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Entrevista: Helena Hirata

Interview: Helena Hirata

Re­su­mo Socióloga e pesquisadora do GEDISST Abs­tract Helena Hirata is a sociologist and re-
(Groupe d’Etudes sur la Division Sociale et Se- searcher of the Groupe d’Etudes sur la Division
xuelle du Travail) no CNRS (Centre National de Sociale et Sexuelle du Travail at the Centre Na-
la Recherche Scientifique), na França, Helena tional de la Recherche Scientifique, in France.
Hirata tem se dedicado nos últimos anos à aná- In the last few years, she has been devoted to
lise dos efeitos do processo social de mundiali- analyzing the social process of globalization
zação nos sistemas de produção, na organização in production systems, in the organization of
do trabalho e nas relações de trabalho. Neste labor and in labor relations. Her latest works
sentido, temas candentes para a sociedade bra- approached relevant themes for Brazil and the
sileira e a produção acadêmica nacional têm country’s academic work, such as the study of
se destacado em sua produção mais recente, a the increase in the vulnerability of labor rela-
exemplo da investigação sobre a intensificação tions, the divergence between productive and
da vulnerabilidade das relações de trabalho, a unproductive labor, the relations between un-
polarização entre trabalho produtivo e traba- employment and underemployment and the
lho improdutivo, as relações entre desemprego rearrangements of production and organiza-
e subemprego e a reorganização produtiva e tion. These themes are dear to the sociology
organizacional. Este conjunto de temas, caros of labor and Helena Hirata has revisited them
à sociologia do trabalho, são revisitados sob a through the viewpoint of gender studies and
perspectiva dos estudos de gênero e da pro- on the perspective of the discussion of gender
blematização das relações de gênero. Nesta en- relations. In the interview, she speaks of the
trevista, ela discorre sobre a sexualização dos increasing relevance of gender matters for the
objetos da sociologia do trabalho, as relações de sociology of labor, of power relations, of the
poder, a divisão social de trabalho e as relações social division of labor and of gender relations
de gênero no mundo ocidental, além de tecer in the western world. She also comments on
considerações acerca do lugar do trabalho na the influence of the workplace in the develop-
construção da identidade de gênero feminina. ment of the identity of the woman.

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Revista Revista
Gostaríamos de iniciar explorando um pouco Seria possível estabelecermos algum tipo de
as relações entre a sociologia do trabalho e os relação entre a vulnerabilidade das relações de
estudos de gênero. É possível, por exemplo, trabalho nas últimas décadas e a intensificação
considerarmos uma perspectiva de gênero para do processo de sexualização dos objetos da so-
analisar os objetos atuais da sociologia do traba- ciologia do trabalho?
lho? Como repensar a categoria sociológica do
trabalho a partir da introdução do conceito de Helena Hirata
gênero e da problematização da divisão sexual Poderíamos dizer que o emprego feminino é, em
do trabalho? todos os países, mais precário e instável que o
emprego masculino. A maioria dos empregos de
Helena Hirata ‘tempo parcial’ ou de ‘meio-período’ nos países
Tradicionalmente, a sociologia do trabalho capitalistas desenvolvidos são ocupados por mu-
francesa teve como objeto central o operário lheres, assim como as atividades informais nos
do sexo masculino da grande empresa indus- países ditos em vias de desenvolvimento. Esses
trial, figura arquetípica considerada como uni- empregos femininos precários podem prefigu-
versal. Essa figura, considerada universal, mas rar o padrão de assalariamento do futuro para
na realidade masculina, vem sendo questionada ambos os sexos. Nessa medida, talvez a análise
de trinta anos para cá, com o crescimento do das formas ditas ‘atípicas’ do trabalho feminino
emprego feminino e com o desenvolvimento do hoje seja pertinente para se pensar a evolução
terciário (comércio e serviços), setor majorita- das relações de trabalho para ambos os sexos.
riamente feminino. As pesquisas sobre divisão Sexualizar os objetos da sociologia do trabalho
sexual do trabalho e relações sociais de sexo/ pode ajudar a melhor compreender a evolução
gênero mostraram que uma análise dentro de da conjuntura do emprego e das relações profis-
uma perspectiva de gênero muda radicalmente sionais nas últimas décadas.
as condições de produção dos conhecimentos
sobre o trabalho. Assim, os trabalhos mascu-
lino e feminino não são comparáveis, sobretu- Revista
do se partimos do conceito amplo de trabalho, A sociologia do trabalho tradicionalmente se
enquanto trabalho formal e informal, profis- centrou na análise da população ativa, do tra-
sional e doméstico, remunerado e não-remune- balho profissional e do mercado de trabalho. De
rado. A introdução do conceito de gênero nas muitos modos, esses focos construíram nossa
análises dos objetos tradicionais da sociologia compreensão do trabalho como processo social.
do trabalho, como o emprego, o desemprego, a Como os estudos de gênero têm contribuído
qualificação, os movimentos sociais, os novos para salientar outras dimensões do trabalho,
modelos produtivos ou a ‘especialização flexí- particularmente no tocante à polarização entre
vel’, subverte a ordem epistemológica domi- trabalho produtivo e trabalho improdutivo?
nante e produz novos conhecimentos. Qualifi-
cação, por exemplo, não tem a mesma signifi- Helena Hirata
cação conjugada no masculino ou no feminino. Os estudos de gênero têm, sobretudo, contri-
O desemprego tem implicações contrastadas buído para ampliar o conceito de trabalho pa-
para homens e mulheres. Os processos de re- ra além do trabalho profissional, restituindo a
qualificação atingem os homens, e muito pou- importância devida ao trabalho doméstico e ao
co as mulheres na produção. Creio que se pode trabalho exercido pelas mulheres no interior
dizer que a introdução do conceito de gênero da família. A gratuidade dessa modalidade de
na sociologia do trabalho renovou os conceitos trabalho repercute sobre o trabalho profissional
e os enfoques sociológicos; infelizmente, os das mulheres, que é constantemente desvalo-
paradigmas hoje predominantes na disciplina rizado e não reconhecido. Penso que o debate
ainda são gender-blinded e não levam em conta marxista sobre trabalho produtivo e improdu-
os resultados das pesquisas mencionadas. tivo, que dominou a polêmica sobre o trabalho
doméstico nos anos setenta e oitenta, foi su-
plantado pelo estudo empírico das característi-

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cas constitutivas do trabalho doméstico, como e da diferença dessa centralidade para homens
relação de ‘disponibilidade permanente’ aos e mulheres aparece quase que exclusivamente
filhos, ao marido, ao companheiro, etc. Essas na França, e não é um tema recorrente nas so-
análises apontam hoje para uma outra dimen- ciologias do trabalho de outros países.
são do trabalho, a dimensão da afetividade, do
amor, que está no cerne do exercício do care no
interior da família. A dificuldade em lutar con- Revista
tra a divisão sexual do trabalho doméstico, que Os estudos feministas influenciados por Sandra
aloca à mulher as tarefas relacionadas à casa e às Harding e Donna Haraway, ao problematizarem
crianças, liberando o homem para as responsabi- a construção sócio-sexual da cultura e dos pa-
lidades na esfera profissional, está nessa dimensão drões de verdade, podem contribuir na com-
de afetividade, que cria uma relação de ‘servidão preensão de algumas dimensões relacionadas à
voluntária’ das mulheres. divisão sexual do trabalho, tais como o afasta-
mento das mulheres das posições de poder e do
processo de concepção dos modelos produtivos
Revista e de seus padrões tecnológicos.

Partindo de suas experiências (empíricas) de Helena Hirata


pesquisa em países do norte e do sul, é possível A contribuição das duas filósofas americanas ci-
identificar diferenças no modo como a produção tadas para a constituição de uma epistemologia
sociológica local incorpora as relações sociais de feminista foi fundamental. Elas interrogaram a
gênero na problematização do trabalho? natureza da objetividade, o acesso desigual ao
conhecimento segundo os sexos, a relação entre
Helena Hirata sujeito e objeto do conhecimento, a construção
Uma diferença é o momento, segundo os paí- social – e sexuada – da natureza, da verdade
ses, da introdução do conceito de gênero ou ou da cultura. Essa tradição anglo-saxã de uma
de sexo(s), que sempre se sucede ao enfoque epistemologia feminista, infelizmente, não teve a
a partir do conceito de ‘mulher(es)’. O mo- devida repercussão na França e nos países euro-
mento da incorporação das relações sociais peus em geral. A idéia do ‘ponto de vista’ ou do
de gênero na problematização do trabalho ‘conhecimento situado’ coloca mulheres, mino-
também varia segundo os países. No conjun- rias étnicas ou raciais, etc. no centro da elabora-
to dos países latino-americanos, a década das ção de uma nova ordem de conhecimento.
mulheres, impulsionada pela Organização das
Nações Unidas no México, em 1975, pode ser
um marco para essa periodização, pois assinala Revista
o início da constituição de uma série de gru- As últimas décadas foram marcadas pelo proces-
pos feministas. Nos países capitalistas avança- so de interdependência crescente dos mercados
dos, a emergência dessas pesquisas pode ser locais, com conseqüências para os padrões lo-
relacionada com o desenvolvimento dos movi- cais de produção e de consumo. De modo geral,
mentos feministas nos anos sessenta e seten- a dinâmica dos mercados de trabalho locais se
ta. Outra característica a mencionar é a quase alterou profundamente, não só elevando o nível
total impermeabilidade dos sociólogos do tra- da taxa de desemprego, mas também modifi-
balho às pesquisas sobre o gênero da filosofia cando as formas de contratação e a relação entre
queer ou à psicanálise feminista. As diferenças os mercados formal e informal de trabalho. As
nacionais aparecem, sobretudo, nas influên- mudanças nas formas e modalidades de empre-
cias disciplinares: a psicopatologia e a psico- go são uma dimensão visível das transformações
dinâmica do trabalho na França, a sociologia do mundo do trabalho sob a reorganização pro-
da cultura e a gestão nos países anglo-saxões. dutiva e organizacional. Nesse sentido, qual o
Em termos temáticos, enfim, também se pode lugar do trabalho na construção da identidade
identificar diferenças no modo como a produ- de gênero feminina e masculina neste princípio
ção sociológica local incorpora as relações de de século?
gênero: a questão da centralidade do trabalho

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Helena Hirata responsabilidade no tocante às crianças, aos ido-


A globalização teve como conseqüência, des- sos, aos enfermos – que recai fundamentalmente
de os anos noventa, a elevação dos níveis de sobre as mulheres –, socializando essas tarefas,
emprego das mulheres, mas, ao mesmo tempo, poderiam contribuir para uma melhora da situa-
acelerou o processo de vulnerabilidade e pre- ção das mulheres no mercado de trabalho.
carização desses empregos. A esse paradoxo,
responde um segundo, o da dispersão e ato-
mização das mulheres, dadas as mudanças nas Revista
modalidades de emprego (trabalho a domicílio, Quais são, em linhas gerais, as conseqüências,
teletrabalho, formas ditas ‘atípicas’ de empre- para a força de trabalho feminina, do processo
go, etc.) e a criação, ao mesmo tempo, de co- de requalificação que tem acompanhado a ado-
letivos de luta unificadores, como a “Marcha ção do modelo produtivo pós-fordista?
Mundial das Mulheres”. O trabalho continua
sendo central na vida de mulheres e homens Helena Hirata
neste princípio de século, mesmo quando eles O processo de requalificação não teve as mes-
estão desempregados, dado que continua sendo mas consequências para homens e mulheres.
uma referência para a ação e princípio organi- Para os homens, a profissionalização, as avalia-
zador da sociedade e das identidades sexuais. ções sobre as competências, os cursos de for-
A crítica do trabalho enquanto atividade im- mação têm sido mais sistemáticos do que para
posta, coercitiva, alienante e degradante se as mulheres. Minhas pesquisas sobre empresas
impõe hoje, mais do que nunca, dada a ex- multinacionais no Brasil mostraram que as mu-
tensão mundial desse tipo de trabalho, mas as lheres continuam ainda muito mais em linhas
alternativas possíveis e desejáveis devem ser de montagem e com cadências impostas do que
objeto permanente de debate. Este é o caso na os homens. Elas continuam a trabalhar dentro
França, especialmente dentro dos movimentos de um padrão taylorista-fordista de produção,
de trabalhadores desempregados, que se recu- inclusive em países como a França. Esse resul-
sam a lutar pelo ‘pleno emprego’ e não querem tado de pesquisa converge com os dados dispo-
‘qualquer emprego’, mas um emprego interes- níveis sobre as empresas francesas. A inserção
sante, de qualidade. da força de trabalho feminina nos trabalhos re-
petitivos e monótonos sob cadência tem, como
uma das consequências nefastas sobre a saúde,
Revista o aumento importante de casos de LER. Em al-
Que políticas sociais poderiam contribuir para gumas empresas modernas, o padrão pode ser
a desaceleração da vulnerabilidade do emprego de uma certa requalificação também para as
feminino, marcado pela precarização e pela sub- mulheres, mas essa requalificação não significa
contratação? salários condizentes ou promoções. A segre-
gação dos postos de trabalho continua sendo
Helena Hirata desfavorável às mulheres. Creio que se pode
Um tratamento mais igualitário entre emprego dizer que a tese da requalificação dos operado-
masculino e feminino é o objetivo das políticas res, em voga nos anos noventa na sociologia do
preconizadas pela Comunidade Européia, por trabalho francesa, deve ser contestada se ado-
exemplo, ou pela Organização das Nações Uni- tamos uma perspectiva de gênero.
das, que têm sido retomadas pelos Estados Na-
cionais. As políticas de igualdade, de uma ma-
neira geral, e uma política de igualdade salarial, Revista
em particular, poderiam contribuir para uma A percepção social do trabalho em saúde es-
maior equidade no tratamento entre os sexos, tá assentada sob o modelo do médico varão.
sobretudo considerando a maior escolaridade A partir dele, o trabalho e as relações sociais
formal e o maior número de diplomas em todos de trabalho se estruturaram. Em contraparti-
os níveis obtidos pelas mulheres, em comparação da, há uma série de profissões e atividades na
com os homens. Também todas as políticas so- saúde identificadas socialmente como trabalho
ciais e familiares que possam diminuir o fardo da feminino, a exemplo da enfermagem. Um pon-

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to recorrente na fala das enfermeiras é o fato tivo de trabalho não predomina. O trabalho do
de a população considerar apenas o trabalho pessoal técnico e administrativo, essencial para
médico como essencial. As demais formas de a pesquisa científica, é tornada invisível, como
trabalho envolvidas no cuidado à saúde são, se apenas o cientista, o professor universitário
nesse sentido, invisíveis ou improdutivas. Co- pudessem chegar a um produto final, sem a co-
mo podemos analisar essa situação a partir dos operação do coletivo de trabalho. A crítica da
estudos de gênero e trabalho? Ela se manifesta divisão do trabalho continua sendo uma ques-
em outros setores? tão extremamente atual.

Helena Hirata
As profissões como enfermeira ou ajudante de
enfermagem são caracterizadas como tipicamen-
te femininas pela proximidade com as tarefas
tradicionais das mulheres no interior da família,
o conjunto de atividades hoje objeto de intensa
pesquisa sob a denominação, difícil de tradu-
zir, de care (cuidado com as crianças, os idosos,
os enfermos, etc.). Por causa dessa proximida-
de com atividades executadas gratuitamente
no seio da família, essas profissões femininas
são desvalorizadas, inversamente à forte valori-
zação da profissão tradicionalmente masculina
do médico, sobretudo do cirurgião. Pesquisas
que estudaram a feminização da profissão dos
médicos e a masculinização da profissão das en-
fermeiras mostraram, em primeiro lugar, que a
feminização implica também maior salarização
da profissão (trabalho em dispensários, clínicas
e hospitais); em segundo lugar, que segmentos
da profissão que permitem prever e controlar os
ritmos e horários de trabalho – como dermato-
logia, pediatria, ginecologia – se feminizam, e
que outros – como cardiologia, cirurgia, neuro-
logia – continuam maciçamente masculinos; e,
em terceiro lugar, que a masculinização da en-
fermagem se dá em função do aumento de pos-
tos em psiquiatria, onde se requer maior força
física e, em função da introdução de novas tec-
nologias (ressonância magnética, scanner, etc.)
nos hospitais, maior conhecimento técnico. A
profissão de enfermagem é, assim, de certa for-
ma, valorizada com a entrada de mão-de-obra
masculina. Penso que a divisão sexual do tra-
balho se superpõe à divisão do trabalho entre
concepção e execução, entre trabalho manual
e trabalho intelectual. O coletivo de trabalho é
responsável pelo produto, e não apenas os que
exercem o trabalho mais qualificado em termos
de qualificação formal, escolaridade, experiên-
cia, etc. Entretanto, assim como na medicina, na
universidade, na pesquisa, da mesma forma que
nas empresas, a idéia da importância desse cole-

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