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O jovem, que mal acabara de aprender os movimentos iniciais do jogo de xadrez, chegou
devagar, olhar apreensivo. A casa da qual se aproximava era de pintura um tanto velha e
desgastada, transmitindo um ar de mistério.
Era rumor geral que o morador da misteriosa casa tinha um perfil também invulgar, excêntrico.
Viúvo, solitário, pouca conversa. Sua pequena aposentadoria, diziam, custeava-lhe os poucos
gastos, com sobra, não proporcionando, porém, luxos maiores. Era modesta a sua casa e não
se via visita freqüentando o cinqüentão enigmático.
A apreensão do jovem aprendiz talvez tivesse algum fundamento, pois, pensava ele: "terei que
enfrentar, afinal, nesta pequena cidade não há ninguém que sabe mais teoria de xadrez,
segundo dizem!..."
Passou pelo portãozinho de madeira que estava apenas encostado. Ainda indeciso subiu dois
degraus que antecediam uma pequena varanda e parou diante da porta, também um pouco
desgastada.
Tocou a campainha.
Após cinco longos minutos apareceu a figura excêntrica. Corpo magro, barba preta, cabelo um
tanto em desalinho. A olhar inquiridor, perguntou ao aprendiz:
– O que deseja?
O estranho personagem, sem responder, apanhou duas cadeiras de treliças, colocou-as frente
à frente na pequena varanda. Olhou para o jovem de modo cortês e fez sinal para que
sentasse.
– Eu soube que o senhor tem uma boa teoria de xadrez e vim aqui pedir se pode me ensinar.
– Pela internet eu estou tendo aulas de final e abertura. Pela filosofia do curso, apenas depois
que eu dominar bem as sutilezas do final é que terei aulas de meio-jogo. E, enquanto passam a
matéria mais puxada de finais, passam também as idéias básicas das aberturas. Acontece que
eu não consigo apenas estudar a teoria e fico curioso para jogar partidas. Jogo com colegas,
com computador, mesmo não sabendo nada de tática e estratégia ...
– Talvez a razão que o trouxe aqui seja a dificuldade de entrar no meio-jogo... Interrompeu o
anfitrião.
– Sim. Vim pedir ao senhor que me adiantasse idéias do meio-jogo. Fico completamente
perdido, sem saber o que fazer, logo que saio da abertura.
O senhor cinqüentão fechou os olhos por um momento. Depois olhou para o aprendiz e disse:
– O que eu posso passar a você não é muito. Sou apenas alguém solitário, que para preencher
o tempo faz alguns estudos, entre eles, o de xadrez. Não tenho quase nenhuma prática.
Acredito, entretanto, que por você estar no início dos estudos, talvez eu possa pelo menos
indicar alguns livros. Pode ser assim?
– Pode. Respondeu o aprendiz. – Mas, o senhor não podia, além de indicar livros, orientar-me
também?
– Certamente. Mas o que quero dizer é que depende muito mais do seu estudo do que
propriamente de minhas aulas. Acredito que mesmo não sendo nenhuma autoridade no
assunto estou à altura de lhe passar alguma coisa, já que moramos neste fim de mundo e é
bem pouca gente que se interessa por um assunto desse.
– Levando em conta que você já está estudando finais e aberturas, continuou o senhor anfitrião
e, portanto, não dispõe de tanto tempo assim - e que eu também não tenho todo o tempo do
mundo - vou fazer-lhe uma proposta. Encontraremos uma vez por mês. Em cada encontro eu
lhe mostro algum resumo de obras que li, retirados de uma relação de livros que pode
aprofundar seus estudos e resolver algumas dúvidas que porventura tiver. Concorda que seja
assim?
– Claro que concordo. Para mim está ótimo. Que dia podemos começar, mestre?
– Agora.
Levantou-se, foi até o escritório, e depois de vasculhar os guardados, voltou com alguns papéis
datilografados.
– Vou passar-lhe esses resumos. São uma seqüência de passos que deverá seguir.
Obviamente que você, de imediato, não entenderá profundamente todos eles, mas deverá
tentar segui-los à risca, no que puder. À medida que seus conhecimentos forem aumentando
irá entendendo com mais profundidade, naturalmente.
– Eis aqui os resumos - disse o mestre e passou-os ao aprendiz. – Primeiro esse de regras
fundamentais da abertura (que você já deve ter visto, mas que não custa nada repetir):
1- Abra o jogo com 1.e4 (deixe para uma outra fase 1.d4, ou qualquer outra).
- Não se deve bloquear o desenvolvimento das próprias peças. Se não for possível impedi-lo,
pelo menos que seja durante o menor tempo possível.
- Quanto possível, todo bom lance de desenvolvimento deve encerrar alguma ameaça.
- Na abertura, não se deve fazer mais do que um lance com a dama, a fim de cooperar com o
desenvolvimento geral das peças.
- O domínio do centro, que é a base do xadrez nas aberturas, é também o segredo de sua
técnica durante a maior parte da partida.
- Constitui perda de tempo aceitar uma troca de peças com o adversário, se a sua peça tiver
executado mais movimentos do que a dele, na abertura, principalmente.
5. Os peões são a verdadeira base de toda a estratégia do xadrez e mesmo da teoria das
aberturas.
- A ação dos peões será tanto mais eficiente quanto menor for o número de grupos em que eles
estiverem divididos.
- Evite os peões dobrados, isolados, ou atrasados. Os peões dobrados são aceitáveis só nas
quatro colunas centrais. Peões dobrados na coluna da torre é um absurdo.
- Fixar um peão isolado adversário (por exemplo, colocando-se um cavalo à sua frente) às
vezes é ainda mais forte do que capturá-lo.
6. Não se deve realizar uma troca sem que haja para isso uma boa razão.
1. Posição do rei.
– Quando tiver saído da abertura, desenvolvido as peças, ou quando achar conveniente, faça
uma pausa para avaliar a posição. Lembre-se “o jogador só pode considerar-se bom, quando
estiver fazendo adequadamente a análise da posição”. Pois é a partir da análise, que você fará
seu lance corretamente. Se estiver em vantagem, buscará um lance de iniciativa, de ataque. Se
estiver em desvantagem, fará lance de defesa ou, vamos dizer, de “arrumação de casa”
primeiro. E daí por diante, mas se a análise estiver errada, seu planejamento sairá incorreto.
"Não se preocupe nem tenha pressa. A evolução vem por si, basta estudar. Quanto mais
conhecimento for adquirindo, melhor vai avaliando a posição.
Por enquanto, baseie-se no conhecimento que tem e faça, na medida do possível, uma análise,
seguindo os passos que agora lhe transcrevo, mais ou menos assim:
Passo número um - veja a posição dos reis. Olhe se ambos estão em segurança. Se um dos
bandos não estiver em segurança, marque um pontinho de vantagem para o outro lado. Se der
empate, não marque nada.
Passo número dois - observe se os peões centrais estão bem defendidos (sempre de ambos
os bandos. Marque ponto ou não, conforme o explicado no parágrafo anterior).
Passo número três - verifique os demais peões, de ambos os lados, se estão bem defendidos
ou não. Continue marcando ponto para quem o merecer. Tente perceber casas débeis (onde
possa alojar peça contrária sem ser molestada). Marque mais ponto ( se for o caso). Analise se
os peões obedecem às regras da estratégia geral (estudada na aula 1). Continue marcando
ponto, se precisar.
Passo número quatro - olhe se todas as peças estão desenvolvidas, de ambos os bandos.
Tente entender a principal função de cada uma, e continue marcando os possíveis pontos.
Passo número cinco - veja se há colunas abertas. (coluna aberta é aquela cujo peão não se
encontra mais nela). Se houver, tente descobrir qual bando domina a mesma e não se esqueça
de marcar o possível ponto.
Passo número seis - faça o mesmo que o anterior para as diagonais abertas.
Após esse pequeno estudo, some os pontos de cada bando e tente avaliar, dando o peso que
achar conveniente a cada questão, quem está em vantagem, ou se ela é mínima e nula.
Existem algumas regras práticas sintetizadas por notáveis jogadores e teóricos, como Kotov e
Steinitz:
De tudo isso que foi dito, sintetizou-se análise de posição e suporte para fazê-lo. Da sua
análise vai resultar sua decisão de atacar, defender, fazer jogada neutra. Entretanto, para saber
em que setor se deve atuar, você deve complementar o estudo da posição com:"
– Finalmente - continuou o mestre - podemos dar nossa aula de hoje por encerrada. A próxima
aula constará de um estudo sobre conformação de peões. Espero que estude estes pequenos
tópicos de hoje, durante este mês, tente aplicá-los em suas próximas partidas. E que me
apareça, depois, com muitas perguntas ou sugestões. Até a próxima.
Veja a aula 2
Naquela tarde ensolarada o aprendiz caminhava satisfeito. Já se fizera um mês de seu último
encontro com o mestre. Agora econtrava-se no trajeto de sua casa rumo à casa do enigmático
senhor.
Sentiu-se mais confiante e tinha muito para contar de suas aventuras enxadrísticas. Passou
pelo portãozinho e bateu na porta, esperançoso. A figura única do mestre surgiu.
- Entre.
Sorrindo, pensou, mais uma vez: “É o xadrez deixando de ser tangente e passando a ser
secante.”
“Certamente que não contarei essas comparações de mistério do mestre com o mistério do
xadrez” - pensou o aprendiz.
- Para começar: tenho um computador, o Escalibur, com 72 níveis de jogo. Eu tinha muita
dificuldade de jogar em qualquer nível. Já ganhei uma partida do nível 20. (Está anotada aqui e
eu trouxe para o senhor ver). Do meu colega Marcelo, com quem jogo quase todos os dias,
passei a ganhar mais dele do que ele de mim (o contrário do que acontecia). Com outro
detalhe. Eu e Marcelo jogávamos umas trinta partidas por vez. Agora, tem dia que a gente só
consegue jogar uma ou duas, mais demoradas, mais pensadas.
- Muito bem. Esta evolução é muito boa. Aproveitando o aspecto que você citou de que você e
seu amigo Marcelo jogam quase todos os dias, quero reforçar um conceito: Tudo que você
quiser aprender na vida, meu caro aprendiz, se possível faça todos os dias. É como se fosse
para treinar o “reflexo”. Isto eu percebi lendo livros de teoria de diversas áreas, tais como
desenho, pintura, até natação.
- Meu caro jovem. Vamos dar seqüência ao nosso estudo. Esta partida, que você jogou com o
computador e está me entregando, eu não vou analisá-la agora. Deixarei para analisá-la
juntamente com outras que você me apresentar no mês que vem, para compararmos depois do
resumo sobre peões que lhe passarei hoje. E, por falar em partida anotada, quero lhe pedir que
anote em um caderno, daqui para frente, sempre que possível, todas as partidas que fizer, com
data e duração das mesmas.
Quanto à nossa matéria de hoje e dos próximos encontros, tenho a dizer-lhe o seguinte:
retrocendo ao nosso primeiro encontro, lembro-me que você me pediu dicas de meio-jogo.
Passei-lhe seis passos a serem seguidos para análise da posição. Do resultado dessa análise,
você concluiria se estaria em vantagem, desvantagem ou empate, e, em conseqüência,
decidiria se atacaria, defenderia, faria jogada neutra, ou contra-atacaria. Em seguida passei-lhe
4 passos a serem seguidos sobre características do centro, para mostrar-lhe em que setor do
tabuleiro você iria atuar. Falta uma pequena parte para seu estudo, sugerida por Kotov, que
oportunamente passarei a você. Trata-se de como será seu plano, se “mono-escalonado ou
multi-escalonado”. E depois, poderemos falar alguma coisa da tática, também de Kotov, a
famosa “árvore”. Por enquanto, estudaremos as vantagens e desvantagens da colocação de
cada peça no tabuleiro, cujo material mais interessante eu encontrei nos quatro volumes do
livro de Roberto G. Grau, Tratado geral de xadrez.
(Segue um resumo do livro Tratado Geral de Xadrez, de Roberto G. Grau, tomo III)
Philidor foi o primeiro enxadrista que compreendeu cientificamente o xadrez. Seu princípio
sobre a base fundamental, que significava a configuração de peões, revolucionou o xadrez e
originou toda a estratégia atual do jogo. Hoje, é mais fácil fazer-se compreender a verdade de
seu princípio, que é o princípio fundamental da vida do xadrez: de acordo com a disposição
que se assegure aos peões devem efetuar-se as manobras futuras.
Deduz-se disso, que o esqueleto técnico do jogo, sua armação estratégica, é a ordenação das
linhas de peões, que são as linhas avançadas de combate, de cuja ruptura e desmembramento
depende a sorte de uma luta.
Os avanços de peões são a debilidade necessária que impõe a luta para defender-se. Este
paradoxo tem fácil comprovação em xadrez.
Toda teoria dos pontos fortes, da centralização de peças, dos bispos bons e maus, das colunas
abertas, dos sacrifícios, dos temas de combinação, das cadeias de peões, do jogo aberto e
fechado, tem como base o esqueleto de peões.
Regras práticas
Geral
1. Os peões unidos e agrupados em uma mesma linha em sua posição central (e4-d4, ou c4-
d4, ou e4-f4) são o ideal de eficiência e garantia de não ceder pontos débeis importantes.
2. Quanto menos grupos estiverem divididos os peões, tanto mais fácil é a ação dos mesmos.
3. Os peões não devem avançar à quinta linha, sem meditar as conseqüências desse avanço,
já que ele provoca debilidades sérias. Um peão na quinta obriga a estirar a cadeia de peões e
deixa débeis as casas laterais do peão avançado. Porém, em certo momento da partida, é
necessário valer-se desse tipo de manobra decisiva, e é quando se faz o ponto culminante da
mesma. Portanto, o avanço de peão à quinta casa só deve ser feito confiadamente, quando
está sustentado por uma sólida cadeia de peões, ou nada pode evitar que esta seja construída.
4. Um peão na quinta significa uma debilidade, compensada ou não por outros detalhes
estratégicos, quando as casas laterais do mesmo podem ser ocupadas por peças rivais.
5. Um peão na quinta, com peão adversário diante, ou seja, imóvel, é uma manobra que deve
ser muito meditada, se para sustentá-lo tivermos que recorrer a peças de maior valor.
6. Um peão que avança à quinta sem propósitos imediatos de ataque cria uma obrigação de
adotar uma configuração determinada de peões e enseja o começo de uma rigidez perigosa na
conformação dos mesmos. Deve ser muito bem estudada, já que há muitas posições em que
esta manobra é necessária.
7. O avanço de um peão à quinta justifica-se, nas posições de ataque, pois serve para
desalojar peças que defendem os roques e abre brechas para que um bispo atue.
8. Em troca, o avanço à quinta é um aventura estratégica que abarca toda a partida, se se trata
de uma posição de manobras lentas, em que há que resignar-se a uma demorada luta de
planos indiretos. Nestes casos, habitualmente, o peão imobilizado na quinta se converte no
vértice de uma ação tenaz do adversário.
10. Levar peões do flanco ao centro, mediante a troca dos mesmos é quase sempre uma
manobra estratégica proveitosa. Trocar um peão central por outro do flanco, significa
habitualmente ceder a fiscalização do centrro ao adversário.
11. Todo ataque a um peão central por um peão lateral é geralmente bom e pode ser um tema
tático.
12. Torna-se melhor, quase sempre, defender um peão central, do que capturar um peão do
flanco.
14. Quando se luta com três peões unidos contra dois peões, nunca se deve avançar o peão
central.
Peões isolados
15. Peão isolado, é aquele que não tem nas colunas vizinhas peões do seu próprio bando. A
tática de isolar um peão central e acumular peças em sua agressão significa uma vantagem
apreciável: a iniciativa e habitualmente, superioridade em espaço.
16. O peão isolado é débil, especialmente se se encontra em uma coluna aberta (coluna aberta
é aquela que não possui peão. No caso, obviamente, o peão branco, por exemplo, estaria em
uma coluna sem o respectivo peão negro adversário, e nem teria peão branco em nehuma
coluna adjacente). Porém, oferece a compensação de que as casas, que fiscaliza, serem
pontos fortes para uma peça própria. Ademais, significa abundância de temas de ação nas
colunas abertas laterais.
17. Quando se pressiona um peão isolado central, deve-se colocar à sua frente uma peça, já
que a verdadeira debilidade do peão isolado radica no ponto forte para o rival, que é casa
diante dele. Ponto forte, porque não pode ser atacado por nenhum peão.
18. Fixar um peão isolado na maioria dos casos é mais forte que a captura do mesmo.
Peões dobrados
20. Quando os peões de uma mesma cor encontram-se em uma mesma coluna são chamados
de peões dobrados. Os peões dobrados são aceitáveis só nas quatro colunas centrais e
oferecem abundantes compensações. Produzem-se habitualmente nas colunas bispo da dama
e bispo do rei e só se devem temer por eles, se se tornam isolados ou se avançam
defeituosamente.
21. Os peões dobrados e isolados em uma coluna aberta são habitualmente um mal
irreparável. Em troca, os peões dobrados em colunas fechadas centrais (rei e dama) não são
fáceis de ser exploradas e oferecem como compensação o domínio das casas e4-e5 e c4-c5,
se são dobrados na coluna da dama, ou d4-d5, e f4 e f5, se estão dobrados na coluna do rei,
com o que trabalham grande parte do planos rotineiros dos jogos.
22. A debilidade dos peões dobrados se agrava à medida que a posição se abre e se chega ao
final. A possível debilidade do peão avançado é a casa lateral do mesmo.
Peão passado
23. Peão passado é aquele que não pode mais ser combatido por outro peão, quer da mesma
coluna ou da coluna vizinha. Ter um peão passado no meio jogo é uma vantagem muito
relativa, quando não existe possibilidade de provacar um rápido final.
24. Todo peão passado e sustentado deixa um ponto forte ao rival, que é a casa que se
encontra diante do peão.
25. Colocar um cavalo na casa que se encontra diante o peão passado é uma manobra muito
boa, pois, além de deter o peão, pode-se atacar a sua sustentação.
26. Um peão passado e livre cria, quase sempre, uma posição rígida de peões que vão
sustentá-lo, o que pode dar ao adversário uma considerável vantagem, pois os peões que
podem mover-se são muito mais fortes que os imóveis.
27. Os peões passados livres, sustentados por peões que se encontram à sua vez em colunas
abertas, são muito débeis, pois abre ao adversário a facilidade de agredir os sustentáculos de
todas as forças.
28. A verdadeira forma de agredir a um peão passado é minar sua sustentação, com a
provocação lateral a um peão que o apoia.
29. O peão passado e sustentado é muito forte nos finais de partida e nas posições abertas,
onde a simplificação é fácil. Entretanto, nas posições de bloqueio, sua força diminui muito.
30. Se se dominar com outras peças a casa diante do peão passado, ele se torna muito forte.
31. Em síntese, o peão passado é forte em muitas posições, porém em outras não, e o jogador
deve analisar e considerar em cada caso as vantagens e desvantagens que isto pode
ocacionar, sem crer no axioma que afirma que o peão passado e defendido é decisivo nas
posições normais.
33. Quem tem maioria de peões na ala afastada do rei inimigo deve buscar a simplificação de
peças, já que à medida que se apresente simplificada a posição, esta superioridade de peões
acentua a superioridade posicional.
34. Quem tem desvantagem de peões na ala afastada do rei, ao chegar ao final, ou pré-final,
deve levar o seu Rei até ela, para neutralizar tal vantagem adversária.
35. Fianqueto é a ação de levar o peão do cavalo à terceira casa, para posteriormente colocar
um bispo na segunda casa do cavalo. É habitualmente um erro o fianqueto dama, antes ou
depois de jogar e4, porque se sobrecarrega a ação do bispo dama, que deve proteger a casa
f4, a par de atuar na grande diagonal que abriu o fianqueto.
36. A jogada g3 merece meditação, quando se tem jogado d4, porquanto fica difícil defender as
casas c4, f3 e h3, que o avanço do peão da coluna g deixa privadas do apoio de um peão.
37. É ainda perigoso o fianqueto na ala da dama conjugado com e4, porquanto habitualmente o
rei roca curto e para fiscalizar o ponto f4 se faz necessário jogar g3, o que debilita
decisivamente o roque.
38. É habitualmente um erro jogar o fianqueto rei e Bg5 , ou, fianqueto dama e Bb5, quando se
deseja conservar o bispo, já que esta peça carece, às vezes de uma retirada natural por via h4
e g3 ou a4 e b3.
39. O avanço do peão a f4 é perigoso, quando o peão de e4 não está defendido pelo peão de
d3.
40. Quando se tem jogado e4, deve-se meditar antes de jogar c3 se não se pode fiscalizar
solidamente o ponto d3, quando o adversário dispõe da possibilidade de abrir a coluna central
entre ambos os peões, por meio de ...d5.
41. Quando se colocam os peões solidamente nas casas centrais negras, e4 e d3, não se deve
jogar Bg5, porque não é bom trocar o bispo pelo cavalo, já que aquela peça precisa custodiar
as casas laterais dos peões avançados. O mesmo se passa, quando os peões estão fixos em
casas centrais brancas, com o bispo negro.
Conclusão
Obviamente, se a gente quiser que nosso jogo não tenha nenhuma fraqueza de peões, nunca
jogaremos nenhuma partida, pois o primeiro avanço de peão que fazemos já enfraquece um
pouco a posição. Essas regras são passadas para que o principiante não cometa absurdos, ou,
quando se deparar com alguma fraqueza em sua posição, tente consertá-la, e quando verificar
uma fraqueza na estrutura do adversário, saiba tirar proveito. Nunca, porém, tombe seu rei, ao
perceber que um peão seu ficou isolado na coluna da dama. Principalmente, se houve alguma
compensação por isso, como por exemplo uma coluna aberta que pode ser aproveitada.
Como foi dito no início, a partir do estudo da estrutura de peões é que se passou a
compreender cientificamente (vamos dizer assim) o xadrez. Cabe a cada um de nós avaliar o
peso, na partida, de cada uma das fraquezas analisadas.
- Pois bem - disse finalmente o mestre. Tenho em mãos a partida que ganhou do nível 20 do
seu computador para ser analisada na próxima aula, juntamente com alguma outra que me
trouxer. Até a próxima, então.
Veja a aula 3
– Finalmente chegou o dia de visitar o mestre – falou para si mesmo o aprendiz, enquanto
caminhava pela calçada. Abriu o portãozinho, foi até à varanda e bateu na porta.
Atendeu-o o mestre sorridente. Deixava transparecer que estava satisfeito com o encontro e
demonstrou isso logo nas primeiras palavras:
– Estive analisando sua partida e gostei muito. Para quem começou recentemente você está
muito bem. Está gostando do seu progresso, acha que progrediu bastante?
– É sobre isso que eu quero falar. Gostei tanto de saber sobre os peões e sua importância, que
posso dizer ao senhor que hoje, depois de estudar a teoria dos peões, minha maneira de ver o
xadrez mudou por completo. Tanto, que já não estou gostando tanto da partida que trouxe para
o senhor mês passado...
– Muito bem – disse o mestre. Vamos fazer assim, então. Hoje, no final da aula, discutiremos
sobre ela. E sempre que você trouxer mais alguma, falaremos sempre na aula seguinte.
O aprendiz o interrompeu:
Um dos problemas mais sérios que se apresentam ao principiante em xadrez é saber quando é
conveniente chegar a um final com bispo ou com um cavalo.
Poder-se-ia antecipar que o valor de ambas as peças é igual e que só a situação que no
tabuleiro ocupam os peões é que vai determinar a maior ou menor importância de um ou de
outro.
Regras práticas
Empate
4. Os bispos são muito superiores nos finais de reis e peões, quando existe
igual número de peões, porém desequilibrados em ambos o flancos, por
exemplo: quatro contra dois na ala de dama, e um contra três na ala do rei.
Nesses casos, o bispo aumenta sua ação pela possibilidade de apoio aos
avanços do peão, sem comprometer sua ação defensiva.
Conclusão
4. No final de peão e cavalo contra bispo, estando o rei que deve conter o
peão atrás deste, deve-se colocar o rei frente ao rei inimigo, para evitar que
o cavalo interponha-se. Por exemplo, se as peças brancas tiverem a
seguinte colocação: Rc6 – Pb5 – Ca6, contra o bispo das pretas em g1, a
posição ideal para o rei negro é em c4, para evitar Cc5 do branco.
8. Quem possui a vantagem dos dois bispos deve tratar de trocar as outras
peças para chegar a um final puro de bispos. Quem luta contra eles deve,
em troca, evitar tal final e trocar um dos bispos rivais.
10. Quem joga com dois bispos não deve deixar pontos débeis no tabuleiro
nos quais possam colocar-se cavalos inimigos defendidos, pois em muitas
oportunidades deverá trocar um bispo por este cavalo, e a vantagem se
dissipará.
Bispo (complemento)
c. O bispo dama é uma peça que deve por-se em jogo com muito tato, já
que não dispõe de boas casas naturais na maioria das aberturas. É
prudente sacá-lo de sua posição inicial somente quando a estratégia
medular da partida estiver bem definida.
e. Quem mantém o bispo atrás de seus peões deve evitar que os peões
rivais consigam bloquear totalmente seus próprios peões.
Veja a aula 4
O mestre, após entregar os resumos ao aprendiz, passou a discorrer sobre a partida que
prometera análise. Disse:
- Caro jovem, vejamos finalmente alguma coisa prática. Vamos à análise de sua partida.
Faremos as considerações juntos. Primeiramente quero ouvi-lo, depois darei meu parecer.
Sente-se aqui à mesa. Você vai fazendo os movimentos que eu ditar, ok?
- Comecemos, disse o mestre. E ditou: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e6
6.Be2 d5 7.e5
Respondeu o aprendiz:
- Este foi o primeiro lance que tomou bastante tempo, pois calculei que se o centro se abrisse,
a minha posição ficaria bastante inferior, pois o computador é muito bom em cálculo. Joguei e5
sabendo que teria problemas, mas quis bloquear o centro. Eu avancei o peão com essa idéia.
E quando o computador retirou o cavalo para d7, nunca imaginaria que ele aproveitaria para
fazer um sacrifício em cima deste mesmo peão. Achei que este meu peão, com f4 ou Bf4
estaria bem defendido....
- 7...Cfd7 8.f4
Perguntou, a seguir:
- Porque, de acordo com aquela teoria de que o bispo dama na sua casa inicial não é ruim e
pelo fato de que já tive problemas quando numa Defesa Siciliana anterior não contei com este
bispo por perto para conter os contra-ataques na ala da dama. Por último, em função de que
gosto de jogar a Siciliana avançando o peão a f4, sempre que possível.
- Observe: se eu não coloco o meu bispo em d2, quando as negras tormassem o cavalo, teria
que jogar bxc3, deixando um peão isolado na coluna da torre e peões dobrados na coluna do
bispo e não obteria nenhuma compensação por essas fraquezas. Sem contar que tirei a
cravada sobre meu cavalo.
- 9...Cxe5
- Lógico. Não estou acostumado a ver o meu Excel 68000 fazer combinações. Fiquei
aguardando, portanto, chumbo grosso para o meu lado. Mas não vi outra alternativa senão
jogar fxe5 a seguir, aceitando o sacrifício, pois pensei que se não o fizesse, deixaria meu
adversário numa posição privilegiada, por exemplo, com possibilidade de ir com o cavalo a c4.
- Prossigamos: 10.fxe5 Dh4+ . Outro susto?!
- Sim. Meu coração mudou de ritmo. Achei que aquele lance já decretava minha derrota, pois o
quando o computador adianta a dama, quase sempre me causa grandes problemas, pois ele a
coloca entre as peças sem medo de cálculo errado. Depois me acalmei um pouco e, a despeito
de achar que já estava tudo perdido, resolvi dar o máximo de trabalho a meu opositor. Num
primeiro momento lembrei que ganhara do computador uma vez em razão de ele também ter
avançado a dama pelo seu flanco. Naquela oportunidade eu ainda estava dominando a famosa
casa d4, agora, porém, os caminhos são outros.
Com isso me acalmei e antes que iniciasse minha análise geral, verifiquei que num primeiro
momento eu deveria resolver o problema presente: estava em xeque! E como só havia dois
lances jogáveis, g3 ou Rf1, optei por g3, para não perder o roque, que além das vantagens
inerentes, colocaria minha torre do rei numa coluna aberta.
- Então, vamos lá. Vocês jogaram 11.g3 Dxd4. E aí? Este lance também foi surpresa?
- Não, este não foi surpresa. Mas me desagradou bastante, pois um dos trunfos que gosto de
contar é a colocação do meu cavalo na frente de um peão adversário isolado (ou ´´semi-
isolado``, vamos dizer assim). Depois do lance 11, eu raciocinei por uma meia hora para fazer a
análise geral. Segui os seguintes passos:
Dessa análise da posição, confirma-se, obviamente, que a vantagem é dele. Portanto, tem o
dever de atacar, como está efetivamente fazendo. A mim me cabe defender ou contra-atacar.
Parti, então, para a segunda fase da análise, a que vai me orientar o setor e se com peças ou
peões devo jogar.
O centro está aberto, pois, apesar de nossos peões do rei estarem bloqueando um ao outro, o
peão da dama dele logo iria poder avançar livre, quando ele fizesse Dxe5. Logo, o correto -
pela teoria - é: como o computador está com vantagem posicional e o centro se encontra
aberto e dominado por seus peões tem o dever de atacar, e atacar com manobras de peças
pelo centro. Então, eu terei que me precaver.
Esperei, portanto, que ele optasse por 12...Dxe5, jogada esta que eu não via como evitar.
Tipo de partida
Deduzi que o meu caso seria um plano estratégico pluriescalonado. Que só é pluri, porque
existe mais de uma idéia, mas que é simples.
E ele foi elaborado assim: como estou em desvantagem e não tenho como evitar a abertura do
centro (com o suposto Dxe5), vou tentar tirar proveito do que eu tenho de melhor a meu favor:
as casas débeis do adversário e a coluna f aberta.
Pensei em dois pulos para meu cavalo: b5 e em seguida d6, pois indo a b5, inicialmente já
incomodaria o bispo de b4. Depois tentaria colocar o bispo ou a dama próximo ao meu cavalo.
E, numa outra etapa, colocaria uma torre em f1.
- Vamos continuar: 12.Cb5 Bxd2. E este movimento, o que achou? Parece que você esperava
que ele tomasse o peão central com a dama...
- Esta é apenas outra arma que meu adversário poderia usar contra mim, ou seja, aquela idéia
de que "quem está com vantagem material, sobretudo de peão, é interessante trocar peças".
Portanto este lance é facilmente previsível, porém não afeta fortemente o meu plano. Pois
minhas respostas serão quase que forçadas.
- Muito bem. Na seqüência 13.Dxd2 Dxe5 14.Db4. Você certamente seguia seu plano...
- Exatamente. Foi isso que me deu uma certa confiança. Achei que estava conseguindo o
propósito de perder da maneira mais honrada possível. Pois, com este lance, eu estava
defendendo b2 e ao mesmo tempo contra-atacando suas casas débeis. E notei, aí, que a
diagonal a3-f8, dominada pela minha dama, coincidia uma casa (f8) com a coluna f aberta, o
que poderia me dar uma chance, quem sabe até de eu conseguir um empate. Por isso, alguns
lances depois, não tive receio de fazer o roque e deixar o bispo de e2 sem defesa, como
veremos a seguir.
O meste continuou:
- Estaria mentindo se falasse que não. Mas foi apenas um pequeno susto. Neste momento eu
já estava mais tranqüilo. Resolvi voltar a dama a a3, para não perder o domínio dela sobre a
diagonal a3-f8. E como havia chance de dar um xeque atacando uma peça, resolvi fazer Cd6+
antes que Da3, mesmo porque impediria o roque contrário.
- Este lance - interveio o aprendiz - me transmitiu mais tranqüilidade. Percebi que o adversário
já começava a se preocupar com minhas jogadas.
Aqui - disse o mestre - você correu um risco calculado: sacrificar material, em troca de usar a
coluna aberta e conseguir talvez um empate...
- Correto.
- Com este lance das pretas, você deve ter ficado satisfeito...
- Como fiquei! Vou mais além, comecei a pensar em tentar até uma vitória.
- Vamos ver então como prosseguiu: 19.Cxh8 Rxh8 20.Df8+ Rh7 21.Tf7 De3+ 22.Rh1 De4+
23.Rg1 Dd4+ 24.Rh1 Dxb2 25.Taf1 b5 26.T1f6. Daqui para frente é apenas uma questão de
técnica. Terminemos a partida apenas para saborearmos como foi o final. 26...Dxf6 27.Txf6
Bb7 28.Df7 Cd8 29.Dg6+ Rg8 30.Tf4 Bc6 31.Tg4 Rf8 32.Dxg7+ Re8 33.Tf4 Cf7 34.Txf7 d4+
35.Rg1 Rd8 36.Df8+ Be8 37.De7+ Rc8 38.De8++.
- Parabéns, meu rapaz! Estamos progredindo bastante. Estou contente com a sua aplicação
nos estudos e satisfeito que a nossa "tabelinha" de análise passo a passo tenha ajudado você
a escolher um bom plano.
Devemos, porém, acrescentar algo sobre a lição dessa partida. Primeiro, não se deixe levar por
otimismo exagerado. Existem bastantes degraus de níveis no xadrez e, portanto, esta partida,
que para nós principiantes foi boa, para o pessoal de nível mais elevado não teria sido
conduzida da maneira como foi, pois ter-se-iam corrigidos erros logo no início. E isto nos leva a
encará-la como uma ótima partida no nível que nos encontramos e que estamos no caminho
certo para galgar outros níveis, mas devemos fazê-lo com humildade e competência. Com
perseverança, mas sem atropelos, porque a gente para caminhar só pode dar um passo de
cada vez, e pular ou correr para chegarmos mais depressa pode nos ocasionar um tombo.
Vou tentar fazer uma análise um pouco diferente da sua, com o objetivo de orientá-lo sobre
situações futuras, mas repetindo que a sua performance, no meu modo de ver, está ótima."
Veja a aula 5
Fez uma breve pausa, como se retocasse a última linha de raciocínio e falou:
– Como eu já disse, você foi muito bem. Aplicou corretamente os conceitos, tentou desenvolver
a teoria com calma, e o mais importante para um principiante, não se prendeu
demasiadamente à mesma, tentando ser criativo.
– Também não se abalou e teve sangue frio suficiente para sacrificar mais uma peça para
continuar com a iniciativa e prosseguir no ataque, ao efetuar valentemente 17.0-0!.
– Passemos, então, ao ponto-chave da partida, que ocorreu ainda bem cedo, nos primeiros
lances da abertura.
– Lembre-se do que disse Steinitz: "Todo plano há de ter um fundamento, que não radique na
personalidade do jogador, e sim na situação que se apresenta no tabuleiro".
– Você falou que após o surpreendente lance das pretas 6...d5, optou por 7.e5 para bloquear o
centro, simplesmente porque tem preferência por partidas com o centro bloqueado.
– Se você conseguir conciliar o que pede a posição com a sua preferência, tudo bem. Caso
contrário, opte pelo que pede a posição.
– Vejamos. Se ao invés de 7.e5, tivesse optado por 7.exd5, a partida poderia seguir assim:
7...Cxd5 8.Bb5+ Bd7 9.Cxd5 exd5 (Para 9...Bxb5 10.Cxb5 exd5 11.Dxd5 Dxd5 12.Cc7+ Rd7
13.Cxd5 com um peão de vantagem) 10.0-0 e as brancas teriam jogo tranqüilo por causa do
peão isolado adversário.
– Vale acrescentar, meu caro aprendiz, que você correu um risco muito grande ao permitir a
invasão da dama preta em seu território, minando suas forcas.
– Obrigado, mestre. Vou me lembrar dos seus conselhos nas próximas partidas.
– Como o cavalo preto se viu obrigado a se mover, e o fez para d7, eu não me preocupei com o
seu novo posicionamento e calculei erroneamente que a simples defesa de e5, com 8.f4,
resolveria meu problema.
– Presumo, portanto, que o fato de eu não prever o sacrifício do cavalo é um erro que preciso
corrigir com urgência.
– Não vejo assim, interpelou o mestre. Acredito que a cada partida você evoluirá de forma
natural neste quesito. Acho que não precisa se preocupar demasiadamente em tentar descobrir
muitos lances à frente, por enquanto. Futuramente passarei a você o notável estudo do
conceituado treinador russo Alexander Kotov, extraído de seu livro "Pense como um grande
mestre", sobre a famosa árvore da análise, quando então discutiremos mais detalhadamente
tal assunto.
– Por enquanto, como exercício, na partida que ora estudamos, você pode tentar descobrir
quais os melhores lances de ambos os lados. Mas, faça de forma leve, sem se desgastar
demais...
Veja a aula 6
Nesse momento, o mestre parou a conversa e fez fixo o olhar num ponto imaginário, no infinito.
Disse solenemente, como se falasse a si mesmo.
– Meu caro jovem, parece que nosso estudo está caminhando bem. Qual será o próximo
passo? São tantos os temas abordados tão sabiamente nos livros e que tentamos passar à
frente, que às vezes nem sabemos por onde começar. São tantas teorias bem desenvolvidas
pelos mestres escritores, que para eu repassá-las fica difícil a escolha de qual será a primeira.
Mais uma vez vamos pedir uma “mãozinha” ao Grau.
Como se voltasse a si, continuou:
– Outra coisa que está me deixando satisfeito é a evolução natural que estou percebendo neste
nosso pequeno estudo. As coisas estão se encaixando bem, quer ver?
– Eu pensava em reservar um capítulo à parte ao estudo da dama, por sua importância, e pela
dificuldade que o principiante tem em lidar com ela.
– Dizem-nos que o avanço prematuro da dama é perigoso. A seguir, vemos os grandes mestres
às vezes colocarem a preciosa peça na sétima linha, entre as peças adversárias,
aparentemente sem correr risco. Ou então, quando jogamos contra o computador, e ele faz um
avanço de dama contra nossas fileiras, quase sempre nos coloca numa grande enrascada.
– Nosso objetivo é tentar passar-lhe a idéia de que há momentos adequados para o avanço da
dama, e que podem sem explorados. E que, na maioria das vezes, porém, é aconselhável que
a “rainha” fique aguardando o momento oportuno para entrar em ação.
– A sua partida, a que acabamos de analisar veio a calhar, como ilustração. Você deve ter
percebido que até o computador, que é exímio em cálculo, não suportou o seu contra-ataque e
sucumbiu. Portanto nossa primeira recomendação: não é aconselhável sair prematuramente
com a dama.
O aprendiz interveio:
– Existe uma maneira de eu saber quando posso arriscar uma saída mais ousada?
– Antes, porém quero mostrar-lhe um pequeno exemplo. Foi retirado de uma das partidas que
você deixou comigo. Esta aqui, que você jogou recentemente de brancas, numa Defesa
Siciliana.
– A propósito, meu caro jovem, por que você me apresentou quase todas as partidas com a
característica da Siciliana?
– Concordo com sua idéia. Mas entremeando as temáticas, faça uma ou outra com suas
próprias idéias desde a abertura, como exercício, correto? Capablanca dizia que se você
procurar usar as regras do bom desenvolvimento desde o início, não precisa ficar com medo de
abertura desconhecida.
– Será?
– Eu disse isso com o objetivo de provocar você. Então, vou completar com uma outra
afirmação do grande campeão mundial Emanuel Lasker: “deve-se desenvolver os cavalos,
antes que o bispo”.
– Já, Ricardo Reti, disse que se Lasker usasse essa teoria em suas próprias partidas, ele
jamais seria campeão do mundo. E disse ainda não se lembrar de nenhuma partida que o
mestre alemão, jogando com as brancas, tenha seguido a sua própria teoria!
– Obviamente, estamos brincando. Com certeza o que Lasker quis dizer é se você tiver as
opções como boas jogadas da vez, o desenvolvimento de um bispo ou um cavalo, ambos na
casa inicial, é preferível que seja este último a ser desenvolvido, porque ele pode estar
dominando menos casas do que o bispo, que desde sua casa inicial já domina várias casas, se
não estiver bloqueado, logicamente. Quanto à Capablanca, é certo que para ele deve ser fácil
achar como óbvias as jogadas teóricas de aberturas, e não se dá conta que para principiantes
é uma escuridão total.
– Vamos falar sério. Quando lemos nos livros mais avançados, que a dama é “uma má
defensora” não conseguimos entender direito a mensagem do autor. Quem sabe numa partida
que “um certo aprendiz” fez, a gente consiga entender mais fácil. Eu digo os lances e você os
realiza no tabuleiro, está bem?
– Vejamos: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e6 6.Be2 a6 7.0-0 Be7 8.Rh1 0-0
9.f4 b5 10.a3 Bb7, por que você jogou 11.Dd3?
– Para me escapar do ataque duplo ao peão de e4, achei que entre os lances 11.Be3 e 11.Dd3,
este último seria mais completo, por centralizar a dama, facilitar a junção das torres e poder
agir com mais eficiência na ala da dama.
– Muito bem - atalhou o mestre, e em tom de brincadeira continuou: – e tornar a dama alvo de
algum ataque...
– Completemos: 11.Dd3 Cbd7 12.Cb3 Dc7 13.Be3 Cc5 14.Cxc5 dxc5 15.Bf3 Tfd8 16.De2 b3
– Devo reconhecer que você fez uma boa partida, pois ainda venceu em 33 lances. Mas o que
quero enfatizar, é que o lance 11.Dd3 deu chances a que o cavalo “pensasse” em dois pulos
para alcançá-la. A briga das brancas girou em torno da exposição da dama, fato que devemos
estar conscientes para fazê-lo. Acredito que movimentar a dama (adiantando-a) traz
conseqüências semelhantes ao avanço do peão à quinta casa, ou seja, deve ser feito com
muita cautela.
– Portanto, este foi um auto-exemplo, a você, caro aprendiz, sobre o perigo de avanço da
dama. Veremos, agora, um estudo específico de centralização da dama, que você irá levá-lo
para casa, estudá-lo, para depois discutirmos.
A centralização da dama
Um tema valioso é a centralização da dama, por ser ela uma peça delicada
para jogar nas aberturas.
Difícil é saber quando a sua saída não será prematura, e, sim, que será
colocada em posições sólidas.
Como já foi dito, a dama, na abertura, deve tão somente ser movimentada
no sentido de colaborar com o desenvolvimento geral das peças, para não
se expor.
Por exemplo: 1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.d4 exd4 4.Cxd4, o negro não pode
responder 4...Cxd4, porque logo após 5. Dxd4, a dama branca estaria
solidamente situada no centro do tabuleiro, dispondo de um bom raio de
ação e não poderia ser desalojada por meio de c5, sem deixar uma grande
debilidade para as negras no ponto d5.
Quase não há abertura do rei onde não se produzem situações desse tipo.
Ainda, como por exemplo na Defesa Siciliana, logo após 1.e4 c5 2.Cf3 Cc6
3.d4 cxd4 4.Cxd4, não se deve seguir 4... Cxd4, porque logo após Dxd4 as
brancas centralizam a dama poderosamente e não é fácil desalojá-la com
uma peça menor (e5 deixaria fraco o peão que futuramente irá a d6).
Veja a aula 7
– Você sabia que a troca de damas é também uma decisão bem difícil, e que até os grandes
mestres podem errar em seu julgamento?
– A troca de peças não é sempre feita com valores exatamente iguais, já que as mesmas
trocam de valores, de acordo com a posição que ocupam no tabuleiro. E se essa troca de
valores sucede com as peças menores, no caso das damas o problema cresce em dimensão.
Em síntese, a troca de damas favorece sempre quem tem melhor configuração de peões para
o final, e deve ser recusada quando se tem ataque, vantagem quanto a pontos débeis ou
vantagem em espaço.
Quando se luta com uma posição aberta contra uma posição fechada, a dama deve ser
conservada, porque dispõe de maior quantidade de ameaças. E as peças valem pela
quantidade de ameaças que representam.
– Numa partida entre Bogoljubow, que conduzia as peças brancas, e o grande campeão
mundial Alekhine, após 23 lances, atingiu-se a posição do diagrama.
“E o que é mais estranho ainda, meu outro adversário, o Dr. Max Euwe, tem a mesma
tendência singular de trocar as damas em momentos impróprios.
“E, se menciono estas ocorrências, não é de maneira alguma com o fim de criticar
indevidamente meus adversários, senão para recordar aos aficionados o difícil que é resolver
sobre a oportunidade da troca de damas, e quanta atenção merece o assunto.
“Se os mais altos expoentes de nosso jogo falam tão amiúde de suas possibilidades nos finais,
que se pode esperar das dificuldades de menos experimentados?”.
– Pois bem, meu caro aprendiz, percebemos que em todas as esferas o tema é tratado com
respeito. Para encerrar nossa aula de hoje, passarei a você algo sobre o tema duas torres
contra a dama.
Temos estudado sobre a troca de peças de parecido valor. Trataremos agora de um tema sobre
troca um tanto mais melindroso, qual seja, a troca de dama por duas torres.
De pronto podemos dizer que nenhum principiante tem a “coragem” de desfazer-se de sua
dama, julgando que ela é sempre uma arma muito poderosa, em qualquer situação. Veremos
que não é bem assim.
A troca de dama por duas torres é um fato que acontece amiúde, e pode-se afirmar que sobre
esse fato há um conceito um tanto equivocado entre a maioria dos jogadores.
A dama é muito forte como peça agressiva e reduz em eficiência quando se obriga a defender
peões. Porém, é mais forte que as torres, se consegue invadir a posição adversária e atacar os
peões inimigos.
A dama é mais eficaz que as duas torres nas posições abertas, com abundantes brechas, e
inferior quando a única coluna aberta é dominada pelo adversário.
Regras
1. Existem cadeias sólidas de peões, mas que haja coluna aberta dominada
pelo adversário.
3. Nos finais, quando ambos os reis estão em segurança absoluta. (As duas
torres são mais fortes nessa situação, já que podem atacar um ponto e
apoderarem-se dele, porquanto se apoiam mutuamente).
4.O adversário tem um peão de vantagem, que pode ser coroado. (As duas
torres podem, sem muito esforço, coroá-lo, contra a melhor defesa da
dama.)
Um exemplo prático
Veja a aula 9
Ansiava por discutir com ele um tema, que até poucas horas antes não estava muito convicto:
casas fracas e peões fracos.
Quantas vezes já lera sobre essa "fragilidade" sem se dar conta da sua real importância!
Porém só agora começara a entender a magnitude, o vigor desse tema. A sutileza daquela
força, a dificuldade de alcançar, e quão rica proposta didática.
Foi necessária a obrigação de tornar o tema sensível didaticamente, de preparar bem a sua
aula, para se esmerar melhor no entendimento desse que é um tópico tão intrigante.
A campainha tocou.
O aprendiz entrou sorridente, como sempre fazia, transmitindo ao mestre aquela sensação de
confiança e amizade. É o que bastava ao bondoso "velhinho" para que se rejuvenescesse um
bocado.
– Segundo o que eu li são casas que, por não poderem ser defendidas por peões, tornam-se
alvos de ataques e sua defesa pode comprometer a posição do defensor.
– E peões fracos?
– Peões fracos são aqueles que ocupam casas fracas, ou seja, são aqueles que não podem
ser defendidos por peões.
– E se um peão fraco estiver defendido por uma peça? Ele deixa de ser fraco?
– "Casas fracas e peões fracos constituem outra boa peça que este fabuloso e misterioso jogo,
que se chama xadrez, nos prega.
Você não tem como fazer uma análise de posição, sem levar em conta as casas fracas e os
peões fracos.
Na verdade, eles estão estritamente relacionados à estrutura de peões. E já está mais do que
provado que o grande Philidor estava certo: os peões são a alma do xadrez.
Todo avanço de peão, cria uma fraqueza. E não se joga xadrez sem avançar peão.
Essa aparente incongruência é uma das coisas que faz do xadrez uma arte.
Você deve classificar com cuidado uma estrutura de peões, para a partir daí caminhar na sua
avaliação, e decidir, no fim de outros estudos, se irá atacar, defender, contra-atacar. Porém,
uma possível fraqueza detectada de peão ou casa, por si só raramente pode ser explorada
imediatamente. Mas não pode ser ignorada."
Concluiu:
– Vou passar a você um pequeno resumo sobre o assunto de que debateremos hoje. Após
estudá-lo, faça, por favor, uma auto-avaliação sobre as respostas que você me deu hoje quanto
às casas fracas e peões fracos. Você perceberá que seus conceitos não estão todos corretos.
Eis o resumo:
2. Casa fraca é aquela que não pode ser defendida por peão. Porém (muito
importante) esta debilidade só se configura, quando pode ser aproveitada
pelo adversário.
5. Se, por exemplo, um peão fraco é tomado por um cavalo, continuará fraca
a casa onde se encontrava o peão.
É de certa forma paradoxal o conceito sobre casas fracas e peões fracos. Os grandes mestres
iniciam a análise de uma posição, detectando os peões fracos e as casas fracas do adversário
e de sua própria posição. É a partir daí que eles iniciam sua estratégia; entretanto, estas
fraquezas só trarão resultado prático, se for usado um plano estratégico correto, e uma tática
também correta para tirar proveito de tais fraquezas. De outra forma, é como se não existissem
fraquezas.
– "A moderna estratégia alterou o conceito de peões fracos e casas fracas, transformando-os
em um conjunto de fraquezas, que ajuda a compor a dinâmica de uma posição, com forte
influência na valorização do conjunto de debilidades."
– Interfere direta ou indiretamente nos bons lances das pretas: a3, Be6 e f5.
Bibliografia:
Veja a aula 10
Após uma hora de conversa sobre o tema específico do dia (fragilidades de casas e peões), o
aprendiz deixou a casa do mestre.
Pensou consigo mesmo: até quando o xadrez poderá mostrar novos rumos, novas maneiras de
ver teorias antigas?
Mal chegou em casa, jogou o material sobre a mesa e foi se encontrar com o vizinho, amigo de
lutas enxadrísticas, e relutante de estudos teóricos.
Sortearam as cores e o aprendiz começou com as brancas: 1.e4. Quando Marcelo respondeu
1...c5, o aprendiz argumentou:
- Marcelo, você se importa de entrar noutra linha, para a gente evitar a Siciliana?
- Mas foi você mesmo que me ensinou, que nessa fase de nosso aprendizado, na qual não
estamos interessados em aprender abertura, que o melhor é jogarmos uma só, para irmos
familiarizando pelo menos com ela?
- E eu concordo com a idéia - continuou Marcelo - pois o que pretendemos é jogar da meio-jogo
para a frente. Depois voltaremos a treinar aberturas, aí, sim, cada dia jogaremos uma diferente.
Além do mais, acho que faz parte de sua armadilha me lançar a um começo diferente. Não,
senhor, vamos na Siciliana mesmo.
Disse o aprendiz:
Jogaram várias partidas durante o mês. O aprendiz estudou bastante o tema, viu partidas de
mestres, jogou também com o computador, sempre tentando explorar as casas fracas.
- Trouxe uma partida que joguei com meu amigo. Posso deixar com o senhor, para analisá-la
pra mim?
- Façamos como sempre - prosseguiu o mestre - eu dito o lance o você o executa no tabuleiro,
fazendo os comentários que achar necessário.
- Vamos lá: 1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 g6 6.Be3 Bg7 7.Be2 Cc6 8.0-0 0-0
9.b3 Cxd4 10.Bxd4 Bd7 11.f4 Da5 12.a3.
Para diminuir o espaço da dama negra no ataque, e ao mesmo tempo adiantar minha estrutura
de peões na ala da dama.
- Neste lance eu quis explorar a fraqueza da casa d6, não deixando de perder a iniciativa.
- Epa! - Disse o mestre - estou vendo aqui um lance ousado. O que foi isso, você previu uns
cinco lances seguintes e verificou que não ficaria em desvantagem?
- Diretamente, não. Mas, as casas fracas, por onde poderia saltar com meu cavalo (d5-f6), se
encarregaram de me dar a condição: é como se eu houvesse previsto as próximas jogadas.
Elas me deram a certeza que eu teria compensação. O meu cavalo poderia atacar e7 e c7.
Mas para isso eu teria que eliminar o cavalo preto de f6. Não pensei duas vezes, confiando que
as casas fracas adversárias seriam mais importantes que a desvantagem que eu teria na troca
da minha torre pelo cavalo preto.
- Você está correto. Continuemos: 16...Bxf6 17.Cd5 Dc6 18.Be7 Dxd5 19.Dxd5 f6xe7 20.Dxb7
Rf8.
O mestre, então, interrompeu a fala, e após uma pequena pausa, voltou-se ao atento aprendiz:
- Parabéns, meu rapaz. Você entendeu a importância das casas fracas e já está tirando
proveito disso. Às vezes, a simplicidade estampada no fato de um aluno confiar no
ensinamento de um professor traz a este mais alegria que espetáculos soberbos.
"Baseando-se nas casas fracas, você usou corretamente o bispo no lance 15, o sacrifício da
torre, os saltos do cavalo, e como agradável conseqüência, no vigésimo lance está com clara
vantagem".
"Estou vendo que você ganhou a partida, mas para nosso estudo o que mais interessa é o que
já temos visto, não havendo, portanto, necessidade de continuarmos."
- Meu caro jovem, eu iria hoje falar de outro tema: as colunas abertas. Mas vou aproveitar esta
sua partida e mostrar-lhe algo que vem mais a caráter: as casas conjugadas.
- Nesta partida que acabamos de ver, você, sem querer, usou o conceito das casas
conjugadas, que nada mais é que o estudo sobre os saltos do cavalo através de casas fracas.
O mestre foi até à estante, tomou o resumo referido. Leu-o ao aprendiz, comentou sobre o
assunto e lhe entregou:
Casas conjugadas
1. Casas conjugadas são aquelas por onde o cavalo pode caminhar. Tanto
atacante quanto atacado devem sempre ficar atentos a esses saltos, pois
eles podem decidir partidas.
2. A rede mais típica de casas fracas é: d4-f5-d6 ou h6 e f7. Outra rede,
muito freqüente, surge das aberturas do peão da dama: f3-g5-e6 ou f7. Elas
são quase (podemos afirmar) a base medular da estratégia agressiva do
cavalo.
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 Cf6 4.0-0 d6 5.d4 Bd7 6.Cc3 Be7 7.Td1 exd4 8.Cxd4 Cxd4 9.Dxd4
Bxb5 10.Cxb5 0-0 11.Dc3.
Aqui começa o plano de Capablanca em relação às casas conjugadas. Pelo fato de haver
desaparecido o bispo dama negro, as casas brancas são débeis e isto faz com que o ex-
campeão mundial enxergue as casas relacionadas entre si estrategicamente d4-f5-d6 ou e6 e
f7.
11...c6 12.Cd4 Cd7 13.Cf5 Bf6 14.Dg3 Ce5 15.Bf4 Dc7 16.Tad1 Tad1.
Bibliografia:
Veja a aula 11
Colunas abertas
Naquela manhã bonita de sábado, sentado em sua poltrona, o mestre lia um jornal. Ao ouvir o
toque da campainha, levantou-se e olhou pela cortina. Óbvio! Era o aprendiz. Não seria um dia
lindo, que tantos outros garotos de sua idade aproveitam para uma piscina, um futebol, que iria
demovê-lo de seu compromisso com o mestre e com a Caissa.
O mestre perguntou:
– Está gostando da maneira como estamos estudando xadrez, ou tem alguma sugestão
diferente?
– Estou gostando da forma como está. O período entre uma aula e outra de xadrez não
atrapalha meus estudos na escola. Assim está ótimo. Considero bom o meu desenvolvimento e
estou bastante satisfeito por estar encarando o xadrez com uma visão bem diferente da que
quando começamos nossos estudos.
– Pois bem, vamos continuar. Na última aula vimos a importância da exploração das casas
conjugadas, que não deixa de ser um complemento do estudo das casas fracas. Você verá que
a idéia de casas fracas continuará nos acompanhando, daqui para frente, sempre interferindo
na elaboração de novas técnicas.
Continuou o mestre:
– Falaremos hoje sobre colunas abertas. O que são colunas abertas? Diz-se que uma coluna
está aberta para determinado bando, quando falta o seu próprio peão nesta coluna. A torre ou a
dama pode apoderar-se dela. É o que geralmente acontece.
"Pode-se também trabalhar com a idéia de coluna aberta em outro caso: se a torre ou dama
encontra-se à frente do peão de uma determinada coluna, esta coluna encontra-se aberta para
essa torre ou dama.
"Desde quando começamos a jogar xadrez percebemos a importância de uma coluna aberta. E
logo cedo também verificamos a possibilidade de usá-las em nosso proveito (sobretudo quando
a coluna encontra-se aberta para nós e também para o adversário) com uma torre ou dama, e
ocuparmos a sétima ou oitava fila. Ou o perigo que representa se o nosso adversário conseguir
isso antes que nós.
"Vejamos a clássica e conhecida partida entre Paul Morphy contra o Duque de Brunswich e o
Conde Isouard: 1.e4 e5 2.Cf3 d6 3.d4 Bg4 4.dxe5 Bxf3 5.Dxf3 dxe5 6.Bc4 Cf6 7.Db3 De7
8.Cc3 c6 9.Bg5 b5 10.Cxb5 cxb5 11.Bxb5+ Cbd7 12.0-0-0 (dominando a coluna aberta
amplamente, de maneira econômica) Td8 13.Txd7 Txd7 14.Td1 De6 15.Bxd7+ Cxd7 16.Db8+
Cxb8 17.Td8++.
"O nosso objetivo é conscientizá-lo, caro jovem, que além de continuar a se preocupar com
colunas abertas, deve medir os prós e contras no seu uso. E, estender essa preocupação para
antes de a coluna estar aberta, ou seja, tentar prever, já na abertura, a possibilidade da criação
de colunas abertas, principalmente com as trocas de peões centrais.
"Uma vez constatada a existência da coluna aberta deve-se verificar se no momento não seria
interessante deixar o adversário apoderar-se dela, em troca de, por exemplo, o domínio de uma
casa central com o cavalo (casas conjugadas). Ou, obviamente, o contrário: se o seu domínio
sobre uma coluna aberta está estrategicamente superior a uma possível centralização de
cavalo do adversário.
"Quanto a esta última idéia, vamos especificar assim: por exemplo, uma coluna do bispo do rei
aberta por o bando branco, que cede ao adversário o domínio da casa e5, para que nela instale
um cavalo. Desde esse ponto (e5), o cavalo fiscaliza o quadro f7 próprio, onde habitualmente
se encontra um peão agredido pela torre inimiga.
"Porém não é esta, em realidade, a única compensação para quem não possui a coluna aberta,
já que não seria uma aplicação muito ampla. A verdadeira compensação consiste na
extraordinária ação de um cavalo centralizado, que atua sobre oito quadros vitais do tabuleiro.
"Assim, pois, de acordo com a teoria das casas conjugadas, sabemos que um cavalo em e4
não só é uma ameaça direta sobre o ponto c4, senão também um perigo para todas as casas
vinculadas : b2, e3, d2, a5, b6 e a6.
"Vejamos um pequeno estudo da luta da coluna f aberta, contra a casa e4 forte do adversário:
"A réplica ideal das negras é jogar c4, para quebrar a cadeia
de peões das brancas, pois existe um princípio teórico difícil
de violar, que se define assim: é sempre um grande estorvo o
peão adversário que está diante de nosso peão mais
avançado.
"Numa partida entre Lasker e Steinitz, após 21 lances, chegou-se a esta posição:
"E, por julgar um item importante o estudo específico da coluna do bispo aberta, quero incluí-lo
no resumo, que lhe passo agora." - completou o mestre, entregando mais um estudo ao
aprendiz.
Conclusões:
7. Num exemplo, se as brancas trocam seu peão do rei pelo peão do bispo
do rei adversário e colocam um cavalo em e4, diante de um peão negro em
e5, este cavalo se torna mais poderoso que a ação das torres negras na
coluna f. O mesmo raciocínio pode ser aplicado com o peão dama contra o
peão bispo dama adversário.
Bibliografia:
Veja a aula 12
Diagonais abertas
– Mestre, tenho algo e lhe dizer. Pelo fato de ter este contato com o senhor, adquiri o hábito de
ler teoria. Tento me aprofundar nos estudos, procurando aprender através dos livros as mais
diversas matérias, desde história à matemática. Antes eu estudava apenas pelos apanhados de
classe; hoje sinto necessidade de complementar através dos livros.
Tomei, pois - continuou o aprendiz - o gosto pela leitura, e reconheço a necessidade da
conjugação dela com as aulas para o perfeito entendimento da matéria. Assim, estou
estudando xadrez com o senhor, assimilando seus resumos e lendo mais. Acho importante me
valer dos dois; o seu resumo e a leitura aprofundada; pois se a segunda me fornece uma gama
enorme de possibilidades, o primeiro me norteia e não deixa que eu me perca no grande
emaranhado, e ao mesmo tempo me ajuda a memorizar as "regras".
Numas dessas leituras, eu já havia aprendido algo sobre colunas abertas, mas confesso que
não tive a clareza como dessa forma que me foi exposta pelo senhor.
Na busca natural de uma matéria correlata, pesquisei também algo sobre diagonais abertas e
percebi que não encontrei teoria específica. Será que sou eu que não soube procurar?
– Não - respondeu o mestre - acredito não ser você quem não soube procurar. Acredito mais
ser o assunto diagonais abertas, uma teoria intrinsecamente embutida em outras teorias, como
casas fracas, trocas vantajosas de peças, planejamento ou não de par de bispos contra bispo e
cavalo, ou contra cavalos etc.
Quando você estuda uma abertura profundamente e resolve colocar em prática uma variante,
já estará entrando no "clima" de que o jogo será moldado a colunas ou diagonais abertas ou
não. E quando você opta por trocar um peão central é porque está medindo as conseqüências
de aberturas de diagonais, a seu favor ou contra.
O que não se pode negar é da sua suma importância. Mas, já está ficando repetitivo a gente
alertar sobre a importância de tantos temas. Na verdade todos são importantes, e cabe ao
jogador avaliar a prioridade e a importância de cada tema no decorrer da partida.
Dizia Adriano Valle: "No campo estratégico do xadrez, não basta conhecer os diversos temas
como par de bispos, bispo superior ao cavalo, coluna aberta, estrutura de peões etc. É preciso
saber avaliar quando um tema se aplica em determinada posição." Concluímos, assim, que a
prática nos fará "enxergar" o tema adequado para determinada posição, e para isso, devemos
ter as teorias e os "alertas" arraigados no nosso inconsciente.
Tenho anotada uma partida entre Witt e Belgrano, que irá ilustrar bem sobre idéias de
diagonais abertas. Vamos vê-la, caro jovem:
1.d4 Cf6 2.e3 b6 3.Bd3 Bb7 4.Cf3 g6 5 O-O Bg7 6.Cbd2 c5 7.c3 O-O 8.De2 d6 9.Td1 Cbd7
10.b3?
Um erro técnico, sutil e grave: enquanto o negro desenvolve suas peças dominando o centro
de longe e deixando grande raio de ação a seus bispos, as brancas tentam preparar e4 para
obter um centro sólido. Porém resolvem jogar primeiramente b3 e isto vai criar a obrigação de
colocar o bispo em b2, que não poderá futuramente apoiar o peão a f4, que conjugado com g3
cria grandes dificuldades para o branco.
Com isso as negras já elaboram um plano para usar diagonais abertas e obter a vantagem do
par de bispos.
10...Cd5
Ataca c3 e força Bb2. Porém, o que em realidade dá vigor a este salto de cavalo é a
circunstância de que não pode ser desalojado sem criar debilidades.
As brancas avançam seu peão a e4, agora que o cavalo negro não pode ir a f4, porém se
esquecem que o rival tem dois bispos e que a abertura de brechas pode ser fatal. Ademais, a
única coluna aberta é a c, e a base da mesma pode ser vulnerada pelo bispo negro desde h6.
Necessário para poder sacar o cavalo de d2, sem prejuízo para o peão de e4.
22...Ch5
A última etapa. Começa a pressão dos bispos negros usando as diagonais abertas. A ameaça
de Ce2 ou Cd3 é muito forte.
O outro bispo entra a atacar a posição das brancas. Observe-se que agora atuam eficazmente
ambos os bispos e a gravidade da pressão sobre a casa c2, que está mal defendida, por estar
o cavalo de e3 clavado. E nem se pode levar o peão a f4, obstruindo a ação do bispo, por
causa de De6, atacando e4.
Eliminando o segundo bispo, nada pode opor-se à ação avassaladora de ambos bispos negros.
E as brancas abandonaram.
Bibliografia:
Veja a aula 13
Estudo do centro
– Meu amigo, hoje vamos entrar na segunda fase de nosso estudo - disse o mestre.
O aprendiz passara os dias anteriores revendo partidas famosas, onde houvesse exploração
do tema "diagonais abertas", e tentado colocá-las em prática nas partidas contra seu amigo
Marcelo. Viera para essa aula, disposto a discutir sobre isso. Com a iniciativa do mestre,
apressando-se em falar sobre a nova fase, deixou para outra ocasião mostrar as partidas que
trouxera.
Continuou o mestre:
– Vamos recapitular o que foi visto. Faremos, a seguir, um pequeno planejamento de nossos
próximos encontros, mostrando o que será a próxima fase.
Como você deve se lembrar, nas primeiras aulas passei o seguinte quadro:
1. Posição do rei.
6. Há diagonais abertas?
A fase primeira está terminada. Ela tinha o objetivo de dar suporte para que você avaliasse a
posição, sobretudo, num momento crucial da partida, e concluísse se está em vantagem,
desvantagem ou igualdade.
Na segunda fase objetivamos reforçar os conceitos da característica do centro, para que você
tome a decisão correta sobre qual setor deve atuar.
Portanto:
Nem sempre existe um centro com características rigidamente bem definidas. Para efeito
didático, entretanto, grandes teóricos definem quatro tipos de centro:
Centro Fechado:
Em algumas variantes da Ruy Lopez, Defesa Nimzoíndia ou Defesa Índia do Rei, os peões
centrais de um bando boqueiam-se uns aos outros, de tal forma que nenhum peão do centro
pode avançar facilmente. Então teremos um centro fechado, com ausência de colunas ou
diagonais abertas. Nenhuma peça pode ocupar as casas centrais.
Que se faz neste caso? Que plano se deve eleger?
Caso ninguém esteja em vantagem, você poderá optar por uma jogada preparatória (neutra), já
visando atuar no setor indicado pela teoria:
Como o jogo no centro está desenhado, a atividade principal se traslada, naturalmente aos
flancos. Cada bando intenta avançar sobre um lado do tabuleiro e procura abrir colunas e
atacar ao exército inimigo pela retaguarda.
Pela análise geral que fizemos na fase 1, elegemos um plano ativo, se estivermos em
vantagem, e um plano defensivo, se a vantagem for do adversário. Os planos são dos
seguintes tipos:
Plano ativo - consiste em organizar uma pressão sobre o lado onde se tem a vantagem. Na
maioria dos casos se empreende um avanço maciço de peões, já que com o centro fechado a
descoberta da posição do próprio rei não é muito explorada. A principal característica é que o
defensor não pode fazer o que normalmente é o mais poderoso contra-jogo a um ataque no
flanco: abrir uma linha no centro.
Plano neutro - Caso a sua análise indique que nenhum bando está em vantagem, você poderá
provocar debilidades antes de engendrar um plano ativo, ou se precaver de alguma jogada
adversária que provocaria debilidades em sua estrutura, ou rearrumar as peças para que elas
adquiram maior harmonia entre si.
Em posições deste tipo, a questão principal é ver quem chegará primeiro ao roque com seu
ataque. Por outra parte, ambos os lados devem estar sempre na expectativa de um possível
contra-ataque central, já que geralmente é a melhor resposta ao jogo nos flancos.
Vamos a ela:
1.d4 Cf6 2.c4 g6 3.Cc3 Bg7 4.e4 d6 5. f3 0-0 6.Be3 e5 7.d5 c5 8.g4 Ce8 9.h4 a6 (diagrama)
O branco subestima a atividade das negras e isto faz com que o bispo fianquetado e as peças
maiores do negro tenham possibilidades táticas.
Um excelente sacrifício, que abre o centro e daria ao negro uma decisiva iniciativa (que, porém,
Spassky não soube aproveitar com 22...e4).
21.exd5 Txb2 22.Cg5 h6 23.C5e4
23...Cxd5 24.Bxh6 Cb4 25.Bg5 Dc7 26.Dh7+ Rf7 27.Th6 Cc2+ 28.Rf1 Cd4 29.Dxg6+ Rg8
30.Dh7+ Rf7 31.Cxd6+ Dxd6 32.Txd6 Ce6 33.Cf5 Th8 34.Ch6+
Kotov vence.
Bibliografia:
Veja a aula 14
– Você viu, portanto - continuou o mestre - uma partida de centro fechado, onde o branco
adiantou os peões do flanco do rei, e o negro contra-atacou com os peões do flanco da dama
(e até tentou contra-atacar pelo centro, com sacrifício).
Podemos concluir que: encontrando-se o centro fechado, pode-se atacar pelos flancos com
peões, pois não existe tanto perigo de o rei ficar desprotegido.
Centro aberto
Consideramos centro aberto aquele desprovido de peões, e o papel que exercem as peças no
centro é mais importante.
Agora, o principal fator de ataque não é baseado em ataques feitos por peões, senão a
exploração de ataque às peças. A batalha implica numa luta corpo a corpo com todas as peças
em estreita colaboração.
Plano ativo - Intenta provocar debilidades com suas peças no campo inimigo e logo atacá-las.
Geralmente não se procedem ataques maciços de peões, já que num centro aberto o risco de
debilitar a própria posição é grande.
Plano defensor - O bando atacado tenta rechaçar o ataque e evita o quanto possível a criação
de debilidades em suas próprias fileiras.
1.d4 d5 2.c4 e6 3.Cc3 Cf6 4.Bg5 Be7 5.e3 0-0 6.Cf3 Cbd7 7.Tc1 c6 8.Bd3 dxc4 9.Bxc4 Cd5
10.Bxe7 Dxe7 11.Ce4 C5f6 12.Cg3 e5 13.0-0 exd4 14.Cf5 Dd8 15.C3xd4 Ce5 16.Bb3 Bxf5
17.Cxf5 Db6
21.Dg5 Rh8
Isto permite o golpe final, sem que o negro tenha uma boa defesa
Vale observar nesta partida, que alguns analistas preferem 18...Cg6 19.Ch6+ gxh6 20.Dxf6.
Outro detalhe é que um possível lance 24...h6 seria refutado por 25.Cf5+ Rh7 26.Cxh6 f6
27.Cf5 fxg5 28.Th3+ Ch6 29.Txh6++.
Bibliografia:
Veja a aula 15
Centro móvel
– Mestre. Disse o aprendiz – esta partida em que Alekhine soube tão bem aproveitar a
característica de centro aberto me fez pensar em algo: meu receio de jogar uma partida com
esta mesma característica de centro aberto.
Cultivo uma certa resistência. Sei, pela teoria, que temos que deixar as nossas preferências de
lado e jogar de acordo com o que pede a posição. Mas minha insegurança é notável, pois vejo
aqueles olhos bem grandes da dama adversária olhando meu rei através daquela diagonal
aberta, bem próxima daquela outra diagonal onde está o bispo seu amigo.
Mas, ficou-me uma lição desta partida que acabamos de ver: da mesma maneira que o centro
se abre para o adversário, abre-se também para mim. O que eu tenho que fazer é "prever" que
há grandes possibilidades de o centro se abrir e me prevenir. Correto?
Respondeu o mestre:
– Sim, é este mesmo o raciocínio. Tudo o que for novo em nossa vida nos causa apreensão. O
automatismo só vem com a prática, o que eu costumo dizer: ela, a prática, nos faz "sentir" (e
ter certeza) sem sabermos explicar direito a razão de nosso ato.
– Por exemplo, quando dirigimos um automóvel não ficamos pensando se devemos pisar no
freio ou na embreagem. O nosso subconsciente pensa por nós. Por que no xadrez seria
diferente?
– Volto a repetir: é necessário bastante prática para que seus medos diminuam, e sua certeza
aumente. Entretanto, quanto mais a teoria caminhar do seu lado, mais rapidamente o seu
subconsciente pisará de maneira correta no freio ou no acelerador...
Consiste o centro móvel em que um bando possui maioria de peões no centro, com grande
probabilidade de avançá-los.
Acontece amiúde nas partidas Giuoco Piano, Gambito do Rei, Gambito Evans, Defesa
Grünfeld. Em tais situações toda a atenção dos jogadores está voltada para este centro móvel
e todos seus planos baseiam-se em avançar ou deter tais peões.
lano ativo – o lado que possui peões livres no centro e que não necessitam de serem
defendidos, deve avançar e conseguir um ou dois peões passados no centro, que sejam
capazes de decidir a partida a seu favor.
Plano defensivo – Como regra, o bando defensor não deve contra-atacar no flanco, já que o
domínio inimigo do centro o impede. O usual é resolver a questão em duas etapas: 1. Deter os
peões centrais contrários, bloqueando-os; 2. Minar o centro inimigo e destruí-lo.
1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 Bb4 4.e3 0–0 5.Bd3 c5 6.a3 Bxc3+ 7.bxc3 d5 8.cxd5 exd5 9.Ce2 b6
10.0–0 Ba6 11.f3 Bxd3 12.Dxd3 Te8 13.Cg3 Cc6 14.Bb2 Tc8 15.Tae1 Ca5 16.e4 Cc4 17.Bc1
cxd4 18.cxd4 dxe4 19.fxe4
Bibliografia:
Veja a aula 16
- Mestre, este estudo apontou para a cura de outro receio que sempre tive. Como a teoria
recomenda que "o avanço de peão à quinta casa deve ser meticulosamente estudado", eu
tremia nas bases toda a vez que pensava em avançar um peão rumo à promoção ou à posição
de ataque.
Adquiro agora um antídoto contra esse mal. Quando a gente obedece a uma estratégia, fica
mais seguro romper as barreiras: se eu sei que com o centro móvel a partida girará em torno
de avançar os peões centrais e a conseqüente defesa do adversário, começo a ter mais
coragem de avançar peão, pois sei que a teoria diz assim e o correto é eu tentar administrar
isso.
Lembro-me, que nas primeiras partidas de Abertura Siciliana eu temia bastante, quando de
brancas, avançar o peão a f4. Só depois de acompanhar várias partidas de mestres é que
"aceitei" a idéia.
Centro fixo
Se os peões do centro têm uma forma fixa, "imutável", dizemos que este é um centro fixo. O
jogo, com essa característica, gira em torno dos pontos centrais, em que cada bando procura
estabelecer suas peças, e só então quando tiver conseguido a suficiente centralização de tais
peças, os jogadores começam a marchar sobre os flancos.
Plano ativo - Em posições de centro fixo é difícil encontrar planos ativos, bem como assegurar
qual lado está em vantagem.
Plano defensivo - Em conseqüência de não haver definição de plano ativo nem bando em
vantagem, também não haverá plano defensivo nessa condição.
Plano geral - Atenção às casas centrais, com objetivo de estabelecer ali suas peças e expulsar
as do oponente.
Uma partida entre Stolberg e Botvinnik, ilustra muito bem este tema:
1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 Bb4 4.e3 0-0 5.Bd3 d5 6.Cge2 c5 7.0-0 Cc6 8.cxd5 exd5 9.a3 cxd4
10.exd4 Bd6 11.h3 h6 12.b4 Te8 13.Db3 Be6 14.Bd2 Dd7 15.f4
O branco não se defende com precisão e permite que o negro tome controle de c4, assim como
de e4. O movimento17...Tad1 teria sido melhor.
17...Bxd3 18.Dxd3 Ca5 19.Cg3 Cc4 20.Bc1 Tac8 21.Ta2 Bf8 22.a4 Bb4
O jogo lógico que mostra Botvinnik é visível, porém ao mesmo tempo com imenso poder, já que
suas manobras estão estreitamente ligadas às exigências da posição.
23.Cd1 Ce4 24.f5 Cxg3 25.Dxg3 Bd6 26.Df3 Be7 27.Dg3 Bf6 28.Bxh6 Bxd4+ 29.Rh1 f6
Valorizando a posição, com objetivo de controlar o centro. Em seguida, o negro rompe com a
resistência final do branco.
As casas c4 e e4 servem como base de ataque para suas peças e segue usando-as para
aumentar sua pressão.
33.a5 Bc5 34.b6 a6 35.Cb2 Tc3 36.Bd2 Tb3 37.Dc2 Db5 38.Tc1 Bf8 39.Td1 Te2
E as brancas abandonam.
Bibliografia:
Veja a aula 17
Centro indefinido
– Terminamos assim, meu caro jovem, nosso pequeno estudo sobre os quatro tipos de centro:
aberto, fechado, móvel e fixo.
Para completar, só nos falta comentar a situação em que o centro não se enquadra em nenhum
desses, no momento em que você proceder à análise da posição.
Dizemos, nesse caso, quando o centro ainda está por sofrer significativas alterações, que ele é
um centro indefinido.
Quando isso acontece, ou seja, se a formação de peões centrais não deu origem a nenhuma
das quatro formas estudadas, a atenção do jogador deve se concentrar mais do que nunca
neste setor.
O objetivo de cada lado deve ser conseguir um tipo de centro estável que lhe favoreça, e impor
ao adversário uma desfavorável formação de peões.
Se, por outro lado, um dos oponentes não conseguir aclarar a posição no centro e se ver
obrigado a atacar por um dos flancos, corre o sério risco de receber um contra-ataque central,
que se lançado num momento oportuno e de forma correta, pode instantaneamente reduzir a
nada o trabalho que aquele bando realizou no flanco.
Boleslavsky,I - Keres,P
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 a6 4.Ba4 Cf6 5.0–0 Be7 6.Te1 b5 7.Bb3 0–0 8.c3 d6 9.h3 Ca5
10.Bc2 c5 11.d4 Dc7
Neste instante, existe uma tensão no centro e a formação de peões pode se transformar a
qualquer momento em um dos tipos de centro já estudados.
18...g6
24.Cxb7 Dxb7 25.Cc5 Dc6 26.Cd3 Cc3 27.De1 Df6 28.f4 Ce4 29.Rh2 Dc3 30.Db1 Ccd2
31.Dc1 Txd3 32.Bxd3 Dxd3 33.Dc7 Cf3+ com mate em 4 lances. 0–1
Bibliografia:
Veja a aula 18
Árvore de Kotov
– Eu vou conseguir fazer um planejamento de jogo, com a teoria que aprendi até agora?
O aprendiz havia passado aquele mês estudando com afinco as últimas aulas, que tratavam
das características do centro. Pelo esquema de estudo que o mestre havia passado no início
do curso, o próximo passo seria o planejamento de jogo.
Ficou preocupado, porque, pelo que aprendera até agora, pela característica do centro é que
estabeleceria um plano de jogo. Este plano seria mono ou multi-escalonado. Estrategicamente,
decidir se iria atacar ou defender, ou se iria atuar num dos flancos ou no centro, estava claro
para ele. Mas como montar um plano multi-escalonado?
Na verdade, este questionamento por parte do aprendiz resumia-se numa precaução quanto à
dificuldade que teria para seguir o cronograma, caso o mestre o cumprisse à risca. Tentava
desenvolver nas aulas de xadrez o mesmo método de estudo que usava no colégio: estudar a
matéria antes que o professor a passasse. Ficou tão preocupado, que não esperou pela aula,
pois no início dela, antes que o mestre falasse algo, ele mostrou o seu temor.
– Sabe, mestre, acompanhando partidas de bons jogadores tentei adivinhar os lances. No setor
onde deveriam atuar, de certa forma, até que estou acertando uma boa porcentagem. Mas não
consigo prever a idéia intermediária.
O mestre respondeu:
– Meu amigo, esta preocupação sua tem fundamento. Ademais, ela sinaliza um aspecto
positivo deste seu aprendizado, pois, além de confirmar que você tem assimilado bem a teoria,
mostra que está se preparando para o que há por vir. Acredito que o tema que começaremos a
tratar hoje tem como objetivo, além de diminuir sua preocupação, dar uma reviravolta no nosso
estudo.
É como se estivéssemos tratando mais da estratégia até este momento, e daqui para frente,
embrenhássemos também, em termos, rumo à tática.
Como você disse, o próximo passo, de acordo com o nosso esquema de estudo é:
planejamento mono e multi-escalonado. Para chegar lá, porém, faremos alguns preparativos.
Alexander Kotov, grande mestre russo, teve a concepção de uma árvore de análises. Por que
Kotov se interessou por esse assunto? Apesar de ter em determinada fase de sua vida um
nível invejável de jogo, percebeu que era falho em certo aspecto, pois freqüentemente se via
apurado no tempo.
Enfrentando o problema, chegou à conclusão que muita gente estava à sua frente, no tocante a
previsão de jogadas. Inclusive, o próprio Kotov diferenciou um grande mestre de um jogador
comum, como sendo na capacidade de previsão de melhores jogadas que o primeiro possui
em relação ao segundo.
Mas, voltando ao Kotov, como ele diagnosticou sua deficiência em conseguir "ver" os lances à
frente, e como não existia na época literatura específica relativa ao assunto, tentou desenvolver
métodos de treinamento dessa habilidade e concluiu um excelente trabalho, a sua árvore de
variantes.
Vamos ver a humildade de Kotov nos mostrando uma partida que ele perdeu para Panov, e que
provocou a sua reação, no sentido de melhorar seu próprio jogo. Assim se expressou Kotov.
"Nas minhas análises, concluí que meu principal inconveniente não era o conhecimento
superficial das aberturas ou a pobre técnica do final, senão minha fraca compreensão do meio
jogo”.
1.d4 Cf6 2.Cf3 g6 3.c4 Bg7 4.Cc3 0–0 5.g3 d6 6.Bg2 Cc6 7.d5 Cb8 8.0–0 e5 9.e4 Cbd7
10.Dc2 a5 11.a3 Cc5 12.Be3 Cg4 13.Bxc5 dxc5 14.h3 Ch6 15.Tab1 Te8 16.Cd2 f5 17.b4 Bf8
18.Ca2 Cf7 19.Rh2 f4 20.Cb3 axb4 21.axb4 cxb4, chegou-se à posição do diagrama abaixo.
22.c5 Cg5
Seguiu-se: 23.Tfd1 f3 24.h4 Cxe4 25.Bxf3 Txa2 26.Dxa2 Cc3 27.Dd2 Df6
As negras têm a partida ganha. O final foi um castigo ao meu infundado otimismo:
33.fxe3 Bh6 34.Te1 Te5 35.Bf1 c6 36.dxc6 bxc6 37.Bc4+ Rf8 38.Rf2 Bg4 39.Rg1 Re7
40.Rg2 Tf5 41.Be2 Bxe2 42.Txe2 Td5 43.Rf2 Td3 44.Ca5 Rd7 45.Cc4 Re6 46.g4 Rd5 47.Cb2
Ta3 48.Td2+ Rxc5 49.g5 Bg7 0–1
Depois da partida, analisamos todas as variantes possíveis. Panov me disse que uma vez feito
22...Cg5, pensava que as brancas não teriam boa defesa. Se:
23.Tfe1 f3 24.Bf1 (Se 24.h4 Cxe4 25.Txe4 fxg2 com terríveis ameaças de 26...Dxd5; 26...Dd7;
26...Bf5) Bxh3 25.Bxh3 Cxh3 26.Rxh3 Dg5 27.g4 Be7 28.Rg3 Df4+ 29.Rh3 Dh6+ 30.Rg3
Bh4+ 31.Rxf3 Tf8+ 32.Rg2 Txf2+ 33.Dxf2, com as negras ganhando a dama.
Toda a manobra das negras - seu original plano e o inesperado sacrifício - é atrativo. Estas
possibilidades, que estavam ocultas na posição, continuavam sendo um mistério para mim. Eu
não havia examinado nenhuma das operações táticas percebidas por Panov.
Eis o que escrevi sobre as más interpretações que dei a esta partida:
Não fui capaz de encontrar uma só das variantes e combinações. Nem sequer suspeitava que
havia uma combinação cercando a jogada 24, e me vi surpreendido quando Panov me
mostrou. Por isso minha maneira de pensar está baseada em planos e princípios gerais
completamente ridículos.
Também ficou claro para mim que a habilidade de orientar-se no labirinto das possíveis
variantes não é só um dom natural, senão também é resultado de sérios e prolongados
esforços, com muito treinamento."
Continuou o mestre:
Bibliografia:
Veja a aula 19
Cálculo de variantes
- Tentei, inicialmente, entender o geral. Analisei a posição e percebi que nenhum dos bandos
usufruia de alguma vantagem significativa, pois não se apresentava desequilíbrio material, os
reis bem protegidos, cadeias de peões não comprometedoras, nada para ser explorado como
colunas ou diagonais abertas (a não ser a a2-g8, que poderia ser usada como parte de um
plano), com centro aberto e peças centralizadas. Concluí que o plano a ser traçado deveria ser
do tipo tático-combinatório.
Passei então a analisar os seguintes elementos, sob o ponto de vista das brancas:
1. O que primeiro saltava à vista é o fato de o cavalo branco estar sendo atacado pelo peão de
f7. Conseqüentemente, ou o branco teria que movê-lo, ou contra-atacar.
2. O segundo elemento importante reside (sem querer fazer metáfora) na casa c4, pois sobre
ela existe pressão de duas peças brancas e de três peças negras, o que vale dizer que as
negras poderiam ganhar uma peça com as trocas.
4. Levando em conta todos os pontos analisados, decidi que o branco não poderia perder a
iniciativa, e para isso deveria fazer um lance de ataque com o cavalo, ou outro lance qualquer
de ataque, que compensasse a perda de tal cavalo.
5. Os lances de ataque com o cavalo, que "vi", foram: Cd8 e Cxg7. O primeiro atacaria a dama,
o segundo abriria uma possibilidade de explorar um ataque de torres através da coluna g.
6. Quanto ao segundo ataque, feito por outra peça que não fosse o cavalo, o único que percebi
foi o avanço do peão de b4 a b5, que seria um "garfo" e que forçaria o bispo preto a tomar b5, e
a única vantagem que vi para as brancas com esse lance foi o fato de abrir a diagonal a3-f8.
7. Resolvi que deveria concentrar-me apenas no ataque com o cavalo: Cf8 ou Cxg7, pois me
pareceu um pouco temerário arriscar o lance b5.
9. Conclusão: o melhor movimento para as brancas é Cxg7, pois relativamente ao lance 1.Cd8,
a simples resposta 1...Dc7 já anula as pretensões das brancas. Eu sinto que o lance Cxg7 tem
mais perspectiva, apesar de eu não conseguir visualizar com clareza o desfecho favorável.
Reconheço que estou bem longe de resolver o problema proposto, ou seja, definir o melhor
lance para as brancas, que eu suponho seja um lance ganhador...
O mestre, que a cada explicação do jovem comparava com suas anotações, disse
solenemente:
- Você foi muito bem, meu caro amigo. O objetivo desse exercício não é que você encontrasse
como solução "a variante ganhadora", como o problema que Kotov propôs a si próprio.
Minha proposta é que você tentasse visualizar jogadas, da mesma maneira que um jogador
tenta fazer num jogo: sem mover as peças.
O nosso propósito nunca poderia ser exigência que acertasse cem por cento, mesmo porque
este é um dos mais difíceis problemas, cuja solução foi tentada em várias partes do mundo, e
seria pedir demais para um iniciante solucioná-lo completamente.
A história é mais ou menos assim: dois grandes jogadores, Salomon Flohr e Ruben Fine, de
renome mundial, disputavam uma partida, em Hastings, há algumas décadas. Após a jogada
23 das negras, a posição de nosso estudo é a que se apresentou também naquela ocasião.
Flohr, com as brancas, optou por 24.Cd8, ao que foi rechaçado por Dc7 e perdeu a partida. Os
jornais especializados do mundo inteiro davam a sua solução para o melhor lance de Flohr. Um
vitória que era encontrada em um país, era refutada rapidamente por artigos publicados em
outro.
Finalmente um mestre inglês, Winter, encontrou a única maneira de ganhar: 24.b5, que
ocasionou 24...Bxb5 (forçado) 25.Cxg7 e ficou comprovado que, independentemente da
resposta das negras, as brancas ganhariam, embora que em algumas variantes com alguma
dificuldade.
Portanto, não foi com o intento de que desse a solução completa do problema que o propus a
você. Eu queria, e consegui, ver como estava o seu raciocínio.
2. Racionalizou as possibilidades, não perdendo muito tempo com "ir e vir de tentativas."
4. Pelo que me parece, percebeu que é possível descobrir uma variante, sem movimentar as
peças. (Objetivo primeiro de nosso encontro de hoje).
Devo salientar, que além disso, você foi bem nas suas deduções, cometendo apenas alguns
pequenos erros, como por exemplo a conclusão em seu item número 8, oitava variante, quando
disse que o branco perderia uma peça, quando na verdade obteria igualdade, ou pequena
desvantagem, com: 4.Te8+ Txe8 5.Dxc4.
Você percebeu as forças dos lances b4-b5 (inclusive vislumbrando a abertura da diagonal a3-
f8) e Cxg7, apenas não aglutinando as duas idéias. Aproveito a oportunidade dessa partida,
para aplaudir (e penso que você concorda comigo) a perspicácia desses fabulosos grandes
mestres que conseguem juntar idéias desse tipo, que, separadamente, foram percebidas por
você , por mim e por milhões de pessoas.
Pois bem, meu jovem, estou satisfeito que o objetivo foi atingido, no meu modo de ver. O que
eu peço é que continue exercitando, como fez hoje, para quem sabe, num futuro próximo,
tenhamos uma jóia rara como a que acabamos de estudar, assinada por você.
Bibliografia:
Veja a aula 20
Planejamento
Novamente, após um mês, lá estavam mestre e aprendiz para mais uma aula.
O curso estava chegando ao fim. Fizeram considerações gerais e o aprendiz contou sobre o
quanto melhorou sua visão enxadrística, a melhoria dos resultados de partidas foi observada
em jogos contra o computador, já que os seus adversários humanos, colegas de escola, não
mais se interessavam em desafiá-lo...
- Você acaba de construir, prezado amigo, com estes cálculos de variantes, a famosa árvore de
Kotov. Estão aí o tronco, bem enraizado, com boas ramificações.
Acreditamos que já tenha condição de enxergar quem está melhor na partida, ou quem tem a
iniciativa; saber onde estão as debilidades, como se apoderar de uma coluna ou uma diagonal;
saber que peças têm que ser trasladadas, para onde e em que consistem os problemas do
centro etc.
Desde o princípio da partida o jogador sabe que vai levar a cabo um plano determinado, pois
quando escolhe uma abertura, significa que aderiu às idéias inseridas nela. Ou seja, quando se
entra em uma abertura, já se está executando parte de um plano de jogo.
"Um plano único é a soma total das operações estratégicas que se seguem uma a outra, por
turno, e que cada uma leva a cabo uma idéia independente que se emana naturalmente das
exigências de uma posição determinada." (Kotov)
Por exemplo, se a partida começa com uma Defesa Siciliana, os oponentes já deverão estar
conscientes de que: haverá grande possibilidade de contra-jogo pelas negras; que as brancas
não poderão perder a iniciativa; que a coluna "c" ficará aberta desde o início para o segundo
jogador etc.
Por incrível que pareça, o iniciante costuma não acreditar muito que um lance na abertura pode
mudar toda a idéia da mesma, e comete o erro de querer criar algum lance completamente fora
dos padrões, não se dando conta que talvez tenha sido esta a causa de complicações futuras.
Por isso, não me importo de insistir no óbvio, caro jovem: o jogador tem o dever de usar uma
determinada abertura já conhecida em sua partida, porque estas aberturas já foram
exaustivamente estudadas por fortes enxadristas e grandes teóricos. Tentar inovar as idéias
contidas em uma abertura é tarefa hercúlea, e, com chance quase total de fracasso.
Logicamente, isto não quer dizer que não se deve contestar as idéias de uma abertura. Pode-
se e deve-se fazê-lo. Mas com competência e com a humildade, a tal ponto que, se sua idéia
não conseguir ser melhor que a do autor, você deverá aceitar a dele e que sua contestação
nada mais quis que ajudar a compreender com mais perfeição a teoria.
Antes de encararmos o nosso estudo sobre planejamento, vejamos o que nos diz Judit Polgar:
"É melhor levar executar um plano errado do que não ter nenhum plano. Assim, se você falhar
por causa de uma idéia errônea, esta derrota se tornará uma boa lição. Sem planejamento,
mesmo uma vitória não lhe ensinará nada para a próxima partida".
Steinitz, como você deve se lembrar, também nos diz algo interessante: "O caráter da luta
indica ao jogador a forma de agir sobre suas ações posteriores. Todo plano há de ter um
fundamento que não radica na personalidade do jogador, senão na situação que se apresenta
no tabuleiro".
1. Você vai fazer um planejamento bem simples, onde teremos condições de mostrar, que
mesmo sendo o mais simples possível, o planejamento oferece condições de conceder uma
boa vantagem no jogo.
2. Mostraremos um planejamento complexo feito por um grande mestre, que embora nos deixe
a princípio um tanto frustados por nos fazer crer que nunca faremos um igual, pode nos dar a
oportunidade de tirarmos mensagens importantes e otimistas.
O nosso item 1, consta de uma partida jogada por dois amadores. Trata-se de uma Defesa
Holandesa, que após o lance 18.Bd4 ficou assim:
Eu, de negras, optaria por esse plano; tentaria um lance, que ao mesmo tempo diminuísse a
pressão dos bispos brancos, que acredito ser o que de mais perigoso as brancas possuem e
atendesse ao quesito "atuar no centro", sem perder de vista o poder de força do peão passado.
- Pois bem, caro jovem. Este é o seu plano e eu o parabenizo. Também concordo com o seu
raciocínio. E quais seriam os lances?
- Pensei nas jogadas ...Cg4, ...Ch5 e ...Bc5, porém optei pelo 18...Be5 por ele ser mais
imediato:
Se 19.Bxe5 Dxe5, com grande vantagem. Para 19.Be2, 19.Bf2 ou 19.Bg1, considero que a
minha vantagem aumenta.
Se 19.Cxe4 Cxe4 20.Dxe4 Bxg3+ e para 19.Cxe4 Bxd4 20.cxd4 Cxe4, ambas com boa
vantagem para as pretas.
Portanto, o objetivo de manter a força do peão passado também está atingido. É este o meu
plano.
- Foi exatamente isto que o jogador de negras optou. E digo a você, que com as vantagens que
se obtêm deste lance, para o nosso nível, não há necessidade de se tentar um plano mais
detalhado e trabalhoso. É só não cometer erros táticos para deixar reverter a vantagem daqui
para frente.
E digo, para completar, que eu honestamente acreditava que você acertaria quanto ao plano.
Na partida Romanovsky x Vilner, pelo Campeonato Russo, chegou-se a essa posição, após o
décimo lance.
Este foi o momento em que o branco idealizou seu plano. Decidiu que deveria atacar, e o faria
pelo flanco do rei.
Pois bem, meu amigo, esta partida desenvolveu-se até o lance 65, quando as pretas
abandonaram.
Ficou provado que o plano das brancas estava correto, porque, mesmo sendo interrompido no
seu intento de levar o cavalo a f5, esta interrupção custou caro ao seu adversário, que perdeu a
partida.
Julgo este plano de uma grande complexidade, porque para enxergar que a casa fraca f5 daria
uma grande vantagem se se instalasse nela o cavalo branco, envolve muito conhecimento e
firmeza. Terá, o branco, que, além de tantos fatores, prever que os movimentos de cavalo para
chegar a f5 constituíram em perdas de tempo, que não lhe prejudicariam no cômputo final.
No momento, acredito que, querer elaborar um plano dessa complexidade é ser um tanto
pretensioso para o nosso nível. Porém, sabemos que um plano dessa envergadura não foi
conseguido no início da carreira de Romanovsky, e sim após ele ter elaborado muitos planos
mais simples, pode ter certeza!
E é essa a comparação que quero fazer. Você irá fazendo seus planos simples, que num
momento alguém os julgará mais complexos do que você julgou...
Bibliografia:
Veja a aula 21
– Meu jovem amigo - continuou o mestre -, com este último trabalho de dedução, você acaba
de elaborar um plano estratégico mono-escalonado.
– Plano tático-combinatório.
Já no nosso encontro anterior, quando você estava analisando as variantes da partida entre
Salomon Flohr e Ruben Fine, e ficou preso tão somente ao cálculo de variantes, você
executara um plano tático-combinatório.
Resumindo:
2. O rei, o cavalo e o bispo após levar a cabo a 1ª parte do plano, reagrupam-se para se
enquadrar em uma das posições de mate.
Bibliografia:
Veja a aula 22
Despedida
Disse Marcelo ao jovem aprendiz:
- Estou concordando com você: realmente é necessária a teoria. Não consigo evoluir no jogo. E
é por isso que estou aqui em sua casa. Será que eu posso freqüentar as aulas de xadrez junto
com você?
- Infelizmente você veio tarde. O curso acabou. Aliás, o mestre, tão somente em meu respeito,
adiou sua ida, até que completássemos o curso. Já há alguns meses, seu filho, que mora nos
Estados Unidos, convidou-o para que fosse passar uns tempos lá com ele...
- Mas - continuou o aprendiz - se você quiser eu posso passar pra você o que ele me ensinou...
- Deixa eu te contar um segredo. Para falar a verdade, não é que eu não goste de teoria.
Gostar muito, eu não gosto. Mas, na verdade, eu não freqüentei o curso, mais porque não
confiava que o seu professor fosse capacitado, pois ele não joga. Só teoria? Mas, quando vi
que não consigo nem empatar mais com você e depois que vi, com meus próprios olhos, você
ganhar do programa Fritz 2, aí dei a mão à palmatória...
- O mestre não tem experiência de jogo, por circunstâncias. Mas ele tem muito boa didática, e é
isso que compensa, eu acho, a sua falta de títulos. Se você quer uma explicação resumida das
vantagens que tive com essas aulas, vou te dizer:
Acredito que se não tivesse esse norteamento que o mestre me passou, talvez eu demoraria
de cinco a dez anos para evoluir o que evoluí. Por exemplo, toda vez que um livro me
mostrasse uma partida de um grande mestre, soberba, evidenciando uma exploração de uma
casa fraca do adversário, mas que para isso gastasse uns quinze lances, eu ficaria só no
aplauso, mas psicologicamente abatido, pensando que nunca conseguiria fazer coisa parecida.
Quando o mestre me diz, entretanto, que casas fracas são produzidas toda vez que se avança
peão, que a sua exploração é de difícil visualização, que naqueles quinze lances que o grande
mestre fez estão embutidos outras teorias, como característica de centro, troca de peças
vantajosa, análise da partida, etc., a gente não fica mais com aquela sensação de
incapacidade, e acredita que pode fazer coisa parecida a que um bom jogador faz.
Outro exemplo: eu ficava muito preocupado quando meu adversário colocava uma torre numa
coluna aberta. Nas aulas eu descobri compensações.
Mas, talvez, o que tenha mais me ajudado, foi a seqüência quase matemática dos passos,
desde a abertura.
- Como assim? - perguntou Marcelo - A gente tem condição de executar uma seqüência de
resoluções?
- Sim. Veja, uma vez desenvolvidas as peças e terminada a abertura, você faz uma análise da
partida, levando em conta a posição dos reis, a estrutura dos peões, o desenvolvimento das
peças, possível vantagem material, domínio do centro, colunas e diagonais abertas, ou
possibilidades de aberturas das mesmas.
Dessa análise, você concluirá se está no momento de atacar, defender, ou fazer jogada neutra.
Passa-se a analisar o centro separadamente. Você classifica o tipo de centro: aberto, fechado,
móvel ou fixo. Na maioria das vezes, este centro estará indefinido. Então, você tentará prever
que tipo de centro a partida terá, após alguns lances, e, até conduzir a partida para um tipo de
centro que esteja mais de acordo com a disposição de suas peças.
Da análise do centro, você deduz se a contenda será em algum flanco ou no centro, ou seja,
onde atuar.
Portanto, com a análise geral, você descobre se vai atacar, defender ou preparar jogada. Com
a análise específica do centro, você descobre onde atuar.
O próximo passo é fazer o planejamento. Para tal, você precisa adquirir o domínio do cálculo.
Quanto mais lances você puder calcular, mais à frente você estará do seu adversário.
- Mas este cálculo não é algo muito difícil, que se consegue apenas com uma grande
quantidade de partidas jogadas?
- Você pode adquirir a capacidade de calcular, também com treinamento específico. Se você
treinar de meia a uma hora por dia, garanto a você que evoluirá uma enormidade. Tudo é
treino.
- Pois bem, continuemos o nosso passo a passo. O planejamento também deve ser treinado.
Deve-se começar fazendo planejamento "curtos", vamos dizer assim, e ir estendendo o número
de jogadas futuras aos poucos.
Portanto, meu amigo, concluímos o resumo: analisa-se a partida e determina-se o que irá fazer;
analisa-se o centro, e deduz-se onde irá atuar; faz-se o planejamento e calcula-se como irá
fazer.
Obviamente, que essas análises e conclusões, terão mais chances de darem bom resultado,
quanto mais você estiver embasado em teorias estratégicas e táticas.
Marcelo interrompeu e disse: - Sei que a teoria de xadrez não tem fim. Pelo que entendi, você
está bastante satisfeito com o suporte que conseguiu com as aulas do mestre, porém, não
pode parar de estudar. Qual o seu próximo passo?
Respondeu o aprendiz: - Por sugestão do próprio mestre, estudarei finais. Depois, ou talvez,
concomitante, estudarei a fundo duas aberturas de peão do rei e duas de peão da dama. E
tentarei jogar o máximo de partidas possíveis. Acredito que isso me dará subsídio para eu
decidir que temas necessitarei aprofundar, de tempos em tempos.
- Pelo menos, espero que escrevamos um livro juntos, baseados nestas aulas que ele me deu,
como ficou combinado.
Completou o aprendiz com um mal dissimulado embargo na voz.
Fim.