestatales y que los estados deben
garantizar. El derecho a la propiedad humana irrestricta, pretendidamente
vinculado al de la libertad individual, ha venido sido impuesto como el derecho
primordial, subordinando a todos los demás y justificando el brutal proceso de
concentración de la riqueza y de polarización en las condiciones de vida entre
minorías ricas y mayorías pobres. La alternativa que subyace en las propuesta de
“otra globalización”, “otro mundo posible” es la de ubicar como derecho que
asigna su posición a todos los demás el derecho a la vida biológica, cultural y
política. Y de allí se deriva una agenda pública muy diversa, unas prioridades y
unas acciones muy diversas para el Estado como garante de los derechos.

Y el grado de efectivización de los derechos está limitado o posibilitado por el


desempeño del modo de producción que jerarquiza a la formación económico
social. Con lo cual, no siendo la administración sino la política el problema central,
la economía se vuelve central, precisamente por razones políticas.

Como hipótesis para ese debate que nos debemos, afirmamos que, siendo
importante que tengamos la capacidad de resolver problemas, de administrar
recursos, de informar e informarnos, el carácter político de las cuestiones que
enfrentamos exige, por ser político, que demos fuerte centralidad a qué hacemos
con la economía. La agenda posneoliberal incluye como cuestión central la
discusión sobre la necesidad y las formas de reencastrar la economía en una
sociedad y una política que también queremos cambiar. Y en esto debemos tener
muy en cuenta el punto de partida que nos está dejando (no terminó de operar
efectos, indudablemente) la implementación del programa neoliberal en la
periferia latinoamericana.

Las economías nacionales reales son todas mixtas. Hay una lógica de la
acumulación de capital, encarnada en empresas privadas y sus organizaciones de

6
diverso grado, crecientemente globales en su ámbito y en su capacidad de
superar los principios de poder territorial de los estados nacionales. Hay una
lógica de la economía pública, organizada según reglas de la burocracia
centralizada, articulando el principio de redistribución (que ha venido operando de
forma perversa, de abajo hacia arriba, o a lo sumo de clases medias a clases
pobres, incluidas las clases medias empobrecidas) con el principio de
acumulación del poder y gobernabilidad/legitimación (cada vez menos eficaz) del
sistema capitalista. Y hay la economía popular, de los trabajadores, orientada por
el principio de reproducción de la vida (en buena medida limitada apenas a la
sobrevivencia). Ante la exclusión y la pobreza, la respuesta de la economía
popular ha sido la de luchar por la sobrevivencia. Y en eso ha mostrado
solidaridad efectivamente, pero también ha mostrado canibalismo. En la economía
popular real hay solidaridad y también hay lucha y competencia por espacios, por
tierra, por recursos, por clientes. Es una economía contradictoria, que tiene ahí
adentro la posibilidad de un futuro mejor pero también está mostrando que es
parte de este sistema del cual queremos salir.

Partimos de que “otro mundo es posible” si otra economía es posible. Y otra


economía es posible no porque estas economías mixtas se van a caer y va a
devenir otra nueva, sino porque podemos construir voluntariamente,
concientemente, otra economía a partir de la situación actual.

Otra economía: La Economía Social

Esa otra economía es, proponemos como tema de agenda, una economía social.
Pero podríamos decir que, en realidad, toda economía es social, si “social” quiere
decir que la economía construye sociedad. Esta economía que ahora tenemos, la
del llamado neoliberalismo, también construyó sociedad, pero construyó una
sociedad injusta, polarizada, construyó una sociedad que excluye, construyó una
sociedad que no queremos.

7
Entonces, cuando hablamos de “economía social”, le agregamos “y solidaria”,
porque queremos construir una sociedad distinta que ésta que tenemos. No
queremos solamente someter el mercado a la sociedad en general, porque si lo
quisiéramos someter a esta sociedad, en realidad finalmente tendería a reproducir
este mercado. Necesitamos otra sociedad, y necesitamos otra política para
ponerle límites a este mercado. Y esto requiere políticas y esto requiere poder, y
esto conlleva tiempos.

El tiempo de la emergencia, el inmediato, en de la sobrevivencia casi biológica, es


fundamental, y no lo podemos descuidar por más proyecto estratégico que
tengamos porque hoy es una cuestión de vida o muerte para muchos
latinoamericanos, para muchos ciudadanos del mundo que incluso no tienen
ciudadanía. No actuar eficazmente ya mientras seguimos discutiendo significa que
para aquellos que las estadísticas indican que el mes pasado salieron de la
indigencia,6 en realidad siguen degradando su calidad de vida y sus hijos van a
seguir degradando su calidad de vida. Significa que incluso cruzar la línea de
pobreza que dibujaron los tecnócratas del mundo ya no es dejar de ser pobre, es
pasar a ser pobre de otra manera, porque hay muchas maneras de ser pobre y la
línea de pobreza es apenas la que garantiza la compra de una canasta básica de
bienes, además con un modo de consumo que se suma al modo de consumo de
las minorías de este sistema, que atenta contra la sobrevivencia de la especie
humana. Sin embargo, con todas esas limitaciones, parece por momentos
inalcanzable llegar a la situación en que todos los latinoamericanos hayan
superado la línea de pobreza.

Más acá de la comprensión de las grandes cuestiones, hay entonces que resolver
problemas acuciantes. Hay distintos tiempos, el tiempo de la emergencia que
requiere asistencia, requiere ayuda, requiere solidaridad inmediata, requiere
redistribución inmediata, en tiempo que no se puede alargar porque si no hay
subsistencia, la gente, nosotros, no podemos ser ciudadanos, pertenecer a esta
6
Una meta a partir de la Cumbre del Milenio que aprobaron los Estados es reducir la tasa de
indigencia a apenas la mitad para el año 2015, y los estudios de los mismos organismos
internacionales indican que no es viable sin una drástica modificación de los “modelos”
económicos.

8
sociedad si estamos en condiciones de extrema necesidad. Entonces es muy
importante superar lo más rápidamente posible esta situación de extrema
necesidad. Pero podríamos superar la situación de extrema necesidad de tal
manera que, aún sin quererlo, construyéramos barreras para construir otra
sociedad después (como sería hacerlo mediante la filantropía cosmética o el
clientelismo).

Entonces tenemos que atender a esta emergencia teniendo en mente una


estrategia y un objetivo que es el de construir otra economía, otra sociedad, otra
política, y esa economía vuelve a estar centrada en el trabajo, pero no en el
trabajo asalariado del capital, del trabajo como un recurso más del capital, sino el
trabajo en todas sus formas puesto en el centro de la economía. Un trabajo con
conocimiento, un trabajo con acceso a la sabiduría ancestral y la tecnología
moderna, un trabajo organizado libremente, un trabajo autónomo de la lógica de la
acumulación sin límites. Un trabajo orientado a la satisfacción de las necesidades
de todos los ciudadanos y no solamente por el lucro personal o por la ventaja
personal o particular.

Lo político atraviesa este campo en que se desenvuelven las iniciativas populares


y los proyectos de superación de lo existente. Es importante reconocer que no
estamos ante una pizarra vacía ni venimos con una topadora a sacar una realidad
e imponer una supuestamente superiores. Ya dentro del mismo espectro de
variantes de otra economía hay un campo con contradicción y conflicto. Ya hay
movimientos globales por otra globalización, ya se mencionó acá que hay
movimientos, organizaciones que pugnan por desarrollar otra economía, y entre
ellas hay debate y tiene que haberlo. Hay actuaciones y hay debates, y hay
búsquedas diversas de caminos para resolver esos conflictos y tenemos que
discutir. Este campo necesita debate, no podemos llegar muy rápidamente a la
resolución y al modelo.

En realidad NO HAY MODELO. Hay propuestas de modelo, hay propuestas de


dónde ir, pero esas propuestas tienen que confrontarse y tienen que encontrarse y

9
tienen que poder dialogar con una buena dosis de respeto mutuo. Este
movimiento heterogéneo no es solamente de los pobres y desocupados. La
palabra “popular” tenemos que entenderla en un sentido mucho más amplio que
“de los pobres”. Estamos hablando de los trabajadores, de los que, si dejan de
trabajar, sus vidas y las de sus familias se empiezan a degradar. Ese tendría que
ser el sentido de lo popular para nosotros. Y el sentido de la agenda no puede ser
lo que hay que hacer y cómo hay que hacerlo sino una tematización abierta del
mundo, de problematización de lo que aparece como “natural”, incluidas las
propuestas llave en mano.

Por ejemplo: en nuestro caso, cuando decimos “otra economía” no estamos


hablando de una economía pobre para pobres, no estamos hablando de una
economía de subsistencia, estamos hablando de un sistema económico que
resuelve con calidad la vida de todos los ciudadanos. Hay múltiples programas,
hay múltiples proyectos, hay múltiples nombres para eso, y no vamos a hacer aquí
la lista de todos los nombres. Y hay muchos actores promotores de formas
alternativas. Y además hay distintos puntos de partida, hay distintas realidades.
No son lo mismo los países andinos que los del mercosur, no es lo mismo la sierra
que la costa, no es lo mismo la Argentina que el Brasil, no son lo mismo cada una
de las regiones del Brasil. En el Río Grande Do Sul, hay una historia de hacer
política distinta de la que hay en el norte, y en nuestra América hay comunidades
étnicas en algunos lados y en otros lados ya no están. Estos puntos de partida
diversos van a generar también búsquedas y respuestas distintas a cómo ser más
solidarios y cómo resolver de otra manera la economía.

Tenemos que evitar que estas diferencias se conviertan en fuente de disputa, que
se conviertan en una lucha ideológica, tenemos que evitar que nos dividan los
adversarios o que nos dividan nuestros dogmatismos o nuestras visiones
simplistas y apegadas a lo local, lo micro, lo personal. Estamos hablando de
sistemas alternativos, pero no por eso sin contradicciones. Una economía mixta
puede seguir siendo mixta pero con dominancia de la economía del trabajo y no la
del capital ni la del Estado.

10
Aún asumiendo eso, tenemos que tener claro que una cosa es la discusión sobre
las formas micro económicas de organización -si es una cooperativa, si es una
red, si es una mutual, si es una empresa social- y otra cosa es el sistema en su
conjunto. Y la gran batalla no se va a dar alrededor de cuál es “la” forma micro
económica correcta, porque espero que lo que va a pasar es que van a haber
múltiples formas, y que se van a articular entre sí, y que tiene que haber
diversidad, porque es una gran riqueza esa diversidad que tenemos. No tenemos
que decidir ahora que hay formas prohibidas, o que hay formas que son
“traidoras” y que otras son las elegidas. Hay cooperativas y cooperativas,
comunidades y comunidades.

Tenemos que experimentar porque en realidad no tenemos un modelo definitivo


sobre cómo organizar y articular estas nuevas estructuras económicas con sentido
social. En la Argentina, por ejemplo, a nivel y micro y meso organizativo tenemos:
las fábricas recuperadas, las cooperativas de trabajo y las de servicios así como
las mutuales que conservan el ideario solidario o las que pueden reencauzarse
para diferenciarse de las empresas con fines de lucro, las nuevas cooperativas de
vivienda, la redes de microcrédito y los banquitos sociales, las empresas sociales
de reinserción a sectores con condiciones especiales, los huertos urbanos, los
comedores comunitarios, los microemprendimientos familiares, las redes de
productores, los movimientos de usuarios de servicios públicos, las ferias
autogestionadas, los movimientos sindicales que asumen la representación de
todos los trabajadores, ocupados o desocupados, formalizados o precarizados, y
que comienzan a promover formas de producción social autogestionada, los
movimientos por una agricultura con agricultores, las tierras recuperadas y están,
más importante todavía, los territorios autogestionados por nuevos movimientos
sociales como los Movimiento de Trabajadores Desocupados (MTD) y los
territorios e identidades étnicas recuperadas. Hay algunos municipios que, como
representantes de las economías públicas locales, convocan abiertamente a los
múltiples actores locales para coordinar y pensar juntos en el desarrollo local. Son
todas experiencias y actores que se están dando en este momento y todas ellas

11
son válidas, pero no se constituyen en modelos replicables. Hay también
organizaciones –cooperativas de trabajo, ONGs de dudoso sentido- que simulan
ser parte de la economía solidaria pero que son aparatos del capital privado o del
sistema político para maquillar su imagen, para abaratar los costos de la mano de
obra sumando al despido la distribución desigual de riesgos, costos y beneficios
de la actividad económica. Hay comportamientos clientelares de parte de
movimientos sociales, y otros cuyo sentido es la agregación y la unidad de
recursos y no deben confundirse.

Agenda anti-neoliberal, agenda pos-neoliberal

Hay posiciones ideológicas, diagnósticos e interpretaciones distintas dentro del


mismo campo de construcción de una economía alternativa. Y no es fácil
sumarlas mecánicamente. Deben confrontarse las ideas, los proyectos, las
propuestas de alianzas, las prioridades de lucha, justificarse las acciones y no
meramente actuar y reactuar o denostar al diferente. Un programa de esta
envergadura requiere de su propia esfera pública, de su propio espacio de diálogo
y reflexión, sin caer en visiones idílicas de un accionar colectivo sin
contradicciones y conflictos. Este es el trabajo de armar una agenda posneoliberal
en medio de un sistema donde los conflictos, la ideología y la cultura del
neoliberalismo están lejos de estar extinguidos.

Estamos todavía en el seno de una sociedad, una política, una economía y un


sentido común que inducen fragmentación y particularismo antes que un sujeto
histórico cuyo único problema sería identificar el “interés objetivo” y clarificar la
conciencia de sus miembros. Hay posiciones distintas, si es que no opuestas,
respecto a la naturaleza del estado, los posicionamientos frente a los gobiernos y
sus políticas, la naturaleza y formas de la política y de la democracia –
participativa, directa, de representación o diversas combinaciones-, sobre la
naturaleza del mercado en general y las posibilidades de construir mercados
solidarios, sobre el dinero, sobre las concepciones del trabajo, sobre el concepto
mismo de solidaridad o el de necesidad, acerca de las percepciones de lo posible

12
y prioritario en cada coyuntura, sobre el concepto y los mecanismos e
instituciones de “otro desarrollo”, sobre la eficacia de lo local, lo nacional, o lo
global, sobre los tiempos de la transición...

Hay, sin duda, algunos acuerdos básicos, condición para que haya una agenda, si
no pos-neoliberal al menos anti-neoliberal: este complejo socio-político-económico
y cultural que denominamos sistema capitalista periférico no puede seguir siendo
legitimado ni por que algunos indicadores den mejor ni porque el discurso de los
gobernantes parezca remarcar su inevitabilidad y apenas diferenciarse por el
grado de indigencia y pobreza considerados tolerables. Incluso las versiones más
reformistas proponen metas para remontar la cuestión social que son inviables sin
replantear ni el régimen de acumulación imperante, ni el pago de la deuda pública,
ni la liberación del mercado y los procesos inversionistas del capital, ni los
sistemas de representación y legitimación de las decisiones públicas.

Tal vez coincidiremos en que esta sociedad necesita conducción en nombre del
bien común, pero que esa conducción no puede ser centralizada sino multipolar,
distribuida en espacios y redes orientadas por una estrategia compartida pero
enriquecida por tácticas particulares en cada realidad concreta, una construcción
que pasa por la superación de fórmulas ideológicas puras y la capacidad de
aprender de nuestras nuevas prácticas, radicalizando la democracia y
compartiendo responsabilidades antes que jugando a la lotería con el buen juicio
de los delegados políticos de turno.

Así como tenemos que experimentar responsablemente nuevas formas de


organización económica, debemos avanzar con firmeza en superar la noción de
que el poder se delega. El pueblo debe saber de qué se trata, pero además debe
estar en las mesas de decisión, debe extenderse la práctica de gestión asociada,
participativa, e institucionalizarse, deben realizarse consultas sobre una base de
información y debate público sobre las grandes cuestiones que deben estar en la
agenda: qué respuesta inmediata se da a la cuestión de la cobertura de la
subsistencia de todos los ciudadanos, qué clase de sistema de ciencia y técnica y

13
de educación queremos y cómo lo transformamos, la legitimidad y negociación de
la deuda, y si se paga algo quién lo paga, la relación con los organismos
internacionales, la posición de los representantes estatales y de la sociedad en las
Naciones Unidas, en la Organización Mundial de Comercio, en los conflictos
político-militares que detona el accionar de los grandes poderes...

No todo puede ser discutido al mismo tiempo, ni puede congelarse el accionar


político hasta que completemos la elaboración y discusión de una agenda, pero
debería advertirse, y haber consenso sobre esto, que el pueblo no va a avalar las
decisiones que se tomen en nombre de la responsabilidad de la clase política ante
sus pares internacionales o ante los poderes económicos. El modelo de sistema
interestatal y de economía global deben ser discutidos. Un híbrido entre
keynesianismo de baja intensidad y fanatismo por los mercados competitivos no
producirá la sociedad que queremos.

Aquí la intelectualidad tiene mucho que aportar y ello debe pasar por el duro
trance de reconocer que las corporaciones profesionales, universitarias,
sindicales, culturales, y políticas, han llevado a minimizar el rol de la crítica y de la
política democrática. Tenemos que identificar y resolver problemas, pero la
racionalidad técnica no puede subordinar la racionalidad sustantiva: como ya
dijimos, el sistema de derechos humanos debe estar jerarquizado por el derecho a
la vida digna de todos, no por el derecho irrestricto a la propiedad privada. Definir
cómo hacerlo es el tema más abarcativo de la agenda anti y pos neoliberal.

14
Fórum Social Chileno, Chile, 19 a 21 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação Rosa
Luxemburgo

América latina:
salir del neoliberalismo, hacia un nuevo modelo

José Cademartori I.
Enero 2005

La denominación de capitalismo “neoliberal” como la etapa que ha caracterizado la


economía latinoamericana desde la década de los ochenta hasta el presente ha
alcanzado una amplia aceptación entre los economistas críticos del continente y de
otros países. Así también, para referirnos a los rasgos dominantes en la economía
mundial, un gran consenso se ha formado en torno a los términos de “globalización
neoliberal” o capitalismo neoliberal, destacándose el papel del capital transnacional.
No se trata de sustituir otros rasgos, como la naturaleza monopolista e imperialista
que el capitalismo adquirió a fines del siglo XIX , según los clásicos análisis de
Hobson, Hilferding, Luxemburgo y Lenin, los cuales mantienen plenamente su
vigencia.

En una breve síntesis, el neoliberalismo propugna el abandono del estado de sus


responsabilidades sociales como la salud, la educación, la previsión, el pleno
empleo y la nacionalización de los recursos naturales básicos, a la vez que otorga
toda clase de subsidios y normas que privilegian a los sectores más poderosos del
capital. Las privatizaciones de servicios y empresas estatales, el desmantelamiento
de los derechos laborales, el abandono de la protección a la industria y agricultura
nacionales y su reemplazo por el “libre” mercado, donde imperan los monopolios y la
inversión privada transnacional, son otras tantas expresiones de las políticas
neoliberales. A lo largo del último decenio, los perdedores -vastos sectores de
asalariados, pequeños empresarios, trabajadores de la cultura, jóvenes, mujeres y
pueblos indígenas- han tomado conciencia de sus consecuencias. Hoy se reconoce,
hasta en el Banco Mundial, que la pobreza absoluta se ha intensificado en muchos
países, se ha incrementado la precariedad de la vida laboral, se ha hecho cada vez
más injusta la distribución de la riqueza y los ingresos. El libre mercado ha traído
aumentos brutales de las jornadas de trabajo y del desempleo, descomposición de
la familia y expansión del narcotráfico y de la delincuencia. Las crisis cíclicas
inherentes al capitalismo, acentuadas por la globalización y la especulación
financiera, se han hecho más frecuentes y más profundas.

En Latinoamérica, el modelo económico neoliberal exigió cambios políticos


regresivos. Los golpes de estado y las dictaduras militares fueron determinantes
para su implantación en diversos países. En otros casos, para llevar a la práctica el
Consenso de Washington, los regímenes civiles adoptaron marcados rasgos
antidemocráticos, expandieron los aparatos y las leyes represivas para enfrentar las
manifestaciones de descontento, concentraron y uniformaron los medios de
comunicación masiva, acentuaron el presidencialismo, la tecnocracia, debilitaron la
facultades fiscalizadora, restringieron las opciones electorales de los disidentes y
redujeron los derechos sociales. El resultado ha sido el desprestigio de las
democracias neoliberales que se extiende a los gobiernos, al parlamento, al aparato
judicial y deslegitima los mandatos electorales mediante un creciente
abstencionismo de la ciudadanía, ante opciones que sólo son más de lo mismo. La
corrupción que asoma constantemente en los ámbitos del poder alimenta la
desconfianza en los políticos y en los partidos que se turnan o reparten el poder, sin
que se vean los cambios positivos que prometen los candidatos y reclaman las
bases sociales. Las crisis políticas y la ingobernabilidad han proliferado en el
continente: levantamientos populares, renuncias presidenciales forzadas,
decadencia de los partidos otrora reformistas que traicionaron a sus bases
populares para adoptar la agenda patronal y transnacional. No es casual la aparición
de nuevos movimientos sociales y políticos y nuevos líderes que se comprometen a
reestablecer los derechos democráticos y sociales, salir del modelo libremercadista y
defender la independencia nacional, ante las presiones del imperio del norte.

Venezuela es el caso más temprano y más avanzado del proceso que va desde la
crisis de la institucionalidad, hasta el comienzo de un nuevo paradigma: Desde el
caracazo, (la rebelión popular y la masacre de 1989) contra las brutales medidas
antipopulares del segundo y corrupto régimen de C.A.Pérez, sumados a las
sublevaciones militares del 93 que desembocaron en la destitución de ese
mandatario, hasta el referendum masivo del 2004 que reafirmó la voluntad
ciudadana de avanzar hacia una alternativa al neoliberalismo. Hitos de este proceso
de cambios fueron, la primera victoria presidencial de Hugo Chávez en 1998 que
sepultó el reparto bipartidista del poder, mantenido por más de 30 años; la nueva
constitución democrática que amplió los derechos populares en el 2000; el triunfo
sobre el golpe de estado de abril del 2002, la superación del golpe petrolero y la
reconquista de la industria para la nación en 2003, la atención prioritaria de las
necesidades sociales postergadas y el establecimiento de funciones reguladoras del
estado en la economía, en el comercio exterior y en el sistema financiero. A ello se
suma el renacimiento de la estrategia bolivariana por la integración latinoamericana.

El nuevo gobierno de Argentina surgió después de la catástrofe económica a que


condujo el modelo aplicado por Menem y De la Rúa y que desembocó en la más
severa crisis política del país. En Brasil, el intento de continuar el neoliberalismo de
H.Cardoso fue derrotado por una amplia coalición de centro-izquierda con un
categórico respaldo popular. En ambos países se asiste a un viraje positivo en
política exterior, no exento de vacilaciones y de resistencias. Ambos gobiernos
presentan diferencias entre sí, de acuerdo con las correlaciones políticas iniciales.
También con respecto a Venezuela, especialmente en lo que respecta a la decisión
para enfrentar a las fuerzas retardatarias, llevar a cabo los cambios internos
prometidos y estimular el protagonismo popular. Por un lado, el Presidente Lula ha
inaugurado una política exterior amistosa hacia Cuba y de cooperación con
Venezuela, desplegado iniciativas para la formación del G-20 como bloque de
países en desarrollo y, a la vez, de impulsos hacia la integración sudamericana y de
fortalecimiento del Mercosur. Por otro lado, continúa una política económica interna
neoliberal, de sometimiento al FMI, al capital transnacional y financiero, lo que frena
las posibilidades de un nuevo modelo de desarrollo nacional y de cumplimiento de
los programas sociales como la reforma agraria. Al mismo tiempo acepta un efectivo
aumento del salario mínimo, respaldado con una fuerte movilización de los
sindicatos. En cuanto al Presidente Kirchner muestra un decidido apoyo a las
demandas de los movimientos de DD.HH, un enérgico ataque a la corrupción policial
y judicial, una concreta cooperación con Venezuela, nuevos bríos a la integración
latinoamericana y una abierta resistencia a las exigencias del FMI y sus acreedores
internacionales. La notable recuperación económica que se apartó de los marcos
neoliberales, más algunos mejoramientos para los sectores más desposeídos, está
reduciendo los sorprendentes indicadores de miseria y desempleo que dejó la crisis
neoliberal, aunque los avances son insuficientes. Siguen pendiente las odiosas
desigualdades, así como el nuevo modelo alternativo al neoliberalismo. En ambos
países, las oligarquías se oponen implacablemente al nuevo curso y preparan el
retorno de regímenes incondicionales a los poderes fácticos.

En Uruguay, Tabaré Vásquez – señalado como el primer Presidente de izquierda


en su historia- triunfó a fines del 2004, con un respaldo ciudadano mayoritario. Este
es también el triunfo del Frente Amplio, histórico movimiento popular, en alianzas
con sectores de centro. Es significativo además que el pueblo uruguayo, incluso más
allá del arco vencedor, se viene pronunciándose plebiscitariamente por la propiedad
pública de industrias básicas, como telecomunicaciones, energía y sanitarias. Con
todo, se estima que Tabaré Vásquez seguirá lineamientos más moderados y
parecidos a sus dos grandes vecinos que a los de Venezuela. A los cambios
políticos en el Cono Sur se suman otros más que se proyectan, como los resultados
electorales recientes en El Salvador y Nicaragua que otorgaron importantes
avances al F.F.Martí y a los sandinistas, respectivamente. En México y Perú, los
sondeos insinúan cambios hacia la izquierda, mientras en Bolivia y Ecuador
continúa la crisis de gobernabilidad, impulsada por la potente resistencia popular. En
Chile, tiene lugar el estreno exitoso y sorpresivo para algunos, de una nueva
coalición de izquierda –Juntos Podemos- en los comicios municipales, mientras la
Concertación gobernante sufre un retroceso y la derecha, un revés considerable.
Todas estas tendencias confirman que en nuestro continente siguen predominando
potentes vientos en dirección a cambios progresistas.

Uno de los temas decisivos del viraje que está en perspectiva tiene que ver con las
relaciones con los Estados Unidos. A este respecto, cómo está cambiando el clima
en nuestro continente, lo muestra una encuesta de Zogby International y la Escuela
de Negocios de la Universidad de Miami publicada por el Wall Street Journal en
Octubre de 2003. Realizada entre líderes de opinión y funcionarios destacados de
Latinoamérica, en su gran mayoría políticamente centristas, reveló que sólo un 18%
quiere que sus economías estén más integradas con EE.UU. La mayoría prefiere
hacerlo con otros países latinoamericanos o con Europa. Un abrumador 87% calificó
negativamente la política de Bush hacia la región.

En este clima no es casual el fracaso de las negociaciones que por diez años
impulsó Washington y sus transnacionales para instalar el Alca que debía haberse
firmado a fines del 2004. Esta derrota se debe en buena medida a las denuncias y
movilizaciones en contra del proyecto norteamericano que encontraron eco en
vastos sectores sociales y en los gobiernos de Venezuela, Argentina y Brasil, e
incluso en otros de menor poder relativo, donde el intento de los negociadores
norteamericanos de paliar mediante tratados bilaterales de libre comercio, el fracaso
del Alca, también encuentra resistencia, incluso en EE.UU. Ni Buenos Aires ni
Brasilia han rechazado oficialmente el Alca, pero han puesto, entre otras
condiciones, el levantamiento de los subsidios norteamericanos a sus exportaciones
agrícolas, vetan la exigencia norteamericana a favor de extender el monopolio de
sus patentes, resisten la privatización de los servicios sociales y se niegan al
desmantelamiento de controles a los movimientos financieros.

Todo apunta que en el segundo mandato de Bush las contradicciones entre la


superpotencia y nuestras naciones se van a agudizar. La Casa Blanca anuncia que
apoyará enérgicamente a sus aliados en cada país lo que significa una mayor
ingerencia en los asuntos internos. Acrecienta la presión y el bloqueo contra Cuba, a
pesar de su repudio en el mundo en el mundo entero, mientras continúan los
preparativos bélicos para una eventual invasión a la isla. Ha aumentado la
presencia del Pentágono en Colombia, siendo este país el cuarto en el mundo por la
asistencia norteamericana. Todo con la pretensión poco realista de derrotar a las
Farc, apreciación manifestada por militares neoteamericanos, sin importar el costo
social y humano de la intensificación de la guerra civil, ni los sentimientos
mayoritarios de los colombianos a favor de una salida pacífica y negociada al
conflicto interno. Los aparatos secretos que están siendo reforzados en
presupuesto, atribuciones y personal, buscarán desestabilizar Venezuela y derribar a
Chávez, por cualquier medio, incluido el asesinato. Hay bases militares del
Pentágono en Guantánamo, Puerto Rico, Guatemala, Honduras, El Salvador, Aruba,
Curazao y Ecuador y se planean otras en el Cono Sur. Ha aumentado el personal
militar latinoamericano que se entrena en EE.UU y las ventas de armas a la región.
El Comando Sur del Ejército norteamericano adquiere mayor presencia como
interlocutor político en el continente, apuntando como potenciales enemigos
“terroristas” a los movimientos sociales como los campesinos sin tierra de Brasil y
Paraguay, los piqueteros de Argentina o los indígenas ecuatorianos y bolivianos. En
el lenguaje de algunos políticos norteamericanos se instaló la consigna de un “eje
del mal” latinoamericano (Cuba, Venezuela, Brasil) y un llamado “populismo radical”
para descalificar a los movimientos de izquierda y gobernantes que trabajan por la
independencia de nuestra región. (Le Monde Diplomatique, diciembre 2004, Edición
chilena, pags 19 y 20)

Las ansias seculares de los desposeídos del continente pueden verse enfrentadas
una vez más, a una combinación de acciones violentas o terroristas junto a políticas
demagógicas. En los años setenta, para detener los procesos de liberación en el
continente, la derecha recurrió a los golpes de estado y a las dictaduras militares.
Gracias a que en todo el continente la lucha heroica contra las masacres, las
torturas y otras violaciones brutales a los derechos humanos ha creado un gran
consenso de repudio a tales métodos políticos, no es nada fácil que sus autores
puedan repetirlos con el éxito de entonces. El rechazo popular instantáneo al golpe
de estado de abril en Venezuela, respuesta triunfante, sostenida por un amplio
sector de las propias Fuerzas Armadas, sentó un precedente de proyecciones
históricas en el continente. Las intervenciones militares norteamericanas en nuestros
países para derribar gobiernos insumisos como en Granada y Panamá, si bien
lograron sus propósitos, se trató de países pequeños y de situaciones no definitivas.
Para la ocupación de Irak, el Pentágono sólo consiguió el apoyo de El Salvador,
Honduras, Nicaragua y República Dominicana, pero el rechazo de México y Chile,
respaldado por la mayoría de las naciones sudamericanas y del Caribe.
Lamentablemente en Haití, Bush ha tenido éxito en comprometer a Chile, Argentina,
Brasil y otros gobiernos latinoamericanos para sustituir a los marines por soldados
latinoamericanos, incluso a costo latinoamericano, con el peligro de nuevas y justas
sublevaciones de los haitianos, ante una ocupación foránea indefinida que no
resuelve ninguna de sus graves carencias.

Washington intenta formar un bloque de gobernantes incondicionales a sus fines


imperiales, para oponerlo al supuesto eje del mal latinoamericano. Espera contar
con los gobernantes de Colombia, México, Chile, Perú y Ecuador, además de toda
Centroamérica. Esta maniobra no ha prosperado por diversas razones. En
Colombia, Uribe aunque, según las encuestas goza de popularidad como para lograr
su reelección, enfrenta una creciente oposición popular civil que ya se manifestó en
las elecciones municipales y en el rechazo a algunas de sus reformas
constitucionales regresivas, En México, el trato que la Casa Blanca ha dado a las
propuestas de Fox a favor de los mexicanos emigrados a EE.UU ha sido tan
humillante que Fox se vengó reestableciendo relaciones con Cuba, pidiendo su
ingreso al Mercosur y rechazando la invasión a Irak. A lo anterior hay que agregar el
creciente descontento mexicano por la aplicación del TLC y por los intentos
neoliberalizadores de Fox. Los mandatarios de Lima y Quito se encuentran sumidos
en una profunda impopularidad e inestabilidad. En cuanto a Chile, se manifestó un
notorio sentimiento ciudadano contra la invasión a Irak y la presencia de Bush en
Santiago con motivo de la APEC, marcha que movilizó a más de 50.000 personas,
particularmente jóvenes.
El panamericanismo y su órgano político la OEA que tantos frutos rindió a EE.UU en
el pasado se muestra también inoperante para seguir sus directivas, además de que
sus altos funcionarios han caído en escándalos de corrupción. Por un lado, está el
grupo de países anglófonos y francófonos del Caribe que no pocas veces se ha
negado a las pretensiones más intervencionistas de Washington, como se opuso a
la intervención en Haití. Están también los gobiernos del Grupo de Río que en
algunas materias se apartan de las demandas norteamericanas. La crisis de la OEA
quedó de manifiesto en el fracaso de los intentos del Departamento de Estado de
condenar a Chávez y validar el golpe de estado del 11 de Abril y luego ante la
imposibilidad de desconocer la limpia victoria chavista en el Plebiscito de Agosto del
2004.

Las amenazas de la globalización transnacional y la necesidad de una alternativa al


Alca plantean desafíos a los pueblos latinoamericanos, a la gran mayoría de los
cuales les resulta prácticamente imposible contar con los especialistas y otros
recursos para defender solos sus intereses nacionales en negociaciones
comerciales o económicas con las transnacionales y las grandes potencias. Una
nueva mirada se impone a las posibilidades integracionistas que pueden
establecerse al sur del Río Bravo. Para esto es necesario revisar los procesos que
están en marcha desde ya varias décadas, aunque con avances y retrocesos.

Uno de los más antiguos es el del Mercado Común Centroamericano (MCCA) que
une a cinco países de la región (Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicaragua y
Costa Rica) desde 1960 y el sistema de integración centroamericana (SICA) al cual
pertenecen además Belice y Panamá. Estos procesos han traído un crecimiento
importante del comercio mutuo y cierto desarrollo industrial interno, lo que ha
compensado parcialmente la dependencia del mercado de EE.UU y las fuertes
caídas de los precios de las materias primas. No obstante, el curso del MCCA está
tensionado por las dos corrientes opuestas. Una, el marco neoliberal interno que
persiguen sus gobernantes y la estrategia norteamericana que busca
exclusivamente extraer los ricos y casi vírgenes recursos naturales, así como la
mano de obra “maquilera” de la región mediante sus transnacionales. A este fin se
busca imponer el TLC de EE.UU con Centroamérica y el Plan Puebla Panamá. La
otra corriente contrapuesta es la que empujan los sectores nacionales y fuerzas
populares en busca de un desarrollo autónomo y cooperativo de los estados
miembros. Es precisamente en El Salvador y Nicaragua, los países con los más
avanzados movimientos de izquierda, donde los objetivos integracionistas como
procesos de unificación más que de mero librecomercio neoliberal han calado más
en la opinión pública.

El segundo esquema es la Comunidad del Caribe (Caricom). Está constituida por 15


estados insulares (Antigua y Barbuda, Bahamas, Barbados, Belice, Dominica ,
Granada, Guyana, Haití , Jamaica, Monserrat, San Kitts y Nevis, Santa Lucía, San
Vicente y las Granadinas, Surinam y Trinidad y Tobago). Este proyecto avanza hacia
la creación de una Corte de Justicia del Caribe, lleva adelante la creación de un
mercado único donde está aumentando el comercio mutuo y hace esfuerzos para
uniformar las políticas macroeconómicas de sus miembros. El Caricom progresa en
la conformación de una política común frente a terceros países o bloques externos y
ha tenido algún éxito en actuar conjuntamente, con una sola voz en las
negociaciones internacionales, como en la OMC y en el Alca.

El tercer esquema es la Comunidad Andina de Naciones (CAN). Está constituida por


Bolivia, Colombia, Ecuador, Perú y Venezuela, con una población de 105 millones
de habitantes. Este grupo ha creado un Parlamento Andino y un Tribunal de Justicia.
Posee importantes órganos financieros comunes que han demostrado su eficacia,
como son la Corporación Andina de Fomento (CAF) y el Fondo Latinoamericano de
Reservas. (FLAR) Funcionan también convenios de salud, trabajo y educación
superior y hay acuerdos para reducir los gastos militares nacionales. Un logro de la
CAN es la coordinación de posiciones en las negociaciones con terceros países o
grupos de países en foros internacionales. Se adoptó un Arancel Externo Común
que inicialmente cubre un 60% del universo arancelario. Desde su fundación su
comercio mutuo aumentó más de cinco veces en importancia con relación al
comercio externo total, aunque todavía sus niveles son bajos. Existen regímenes
comunes para la inversión extranjera y la propiedad industrial. Se trabaja asimismo
en alcanzar convergencia en materias macroeconómicas.

El cuarto, el mayor esquema subregional y el más reciente, es el Mercado Común


del Sur. (MERCOSUR) Formado por Brasil, Argentina, Uruguay y Paraguay reúne
más de 215 millones de habitantes. Sus objetivos son: crear un mercado conjunto
con libre circulación de productos; un arancel externo y una política comercial común
ante terceros países o bloques de países; una unificación de posiciones en foros y
negociaciones internacionales; y una coordinación de políticas macroeconómicas y
sectoriales internas. Algunos logros evidentes del Mercosur son el aumento del
comercio mutuo que, con altibajos, ha resistido crisis económicas graves en cada
uno de los países; la eliminación de la mayor parte de los aranceles intrabloque y el
establecimiento del arancel externo común. Hay adelanto en la cooperación para la
investigación científica y en el reconocimiento de títulos universitarios. También se
registran éxitos en las negociaciones conjuntas con terceros países o bloques como
la Unión Europea, EE.UU, Asean, etc. Hay expresiones de solidaridad y de
coordinación política y se construye el sistema de solución de controversias
comerciales. Se ha creado un espacio, aún muy insuficiente, desde el punto de vista
cuantitativo, para la participación de las centrales sindicales, organizaciones
campesinas, cooperativas y pymes. Dado el predominio de las políticas neoliberales
en los gobiernos integrantes, el Mercosur se ha centrado hasta ahora más en los
temas comerciales que interesan al capital privado y a las transnacionales que en
los problemas sociales y políticos que preocupan más a los pueblos. Se necesita
cambiar los criterios de libre mercado y adoptar pautas comunes frente a las
inversiones transnacionales, los movimientos especulativos y otras regulaciones A
pesar del notorio desagrado de Washington y su intento de anularlo mediante el
ALCA, el Mercosur se abre paso. Al Mercosur se han adherido como estados
“asociados” Chile, Bolivia, Venezuela, Ecuador y Perú.

De las negociaciones entre el Mercosur y la CAN ha resultado finalmente el acuerdo


de crear la Comunidad Sudamericana de Naciones (CSN) conformada por todos los
estados situados en el subcontinente, es decir los cinco miembros de la CAN, los
cuatro del Mercosur, más Chile, Surinam y Guyana. Estos estados suman 17
millones de km cuadrados, el doble del territorio de EE.UU y reúnen 380 millones de
habitantes, -100 millones más que EE.UU. La CSN sería el primer productor y
exportador de alimentos, cuenta con el pulmón ecológico más importante del
planeta, posee enormes reservas hidráulicas y energéticas y una rica diversidad
biológica. El documento fundacional de la Comunidad, firmado en el Cusco el 8 de
diciembre del 2004 por los doce gobiernos, se propone una concertación y
coordinación política y diplomática, profundizar la convergencia entre Mercosur,
Comunidad Andina, Chile, Surinam y Guyana, adelantar la integración física,
energética y comunicacional y desplegar la cooperación científica, cultural y
educacional. También contempla enunciados propios de la ideología neoliberal
cuando se refiere a “perfeccionar una zona de libre comercio” y “promover la
interacción entre las empresas y la sociedad”. Frente a la creación de la Comunidad
Sudamericana se han manifestado diversas reacciones. Desde desagrado
manifiesto en la prensa norteamericana por el carácter “político” de sus propósitos
hasta reservas y menosprecio en círculos de derecha del continente. Gobernantes
como Uribe, Lagos y otros tratarán, desde dentro de la Comunidad, de hacer pesar
sus fuertes compromisos con la Casa Blanca, lo cual dificultará sus progresos. En
cambio, expresiones de optimismo se encuentran en los gobiernos de Venezuela y
Brasil y algo menos en Argentina que han sido los principales promotores de la
iniciativa y esperanzas en sectores progresistas de los demás países, especialmente
en los más pobres.

Con la siglo de Alba (Alternativa Bolivariana para Las Américas) el Presidente


Chávez es el gran impulsor de nuevas políticas integracionistas. La importante
declaración conjunta de Hugo Chávez y Fidel Castro del 14 de diciembre sienta los
fundamentos de la alternativa al Alca y la globalización neoliberal. Se basan en
conceptos de justicia, hermandad y solidaridad que debe primar entre nuestras
naciones; trato preferente a los países de menor desarrollo; participación del estado
como regulador de la economía; complementariedad entre las economías y
protección coordinada del medio ambiente. Dentro de este lineamiento, Chávez ha
propuesto la creación de la Televisora del Sur para difundir nuestra realidad y los
valores comunes entre nuestros pueblos y una Empresa Multiestatal de Energía que
haga pesar en el mercado mundial nuestros intereses conjuntos, establecer
posiciones unidas ante el resto del mundo en las negociaciones multilaterales,
avanzar en normas generales de democratización de nuestros estados y trabajar por
la transparencia de los organismos internacionales. El ALBA ha comenzado a
plasmarse en la creación de la Comunidad Sudamericana y también en las nuevas
relaciones fraternales y de interés mutuo equitativo que están construyéndose entre
Venezuela y Cuba. Al intercambio de petróleo por servicios médicos y educacionales
ya iniciado, se agrega un variado número de acuerdos en áreas como transferencia
de tecnologías, programas de becas de estudio, concesiones arancelarias para el
comercio recíproco, ventajas mutuas en servicios de transporte, inversiones de
empresas estatales y turismo popular.

Es incuestionable que todos estos temas de la integración y las relaciones entre


latinoamericanos y caribeños, no pueden ser indiferentes para las fuerzas de
izquierda que trabajan para un futuro socialista del continente. Nada se puede
construir para este futuro socialista desde posiciones de indiferencia, desprecio o
rechazo destructivo. No sirve el argumento de que primero “la revolución “ hay que
hacerla en cada país y después veremos una comunidad socialista de naciones. Por
el contrario hay que empezar desde ya la colaboración y coordinación de las luchas
entre las fuerzas progresistas. Tampoco puede ser positivo sumarse acríticamente a
los proyectos que, a pretexto de la integración, pretenden postergar las reformas
internas o a afianzar la dependencia bajo la égida imperial o transnacional. A este
respecto sirve la experiencia de la construcción de la Unión Europea, a propósito de
la Constitución que está en debate, donde luchan dos posiciones: la de Europa del
capital y el neoliberalismo y la de la Europa social y de los derechos democráticos.
Por lo tanto, se necesita levantar iniciativas y alternativas independientes, fundadas
en el interés de los trabajadores y los pueblos en las que coincidamos todas las
fuerzas de izquierda y del progresismo consecuente. Los movimientos sociales, las
organizaciones sindicales, los partidos políticos de avanzada, los académicos e
intelectuales, estamos obligados a concertarnos en busca de estrategias y tácticas
comunes para edificar las nuevas relaciones integracionistas. Valga como un
modesto ejemplo, las iniciativas simultáneas aunque separadas, de comunistas y
humanistas chilenos, planeada de conjunto con organizaciones políticas sociales
afines de Perú y Bolivia, que se plasmaron en los dos seminarios realizados en
Septiembre 2004 en Iquique, Chile. En este Primer Encuentro Trinacional se
reafirmó la concepción bolivariana de integración latinoamericana y se calificó a la
formación de bloques económicos regionales, como un primer paso de unión de
esfuerzos para insertarse con mayor autonomía en la economía internacional, Allí se
rechazó los intentos chovinistas, de uno u otro origen, para separar a nuestros
pueblos y se abogó por una solución pacífica y equitativa a la reivindicación marítima
boliviana.
Fórum Social Nordestino, Recife, 24 a 27 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com Attac Brasil, Articulacion Feminista Marcosur,


Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

Para retomar a reinvenção democrática: qual cidadania, qual participação?

Evelina Dagnino
Professora da Unicamp
(Texto produzido a partir da palestra da autora)

A reinvenção da democracia é uma questão que está posta no Brasil já há


bastante tempo. É importante retomar o que foi o processo de reinvenção
democrática que se iniciou no bojo da resistência contra a ditadura. Ao longo dos
anos 1980 – e em boa parte dos anos 1990 – foi constituído um projeto que
contemplava fortemente o que se pode chamar de uma reinvenção da
democracia. Esse projeto democratizante e participativo foi empreendido por
aquilo que, naquela época, se chamava sociedade civil (movimentos sociais
populares, movimentos sociais urbanos, de mulheres, dos negros, de
homossexuais, de direitos humanos etc), uma categoria que se diluiu ao longo
dos anos. Mas este foi um espaço onde tal projeto de redefinição da democracia
foi inventado. O projeto levava em conta um outro tipo de democracia que não só
a democracia representativa stricto sensu, eleições, partidos etc, recusando a
chamada "democracia realmente existente" por considerá-la limitada. Neste
sentido, o projeto afirmava a necessidade de ampliar a democracia, aprofundá-la,

1
radicalizá-la e ampliá-la no sentido de estendê-la para muito além do sistema
político, estendê-la às relações sociais no seu conjunto. O marco formal de todo o
processo de redefinição da democracia é a Constituição de 1988, que assegurou
vários elementos deste projeto.

Duas idéias que são centrais nesse projeto. A primeira é a idéia de cidadania.
Esse projeto significava o aprofundamento da democracia porque também
redefiniu, re-significou a idéia de cidadania e essa idéia é fundamental quando
falamos da reinvenção democrática. O outro princípio fundamental, trazido para a
Constituição de 1988, é a idéia da participação da sociedade civil. As redefinições
de democracia contidas já na Constituição de 1988, e concretizadas
posteriormente através de experiências como os Conselhos Gestores e os
Orçamentos Participativos, não partiram do Estado, mas da sociedade civil. Não
que tal projeto tenha sido constituído de maneira autônoma. Muito pelo contrário,
foi uma vitória da sociedade que conseguiu impor-se ao projeto dominante de
uma democracia elitista e restrita.

A visão de cidadania, tal como foi redefinida e re-apropriada pelos movimentos


sociais, contém uma parte muito importante daquilo que pode se chamar a
reinvenção da democracia. Porque a noção de cidadania, na verdade, foi uma
maneira de operacionalizar essa noção um pouco abstrata e vaga que é a
democracia e, nesse sentido, concretizar a democracia. A redefinição que os
movimentos sociais e que outros setores da sociedade civil empreenderam a
respeito da noção de cidadania – na década de 1980, basicamente – é marcada
fortemente pela idéia de incorporar as características das sociedades
contemporâneas, tais como o papel que se dá à subjetividade, o surgimento de
novos sujeitos sociais (sujeitos de um novo tipo, mulheres, negros, homossexuais
etc), a emergência de novos temas (e de novos direitos trazidos pelos
movimentos sociais) e a ampliação do espaço da política. A redefinição de
cidadania reconhece e enfatiza o caráter intrínseco que tem a transformação da
cultura com relação à construção da democracia. Nesse sentido, a nova cidadania
interpela elementos culturais como aqueles que são subjacentes à matriz que

2
preside o ordenamento social brasileiro e de tantas outras sociedades na América
Latina, como o autoritarismo social. E é justamente contra o autoritarismo social
que essa redefinição de cidadania se põe, alvo político fundamental do processo
da redemocratização (assim como o autoritarismo político).

Há, portanto, uma clara distinção em relação a outras versões de cidadania. Esta
cidadania chamada, naquele momento, de “nova cidadania”, uma cidadania
ampliada, não está mais confinada dentro dos limites das relações com o Estado
ou entre o Estado e o indivíduo. A cidadania liberal se confina nesse espaço. Mas
essa redefinição pensa a cidadania como algo que deve ser estabelecido também
no interior da própria sociedade, uma cidadania que funcione como um parâmetro
do conjunto das relações sociais que se travam nessa sociedade. O processo de
construção de cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é,
especialmente na sociedade brasileira, um processo de transformação de práticas
muito arraigadas não apenas no Estado, mas na sociedade como um todo. O
significado dessa cidadania está muito longe de ser limitado à aquisição formal e
legal de um conjunto de direitos. E, nesse sentido, ela também não está limitada
ao sistema político-jurídico.

A nova cidadania seria então um projeto para uma nova sociabilidade, um formato
mais igualitário das relações sociais, inclusive novas regras para viver em
sociedade, para a negociação de conflitos. Um novo sentido de ordem pública e
de responsabilidade pública. Aquilo a que alguns autores se referem como sendo
um novo contrato social. Ora, um formato mais igualitário de relações sociais em
todos os níveis implica aquilo que a professora Vera da Silva Telles chama de “o
reconhecimento do outro como sujeito portador de interesses válidos e direitos
legítimos”. Isso implica, evidentemente, a constituição de uma dimensão pública
na sociedade em que os direitos possam se consolidar como parâmetros públicos
para a interlocução, para o debate, tornando possível a reconfiguração de uma
dimensão ética da vida social. Isso significa também que essa cidadania tem que
se abrir não só, evidentemente, ao direito à igualdade, que é constitutiva da
cidadania, mas, especialmente, tem que se abrir e considerar o direito à diferença.

3
E nesse sentido, me parece que tal redefinição de cidadania estabelece um
vínculo indissolúvel entre o direito à igualdade e o direito à diferença, na medida
em que não é mais possível na sociedade contemporânea pensar a realização da
igualdade sem considerar que essa realização passa integralmente por assegurar
também o direito à diferença. Não há como falar em igualdade se as diferenças
persistirem e são usadas como base para a desigualdade, a discriminação etc.

Outra característica dessa redefinição de cidadania, profundamente vinculada à


idéia da ampliação da política, é que ela também aponta na direção da redefinição
daquilo que é uma referência central no conceito liberal de cidadania, que parte
do pressuposto de que é necessário que se pertença ao sistema político, que se
pertença à sociedade. A cidadania liberal visa oferecer condições para tal
pertencimento. A redefinição de cidadania que vem dos anos 1980 ultrapassa
esta idéia porque, muito mais do que reivindicar o pertencimento ao sistema, o
que de fato está em jogo nesta construção é o direito, não apenas de pertencer,
não apenas de ser incluído, mas de participar da própria definição desse sistema.
Ou seja, de definir, de participar da definição daquilo no qual nós queremos ser
incluídos, naquilo do qual nós, efetivamente, queremos ser membros – o que,
evidentemente, significa afirmar o direito de participar da definição da própria
sociedade, apontando, em última instância, para a invenção de uma nova
sociedade.

Essa definição de cidadania está vinculada, evidentemente, aquilo que é o outro


princípio do projeto participativo democratizante que se engendra naqueles anos,
que é o princípio da participação da sociedade civil. E aqui, qual é a idéia
fundamental? A participação era pensada como partilha do poder, como
participação na tomada de decisões. Um poder pensado não como um aparato a
ser tomado, mas como um conjunto de relações sociais a ser transformado, no
sentido atribuído por Gramsci ao poder. E este poder está tanto na sociedade
quanto no Estado e, portanto, é necessário pensar sua transformação tanto na
sociedade quanto no Estado.

4
O que é que possibilitou que essa idéia de participação como partilha do poder
pudesse ser realista, no período entre os anos 1980 e início dos anos 1990?
Primeiro, com a democratização, a reorganização partidária e as eleições livres,
houve um trânsito, especialmente durante os anos 1990, de manifestações desse
projeto democrático participativo que se engendrou na sociedade civil para dentro
do aparato do Estado nos seus vários níveis. A princípio, nos níveis municipais e
estaduais. O que era, entre os anos 1970 e começo dos 1980, um projeto gestado
na sociedade, transitou, em alguns casos, para dentro do aparato do Estado.

A segunda condição, que é uma decorrência dessa e que ocorre nos anos 1990, é
a principal novidade dos anos 1990. Os movimentos sociais e a sociedade civil,
dado este trânsito, resolveram fazer uma aposta na possibilidade de uma atuação
conjunta entre o Estado e a sociedade civil, através, exatamente, do princípio da
participação. Ou seja, se consolidou, nos anos 1990, a idéia de que a sociedade
tem o direito de participar e que, portanto, pode e deve compartilhar o poder do
Estado. Para isso, a Constituição de 1988 assegurou alguns mecanismos.

O projeto participativo democratizante foi, sim, capaz de constituir um campo


ético-político que se expandiu significativamente na sociedade nos anos 1990.
Tão significativamente que foi capaz de gerar uma correlação de forças bastante
favorável à implementação daqueles princípios. O que nos fez alimentar uma
visão irrealisticamente otimista sobre o processo de construção democrática. Fez-
nos pensar que a linearidade do seu avanço, ou a curva ascendente pela qual
esse processo passou durante os anos 1980 e parte dos 1990, deveria continuar.
O que se passou com aquele momento áureo de reinvenção da democracia? O
que aconteceu com este projeto?

Tal projeto e seu processo de ascensão se encontraram, na década dos 1990, a


partir de 1989, com a eleição de Fernando Collor para a Presidência, com outro
projeto, um projeto neoliberal, no interior do qual há emergência de um projeto de
Estado mínimo, sendo o Estado seletivamente mínimo. Evidentemente, não é
mínimo quando se trata de alocar recursos para salvar os bancos, ou para

5
assegurar o projeto dominante. Mas com certeza ele é mínimo quando se trata de
alocar recursos para as políticas sociais. Tal projeto de Estado mínimo configura-
se com o encolhimento das suas responsabilidades sociais e a sua transferência
para a sociedade civil, como maneira de implementar os ajustes estruturais
exigidos pelo FMI.

Este é o argumento central. Do encontro desses dois projetos origina-se uma


situação de confluência perversa e é nesta perversidade que se encontra a raiz de
vários dos dilemas que a construção democrática enfrenta hoje. Tal perversidade
está presente de forma emblemática no fato de que os dois projetos, que
apontam, cada um deles, para direções certamente opostas e até antagônicas,
coincidem num ponto: ambos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva.
Tal identidade de propósitos, no que toca à participação da sociedade civil, é,
evidentemente, aparente. Mas essa aparência é sólida e cuidadosamente
construída através da utilização de referências comuns, que tornam seu
deciframento uma tarefa difícil, especialmente para os atores da sociedade civil
envolvidos, para quem a participação se apela tão veementemente e em termos
tão familiares e sedutores. A disputa política entre projetos políticos distintos
assume, então, caráter de uma disputa de significados para referências
aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. A
utilização dessas referências, que são comuns, mas abrigam significados muito
distintos, instala o que se pode chamar de crise discursiva: a linguagem corrente,
na homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui nuances e
reduz antagonismos.

Nesse obscurecimento se constroem sub-repticiamente os canais por onde


avançam as concepções neoliberais, que passam a ocupar terrenos
insuspeitados. Em tal disputa, onde os deslizamentos semânticos, os
deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política
se constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao
campo adversário. Neste ponto é que se encontra a perversidade e o dilema que
ela coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço

6
democrático no Brasil. Uma das tarefas fundamentais que temos que enfrentar
hoje para resgatar a invenção democrática, a reinvenção democrática que
iniciamos e que nos deu grandes avanços é enfrentar a aparente homogeneidade
do discurso, é reafirmar os significados que o projeto democratizante conferiu a
eles, apontando a distinção entre eles e o uso, a apropriação neoliberal que deles
se faz.

Por outro lado, é preciso reconhecer tais avanços. Não haveria como concordar
com a idéia de que avançamos pouco desde a década de 1980 ou de que a
democracia não tenha servido para nada. Evidentemente, onde não houve
avanços, onde houve regressão até, foi em relação à igualdade econômica. A
derrota que este projeto sofreu com relação à necessidade de diminuição da
desigualdade não pode obscurecer todos os outros ganhos que tivemos, inclusive
em outras dimensões de conquista da igualdade. Se considerarmos o percurso
que tivemos desde esta época no reconhecimento dos direitos de inúmeros
setores na sociedade, direitos à igualdade e à diferença (de negros, mulheres,
deficientes físicos etc), podemos ter um olhar um pouco mais relativizado sobre os
anos que hoje nos separam da formulação original do projeto democrático e
participativo.

Mas, evidentemente, vivemos dilemas profundos que se relacionam muito de


perto com o obscurecimento das diferenças, com esta aparente homogeneidade
de linguagem e de referências. Então, o que é que aconteceu com essas
referências que expressavam a reinvenção democrática? Como é que a
cidadania, a participação, a própria sociedade civil foram redefinidas ao longo
desse período, no bojo do avanço neoliberal? Hoje não é mais possível a simples
menção destas palavras – já que elas estão por toda parte – para nos assegurar
que interesses estão sendo defendidos. São muito claras as evidências destes
dilemas quando ouvimos a experiência dos militantes que estão envolvidos nas
experiências de participação. Eles perguntam com muita freqüência: o que estou
fazendo aqui? Será que é aqui que eu deveria estar? Qual é o projeto que eu
estou reforçando com minha atuação?

7
É preciso, então, examinar as redefinições, seus significados e suas implicações.
Em primeiro lugar, a redefinição da idéia de sociedade civil, que é a mais
conhecida delas. Houve uma profunda transformação no conteúdo da idéia de
sociedade civil em relação aos anos 1980, já que a sociedade civil foi afirmada
nos anos 1980 como a arena e o alvo da política. A expressão foi trazida para o
vocabulário político porque tinha esse significado, afirmar a ampliação da política.
Hoje, o sinônimo mais freqüente para sociedade civil é a idéia de terceiro setor,
oriundo do projeto neoliberal.

Curiosamente, a idéia de terceiro setor define claramente diferentes papéis e


funções: denominá-lo terceiro nos remete a um primeiro e um segundo setores,
que seriam, respectivamente, o Estado e o mercado, encarregados da função
política e da função econômica. O que significa que o terceiro setor não tem
função política. Aliás, muito pelo contrário. Com muita freqüência, aqueles que
utilizam essa expressão se orgulham de dizer que “nós não somos políticos, não é
aqui que se faz política”. Então, onde se faria política? Exclusivamente no Estado,
ou na sociedade política. A concepção de sociedade civil, que tinha servido como
antídoto, como resistência a uma noção estadista de política, autoritária e
excludente, que diz que a política só se faz no Estado, passa de novo a ser
ameaçada na medida em que está sendo aos poucos redefinida por uma nova
concepção que é a de terceiro setor, que com muita tranqüilidade faz com que a
política retorne ao âmbito exclusivo do Estado na tentativa de anular um dos
grandes ganhos dos anos 1980, que foi afirmar a idéia de que se faz política
também na sociedade civil.

Evidentemente, esta não é a única transformação da sociedade civil. Eu diria que


há um processo de identificação cada vez maior entre sociedade civil e ONGs que
é acompanhado de um processo de marginalização – aquilo que Chico de Oliveira
chamou de criminalização dos movimentos sociais. Temos hoje uma concepção
seletiva e excludente de sociedade civil que, certamente, não é a concepção de
sociedade civil que estava na origem do projeto democratizante e participativo que
expressava a reinvenção da democracia nos anos 1980.

8
A segunda redefinição é a da noção de participação. A participação, que era o
núcleo central do projeto participativo, percorre um pouco os mesmos caminhos
que percorreu a redefinição neoliberal da sociedade civil. A re-significação da
participação se constitui através da emergência da chamada “participação
solidária”, que vem acompanhada da ênfase no trabalho voluntário e na chamada
"responsabilidade social", tanto de indivíduos quanto de empresas. O princípio
básico nestas noções, extremamente difundidas hoje em dia, é a adoção de uma
perspectiva privatista e individualista, capaz de substituir e redefinir o que era o
significado coletivo da participação social. A própria idéia de solidariedade, que
virou a grande bandeira da participação redefinida, é, neste outro projeto, despida
do seu significado político coletivo e passa a apoiar-se no terreno privado da
moral. As redefinições promovem então a despolitização da participação. E se
pensarmos que, no modelo da participação do voluntariado, da responsabilidade
social, não há mais a necessidade de espaços públicos, onde o debate sobre os
próprios objetivos da participação pode ter lugar, vemos que o significado político
e o potencial democratizante destes espaços é, de novo, substituído por formas
estritamente individualizadas de tratar questões tais como a desigualdade social e
a pobreza.

A outra apropriação significativa vem responder ao processo de resignificação da


cidadania, empreendido pelos movimentos sociais dos anos 1980. Foi exatamente
o sucesso da nova acepção do termo cidadania que fez com que a noção de
cidadania se difundisse, virasse “feijão com arroz”: está absolutamente em todas
as partes, dos anúncios de bancos privados ao Banco Mundial. De banco a
banco, todos falam hoje de cidadania. A redefinição neoliberal de cidadania, de
novo, reduz o significado coletivo daquela outra redefinição. E justamente esta
afirmação dos direitos coletivos, este ir além do direito puramente individual, foi
um grande ganho daquela definição. Hoje nós temos, de novo, um entendimento
estritamente individualista da noção de cidadania.

Em segundo lugar, a cidadania está cada vez mais sendo apresentada através de
uma conexão, que é muito sedutora, entre cidadania e mercado. Tornar-se

9
cidadão, em muitos discursos hoje em dia, passa a significar a integração
individual ao mercado, como consumidor e como produtor. Este me parece um
princípio que subjaz a uma enorme quantidade de programas para ajudar as
pessoas a “adquirir cidadania”: aprender como iniciar uma micro empresa, se
tornar qualificado para os poucos empregos ainda disponíveis etc. Em um
contexto onde o Estado se isenta progressivamente do seu papel de garantidor de
direitos, o mercado é oferecido como uma instância substituta da cidadania. É
problemático denominar a isto cidadania, reduzindo e distorcendo seu significado
original.

E mais. Os direitos trabalhistas, uma dura conquista da classe trabalhadora, estão


sendo eliminados em nome da livre negociação, da flexibilização etc. O
reconhecimento dos direitos que, no passado recente, eram indicadores de
modernidade, hoje se torna símbolo do atraso, um anacronismo que bloquearia o
potencial modernizante do mercado. Nesta concepção é encontrada legitimação
muito poderosa da concepção de mercado como instância alternativa da
cidadania, na medida em que torna-se a encarnação das virtudes modernas e o
único caminho para o sonho latino-americano de inclusão no Primeiro Mundo. Tal
concepção de cidadania é que preside as ações das fundações empresariais,
caracterizadas por uma ambigüidade que lhes é constitutiva: de um lado os
interesses mercantis da maximização de lucros e, de outro, a imagem pública
baseada na responsabilidade social. Estas fundações se apresentam como os
novos campeões da cidadania no Brasil.

O discurso da cidadania é marcado pela total ausência de qualquer referência a


direitos universais ou ao debate político sobre as causas da pobreza e da
desigualdade. Uma das conseqüências disto então é o deslocamento destas
questões. A pobreza e a desigualdade estão sendo retiradas da arena pública e
do seu domínio próprio que é o da justiça, da igualdade e da cidadania, e se
transformando numa questão que é técnica ou filantrópica. Em algum momento
se anunciou que os pobres eram cidadãos e que, portanto, deveriam ver
reconhecidos os seus direitos. Hoje, cada vez mais passam a ser apresentados

10
não mais como cidadãos, mas como carentes que devem ser atendidos pela
caridade, seja ela pública ou privada.

A energia da sociedade civil não deve ser inteiramente voltada para a participação
nas instâncias de co-gestão com o Estado. Certamente há uma enorme
multiplicidade de formas daquilo que vários autores chamaram de socialização da
política, fazer com que a política seja uma atividade assumida por uma parte cada
vez maior da sociedade, não apenas a política institucional (igualmente
importante), mas também todas as outras formas de política.

A idéia da participação, a ênfase na participação, é a afirmação de que o Estado


pode se transformado. Se está no horizonte transformar a lógica do
funcionamento do capital, por que não deve estar, também, a possibilidade de
transformação da lógica do Estado?

A participação institucional nas instâncias de co-gestão com o Estado não pode


ser a única. Mais do que isso: sem que conte com o respaldo da sociedade
organizada, está fadada a falhar. Há problemas e dificuldades neste processo,
mas grande parte deles se deve ao fato de que a sociedade civil, os movimentos
sociais, canalizaram uma enorme parte da sua energia para estes espaços. Seria
preciso pensar em que medida a própria implementação do modelo neoliberal
(associado a crise econômica, ao aumento da desigualdade sociais e,
especialmente, ao desemprego) acentuou ainda mais as condições desfavoráveis
à participação da sociedade, ao seu crescimento e renovação.

E o que temos? Os representantes eleitos pela sociedade civil postos face a face
com o Estado, isolados, "pendurados no pincel". Porque as bases que eles
supostamente representam muitas vezes estão rarefeitas e desmobilizadas. É
necessário fazer com que estas duas frentes estejam profundamente interligadas.

11
Fórum Social Nordestino, Recife, 24 a 27 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com Attac Brasil, Articulacion Feminista Marcosur,


Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

Desigualdades regionais e políticas de desenvolvimento


– diagnóstico e diretrizes para uma ação pós-neoliberal

Rodrigo Simões
Marco Crocco
Professores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
(Cedeplar) da Universidade Federal
de Minas Gerias (UFMG)

Introdução

A década de 1990 foi marcada por uma busca contínua da estabilidade


monetária. Toda a política econômica – fiscal e monetária – deste período foi
marcada pelo combate ao processo inflacionário. No entanto, o fim da inflação
mostrou ser insuficiente para, por si só, colocar o país em uma trajetória
sustentada de crescimento. Neste contexto, ainda que de forma incipiente, a
temática do desenvolvimento voltou a ter destaque nas discussões econômicas
nos dias de hoje. Dentro deste quadro, e principalmente para o caso brasileiro, a
questão da desigualdade regional também vem, aos poucos, sendo alçada para o
centro do debate. O presente documento se insere dentro deste contexto. Sua

1
preocupação básica é discutir o desenvolvimento regional, apresentando um
diagnóstico e propondo linhas gerais para enfrentar o atual quadro. O documento
é dividido em três partes, além desta introdução. Na próxima seção é discutida a
desigualdade regional brasileira e suas principais interpretações. Na seção
seguinte, são analisadas as características das políticas de desenvolvimento
regional da década dos 1990. Finalmente, algumas sugestões de política de
desenvolvimento regional e de financiamento deste são apresentadas.

I – PADRÃO RECENTE DA DIVISÃO INTER-REGIONAL DO TRABALHO NO


BRASIL

A evolução industrial brasileira indica uma clara modificação em sua concentração


espacial. Diferentemente da tendência histórica observada até 1970 – com forte
concentração da indústria em São Paulo – estados como o de Minas Gerais,
Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, em menor medida, Bahia, passam
a captar, marginalmente, alguns pontos percentuais no montante do Valor da
Transformação Industrial (VTI) brasileiro. Este ensaio de desconcentração
espacial da indústria não alterou, de forma irreversível, a importância de São
Paulo no quadro da Divisão Inter-Regional do Trabalho no Brasil, mas fez valer
alterações tanto quantitativas como qualitativas nas regiões que captaram os
investimentos propiciados pelo processo desconcentrador.

De certa maneira, este efeito desconcentrador pode ser debitado às diversas


políticas de incentivos fiscais estabelecidas pelos governos estaduais (e federal
no caso de Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) etc) durante os
anos 1970, que ofereceram os mais diversos meios de auxílio à localização de
indústrias em seus ‘domínios’. Contudo, uma alteração relevante no padrão
locacional da indústria brasileira não poderia ser explicada somente por efeitos de
política econômica. Vale dizer, existem fatores locacionais outros que interagem
com as referidas políticas de incentivos, condicionando-as à própria lógica do

2
capital no espaço, a fim de produzir um diferente padrão locacional (SIMÕES,
2003).

De acordo com as principais teorias da localização, podemos afirmar que o


crescimento continuado das aglomerações urbano-industriais leva a um
crescimento excessivo do seu entorno, além da intensificação da utilização
vertical do espaço econômico. Tal fato, congregado às modificações das
estruturas de mercado, faz com que comecem a surgir deseconomias de
aglomeração fundadas, grosso modo, no aumento progressivo dos custos de
instalação e transporte (SIMÕES, 2003).

Dentro deste escopo de óbices revelados pela expansão do processo de


acumulação, tem-se, teoricamente, um incentivo à desconcentração do parque
produtivo para que a lógica do processo de valorização do capital se mantenha –
isto é, a busca da mitigação dos custos e maximização dos lucros. Dado o
desenvolvimento urbano adquirido a reboque do desenvolvimento industrial
paulista, estas outras regiões – umas mais, outras menos – poderiam
proporcionar vantagens relativas para a expansão do processo produtivo fora do
entorno imediato de São Paulo.

Conjugado a esta dinâmica própria do capital no espaço, a partir de 1972 (com o I


Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) e, principalmente, com o II PND) o
governo federal passou a ter preocupações não só com o desenvolvimento
econômico, mas também em mitigar desequilíbrios regionais, promovendo a
integração nacional. Esta nova fase do processo de substituição de importações
no Brasil, voltada para os bens de capital sob encomenda e insumos básicos além
de incentivo e promoção de exportações, caracteriza as preocupações do Estado
com o setor externo. Pois tanto os insumos básicos, como os bens de capital,
sobrecarregavam a balança comercial brasileira. Contudo, tal preocupação
externa vem aditada de uma preocupação desconcentracionista via processo
produtivo (SIMÕES, 2003).

3
Esse esforço governamental – mesmo que não tenha surtido os efeitos desejados
em toda a sua magnitude – deixou clara a preocupação com as políticas regionais
de desconcentração produtiva. Estas, com início no final dos 1950 com a criação
da SUDENE, permearam toda a discussão de eqüidade regional na década de
1970. Nos anos 1980, apesar de vez ou outra ameaçarem um redivivo, foram
colocadas em segundo plano – assim como quase todas as questões estruturais
da economia brasileira - face à crise fiscal do Estado e a urgência da estabilização
monetária.

A Tabela I, coloca em números a discussão anterior. Percebe-se uma perda de


participação relativa de São Paulo no Valor da Transformação Industrial (VTI)
brasileiro, passando de 58,1% em 1970 para 45,2% em 2000, tendo a Região
Metropolitana perdido mais de vinte pontos percentuais no total do VTI brasileiro,
com ganhos relativos expressivos para o interior do próprio Estado de São Paulo
(passando de 14,6% para 23,2% do VTI brasileiro), além de Minas Gerais e dos
três estados do Sul do País. O Rio de Janeiro confirma a perda de participação
relativa que se conformou a partir da década de 1940 (este estado detinha, em
1940, segundo o Censo Industrial, 24% do VTI brasileiro). Os estados do Norte,
Nordeste e Centro-Oeste experimentam uma elevação de sua participação na
estrutura industrial brasileira, passando de um total de 7,3% em 1970 para 15,7%
em 2000. Destaque para os estados da Bahia (1,5% para 4%) e Amazonas (0,3%
para 3.0%).

TABELA I - Participação no VTI, por estados e


regiões escolhidas, Brasil, anos selecionados

(em %)
Regiões/Estados 1970 1980 1990 2000
Norte 0,8 2,4 3,1 4,5
Nordeste 5,7 8,1 8,3 9,0
Bahia 1,5 3,5 4,0 3,9
Ceará 0,7 0,9 0,9 1,7
Pernambuco 2,2 2,0 1,7 1,1
Centro-Oeste 0,8 1,2 1,8 2,2
Sudeste 80,7 72,6 69,5 66,0
Minas Gerais 6,5 7,7 8,7 9,5

4
Espírito Santo 0,5 0,9 1,0 2,0
Rio de Janeiro 15,7 10,6 9,8 9,4
São Paulo 58,1 53,4 50,0 45,2
RMSP 43,5 33,7 30,2 22,0
Interior de SP 14,6 19,8 19,8 23,2
Sul 12,0 15,8 17,3 18,3
Paraná 3,1 4,3 5,7 5,7
Santa Catarina 2,6 4,1 4,2 4,3
Rio Grande do 6,3 7,3 7,7 8,3
Sul
Fonte: Elaboração própria a partir de FIBGE, Censos
Industriais, 1970 e 1980, e FIBGE PIM/PF e PIA. *
Estimativa com base na produção física da indústria da
transformação no período 1990 / 2000.

Partindo destas constatações iniciais, diversos autores preocupados com os


problemas regionais brasileiros têm estudado os determinantes, as implicações e,
principalmente, os limites da real desconcentração espacial da atividade industrial
no Brasil ocorrida a partir dos anos 1970. Azzozi cria o conceito de “campo
aglomerativo” e propõe uma “desconcentração para o campo aglomerativo de
SP”, afirmando que o ocorrido após 1970 não pode ser caracterizado como uma
ampla reversão da polarização, mas como uma expansão das vantagens
aglomerativas da área metropolitana de São Paulo para seu entorno, num
processo de desconcentração concentrada e suburbanização das atividades
industriais, condicionado à existência neste entorno qualificado de uma rede de
serviços e infra-estrutura física e social (AZZONI, 1986). Martine & Diniz concluem
por uma tendência à reconcentração em SP dado o novo paradigma tecnológico
vigente, chegando a falar de “reversão da desconcentração” (MARTINE & DINIZ,
1991).Cano e Cano & Pacheco propõem um “vetor de expansão da indústria
paulista”, destacando a rede de estradas do interior de SP (CANO, 1989) (CANO
& PACHECO, 1990). Ablas fala de um “reforço do centro hegemônico” (ABLAS,
1989). Diniz amplia o argumento, indicando a formação de uma “área polarizadora
poligonal”1, englobando desde o eixo Vitória / Belo Horizonte / Uberlândia até o
1
Deste argumento podemos inferir que os problemas de escolha locacional no Brasil passaram a
ter uma dimensão estritamente micro – ou seja, as regiões urbanas dentro deste polígono
polarizador já oferecerem as condições gerais de reprodução do capital. Logo, a decisão locacional
passa a ser influenciada por atributos locais, como amenidades urbanas, segurança, vantagens

5
Sul do país (DINIZ, 1993). Torres apresenta uma visão complementar e
diferenciada, evidenciando que os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e
Bahia podem vir a concentrar os maiores ganhos de participação percentual no
VTI devido às suas especializações na produção de bens intermediários, face à
sua participação relativa no comércio exterior brasileiro (TORRES, 1991).
Pacheco, por sua vez, enfatiza os efeitos da abertura comercial na estrutura
regional da indústria brasileira, concluindo por uma tendência de fragmentação
do espaço nacional, com possibilidade de repercussões no próprio pacto
federativo brasileiro (PACHECO, 1998). Diniz & Crocco destacam também a
influência do Mercosul, que pelo “efeito de arraste” aumentou o potencial de
crescimento industrial do sul do país. Voltam também a reafirmar a prevalência da
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), destacando a recentralização
financeira e de serviços produtivos complexos como reforço à posição primaz da
metrópole paulistana no cenário econômico brasileiro, posicionando-a como o
único espaço localizado brasileiro integrado ao sistema mundial de cidades
globais (DINIZ & CROCCO, 1996).

Em trabalhos subseqüentes, Diniz expande a noção de “desenvolvimento


poligonal” para a de “reconcentração poligonal”, podendo ser identificadas duas
fases do processo de desconcentração (DINIZ, 2000 & 2002). A primeira é
caracterizada pelo espraiamento da indústria não só pelo entorno imediato da
RMSP como também, marginalmente, por todos os estados brasileiros, numa
resposta ao esforço governamental dos 1970, identificado por Ablas (ABLAS,
1989). A segunda fase, concomitante ao processo de abertura comercial, às
privatizações e ao próprio ensaio de mudança da base tecnológica da indústria
brasileira, estaria revelando a configuração de uma nova reconcentração em um
polígono limitado por Belo Horizonte / Uberlândia / Londrina/ Porto Alegre /
Florianópolis / São José dos Campos / Belo Horizonte (além da própria RMSP).

Visto isto, essa relativização da desconcentração é, em suma, caracterizada por


dois aspectos principais, a saber: i) o seu caráter restrito em termos geográficos,
fiscais etc.

6
dado que o maior aumento diferencial se deu no próprio entorno ampliado da
RMSP; basicamente na interiorização da indústria paulista e no eixo Belo
Horizonte / Porto Alegre; e ii) a consideração das próprias mudanças ocorridas na
estrutura produtiva mundial, e prospectivamente apontando para uma
reconcentração da produção em São Paulo. Analiticamente, Torres resume os
principais argumentos:

“(...) a) crise fiscal e conseqüente redefinição do papel do


governo federal, tanto no que diz respeito à política de
incentivos fiscais e investimentos estatais, quanto no que diz
respeito aos investimentos em infra-estrutura nas regiões
periféricas; b) perda de dinamismo da fronteira de recursos
naturais, em função do seu distanciamento, aumento dos
custos de transporte, desafios tecnológicos da agricultura
tropical e mudanças tecnológicas em direção a processos
menos intensivos em recursos naturais; c) dificuldades
estruturais para a desconcentração produtiva devido à
elevada concentração de renda. Segundo este argumento,
as regiões povoadas e pobres não constituiriam mercados
importantes, não atrairiam indústrias, não gerariam emprego
e assim, não se elevaria a renda, num mecanismo de
causação circular [perverso]; e d) mudanças tecnológicas
capitaneadas pela indústria da micro-eletrônica apontando
para a reconcentração das atividades nas proximidades dos
centros de pesquisa e universidades mais importantes que,
no caso do Brasil, se localizam próximas a São Paulo.”
(TORRES, 1992)

Esses autores, partindo das causas da desconcentração relativa, tentam


determinar quais as suas conseqüências regionais e os limites deste processo,
isto é, até que ponto o ensaio desconcentracionista tende a avançar (ou não) e
quais os setores e regiões que se beneficiariam dele. Para isto, incorporam a
questão dos mercados regionais, a mudança do caráter do Estado brasileiro, as

7
modificações ocorridas no paradigma tecnológico vigente, a dinâmica da inserção
brasileira na Divisão Internacional do Trabalho, além da própria Divisão inter-
regional do Trabalho no Brasil.

I.1 Política Regional nos Anos 90

Com o início da década de 1990, a continuidade da crise fiscal e o advento do


chamado processo de globalização (abertura comercial, liberalização financeira,
desnacionalização e privatização de parcela da estrutura produtiva etc) fazem
com que as políticas públicas de mitigação das disparidades regionais – em
âmbito nacional e integrado – deixem de fazer parte até mesmo do imaginário dos
policy makers (SIMÕES, 2003).

Diniz ressalta que a única política regional de âmbito federal na gestão Fernando
Henrique Cardoso – os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, do
Ministério da Integração Nacional – avançou ao tentar vincular potencialidades
regionais com o mercado externo e criar efeitos sinérgicos entre a infra-estrutura
física/social e atividades produtivas, trazendo, também, implicações contraditórias
à idéia de redução das desigualdades regionais, a saber: 1) viés excessivamente
exportador, sem preocupação com a integração inter-regional brasileira; 2)
abandono de uma integração mais orgânica com os países do Mercosul; 3) falta
de ênfase nas questões estruturais – saneamento, habitação, educação – que
amenizariam a brutal concentração de renda no país; 4) existência de projetos
concorrentes sem definição clara das instâncias de arbitragem; 5) inexistência de
uma política tecnológica regionalizada; 6) incompatibilidade entre instâncias e
instrumentos de política econômica existentes como os objetivos explícitos do
programa; e 7) inexistência de diretrizes de integração urbana entre os eixos,
respeitando suas centralidades e espaços polarizados (DINIZ, 2002). Também
Cano afirma que os eixos “(...) constituíam vetores ligando zonas produtivas a
portos de exportação (...) apenas tocando pontos de origem-destino, pouco ou
nada fazendo em prol dos maiores espaços regionais em que estavam inseridos,
(...) praticamente ignorando os problemas urbanos e sociais das cidades maiores

8
envolvidas pelos eixos” (CANO, 2002:281). Ao contrário de políticas regionais
integradas e de âmbito macro-espacial, o que vimos acontecer durante os anos
de 1990 é aquilo que podemos designar como sobrevalorização da ideologia do
poder local2. Como bem destacou Cano3 (CANO, 2002:282 et passim):

“(...) os antigos instrumentos e instituições que se ocupavam


dessa temática [redução das disparidades regionais]
feneceram, dando lugar a novas e modernas idéias, como as
do poder local, da região (ou cidade) competitiva (...). Dado o
quadro econômico que se delineava após a abertura de
1994, alguns estudiosos da questão regional passaram a
pensar que, em virtude da (propalada) nova inserção externa
do país, suas distintas regiões cada vez mais buscariam
inserções próprias, desvinculando-se, em parte, do restante
do território nacional.

Dessa forma,

“(...) seria necessário construir uma nova política nacional de


desenvolvimento regional, adequada à nova era. Tal
proposição deveria buscar (...) descobrir, redescobrir ou
fomentar as potencialidades competitivas das distintas
regiões brasileiras (...) que combateriam as disparidades
regionais”.

Essa nova política de desenvolvimento regional, em grande medida, passa a dar


ênfase – seguindo a mesma trilha das políticas de cunho setorial industrial – na
promoção e incentivo aos chamados aglomerados produtivos locais, as clustering
policies derivadas da concepções marshalianas de especialização e distrito
industrial (MARSHAL,1920).

2
Não nos cabe aqui avaliar e nem mesmo apresentar a discussão sobre poder local. Ver BENKO &
LIPIETZ (1992), ALBAGLI (1999), GRANOVETER (1985), ZEITLIN (1992), PUTNAN (1993),
FERNANDES (2001), dentre outros.
3
Esse autor, assim como PACHECO (1998), também destaca a efetiva possibilidade de
fragmentação nacional derivada deste processo.

9
Enfatizando a dimensão locacional, a famosa tríade marshaliana4 destaca que as
vantagens da produção em escala operam de forma mais eficiente a partir da
concentração espacial de um grande número de pequenas e médias empresas
(PME’s) num locus específico. Tal concentração provocaria o equacionamento da
dicotomia competição-cooperação, aumentando a eficiência e por conseguinte a
capacidade competitiva das empresas envolvidas no processo. Isto dar-se-ia pela
articulação entre economias externas – resultado imediato da aglomeração
espacial – e “ação conjunta” dentro do próprio distrito. A “eficiência coletiva”
resultante propiciaria as vantagens deste tipo de aglomeração5. Neste contexto, o
papel das economias de escala externas torna-se essencial.

Complementando a concepção marshalliana, análises mais recentes tendem a


frisar o papel das relações entre os agentes, sendo estes vínculos tão importantes
quanto a redução de custos via usufruto de economias de escala e redução das
porosidades do processo produtivo.6 Segundo Nadvi, as economias externas
seriam o elemento passivo dos clusters enquanto a “ação conjunta” seria o
elemento catalisador. (NADVI, 1997)

Mais que isso, para o bom funcionamento do cluster, este papel de coordenação
deve ser exercido por instituições, públicas e/ou privadas – tais como sindicatos
patronais, centros de apoio às empresas, poder público local – dando suporte
organizacional às empresas participantes.

Desta forma, as clustering policies passam a ser vistas como uma nova panacéia
para a resolução dos problemas regionais, e sua implementação a garantia de
aproveitamento das potencialidades regionais levando a uma melhor inserção nos

4
Sinteticamente, essa tríade pode ser definida como as economias externas decorrentes de
spillovers de conhecimento, formação e especialização do mercado de trabalho e encadeamentos
setoriais com fornecedores e prestamistas.
5
Vale dizer, “(...) a divisão do trabalho entre as firmas do distrito provoca fortes economias de
escala ao potencializar o uso especializado de recursos produtivos, como treinamento de mão-de-
obra e na rápida circulação de informações” (GARCIA, 1996:26).
6
Estas sinergias advêm de “(...) interações diversas, parcerias público-privadas, envolvendo oferta
de recursos de infra-estrutura, e cooperação fornecedores-clientes” (LINS, 2000:237).

10
mercados nacionais e até internacionais. Como destaca o documento “Cresce
Minas: um projeto brasileiro”(FIEMG, 2000) :

“(...) com a escassez de capital, de incentivos fiscais e de


autonomia do estado para definir as linhas de uma política
macroeconômica [é necessário] implantar um novo modelo
de desenvolvimento socioeconômico baseado no conceito de
cluster,[sendo que] a força aglutinadora de um cluster é
capaz de contribuir, de forma decisiva, para o aumento da
competitividade local e resolução de desigualdades sociais e
regionais”[grifos nossos].

Esse tipo de política se demonstra vantagens ao privilegiar uma orientação para


um crescimento sustentável economicamente – sem necessidade de aportes
perenes por parte do setor público – também gera problemas graves do ponto de
vista da integração produtiva nacional (SIMÕES, 2003). Posta a variedade de
especializações setoriais/regionais e a necessidade de adaptação das políticas às
especificidades de cada arranjo local, as ações podem deixar de demonstrar uma
unidade, naquilo que Cano chama de fragmentação da política regional, podendo
levar à “(...) quebra de elos importantes de cadeias produtivas, muitas de âmbito
inter-regional” (CANO, 2002:283). Mais que isto, relembra o autor, as escalas sub-
nacionais em países periféricos não possuem a fiscalidade necessária a uma
atuação que vise a mitigar desequilíbrios regionais da magnitude dos brasileiros7.

Martin & Tyler destacam ainda que a ênfase nesta nova política regional deve ser
entendida a partir da situação específica dos países centrais, nos quais os
desequilíbrios inter e intra-regionais se dão marginalmente, ou seja, acontecem
preponderantemente nas diferenças entre taxas de crescimento e de desemprego
(MARTIN & TYLER, 1999). Países como o Brasil, nos quais os desequilíbrios
7
A Professora Tânia Bacelar, citada em SIMÕES (2002), destaca a centralidade da escala nacional
na formulação de políticas de desenvolvimento regional e a atualidade dos “velhos” instrumentos de
política regional para encarar desequilíbrios regionais da monta do brasileiro. Apesar disso também
reafirma a importância da escala local, principalmente no que se refere ao papel das instituições
locais e regionais na identificação de especificidades e potencialidades setoriais. Esse fato,
segundo Bandeira, garantiria, ademais, maior representatividade política e transparência na gestão
(BANDEIRA (2000).

11
regionais manifestam-se fortemente no valor das magnitudes iniciais dos
agregados (PIB, VTI, dotação de infra-estrutura etc), necessitam de mediação
entre o abandono puro e simples das tradicionais “políticas de áreas assistidas” e
a adoção de estratégias de picking winners, tais como as preconizadas pelas
clustering policies8 . Como afirma Martin (MARTIN, 1999:9 et passim):

“Políticas de Clusters são focadas para áreas de potencial e


de sucesso, ao invés de problemáticas de declínio
econômico. [Elas] abandonam o conceito de ‘áreas
assistidas’ por outro baseado em ‘focos de crescimento
local.’”

Mais que isso, destaca que:

“Política de Clusters talvez não tragam benefícios para


localidades deprimidas e podem acentuar o desenvolvimento
desigual entre regiões.”

Assim, a mediação entre as políticas regionais tradicionais – incentivos fiscais,


subsídios etc - e as políticas “modernas” de identificação e incentivo de vantagens
competitivas regionais deve passar, necessariamente, por aquilo que David,
citado em Suzigan, chama de “(...) esforços empíricos e analíticos para discernir e
quantificar a variedade e heterogeneidade dos processos interdependentes que
conformam as dimensões geográficas do desenvolvimento regional” (DAVID,
1999) (SUZIGAN, 2001:30). Como o próprio Suzigan destaca em sua “Agenda de
Pesquisa Aplicada” sobre aglomerações industriais no Brasil, é preciso intensificar
a produção de evidências empíricas sobre aglomerações produtivas, no entanto,
mais do que isso, ressalta que clustering policies não são panacéia e que:

8
Não cabe aqui uma avaliação das clustering policies como política industrial e tecnológica. Para
uma rigorosa avaliação sobre o tema, ver Suzigan (SUZIGAN, 2001) e Cassiolato (CASSIOLATO
(2000).

12
“Problemas mais gerais de desequilíbrios econômico
regionais devem ser tratados por políticas de âmbito regional
ou nacional. Estudos de aglomerações industriais devem
visar apenas entender e avaliar empiricamente fenômenos
de organização industrial no espaço geográfico.” (SUZIGAN,
2001:37)

Nesse sentido Parr, analisando políticas de desenvolvimento regional sublinha


que, a despeito das severas críticas às chamadas estratégias de pólos de
crescimento:

“(...) ecos das estratégias de crescimento polarizado ainda


são ouvidos (principalmente) nos argumentos favoráveis ao
desenvolvimento baseado em tecnópolis ou parques
tecnológicos, e, mais recentemente, nas políticas de clusters
industriais regionais” [grifos nossos]. (PARR, 1999:1264)

Assim, identificar espacialmente cadeias produtivas e suas porosidades ainda


pode ser considerado relevante “input of regional policy”, pois permite selecionar
complexos industriais e seqüências produtivas com possibilidade de incentivo,
aproveitando suas potencialidades regionais e principalmente seus linkages com
a economia nacional (SIMOES, 2003).

Desta forma, podemos dizer que “velhas” políticas e “velhos” instrumentos,


passam a figurar, novamente, na agenda regional brasileira.

II – DIRETRIZES GERAIS PARA UMA POLÍTICA REGIONAL NO BRASIL

Pelo exposto até aqui fica evidente que, dada a magnitude da desigualdade
regional brasileira e a virtual inexistência de uma política de cunho regional em
âmbito nacional no país, qualquer diretriz para a formulação de uma política que
vise a mitigação dos desequilíbrios regionais no Brasil deve partir,
necessariamente, da recuperação da capacidade de planejamento do Estado
brasileiro. Nas palavras de Diniz, é preciso retomar “(...) o planejamento nacional,

13
no qual a visão de problemas, potencialidades e prioridades regionais e setoriais
esteja organicamente inserida”, para que possa-se obter coerência e
funcionalidade entre políticas, sejam de cunho macroeconômico ou setorial, e as
diretrizes para o desenvolvimento regional (DINIZ, 2002:267). Atrelado a isso faz-
se imprescindível a criação de um sistema de coordenação da política regional,
inserido no sistema nacional de planejamento, que operacionalize
institucionalmente:

i) a atuação das várias instâncias federativas, a fim de que se elimine


a chamada “guerra fiscal”9;
ii) o novo papel e a futura atuação das agências governamentais de
desenvolvimento regional;
iii) o papel do sistema bancário e dos fundos públicos no financiamento
do desenvolvimento regional.

Sobre esse último ponto Crocco destaca que pode-se pensar em três pilares,
necessariamente integrados, na construção de uma política de financiamento do
desenvolvimento regional: os Fundos Oficiais de Financiamento; o papel dos
Bancos Oficiais (BNDES, BNB, Banco do Brasil, etc.); e, por fim, o marco
regulatório dos Bancos Comerciais Privados (CROCCO, 2003) . Vale dizer, o
autor enfatiza a idéia de que o financiamento do desenvolvimento regional deve
combinar instrumentos públicos e privados, que seriam combinados de forma a
criar sinergias.

Segundo Crocco, o Ministério da Integração Nacional teria um papel central tanto


na elaboração da política de desenvolvimento regional, quanto no financiamento
desta. Caberia a ele centralizar os recursos orçamentários destinados ao
desenvolvimento regional, coordenando todos os Fundos, que concentrar-se-iam
em um único – por exemplo, um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

9
A discussão sobre os efeitos deletérios da guerra fiscal no desenvolvimento brasileiro merece um
estudo à parte. Aqui cabe destacar que, além de desestruturar os preços relativos, a renúncia de
arrecadação por parte dos estados nem sempre é compensada pela geração de empregos e
estímulo à economia.

14
(Funder)10, facilitando uma intervenção coordenada em todas as regiões. A idéia
central é superar, tanto do ponto de vista da elaboração de uma política regional,
quanto do financiamento desta, a regionalização administrativa (CROCCO, 2003).

Como destaca Diniz, é necessário estabelecer uma nova “(...) regionalização para
fins de planejamento, estabelecendo os macro, meso e micropólos, e as
respectivas macro, meso e microrregiões, como referência para a política
regional.”11 (DINIZ, 2002:268) Este procedimento poderia dar à política regional
uma dimensão nacional, evitando contradições e superposições de instrumentos e
recursos.

Em linhas gerais, este Fundo Único (Funder) teria como prioridade o


financiamento de programas estruturantes tais como infra-estrutura,
desenvolvimento setorial, adensamento de cadeias produtivas etc. Sua
operacionalidade ocorreria através dos bancos oficiais como BNB, por exemplo.
Além disto, a gestão do Funder deveria ter os objetivos, as alocações de recursos
e os prazos de duração afeitos a cada objetivo, aos moldes do Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (Feder). Este último define os problemas regionais a
serem enfrentados, o percentual a ser alocado para cada objetivo e a duração do
programa.

Continuando com o argumento de Crocco, o segundo pilar desta nova política de


financiamento do desenvolvimento regional se basearia na atuação dos bancos
oficiais. As vocações destes seriam, também, direcionadas para o
desenvolvimento regional. A idéia central é definir a utilização das fontes de
acordo com sua origem. Assim sendo, o BNDES, por exemplo, utilizaria seus
recursos, que seriam distintos do FUNDER, para também atuar no
desenvolvimento regional, mas através de programas cujos objetivos seriam

10
Essa sugestão de criação de um fundo único aparece primeiramente em Diniz, em artigo
preparado para os “Painéis do Desenvolvimento Brasileiro” realizado pelo BNDES (DINIZ, 2002).
11
Diniz argumenta, ainda, que a delimitação do espaço nacional através das regiões administrativas
do IBGE, não atende às necessidades de planejamento, uma vez que a indução do
desenvolvimento é associada a uma dinâmica espacial que não é captada pela divisão do país nas
tradicionais regiões administrativas (DINIZ, 2002) .

15
distintos dos objetivos do fundo único. Pode-se pensar que

“(...) enquanto o Fundo Único seria responsável por projetos


estruturantes, o BNDES utilizaria seus recursos para o
financiamento direto às empresas, em programas que
visassem a capacitação destas, tais como capacitação
tecnológica e de recursos humanos, crédito para exportação,
entre outros. De forma semelhante, tanto o Banco do Brasil
quanto a Caixa Econômica Federal atuariam centrados, por
exemplo, na agricultura e em moradias. Estas já são áreas
tradicionais de atuação destes Bancos, que seriam
modificadas apenas para atender, de forma diferenciada,
regiões específicas”(CROCCO, 2003).

Por fim, os Bancos Comerciais Privados deveriam possuir regulamentação


específica que estimulasse a oferta de crédito nas regiões mais atrasadas. Uma
vez que existem em regiões mais atrasadas estímulos tanto para os bancos
comerciais não ofertarem créditos quanto para o público não demandá-los,12 além
de um forte incentivo à transferência de recursos para regiões mais
desenvolvidas, se faz necessária uma regulamentação específica para o setor
bancário privado, de forma a incentivá-lo a ofertar créditos em regiões periféricas.
Esta regulamentação serviria de complemento às ações do Funder e dos bancos
oficiais, que serviriam como um estímulo externo à economia de uma região
específica. Tais ações tendem a criar um ambiente propício para que a demanda
por crédito fosse incentivada propiciando, desta forma, o surgimento de uma
atmosfera de sinergia entre a demanda e a oferta de crédito (CROCCO, 2003).

O exemplo da chamada Terceira Itália é ilustrativo. Como mostram Alessandrini &


Zazzaro, durante o boom econômico desta região, a legislação bancária italiana
não permitia a livre atuação dos grandes bancos nacionais por todo o país. A
configuração do sistema financeiro era determinada pela presença de bancos

12
Para uma discussão aprofundada deste tema ver CROCCO (2003) e CROCCO et. al. (2002).

16
locais, atuando em espaços geográficos determinados, e pequenos bancos
nacionais, com pouca liberdade de atuação (ALESSANDRINI & ZAZZARO, 1999).
Como enfatiza Crocco:

“Esta configuração condicionava a ação dos bancos


locais, fazendo com que o desempenho destes se tornasse
dependente do desempenho das empresas da região. Com
isto, o sucesso econômico da região era vital para a
sobrevivência dos bancos, determinando, assim, uma relação
mais cooperativa com as empresas locais. Esta configuração
institucional ajudou, sem sombra de dúvida, no sucesso obtido
pelas pequenas e médias empresas desta região. Uma
regulamentação diferenciada para os Bancos Comerciais no
Brasil poderia incluir uma série de medidas, dentre as quais
merece destaque a definição de taxas de recolhimento
compulsório diferenciada por região;13 a definição de
composição do ativo das agências mais direcionado para o
cliente local; e a diferenciação na definição do grau de
alavancagem de agências por região” (CROCCO, 2003:26).

Podemos destacar ainda outros elementos que, combinados, também reforçariam


este novo arcabouço institucional. O primeiro deles é o próprio gasto
governamental que poderia atuar como um importante elemento no processo de
redução das desigualdades regionais, além de ser um instrumento de estímulo da
demanda efetiva da economia. A inclusão de um componente regional, além do
componente preço, no escopo da política de compras governamentais poderia
também ajudar a reduzir as disparidades regionais. Ao estimular determinadas
regiões com o seu gasto, o governo estaria incentivando economicamente esta
região, além de contribuir para o surgimento de um ambiente mais propício para
os negócios, fato este, estimulador tanto da demanda, quanto da oferta de crédito
(CROCCO, 2003).

13
Fato este que já ocorreu na regulamentação bancária brasileira.

17
Um outro elemento de apoio à política de desenvolvimento regional seria a sua
articulação com as políticas de outras áreas. A política de desenvolvimento
tecnológico, por exemplo, poderia ser utilizada como instrumento adicional,
através de diversas ações, tais como: o financiamento de aglomerações
produtivas locais e a diversificação regional da estrutura de produção científica e
tecnológica do país. Devemos atentar que as políticas industrial e setorial podem
tanto contribuir para combater o desequilíbrio regional, como também ampliá-lo.
Vale dizer, ao incentivar a concentração da produção industrial em áreas que
possuam vantagens comparativas já estabelecidas – ao estilo das clustering
policies – o componente de desigualdade é inerente. A suposta vinculação do
ambiente local diretamente à escala global – por intermédio da ênfase na
competitividade externa – pode vir a promover uma desintegração regional em
tudo maléfica ao país, dada a importância do fortalecimento dos linkages
intersetoriais internos na geração de renda e emprego (SIMÕES, 2003).

Outro elemento primordial se pensamos em uma política de desenvolvimento


regional no Brasil vem a ser a necessidade de criação de critérios transparentes
de elegibilidade para usufruto de incentivos presentes nas diversas políticas e
ações governamentais. Tais critérios deveriam ser pensados levando em conta a
participação da sociedade civil – aos moldes dos conselhos de desenvolvimento já
existentes (BANDEIRA,2002); a seletividade setorial do incentivo regional
(SIMÕES,2003); os impactos ambientais e a busca pela sustentabilidade (DINIZ,
2002); os impactos na redistribuição de renda e ativos (CANO, 2002), dentre
outros.

Por fim, devemos destacar a necessidade de uma política urbana integrada às


políticas regionais, com a reintrodução da escala metropolitana do planejamento,
mas com especial ênfase no “(...) fortalecimento de uma rede de cidades de
médio porte, que fosse capaz de dar suporte à expansão produtiva e, ao mesmo
tempo. Servisse de freio ao processo migratório para as grandes metrópoles.”
(DINIZ, 2002:268)

18
BIBLIOGRAFIA

ABLAS, L.A.Q. Impactos da NDIT sobre a organização territorial no Brasil. In:


CARLEIAL, L. & NABUCO,M.R. (Eds.) Transformações na divisão inter-
regional do trabalho no Brasil. ANPEC/CAEN/CEDEPLAR, São
Paulo/Fortaleza/Belo Horizonte, 1989.

ALBAGLI, S. Globalização, espacialidade: o novo papel do local. In:


CASSIOLATO, J.E. & LASTRES, H.M.M. (eds) Globalização & inovação
localizada, Brasília: IBICT/MCT, 1999.

ALESSANDRINI, P. e ZAZZARO, A. A 'Possibilist' Approach to Local Financial


System and Regional Development: The Italian Experience. In: MARTIN, R.
(Ed.), Money and the Space Economy. Willey, London, pp. 71-92, 1999.

ARAÚJO, T. B. Por uma política nacional de desenvolvimento regional. REN, 30


(2), 1999.

AZZONI, C.R. Indústria e reversão da polarização no Brasil. FIPE/USP, São


Paulo, 1986.

BANDEIRA, P. Construção de Políticas de Integração Nacional e


Desenvolvimento
Regional. In: MINTER, Reflexões sobre políticas de integração nacional e de
desenvolvimento regional, Brasília: MINTER, 2000

BENKO, G & LIPIETZ, A. Les régions qui gagnet: districts et reseaux: les noveaux
paradigmes de la geographie economique. Paris: PUF, 1992.

CANO, W. Questão regional e política econômica nacional. In: CASTRO, A.C.


(org). Desenvolvimento em debate. Painéis do desenvolvimento brasileiro – II.
Rio de Janeiro: MAUAD / BNDES, 2002.

19
CANO, W. Reestruturação internacional e repercussões interregionais. In:
CARLEIAL & NABUCO, Op.cit., 1989.

CANO, W. & PACHECO, C.A. São Paulo no limiar do século XXI, perspectivas
dos setores produtivos, 1980-2000. São Paulo: Metrô / SRL / FECAMP, 1990
(mimeo).

CASSIOLATO, J.E. De aglomerações a sistemas produtivos e de inovação, Rio de


Janeiro: IE/UFRJ, 2000. (Nota Técnica 22 – Arranjos Produtivos Locais e as
Novas Políticas de desenvolvimento Industrial e Tecnológico).

CROCCO, M. O Financiamento do desenvolvimento regional no Brasil:


diagnósticos e propostas. In: Crescimento Sustentado com Estabilidade: uma
alternativa de política econômica para o Brasil, Rio de Janeiro, Fundação
Konrad Adenauer, 2003 (no prelo).

CROCCO, M et. al. Polarização Regional, Sistema Financeiro e Preferência pela


Liquidez: uma abordagem pós- keynesiana In: XXX Encontro Nacional de
Economia - ANPEC, 2002, Nova Friburgo.

DAVID, P.A. Comment on ‘The role of geography in development’ by P.Krugman.


In: PLESKOVIC, B. & STIGLITZ, J.E. Annual World Bank Conference on
Development Economics – 1998. Washington: The World Bank, 1999.

DINIZ, C.C. Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração nem


contínua polarização. Nova Economia, 3 (1), 1993.

DINIZ, C.C. A nova geografia econômica do Brasil: condicionantes e implicações.


In: VELLOSO, J.P.R. (org). Brasil século XXI. Rio de Janeiro: José Olympio,
2000.

20
DINIZ, C.C. Repensando a questão regional brasileira: tendências, desafios e
caminhos. In: CASTRO, A.C. (org). Desenvolvimento em debate. Painéis do
desenvolvimento brasileiro – II. Rio de Janeiro: MAUAD / BNDES, 2002 b.

DINIZ, C.C. & CROCCO, M.A. O novo mapa da indústria brasileira: aglomeraçòes
industriais relevantes. VII SEMINÁRIO SOBRE ECONOMIA MINEIRA, Anais...,
Diamantina: Cedeplar, 1995

DINIZ, C.C. & CROCCO, M.A. Reestruturação econômica e impacto regional: o


novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia, 6 (1), 1996.

DINIZ, C.C. e LEMOS, M.B. Dinâmica regional e suas perspectivas no Brasil. In:
PARA a década de 90; prioridades e perspectivas de políticas públicas.
Brasília: IPEA-IPLAN, v.3, 1989.

FERNANDES, A. C. Da reestruturação corporativa à competição entre cidades:


lições urbanas sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo
contemporâneo. Espaço e Debates, 41, 2001.

FIEMG. Cresce Minas: um projeto brasileiro. Belo Horizonte: FIEMG, 2000.

GARCIA, R. de C. Aglomerações industriais ou distritos industriais: um estudo das


indústrias têxtil e de calçados no Brasil. Campinas, UNICAMP/IE, 1996.
(Dissertação de Mestrado).

GRANOVETER, M. Economic action and social structure: the problem of


embeddedness. American Journal of Sociology, 91 (3), 1985.

LINS, H.N. Clusters industriais, competitividade e desenvolvimento regional: da


experiência à necessidade de promoção. Estudos Econômicos, 30 (2): 233-
265, 2000.

21
MARSHALL, A. (1890) Principles of economics, London: McMillan, 1920.

MARTIN, R. Drivers: the role of clusters in local economic development. Agenda


for the Regional Devlopment Agencies, Cambridge: Robinson College, 1999.

MARTIN, R. & TYLER, P. Issues in European regional economics. Cambridge:


Land Economy Department, 1999 (mimeo).

MARTINE, G. & DINIZ, C.C. Concentração econômica e demográfica e meio


ambiente: repensando a agenda brasileira. Brasília, ISPN, 1991 (Documento
de Trabalho, 1).

NADVI, K. The cutting edge: collective efficiency and international competitineness


in Pakistan, Brighton, IDS, 1997, Discussion Paper 360.

PACHECO, C.A. Fragmentação da nação. Campinas: UNICAMP/IE, 1998.

PARR, J. Growth-pole strategies in regional economic planning: a retrospective


view. Part 1: origins and advocacy. Urban Studies, 36 (8): 1247-1268, 1999.

PARR, J. Growth-pole strategies in regional economic planning: a retrospective


view. Part 2: implementations and outcome. Urban Studies, 36 (8): 1247-1268,
1999.

PIORE, M.J. & SABEL, C. The second industrial divide. New York: Basic Books,
1984.

PUTNAN, R. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. New Jersey:
Princeton University Press, 1993.

SIMÕES, R.F. Sistematização do painel ‘Distribuição de Renda – Redução das


Disparidades Regionais’. In: CASTRO, A.C. (org). Desenvolvimento em debate.

22
Painéis do desenvolvimento brasileiro – II. Rio de Janeiro: MAUAD / BNDES,
2002.

SIMÕES, R.F. Localização industrial e relações intersetoriais: uma análise de


fuzzy cluster para Minas Gerais. Campinas: IE/Unicamp, 2003 (Tese de
Doutorado).

STEINER, M. The discreet charm of clusters: na introduction. In: STEINER, M.


(ed) Cluster and regional specialisation. London: Pion Limited, 1998.

SUZIGAN, W. Aglomerações industriais como focos de políticas. REP, 21, 3 (83):


27-39, 2001.

SUZIGAN, W et al. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo. XXVIII


ENCONTRO NACIONAL DA ANPEC, Anais..., Campinas: ANPEC, 2000.

ZEITLIN, J. Industrial districts and local economic regeneration: overview and


comment. In: PIKE, F. et al. Industrial districts and local economic regeneration.
Geneve, IILS, 1992.

23
Fórum Social Nordestino, Recife, 24 a 27 de novembro de 2004

Um projeto Ibase, em parceria com Attac Brasil, Articulacion Feminista


Marcosur, Portal Porto Alegre, ActionAid e Fundação Rosa Luxemburgo

A Reinvenção da Democracia

John Holloway
professor da Universidade de Puebla (México)

¿Qué hacer con la desilusión? ¿Qué hacer cuando la democracia no funciona?

Brasil es un lugar muy especial para plantear esta pregunta. Hace apenas dos
años la izquierda mundial festejó el triunfo de Lula en las elecciones. Aquí por
fin hubo una gran victoria para la democracia, una victoria real para la izquierda.
Y no cualquier izquierda, sino de un partido de militancia comprobada, con un
líder obrero de militancia comprobada. Aquí por fin todo el mundo podía ver que
era posible cambiar la sociedad a través de las elecciones democráticas.

¿Y ahora? Ahora, dos años después, la desilusión total. La elección de Lula no


ha cambiado Brasil, el gobierno sigue implementando las mismas políticas, las
políticas del capitalismo neoliberal. ¿Qué van a hacer entonces con la
desilusión? ¿Escoger otro líder y esperar que resulte mejor que Lula? ¿Formar
otro partido y esperar que sea mejor que el PT? Esto es lo terrible de los
gobiernos de izquierda: cuando fracasan (y siempre fracasan) parece que no
hay ninguna solución y se instala la depresión.

1
El fracaso de Lula no es simplemente un fenómeno brasileño. Es la repetición
en Brasil de una experiencia mundial. Hay una palabra que ocurre una y otra
vez en la historia de la izquierda estadocéntrica en todo el mundo: traición. El
hecho de que la traición se repite tan seguido hace que el concepto mismo de
“traición” es ridículo. El fracaso de la izquierda no puede ser simplemente
cuestión de traición, de la culpa de un líder ni de la culpa de un partido: tiene
que tener algo que ver con las estructuras mismas. El hecho de que no es
simplemente una experiencia brasileña significa que tenemos que ir más allá de
una crítica de Lula o del PT.

II

El problema no es Lula ni el PT sino la democracia representativa. La


democracia representativa no es nuestra democracia, es la democracia de ellos,
la democracia del capital. No articula nuestro poder, articula el poder de ellos, el
poder del capital, el poder de los poderosos. Nuestro poder no es como el poder
de los poderosos. Es todo lo contrario. Nuestro poder es el poder-hacer, el
poder creativo. Nuestro poder-hacer es el poder de producir y reproducir la vida,
pero también el poder de hacer las cosas de otra manera, el poder de cambiar
el mundo. Este es el poder que sentimos en un evento como este: una
confianza colectiva de que podemos hacer las cosas de otra manera.

Nuestro poder es un poder colectivo, un poder social. El hacer es el centro de


nuestro poder, y es imposible imaginar un hacer que no sea social, un hacer que
no dependa de los haceres de otros, en el pasado o en el presente. Nuestro
hacer es siempre parte de un flujo social del hacer. El desarrollo de nuestro
poder siempre implica el reconocimiento explícito de la socialidad del hacer,
implica, en otras palabras, un movimiento de reunir, de afirmar una subjetividad
social, un Nosotros creativo.

El poder de los poderosos es todo lo contrario. Detrás de sus armas y de sus


bombas hay un movimiento de separación, de fragmentación. El capital es un

2
movimiento de separación que fragmenta la socialidad del hacer. El capital toma
lo que los hacedores han hecho y dice “¡esto es mío!” El capitalista rompe el
hacer, separa lo hecho del hacer y del hacedor, y con eso todo se rompe, cada
aspecto de la vida. Sobre todo nosotros estamos rotos. Nosotros estamos rotos
como sujeto social, despedazados en millones de individuos atomizados. El
capital es la ruptura del hacer social, y cuando el hacer se rompe, el ser se
impone, lo que es domina.

Vemos los horrores del mundo, los niños que mueren, la pobreza y la injusticia,
las bombas que caen, y gritamos “¡NO! No puede ser. Tenemos que cambiar el
mundo, tenemos que hacer otro mundo” Y ellos se ríen: “Ustedes son nada más
un grupo de individuos. No pueden cambiar el mundo porque el mundo es así,
así son las cosas”. Están equivocados, por supuesto. Lo que es es solamente
porque nosotros lo hemos hecho y lo seguimos haciendo. Lo que es depende de
nuestro hacer. El capital depende de nosotros. El capital se ve tan estable, se ve
como algo eterno. Pero no lo es. Existe solo porque nosotros lo creamos, no
porque lo creamos hace doscientos años, sino porque lo creamos hoy, lo
estamos creando hoy. El problema no es abolir el capitalismo, el problema es
dejar de crearlo.

El conflicto entre nuestro poder y él de ellos (nuestro poder-hacer y el poder-


sobre de ellos) no es simplemente un conflicto entre el poder de abajo y el poder
de arriba. Nuestro poder es el poder del hacer, del crear, de la socialidad. El
poder de ellos es el poder de separar, de individualizar, el poder de lo que es.
Nuestro poder disuelve, el poder de ellos fija. Son dos movimientos muy
distintos, dos lógicas distintas, dos lenguajes distintos, dos formas distintas de
organización.

Es importante reconocer esto, porque ellos (los poderosos, los capitalistas)


siempre están tratando de jalarnos hacia su lógica, su lenguaje, su forma de
hacer y de pensar. Lo hacen de muchas maneras, y una de las maneras más
importantes es a través de la democracia, invitándonos a jugar su juego de la

3
democracia.

III

Nuestra democracia no es como la democracia de los poderosos. Todo lo


contrario. De la misma forma en que hay dos tipos de poder, también hay dos
tipos de democracia: la democracia de ellos, de los poderosos, y nuestra
democracia, la democracia de la resistencia. Representación es el principio de la
democracia de ellos: ¡deja que alguien tome tu lugar!

Participamos en las decisiones del estado, dicen, escogiendo a nuestros


representantes. No hay otra forma, dicen, porque los estados modernos no son
como las polis griegas: sería imposible incluir a cincuenta o cien millones de
personas en una asamblea, por lo tanto, dicen, la única forma en que la
democracia puede funcionar es a través de la elección de representantes. Por lo
tanto, en las sociedades modernas, dicen, la democracia significa
representación. En las elecciones escogemos libremente quién va a hablar por
nosotros, quién nos va a representar en el parlamento y formar el gobierno. Si
no nos gustan, los podemos cambiar después de tres o cuatro años. Votando
participamos en el gobierno del país. La representación significa democracia y
democracia es buena, dicen.

Pero entonces ¿por qué es un desastre? ¿Por qué no funciona? ¿Por qué
sentimos que estamos excluidos? ¿Por qué, bajo Bush y Blair, la democracia se
ha convertido en un arma de destrucción masiva? ¿Por qué es que cuando la
gente elige a Lula para cambiar la sociedad, no pasa nada?

Es porque la representación nos excluye en lugar de incluirnos. En las


elecciones escogemos a alguien para hablar por nosotros, para tomar nuestro
lugar. Nos excluimos a nosotros mismos. Creamos una separación entre
aquellos que representan y nosotros los representados, y congelamos esta
separación en el tiempo, dándole una duración, excluyendo a nosotros como

4
sujetos hasta que tengamos la oportunidad de renovar la separación en las
próximas elecciones. Se crea un mundo de la política, separado de la vida
cotidiana de la sociedad, un mundo de la política poblado por una casta distinta
de gente que habla su propio lenguaje y tiene su propia lógica, la lógica del
poder. No es que esta gente esté totalmente separada de la sociedad y sus
antagonismos, porque se tienen que preocupar por la próxima elección y las
encuestas y los grupos organizados de presión, pero ven y escuchan solamente
aquello que está traducido a su mundo, a su lenguaje, a su lógica. Al mismo
tiempo se crea un mundo paralelo, un mundo teórico, académico que refleja
esta separación entre política y sociedad, el mundo de la ciencia política y del
periodismo político, que nos enseña el lenguaje y la lógica peculiares de los
políticos y nos ayuda a ver el mundo a través de sus ojos ciegos.

La representación es parte del proceso general de separación que es el


capitalismo. Es totalmente falso pensar en el gobierno representativo como un
desafío o como un desafío potencial al capital. La democracia representativa no
está opuesta al capitalismo: es más bien una extensión del capital, proyecta el
principio de la dominación capitalista (es decir, la separación) dentro de nuestra
oposición al capital. La representación consolida la atomización de los individuos
(y la fetichización del tiempo y del espacio) que el capital impone. La
representación separa a los representantes de los representados, a los líderes
de las masas, e impone estructuras jerárquicas. La izquierda siempre acusa a
los líderes y los representantes de traición, pero no hay ninguna traición, o más
bien la traición no es un acto de los líderes sino que es parte integrante del
proceso de representación. Traicionamos a nosotros mismos cuando le decimos
a alguien: “toma tu mi lugar, habla por mí”. Elección es traición.

III

¡Ya basta de representación! ¡Ya basta de representantes! ¡Que se vayan todos!


El grito de los argentinos es un grito en contra de todos los políticos, en contra
de todos aquellos que quieren representarnos, que quieren tomar nuestro lugar.

5
"¡Que se vayan todos!” es un grito que resuena en todo el mundo porque en
todo el mundo la gente está harta de los políticos profesionales, de aquellos
miserables que toman nuestro lugar, que nos representan.

No es un grito en contra de la democracia, sino por otro tipo de democracia, una


democracia sin representantes, una democracia que no nos excluya, una
democracia que sea nuestra. Estamos re-inventando la democracia.

Tenemos que empezar otra vez desde el principio, y el principio es el grito, el


grito de NO a la sociedad como existe, el grito de NO al capitalismo. El grito es
tan obvio en Brasil como lo es en México: un grito de NO a este contraste
terrible entre una potencial humana tan exuberante y una miseria tan espantosa.
La única forma en la que podamos vivir como humanos es diciendo NO,
gritando NO.

Pero el NO contiene un Sí, un proyecto, una proyección de otro mundo. Gritar


NO a este mundo es decir que otro mundo es posible. Otro mundo es posible
porque nosotros lo podemos hacer diferente. Lo podemos hacer diferente si
nosotros logramos determinar nuestro propio hacer. El grito de NO y el proyecto
que contiene de otro mundo implica un impulso hacia la auto-determinación.
NO, ustedes no van a decidir por nosotros, nosotros mismos vamos a decidir.
Reinventar la democracia significa articular este impulso hacia la auto-
determinación.

El impulso hacia la auto-determinación no es la auto-determinación: no puede


haber auto-determinación en una sociedad capitalista, simplemente por que el
capitalismo está basado en la negación de la auto-determinación. El impulso
hacia la auto-determinación es un movimiento, un mover, basado en la
negación, en el NO. No tenemos auto-determinación, lo que tenemos es un NO
a la determinación ajena y el impulso hacia la auto-determinación. Empezamos
desde el NO y nos movemos para fuera. En otras palabras, empezamos desde
las fisuras, las grietas en la dominación capitalista. Empezamos desde los NO,

6
desde las negaciones, las insubordinaciones, las proyecciones en-contra-y-más-
allá que existen por todos lados. El mundo está lleno de fisuras de este tipo, de
negaciones. En todas partes del mundo hay gente diciendo, individual y
colectivamente “No, no vamos a hacer lo que nos dice el capitalismo: vamos a
moldear nuestras vidas como nosotros queremos”. A veces estas fisuras son tan
pequeñas que ni los rebeldes mismos están conscientes de su propia rebeldía,
a veces son tan grandes como la Selva Lacandona – y mientras más nos
enfocamos en ellas, más empezamos a ver el mundo no como un sistema
cerrado de dominación total capitalista, sino como un mundo lleno de fisuras, de
negaciones, de resistencias, un mundo preñado de otro mundo. Cada fisura es
un impulso hacia este otro mundo, es decir un impulso hacia la auto-
determinación. Nuestra lucha es para extender y multiplicar y profundizar y
fortalecer estas fisuras. Estamos hablando de revolución, pero en la única forma
en la cuál es posible concebir la revolución ahora, como revolución intersticial.

Esta es la reinvención de la democracia, una reinvención que ya está en


progreso. Este es un proceso fragmentado pero universal y con raíces
profundas. Tiene sus raíces en la práctica cotidiana de la gente. Normalmente
no mandamos a la gente que queremos: discutimos, buscamos un consenso,
desarrollamos formas colectivas de tomar decisiones, formas horizontales: este
es el significado de la amistad o del compañerismo. Muchas de las luchas
actuales contra el capitalismo en el mundo toman como principio básico de la
organización que el movimiento debería ser una extensión de relaciones de
amistad y compañerismo de este tipo. La meta básica de la organización es
extender formas colectivas y horizontales de tomar decisiones. Donde alguna
forma de delegación es necesaria, es importante que sea posible revocar la
delegación de inmediato, que sea de duración corta y, en la medida de lo
posible, que haya rotación de los delegados.

La reinvención de la democracia es, por supuesto, una renovación de una larga


tradición de organización en la lucha anti-capitalista: es la tradición de la
democracia concejista o comunista o asemblista, que está discutida en el

7
análisis de Marx de la Comuna de Paris, que se puede encontrar en los soviets
de la revolución rusa, los concejos comunitarios de los zapatistas, las
asambleas barriales argentinas y en muchos otros movimientos.

Decir que la democracia representativa no es una forma de organización


adecuada para el impulso hacia la auto-determinación no significa, por
supuesto, que la democracia directa o concejista no tenga sus problemas. La
distinción entre delegados y representantes es crucial, pero siempre va a
depender en la práctica de la participación activa de la gente. También en una
comunidad pequeña hay muchos problemas prácticos relacionados con aquella
gente que no puede o no quiere participar activamente en el proceso, el peso
disproporcional que adquiere la gente más activa o más articulada, etcétera.

Probablemente problemas de este tipo son inevitables, en la medida en que un


sistema perfecto de democracia directa implicaría la participación de personas
emancipadas. Pero no somos (todavía) emancipadas. Somos más bien
discapacitados ayudándonos mutuamente a caminar, cayendo frecuentemente.
Sin duda alguna hay algunos que pueden caminar mejor que otros: en este
sentido la existencia de algún tipo de vanguardia probablemente no se puede
evitar. La pregunta es si estos medio-discapacitados deberían avanzar corriendo
– como vanguardia – dejando a los otros gateando en el piso y gritándonos “no
se preocupen, vamos a hacer la revolución y regresaremos para ustedes” (pero
sabemos que no lo van a hacer), o si tratamos mejor de avanzar al mismo paso,
ayudando a los más lentos.

Probablemente uno no puede pensar en la democracia directa como modelo o


como una serie de reglas sino más bien como orientación como lucha incesante
para destilar el impulso hacia la auto-determinación social que existe dentro de
todos nosotros. No puede haber modelo fijo precisamente porque el impulso
hacia la auto-determinación es el movimiento de una pregunta. Lo que es
importante no es el detalle sino el sentido del movimiento: en contra de la
separación y la substitución, hacia el fortalecimiento de la comunidad de lucha,

8
una comunidad basada en el reconocimiento mutua de la dignidad humana.

IV

¿Qué hacer, entonces, con nuestra desilusión? En todo el mundo existe el


mismo desencanto, una crisis de confianza en el estado y en la posibilidad de
lograr cambios a través de la democracia representativa, una crisis de confianza
en los partidos políticos. La pregunta para nosotros es cómo reaccionamos a
esta crisis. ¿Decimos “vamos a luchar por un estado justo con una democracia
representativa genuina y vamos a fundar un partido político nuevo y honesto que
realmente representa los intereses de sus miembros” o decimos simplemente
“NO al estado, no a la democracia representativa, no a los partidos políticos”?

La respuesta es clara. Decimos NO al estado, a la democracia representativa, a


los partidos políticos. No podemos cambiar el mundo a través del estado, ni a
través de la democracia representativa, ni a través de los partidos políticos.
Estas son formas de organización que nos excluyen, no articulan el impulso
hacia la auto-determinación. No estoy diciendo que no deberíamos nunca votar:
probablemente en algunas circunstancias sí tiene sentido votar. Pero está claro
que no podemos cambiar el mundo a través de las elecciones. La crisis de la
democracia y de los partidos no es un problema, es una oportunidad, una
oportunidad de reinventar la democracia y cambiar el mundo.

Вам также может понравиться