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América de tiranos e déspotas

Uma retrospectiva do romance político latino-americano

Le Monde Diplomatique

Ramón Chao

No auge de sua carreira literária, Mario Vargas Llosa, com a Festa do Bode1 , realiza
um rito tradicional pelo qual passam os grandes escritores latino-americanos que
desejam exorcizar a história de seu continente: o romance de ditadores. Em 1830,
Simon Bolívar, alguns anos antes de sua morte, já doente e desiludido, profetizava que a
América ficaria entregue a "pequenos tiranos quase imperceptíveis, de todas as cores e
de todas as raças". O que o Libertador certamente não previa era que isso fizesse nascer
um novo gênero literário.

O fenômeno despótico caracteriza sátrapas megalômanos tão diferentes como Rosas, na


Argentina, Guzmán Blanco, na Venezuela, ou Porfirio Díaz, no México. Suas raízes
estão nas guerras de Independência e crises dos Estados pós-coloniais, em que persistem
situações arcaicas como latifúndio, pobreza, religião, racismo, caciquismo etc.

As raízes, no século XIX

Esteban Echeverría foi o primeiro a fazer uma literatura em que a lógica absurda
do poder absoluto acaba por justificar o terror, a tortura e os crimes

É a paixão romântica pela pátria que leva os escritores a denunciar os abusos dos novos
governantes. Os primeiros ditadores da América Latina surgiram a partir do início do
século XIX como expressão do militarismo. A Argentina conheceu muito cedo a
ditadura de Juan Manuel Rosas, fruto podre da divisão entre centralistas e federalistas.
O romancista argentino Esteban Echeverría foi o primeiro a fazer uma literatura que
mistura um realismo cru com uma fantasia desenfreada, na qual a lógica absurda do
poder absoluto acaba por justificar o terror, as torturas e os crimes. Em Matadouro
(1838-1840), Echeverría descreve magistralmente Buenos Aires sob a ditadura de
Rosas.

Outros escritores seguiram a via traçada por Echeverría: em 1851, o argentino José
Mármol, em Amália, insistiu na irracionalidade e na crueldade do tirano Rosas, porém
seu romance peca pela excessiva influência de Walter Scott. Na mesma época, a
peruana Mercedes Cabello tratou dos primeiros tempos do ditador Leguía em El
Conspirador, e Rufino Blanco-Fombona descreveu, em 1923, "o Estado apodrecido" da
Venezuela sob a ditadura de Juan Vicente Gómez.

O sucesso de Tirano Banderas

Escrito após uma viagem de Valle-Inclán ao México, Tirano Banderas situa-se num
mundo imaginário, com a pampa, os esteros, a ciénaga e a floresta virgem
Todos esses romances precederam o aparecimento da primeira obra-prima do gênero:
Tirano Banderas, do espanhol Ramón Valle-Inclán. Escrito após uma viagem do autor
ao México, esse romance situa-se em um mundo imaginário onde se encontra um
apanhado da geografia latino-americana: a pampa, os esteros (mangues), a ciénaga
(pântanos) e a floresta virgem. Valle-Inclán combina traços lingüísticos, informações e
características de países diferentes, todavia, as fontes são principalmente mexicanas. A
ação situa-se em Tierra Caliente, a prisão descrita é o castelo de San Juan de Ulúa e o
embaixador da Espanha e sua alma maldita, Roque de Cepeda, são caricaturas de
diplomatas que residiram, de fato, no México. O tirano Santos Bandera é também uma
mistura de personagens: um índio sanguinário e taciturno que, segundo ele próprio, "não
crê nas virtudes nem nas capacidades de sua raça", e que tem traços que fazem lembrar
o ditador espanhol Primo de Rivera (1923-1930), pois para Valle- Inclán os déspotas
latino-americanos são herança dos conquistadores.

Tirano Banderas, publicado em Madri em 1926, teve, imediatamente, grande


repercussão. Xavier Bóveda, co-fundador, com Jorge Luis Borges, da revista Síntesis,
aconselhava "todos os latino-americanos a comprarem Tirano Banderas em todas as
livrarias do continente". Foi editado em inglês, em 1929, e em russo, em 1931, e o New
York Times Book Review reconheceu que, se Tirano Banderas não tivesse sido
traduzido para o inglês, seria porque o interesse de seu país pela América Latina "era
mais econômico do que literário".

A "dimensão biológica" da linguagem

A partir de Tirano Banderas, nenhum romance do novo gênero ignorou as formas


do sarcasmo herdadas do modelo esperpéntico, criado por Valle-Inclán

Daí em diante, nenhum romance desse novo gênero ignorou as diferentes formas de
sarcasmo herdadas do modelo esperpéntico (grotesco) criado por Valle-Inclán. O
chileno Ricardo A. Latcham publicou em 1929 Esperpento de las Antillas. No mesmo
ano, o mexicano Martín Luis Guzmán, em A Sombra do Caudilho, reproduziu os
esquemas de Valle-Inclán, mas ao invés de insistir sobre a figura do ditador, dedicou-se
a descrever a decadência moral dos novos "revolucionários" que agem em torno dele.

Os traços mais notáveis de Tirano Banderas podem ser encontrados em O Senhor


Presidente (1944), do guatemalteco Miguel Angel Asturias. Valle-Inclán havia
estabelecido certos elementos estruturais que Astúrias adotou e aprofundou,
ultrapassando seu modelo em muitos aspectos. No livro, inspirado por lembranças da
adolescência do autor que, quando estudante, havia participado da luta pacífica contra o
déspota Estrada Cabrera (1857-1924), o distanciamento no tempo e no espaço (o
romance foi escrito e reescrito, em Paris, por dezenove vezes!) fez com que Asturias, ao
buscar as raízes da ditadura, se afastasse do documentário, fugisse do realismo,
deformando-o e o exagerando-o, para chegar ao que chama "dimensão biológica da
linguagem". Além da novidade da apresentação "em tableaux" (certamente influenciada
pelo surrealismo e pelo cubismo), ele desenvolve uma concepção original do mundo a
partir da sensibilidade indígena e da cosmogonia maia.

A "moral franciscana" do Ditador Supremo


Daí em diante, uma imaginação sem limites e a presença ritual dos mitos indígenas
passariam a marcar a literatura latino-americana, criando o "real maravilhoso" e o
"realismo mágico".

A imaginação e os mitos indígenas passariam a estar presentes na literatura latino-


americana, no "real maravilhoso" e no "realismo mágico"

José Gaspar Rodríguez de Francia, herói de Eu, o Supremo, de Augusto Roa Bastos, foi
uma espécie de Robespierre paraguaio. Seu modelo era a Revolução Francesa, sua
religião o livre-pensar e seu autor favorito, Jean-Jacques Rousseau. Tomou o poder em
1812 e proclamou-se "Ditador Supremo". Até 1840, tentou aplicar suas idéias de
progresso através do terror, todavia preservou a independência contra as ambições
conjugadas do Brasil voraz, do Uruguai e seu fundador Artigas, assim como da
Argentina, incentivada pela Inglaterra. Cercou o Paraguai com uma cortina de ferro
instransponível e deu ao povo uma consciência nacional. Para muitos paraguaios,
permanece um "santo leigo", ainda que Simón Bolívar tenha, ele próprio, tentado
organizar uma expedição para "livrar-se desse monstro". A oligarquia paraguaia jamais
perdoou Francia por ter decapitado o exército e suprimido as grandes propriedades
(latifúndios) para criar em as Estancias de la Patria, fazendas coletivas com as quais
conseguiu alimentar o povo e até exportar parte da produção. Todos os paraguaios
reconhecem, hoje, que o Ditador Supremo transformou a vida pública com sua "moral
franciscana", impôs um regime fiscal justo e abriu escolas em toda parte para erradicar o
analfabetismo.

A metáfora da decadência física

Já na primeira leitura constata-se que Roa Bastos tenta restabelecer o verdadeiro sentido
das palavras "tirano" e "ditador" (tirano, no sentido clássico, significa "aquele que sob
pretexto de progresso, bem-estar e prosperidade de seus governados, substitui o culto do
povo pelo de sua própria pessoa". E ditador, "aquele que dita a seu escriba suas
reflexões sobre seus decretos e sobre sua política").

José Gaspar R. de Francia, herói de Eu, o Supremo, foi uma espécie de


Robespierre paraguaio. Tomou o poder em 1812 e proclamou-se “Ditador
Supremo”

A narrativa começa alguns instantes antes do falecimento do personagem que narra na


primeira pessoa: "Eu, o Supremo Ditador da República, ordeno que após minha morte
meu cadáver seja decapitado, a cabeça alçada sobre uma estaca durante três dias na
Praça da República, onde o povo se concentrará ao forte repicar dos sinos". Durante a
segunda leitura, uma questão se impõe: um homem que governa com poder absoluto
pode escapar da corrupção que esse mesmo poder engendra?

A mesma pergunta foi feita por Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca
(1975) e, em ambos os casos, a resposta é a metáfora da decadência física do Supremo,
ou do Patriarca, que acompanha o declínio de seu mandato. "Meu corpo cresce, incha;
agita-se na água racial que meus inimigos tentavam conter com grilhões."

Ilusões de sonho e realidade


García Márquez tenta destruir o mito que envolve os ditadores, esses seres
"personalistas, épicos e excepcionais". Seu Patriarca é um amálgama do tirano Rosas,
de Franco e de Pinochet, sua selvageria é secundada por uma retórica monstruosa na
qual os meandros da sintaxe servem para dissimular a própria verdade da narrativa: o
Patriarca existe apenas no labirinto de frases sempre repetidas e jamais verificadas. Em
última instância, o Patriarca "era apenas uma visão incerta, um tremor de lábios
taciturnos, o adeus furtivo da luva vazia de um velho sem destino que não seria senão
uma brincadeira de mau gosto da imaginação".

Em O Recurso do Método (1974), Alejo Carpentier analisou, como nos dois romances
precedentes, o discurso do autocrata, embora com intenção e técnica diferentes. As
primeiras páginas de Recurso descrevem a incerteza do déspota que, de manhãzinha,
não consegue distinguir sonho e realidade. Essa é a tese do romance: a instabilidade do
país é produto das ilusões provocadas e sofridas pelo próprio ditador. Esse personagem
é, então, um dos mitos da América Latina no qual estão refletidos todos os conflitos
históricos, sociais ou culturais do hemisfério, "uma história que se repete, morde a
própria cauda, devora-se, imobiliza-se a cada vez".
(Trad.: Teresa Van Acker)

1 - A Festa do Bode, de Mario Vargas Llosa, São Paulo, ed. Mandarim, 2000.

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