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em Debate
Democracia e Liberdade de Expressão
PATRÍCIA BLANCO
Relações Públicas, pós-graduada em Marketing pela Síntese dos debates que aconteceram no Seminário Liberdade em Debate - Democracia
ESPM; atua na área de Comunicação - Planejamento e Liberdade de Expressão, realizado em 16 de março de 2011
Estratégico, Comunicação Integrada, Assessoria Produção: Link Comunicação Integrada Edição: Cláudia Bensimon Editor Assistente: Maurício Schleder
de Imprensa e Relações Públicas. É presidente do Desenho: João Carlos Guedes Fotografia: Marcelo de Jesus e Instituto Millenium
Instituto Palavra Aberta. Reportagem: Márcia Gomes, Rosane de Souza e Verônica Couto
A apuração das informações deste suplemento é de responsabilidade da Link Comunicação Integrada
Convite à reflexão
O
seminário Liberdade em Debate teve namente capazes e autônomos, com direitos fundamentais
como objetivo analisar e discutir o tema inalienáveis. Essa premissa sustenta o conceito de soberania
“Democracia e liberdade de expressão” popular e não pode ser mitigada.
sob diferentes aspectos que afetam a O seminário reafirmou a importância da qualidade
vida do cidadão no seu dia-a-dia. da educação, da liberdade de imprensa, da transpa-
Embora muitas vezes não seja perceptível, quando so- rência das informações, bem como da participação da
mamos todas as pequenas intromissões e restrições que nós sociedade para que as decisões individuais sejam mais
cidadãos sofremos, fica claro que a sociedade é vista pelos conscientes e qualificadas. Entretanto, foram rechaçadas
nossos legisladores e dirigentes públicos, em sua maioria, as ideias de dirigismo estatal e de infantilização da
como incapaz de fazer escolhas cons- sociedade, que são, muitas vezes,
cientes e ponderadas. O excesso de colocadas em prática sob os mais
tutela do Estado parte da premissa de nobres motivos.
que a população é incapaz de resolver Após os debates, as iniciativas de
questões e não sabe proteger seus impor uma visão de mundo ideal
interesses de forma racional e efetiva. por um pequeno grupo de “escla-
A palestra de abertura do escritor recidos”, por meio de regulações e
americano David Harsanyi, autor medidas restritivas de direitos, como
do recém-lançado livro “O Estado a Anvisa tenta fazer, não parecem ser
Babá”, serviu como diretriz para os a forma mais democrática e eficaz
debates realizados ao longo do dia. para melhorar, por exemplo, a saúde
Afinal, até que ponto o excesso de pública. Campanhas de conscienti-
regulação pode ser benéfico para a zação, informação em abundância e
sociedade? Com exemplos dos Es- fiscalização ainda são os meios mais
tados Unidos, Harsanyi mostrou que desejáveis de melhorar indicadores
a infantilização dos cidadãos afeta a de saúde pública em um país com
capacidade de discernimento e acomoda a sociedade, valores democráticos.
tornando as pessoas mais passivas e despreparadas para O politicamente correto e a adoção de rótulos simplistas,
enfrentar problemas simples do dia-a-dia. A recorrente muitas vezes, impedem um debate mais profundo e honesto,
demanda da própria sociedade por restrições pontuais que pode contribuir para o desenvolvimento do Brasil. A
cria um arcabouço pesado e ineficiente, que prejudica produção intelectual e científica não pode ser contaminada
o bom funcionamento das instituições públicas em suas por preconceitos existentes na sociedade, como fruto do
atividades básicas e gera um grande mercado negro. politicamente correto.
O excelente grupo de painelistas permitiu que os Por todas as razões acima expostas, entendo que o semi-
temas Cultura da intervenção x soberania popular, Li- nário Liberdade em Debate cumpriu seu objetivo, lançando
berdade x regulação e Politicamente correto e liberdade reflexões importantes para que o debate continue. Certa-
de expressão fossem aprofundados sob diferentes mente, sem o envolvimento de todos, não conseguiremos
perspectivas. A conclusão unânime é que o excesso de aprimorar a sociedade e suas instituições públicas.
regulação é prejudicial para a sociedade e incompatível
com o regime democrático, que pressupõe cidadãos ple- l Paulo Uebel, Diretor Executivo do Instituto Millenium
Assalto à liberdade
individual
O
texano John Reader com- Nessa parafernália de leis, houve espaço para relato do autor de “O Estado Babá”, já não
partilhou com os clientes a criação das chamadas zonas de saúde ou se pode compartilhar esse hábito lícito
da Amazon, empresa de preservadas em Los Angeles - de onde foram de fumar em estabelecimento privado,
comércio eletrônico dos banidos os restaurantes de comidas conside- mesmo quando o proprietário, todos os
Estados Unidos, sua per- radas pouco saudáveis -; para a proibição seus empregados e clientes concordem.
plexidade com o nível de intolerância da das brincadeiras de pique das crianças; e até O movimento para mandar na casa dos
sociedade norte-americana, ao divulgar na mesmo para regulamentar a quantidade de outros já existe: recentemente, a rica Bel-
Internet sua resenha sobre o livro “O Estado água colocada nas vasilhas dos cachorros. mont, na Califórnia, incluiu a proibição
Babá” (“The Nanny State”), do jornalista e ao fumo nos prédios de vários andares
escritor norte-americano David Harsanyi. Ideologia destrutiva ou muitas unidades residenciais. “Na
Ele leu o livro ao voltar à terra natal, após Califórnia até em algumas ruas o fumo
longa temporada na Alemanha, e, usando as Segundo o autor do livro “O Estado é proibido”, contou. Outras cidades têm
mesmas lentes de aumento do conterrâneo, Babá”, lançado no Brasil pela Editora tentado fazer o mesmo, tornando o que
detectou a mão da igreja conservadora dos Litteris, esses pequenos ataques à liberdade começou com a proibição de fumar nos
EUA nessa onda de proibição a tudo o que os individual criam um precedente após o locais de trabalho um ataque direto à
“incomodados” consideram perigoso. outro para ampliar o comportamento pa- propriedade individual e à liberdade de
Esse foi o tema da palestra de David Har- ternalista do Estado. reunião e criando precedentes para coibir
sanyi no seminário Liberdade em Debate O jornalista está convicto de que al- outros “maus hábitos”.
- Democracia e Liberdade de Expressão, gumas pessoas consideram a liberdade A maioria dos norte-americanos está
realizado no Hotel Windsor Atlântica, no corrosiva e destrutiva, e que o Estado Babá ciente das constantes agressões às liber-
Rio de Janeiro. Segundo ele, as leis restritivas, alimenta essa crença por meio da coerção. dades individuais, mas parece não en-
que caracterizam o Estado Babá, impostas Na verdade, o governo, sob pressão da tender o seu alcance. Todos riram muito
por diversos governos no mundo limitam a minoria Babá, está forçando todos à obedi- quando um parlamentar falou em abolir
liberdade de escolha e prestam um desser- ência. “Nos EUA, por causa de um garoto a palmada, ou em criar documento auto-
viço à cidadania. que se afogou, foi feita uma lei que cria rizando as crianças a saírem às ruas no
Para David Harsanyi, há hoje nos EUA um sistema de fiscalização em todas as Dia das Bruxas. “Vemos isso como surtos
um conjunto de proibições consideradas piscinas. O custo é impressionante. Seria a isolados e absurdos, mas não deveria ser
tolas, mas disseminadas a ponto de se mesma coisa que criar fiscais para ver como assim”, comentou. Poucos reclamaram
constituírem em agressão à liberdade de as crianças brincam nas praças, proibir as quando a cidade de Nova York baniu as
escolha dos cidadãos. “Em um ano, Nova crianças de correr, e eu não quero viver em gorduras trans. “Ninguém acha que elas
York proibiu as gorduras trans, o foie gras, a um país assim”, disse ele. são saudáveis, mas qual é o parâmetro
ida ao McDonalds e a competição entre os para banir este ou aquele ingrediente?”,
postos de gasolina. Em São Francisco, leis Maus hábitos dos patetas questionou o jornalista.
disciplinam o uso do quintal. No Colorado, Na visão do escritor, os “proibicio-
o jogo de esconde-esconde das crianças foi Outra iniciativa nos Estados Unidos é a nistas” ganharam espaço quando desco-
banido. Em Chicago, o uso de microchips cruzada contra o tabagismo. Na maioria briram como impor as suas leis pessoais
nos animais tornou-se obrigatório”, relatou. das cidades americanas, de acordo com ao conjunto da sociedade. A estratégia de
(...) Como ocorre com praticamente todo atuação é simplista, porém convincente:
babysitterismo, a defesa antifumo começou “dê dois passos paternalistas para diante e
com a noção ideológica de que o Estado deve estar disponível um para trás. Argumente que o assunto tem
para ajudar. Mas, em algum momento, as advertências de saúde a ver com as crianças ou com os pobres.
pública e outras ajudas razoáveis e justificáveis se transformaram Converta o tema em questão de segurança,
em algo excessivo e invasivo. Uma advertência superficial se moralidade e vício. Afinal, quem acredita
tornou uma cutucada e depois um empurrão duro, e agora temos que um pateta seja capaz de resistir à
intimidação do Estado, castigos de leis que prejudicam os direito intoxicante sedução de um cheeseburger,
sde propriedade e a liberdade básica de escolha. (...) de um refrigerante ou de um maço de
cigarros?”, perguntou ele.
O difícil equilíbrio
A tradição de estabelecer limites sociais a partir de uma
ideia pré-definida de felicidade bate de frente com as novas
tecnologias, que ampliam o poder de expressão dos cidadãos
“A
s tecnologias di- namentais da Associação Nacional de Os três participaram do painel Cultura
gitais aumentam Jornais (ANJ). “Assistimos a um fenômeno da Intervenção x Soberania Popular, no
a democratização fantástico no mundo, das revoluções sem seminário Liberdade em Debate - De-
infinitamente, e vão líder”, diz ele. “As pessoas querem viver mocracia e Liberdade de Expressão, pro-
em caminho con- de acordo com sua própria consciência, movido pelo Instituto Millenium, ao lado
trário ao da intervenção do Estado”, afirma o dar opinião, exercer seu livre arbítrio. do jornalista Ricardo Gandour, diretor de
cientista político Alexandre Barros. Exemplo Esse é o novo modelo.” Para o diplomata, conteúdo do Grupo Estado, que destacou,
das mudanças em curso, “o governo do Egito economista e sociólogo Marcos Troyjo, o nessa virada de paradigma, a necessidade
caiu em uma revolta sem líder”, aponta mundo vive o momento de fundação de de fortalecer as instituições para a me-
Paulo Tonet Camargo, vice-presidente do algo novo, em plena construção e ainda diação equilibrada do exercício do poder
Grupo RBS e diretor de Relações Gover- desconhecido. em suas diferentes esferas. Para Troyjo, o
Precisamos fortalecer
nossa democracia,
resgatando e
restaurando, com força
máxima, esses cânones
básicos: equilíbrio e
representatividade
dos poderes; o
poder mediador das
instituições l Ricardo Gandour
novo ambiente político e social em for- a intervenção do Estado na sociedade por máxima, esses cânones básicos: equilíbrio
mação vai se basear em alguns parâmetros meio de veículos públicos de comunicação. e representatividade dos poderes; o poder
principais, entre eles a dinâmica altamente “A tecnologia torna a justificativa moral para mediador das instituições”, diz Gandour.
acelerada das tecnologias, crucial para a intervenções nessa área menos crível.” Mas “E é nesse cenário que se deve entender
liberdade de expressão e um desafio para é preciso que a rede seja neutra e livre. “Por a imprensa, o jornalismo, também como
as empresas de comunicação. “Para se ter isso, a grande batalha para não controlar a ente mediador.” Desse modo, assegurar a
uma ideia, o jornal New York Times tem, Internet; por enquanto, dá para termos o diversidade de anunciantes e a liberdade
atualmente, 20% do número de assinantes Julian Assange no Wikileaks; daqui a pouco, comercial de expressão das empresas pode
de dez anos atrás; e o Google, uma das não se pode mais”, afirma, numa referência representar, argumenta o jornalista, a inde-
maiores empresas de mídia da atualidade, ao diretor do site colaborativo que surpre- pendência e a liberdade de ação da mídia.
não produz um grama de conteúdo.” endeu a mídia e os governos ao começar a Na avaliação dele, a Internet multiplica os
Ao permitir que cada vez mais gente divulgar, no ano passado, correspondências canais de repercussão e interatividade e
tenha seu próprio canal de expressão, seja constrangedoras e secretas entre diplomatas realimenta a produção de notícias, mas a
uma rádio online ou um blog, a Internet, americanos e de vários países. maior parte do que se gera de informação
segundo Barros, tornaria obsoletas as tra- “Precisamos fortalecer nossa demo- primária na rede ainda nasce em redações
dicionais alegações éticas e morais para cracia, resgatando e restaurando, com força tradicionais. Para Troyjo, passo importante
èèè
QUARTA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2011 l 9
para deixar o modelo de Estado Babá (o rências do Estado na decisão das pessoas
padrão paternalista descrito pelo escritor sobre seu destino. O Brasil tem leis severas
americano David Harsanyi) é a sociedade contra preconceito, e é assim que tem ser.
recusar a tutela, ou, no caso da mídia, o ex- Mas sem patrulhamento, sem perder o
cesso de investimento publicitário estatal. Defendo um “Estado humor e sem ameaçar a criação artística.”
Na análise de Alexandre Barros, os es- “O excesso de regulamentação e a
farol”, que permite a
tados são quase sempre arbitrários e desme- censura matam o progresso. Todo mundo
didos quando tentam intervir nas ações da autorregulação, que que inventa é um excêntrico. O Henry
sociedade ou do indivíduo. O especialista induz e estimula o bem Ford, quando inventou o carro, colocou um
é cético mesmo em relação a regras defen- motor numa carruagem. Ele disse que não
comum, mas também
sivas, que visem a garantir a não regulação. fez pesquisa antes do projeto, porque, se
Como exemplo, cita o filme “O povo contra coíbe l Marcos Troyjo fossem consultadas sobre o que preferiam
Larry Flint”, em que o editor da Hustler para melhorar o transporte, muitas pessoas
recorre à primeira emenda da Constituição iam querer um cavalo que andasse mais
americana, mas precisa lutar nos tribunais rápido”, afirma Alexandre Barros.
para assegurar a circulação da revista. “O A ausência total de regulação, contudo,
governo dos EUA, como todos, escorrega. também pode colocar em risco o próprio
Quando Assange diz que está havendo pa- ideal de liberdade, na análise de Troyjo,
tifaria ali, o governo o ameaça.” Na opiniäo por exemplo, devido ao alto alcance da
do cientista político, “é fundamental que Internet para disseminação de conteúdos
exista liberdade tanto de pensamento como de ódio, pornográficos, etc. Nesse sentido,
de circulação de ideias, de associação e de ele defende um “Estado farol”, que permite
dissociação - quando alguém pode deixar a autorregulação, que induz e estimula o
uma religião, por exemplo, mesmo tendo bem comum, mas também coíbe. Man-
sido batizado.” tendo, contudo, sua prática distante dos
Atualmente, qualquer esforço de con- dois extremos: do Estado Babá definido
trolar conteúdos na sociedade “é ridículo“, pelo escritor norte-americano David Har-
na opinião do diretor da ANJ. “Antiga- sanyi para conceituar modelos muito
mente, o que não saía no Repórter Esso, paternalistas; e do que chama de “Estado
ninguém ficava sabendo. Hoje, se algum babão”, que deixa de agir, quando deveria.
telejornal não der uma notícia, milhares “É preciso resgatar a verdadeira agenda do
de sites vão furá-lo em dois segundos”. Ou Estado”, completa Gandour.
seja, diz Tonet, “o poder de decisão sobre “Cada um de nós busca a própria fe-
a liberação ou não de uma informação licidade. Mas há um momento em que a
não existe mais, embora alguns setores minha felicidade conflita com a sua”, ar-
continuem discursando como se houvesse gumenta Barros. O problema das interven-
monopólio”. Na avaliação do executivo, ções de cima para baixo para administrar
ninguém está formulando no país uma esses contraditórios, afirma, “é que são
teoria de comunicação para um Estado exageradas, e o Estado se dá o direito de
democrático de direito, no novo contexto intervir sem perguntar ao cidadão”. Para
tecnológico. “As universidades deveriam Tonet, na base dessas iniciativas desequi-
estar refletindo sobre isso”, sustenta. libradas está a ideia de que as pessoas são
Educação (CNE) recomendou vetar, sob “hiposuficientes para decidir seu destino.”
Carnaval e inovação acusação de racismo, a distribuição do Um pouco, diz ele, como fazia Jean-Paul
livro às escolas públicas - medida rejeitada Marat, um dos líderes da Revolução Fran-
Tonet também critica a censura em pelo Ministério. “Não sei como ainda não cesa. “No jornal ‘O Amigo do Povo’, ele
nome do politicamente correto, como proibiram as marchinhas de carnaval, por mostrava quem eram os inimigos do povo,
quase ocorreu, no ano passado, com “Ca- veicularem mensagens de discriminação: os que não tinham virtude, que eram contra
çadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato. Amélia, O teu cabelo não nega, Cabeleira os ideais da revolução e tinham que ser
Em outubro, o Conselho Nacional de do Zezé. É preciso rejeitar essas interfe- perseguidos”.
Especialistas
denunciam
ressurgimento
da censura
Ações de vigilância sanitária são abusivas e
inconstitucionais, na opinião de juristas. Estudo
mostra que, além disso, provocam aumento do
contrabando e piora na qualidade dos produtos
A
intervenção estatal na O trabalho da Tendências foi realizado
atividade econômica é a pedido do Instituto Palavra Aberta e apre-
inconstitucional e fre- sentado pela presidente da ONG, Patrícia
quentemente abusiva, na Blanco, durante o painel Liberdade x Regu-
avaliação dos professores lação, no seminário Liberdade em Debate
Pedro Paulo Cristofaro e Gustavo Binen- -Democracia e Liberdade de Expressão,
bojm, dois dos maiores conhecedores de do qual participaram os dois especialistas
Direito Regulatório no país. Além disso, em Direito. “A regulação de vigilância
estudo da Tendências Consultoria Inte- sanitária é um polvo de muitos tentáculos,
grada sobre os “Efeitos econômicos de que espraia seu poder por diversos setores
restrições impostas à informação publici- da economia”, diz Binenbojm. Para ele, a
tária”, que analisou possíveis impactos da vigilância vem extrapolando suas atribui- Existe uma onda regulatória
resolução RDC 24, da Agência Nacional ções, para tentar fazer as escolhas no lugar
de Vigilância Sanitária (Anvisa), voltada dos consumidores - “como se não fossem crescente, que vem
a determinados alimentos e bebidas, adultos que pudessem escolher as formas asfixiando o setor produtivo
concluiu que a medida favorece a oferta de ser e de viver, e sobretudo os riscos que e fazendo com que empresas
de produtos de pior qualidade e o desin- desejam correr”. Na base desse modelo,
vestimento em melhorias e inovação nas explica, está o pressuposto de que o Estado legalmente estabelecidas não
empresas. tem maior capacidade de julgamento do possam atuar l Patrícia Blanco
èèè
QUARTA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2011 l 11
Todas as constituições que o Brasil
teve definiram a livre iniciativa como
regime econômico. Mas a de 1988,
além de consagrar o regime no capítulo
próprio, elevou a livre iniciativa a um dos
fundamentos da República, expresso no
artigo primeiro da Constituição, ao lado
da soberania e do respeito à dignidade
humana l Pedro Paulo Cristofaro
que o cidadão. A regulação de vigilância resoluções e leis que interveem na ativi- “No fundo, não divergem muito da orien-
sanitária constitui um dos três exemplos dade empresarial. “Todas as constituições tação intervencionista da administração
“paradigmáticos” do que Binenbojm con- que o Brasil teve – sete, mais duas grandes pública direta. Vemos que, efetivamente,
sidera “formas redivivas de censura” à reformas – definiram a livre iniciativa como a livre iniciativa, regime consagrado na
liberdade de imprensa e à liberdade de regime econômico. Mas a de 1988, além Constituição, não é tão livre assim.”
escolha dos indivíduos. Os outros seriam de consagrar o regime no capítulo próprio, O excesso de regras, avalia Binenbojm,
a tentativa de proibir a crítica de humor no elevou a livre iniciativa a um dos funda- produz o que os especialistas chamam
período eleitoral, suspensa pelo Supremo mentos da República, expresso no artigo de “externalidades negativas”, ou seja,
Tribunal Federal; e a classificação indica- primeiro da Constituição, ao lado da so- redução da livre concorrência, aumento
tiva nos cinemas, que, em vez de entendida berania e do respeito à dignidade humana. do contrabando, fortalecimento de oli-
como “indicação”, teria tomado caráter Esse é o quadro legal brasileiro.” Mesmo gopólios, etc. Foram basicamente esses
impositivo. assim, o especialista lamenta que existam, efeitos que o estudo da Tendências sobre a
Cristofaro adverte, ainda, para a in- no país, dez agências reguladoras federais, RDC 24 identificou. “Constatou-se que os
constitucionalidade de grande parte das 31 estaduais e seis municipais, 47 ao todo. efeitos da resolução seriam mais danosos
do que benéficos. E que, do ponto de vista
do objetivo de coibir o consumo, ela seria
inócua”, resume Patrícia.
A RDC 24, de 15 de junho de 2010, exigia
que as propagandas de alimentos com muito
açúcar, gordura saturada, trans ou sódio e be-
bidas - consideradas pela agência de baixo
O excesso de regras produz teor nutricional - tivessem mensagem de
o que os especialistas alerta sobre os males que o produto poderia
causar. Está atualmente suspensa por liminar.
chamam de “externalidades
O primeiro impacto, diz a presidente do Pa-
negativas”, ou seja, redução lavra Aberta, seria o desestímulo aos gastos
da livre concorrência, com publicidade: “Com isso, a empresa deixa
de informar o consumidor, que, por sua vez,
aumento do contrabando,
fica sem referencial para escolher e julgar a
fortalecimento de qualidade das diferentes ofertas.” Outra con-
oligopólios, etc sequência é a piora na qualidade do produto.
Sem poderem divulgar os ganhos e benefícios
l Gustavo Binenbojm
de suas marcas, as empresas tendem a reduzir
Autorregulamentação
Perdas de R$ 5,2 bilhões
As regras, tanto quanto possível, se-
gundo Patrícia, devem obedecer a três Enquanto a resolução RDC 24, que os produtos regulares vendidos em 420
princípios: neutralidade, respeito ao fun- trata de informações nos rótulos dos pro- mil pontos comerciais no país perderiam
cionamento do mercado e simplicidade. dutos alimentícios, foi temporariamente os atributos buscados pelo consumidor,
Como o modelo do Conselho de Autorre- suspensa por medida liminar, outras que continuariam sendo oferecidos no
gulamentação Publicitária (Conar), cita. “O duas propostas de regulação da Agência mercado negro.
pressuposto básico tem que ser a liberdade, Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) A resolução 117 veda a exibição dos
tanto do mercado, de as empresas se reu- estão em consulta pública até o dia 31 de maços de cigarro no comércio e amplia
nirem em códigos de autorregulamentação, março, com novas restrições, dessa vez as advertências contra o consumo nas
quanto do indivíduo, de escolher o que vai ao mercado de cigarro. Se aprovadas, embalagens. Além de também contribuir
consumir.” as CPs 112 e 117 podem representar para a expansão do contrabando, pela
Os casos de má conduta, como a venda perdas com evasão fiscal da ordem de dificuldade de acesso ao produto lícito,
de alimentos podres ou a fabricação de R$ 5,2 bilhões, entre IPI, PIS, Cofins e levantamentos feitos no Canadá e na
fogos de artifício que explodem e ferem ICMS não recolhidos. Os dados são de Islândia, onde as mesmas determinações
os consumidores, devem ser tratados pela um trabalho da Fundação Getúlio Vargas, entraram em vigor em 2001, mostraram
Justiça, sem normas setoriais, diz Cristofaro. que detectou, como principal efeito das que elas não surtiram resultado, ou seja,
”São práticas proibidas para todos. Não há novas regras, a perda de consumidores não alteraram em nada os hábitos dos
necessidade de regulação específica. O no mercado legal, atraídos por cigarros fumantes.
comportamento antissocial que possa ter o vendidos no contrabando. Outros impactos identificados pela
empresário é tão ilegal quanto o daqueles O fortalecimento dos similares ile- FGV das medidas em consulta pública
que não são empresários.” gais seria resultado direto, de acordo seriam a redução de 140 mil postos for-
Para o especialista em Direito Regula- com a análise, da resolução 112, que mais de trabalho na cadeia produtiva de
tório, a liberdade é o principal valor a ser quer proibir o uso de determinados tabaco e de cigarros; prejuízos a 2 mil
preservado. E se há falta de esclarecimento ingredientes - flavorizantes, umectantes, fornecedores, dos quais 500 sob risco
na sociedade, diz o professor, combata-se ameliorantes, açúcares, responsáveis de fechar as portas; redução de US$ 300
a ignorância. A hipótese de o consumidor pelo sabor e aroma próprios de cada milhões/ano nas exportações (atualmente
ter um nível de analfabetismo funcional não marca de cigarro. Basicamente porque da ordem de US$ 3 bilhões).
pode, também na avaliação de Patrícia, ser
A
s dificuldades para fazer de imposição de felicidade pública. Mas porco, o defendeu do extremismo, muito
rir, escrever artigos ou admite ser uma farsa como militante do comum em sua profissão: “Os jornalistas
mesmo um livro de his- politicamente incorreto: “Eu sou um ati- são os grandes responsáveis pela onda
tória que passe longe do vista da faixa de pedestre”, afirmou. Ele do politicamente certo. É a raça que mais
É um peso consenso foi o tema do acredita que a máscara do cara errado acredita que é correta. Se acham os porta-
muito grande painel Politicamente Correto e Liberdade fica melhor nos defensores do socialismo, vozes de Deus”, disse ele.
de Expressão, reunindo o historiador pa- por ser a melhor opção de manter o povo O jornalista e blogueiro Reinaldo Aze-
ser correto em ranaense Leandro Narloch, o apresentador na pobreza: “só o cristianismo foi melhor vedo contou que, hoje, aprecia mais a
tudo, o humor do CQC Marcelo Tas, o colunista da Veja para os pobres do que o capitalismo”. democracia pelo seu valor negativo; ou
é uma forma Reinaldo Azevedo, e o economista e arti- Marcelo Tas admite que desafia o coro seja, pela possibilidade de as minorias
culista de O Globo Rodrigo Constantino. do consenso por uma questão de saúde dizerem o que pensam. “Nas ditaduras,
de vacina Autor do “Guia politicamente incorreto mental. “É um peso muito grande ser também é permitido concordar. Pode-se
contra isso da história do Brasil”, Narloch já pensa correto em tudo, o humor é uma forma dizer “sim” em Nova York, em Trípoli e
em criar a Associação das Pessoas em de vacina contra isso”. Segundo ele, um em Pequim. A segurança para dizer “não”
l Marcelo Tas Geral para se defender do que chama defeito de fabricação, o de espírito de é que distingue os regimes”, afirmou. Na
sua opinião, o teste da capacidade de
conviver com a diferença é aceitar que o
outro exponha a sua “verdade”, por mais
estúpida que pareça. ”É preciso dizer
com clareza e destemor o que se pensa,
e não com o intuito de destruir o outro,
de eliminar a contradição, de extirpar o
adversário”, enfatizou.
Rodrigo Constantino também defende
uma sociedade aberta, em que todos podem
se expressar, mas obedecendo aos princípios
da tolerância. “Os socialistas podem até
criar, se desejarem, uma comunidade do
jeito deles. Só não podem impor seu modelo
aos demais”, assinalou. Mas, na sua visão,
há hoje no Brasil e no mundo uma ditadura
velada do politicamente correto. “É parte
inexorável da liberdade de expressão escutar
o que não se gosta. Cabe ao governo garantir
a todos se expressarem, com segurança,
inclusive, através de veículos de imprensa