Вы находитесь на странице: 1из 57

FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO

DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - FESMPDFT

Curso de Pós-Graduação Ordem Jurídica e Ministério Público

CLARISSA SERPA DE SOUZA

DIVERSAS QUESTÕES SOBRE UM CRIME PASSIONAL:


aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético

Orientador: Osvaldo Tovani

BRASÍLIA-DF
2008
CLARISSA SERPA DE SOUZA

DIVERSAS QUESTÕES SOBRE UM CRIME PASSIONAL:


aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético

Monografia apresentada como requisito para


conclusão do curso de pós-graduação
“Ordem Jurídica e Ministério Público”, da
Fundação Escola Superior do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios -
FESMPDFT.

Orientador: Osvaldo Tovani.

BRASÍLIA-DF
2008
A Deus, por todas as bênçãos e vitórias que têm me concedido. À
minha mãe Maria Clara Serpa F. Canto, por me ensinar, dentre tantas
brilhantes e inesquecíveis lições, a importância de persistir, batalhar e
acreditar na conquista dos meus sonhos e de um futuro melhor para se
viver. Ao meu noivo Saulo Kasakevitch e Luna, pelo apoio e
incentivo.
Ao ilustre professor Osvaldo Tovani, referência em minha vida
acadêmica e profissional, por quem tive o grande privilégio de ter sido
orientada. Muito obrigada!
“Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do
sentimento da justiça”.

Rui Barbosa
RESUMO

O objeto deste trabalho é a análise acerca de diversas questões sobre um crime


passional: aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético.
Para tanto, previamente será analisado o caso em tela, desde seu contexto histórico-
social, os personagens, a dinâmica do crime, e a atuação da polícia. Neste sentido, insta
salientar que todos os nomes de personagens informados, bem como da cidade onde o
caso hipotético é relatado são fictícios. A seguir, serão estudados os aspectos penais do
crime em epígrafe, procedendo-se à tipificação das condutas, à análise do concurso de
crimes, dos sistemas de aplicação da pena, e da existência de concurso material. Não
obstante, serão examinados os aspectos procedimentais e processuais, partindo-se da
averiguação das questões relacionadas ao expediente da polícia no inquérito policial,
atravessando o estudo da ação penal, até a verificação da hipótese de ação penal pública
incondicionada, constatada como a adequada para o caso em discussão. Ainda, será
abordada a competência para o devido processamento e julgamento do crime em
epígrafe, diante da conexão de crimes verificada, e, por conseqüência, de tratar-se de
hipótese referente à competência do Tribunal do Júri.

Palavras-Chave: direito penal; direito processual penal; crime passional; caso


hipotético; tipicidade; concurso de crimes; sistemas de aplicação da pena; inquérito
policial; ação penal pública; ação penal pública incondicionada; conexão de crimes;
tribunal do júri.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 2
1 DO CASO HIPOTÉTICO ....................................................................................................... 4
1.1 DO CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL...................................................................................... 4
1.2 OS PERSONAGENS ................................................................................................................ 6
1.2.1 Caio ............................................................................................................................. 6
1.2.2 Mélvia.......................................................................................................................... 7
1.2.3 Tícia............................................................................................................................. 7
1.2.4 Prometeu ..................................................................................................................... 8
1.2.5 Epitemeu...................................................................................................................... 8
1.2.6 Grupo de Ações Táticas Especiais de Santa Clara - GATE........................................ 8
1.3 O CRIME .............................................................................................................................. 9
1.4 DA ATUAÇÃO DA POLICIA ................................................................................................. 16
2 DO DIREITO MATERIAL................................................................................................... 19
2.1 DA TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS ...................................................................................... 19
2.1.1 Do homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa da vítima – contra Mélvia ......................................................... 21
2.1.2 Da tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Tícia ......................................... 22
2.1.3 Da tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de crimes – contra
o policial............................................................................................................................. 24
2.1.4 Do cárcere privado qualificado - contra Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu ........ 24
2.1.5 Do disparo de arma de fogo em lugar habitado ....................................................... 26
2.2 DO CONCURSO DE CRIMES................................................................................................. 26
2.3 SISTEMAS DE APLICAÇÃO DA PENA ................................................................................... 28
2.4 DO CONCURSO MATERIAL ................................................................................................. 31
3 DOS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS E PROCESSUAIS............................................. 34
3.1 DO EXPEDIENTE POLICIAL ................................................................................................. 34
3.2 DA AÇÃO PENAL ................................................................................................................ 38
3.2.1 Da ação penal pública incondicionada..................................................................... 41
3.3 DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO ............................................. 43
3.3.1 Da conexão de crimes ............................................................................................... 43
3.3.2 Da competência do Tribunal do Júri......................................................................... 45

CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 50
2

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de proceder à análise de diversas

questões sobre um crime passional, especificamente no que diz respeito aos aspectos

penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético. Assim, busca-se

examinar desde os fatos que deram origem ao crime passional em epígrafe, até as

conseqüências jurídicas provocadas pela prática das condutas delituosas.

O tema mostra-se de grande relevância e pertinência, na medida em

que se aprecia um caso hipotético envolvendo um grupo de pessoas aparentemente

comuns, cujas vidas foram radicalmente transformadas após a ocorrência de um crime

passional de trágico desfecho, evidenciado por alta repercussão social.

Neste sentido, cumpre-se destacar que os nomes indicados dos

personagens, bem como da cidade apresentada no caso em tela são meramente

ilustrativos e fictícios, utilizados a fim de facilitar o entendimento do enredo do caso,

bem como de suas implicações jurídicas.

Outrossim, a apresentação do contexto histórico-social, do perfil dos

personagens, da dinâmica do crime, bem como da atuação policial, se faz necessária

para a melhor compreensão da trajetória dos fatos que culminaram em sua ocorrência.

Neste sentido, o fim de um relacionamento entre dois jovens apresenta-se determinante

para o desenlace dos eventos, eis que agravado pelo comportamento do ex-namorado,

que acabou por incorrer em diferentes condutas ilícitas contra várias pessoas.

Não obstante, tratando-se de um dos crimes passionais de maior

duração da história do país, que restou por produzir um resultado calamitoso, há de se


3

verificar a eficiência da atuação policial no caso em discussão. Neste sentido, observa-

se que jovens foram feitos reféns por várias horas, disparos de arma de fogo foram

produzidos, tentativas de homicídio foram verificadas e uma morte alcançada.

Com efeito, demonstra-se mister a tipificação da condutas praticadas

pelo agente, devendo-se proceder, portanto, à adequação dos fatos ocorridos às

respectivas normas penais pertinentes, conforme o expresso no ordenamento jurídico

vigente.

Outrossim, diante da existência de mais de uma ação do agente, e,

tendo este praticado mais de uma conduta, insta relevante examinar a hipótese de

concurso de crimes, bem como do instituto do concurso material de crimes, além do

concernente ao sistema de aplicação de pena, com relação ao caso em epígrafe.

Destarte, serão analisados os aspectos procedimentais e processuais, a

fim de se apreciar o percurso das conseqüências jurídicas do caso hipotético. Assim,

serão examinados seus aspectos em suas principais fases, desde o expediente policial,

por meio da instauração do inquérito policial, à avaliação da ação penal adequada diante

das espécies existentes, em especial a hipótese de ação penal pública incondicionada.

Por fim, cumpre-se verificar a devida competência para

processamento e julgamento dos crimes praticados, analisando o instituto da conexão de

crimes e, por conseqüência, da eventual competência do Tribunal do Júri como

adequada para a apreciação do caso hipotético apresentado.


4

1 DO CASO HIPOTÉTICO

1.1 Do contexto histórico-social

Primavera de 2008.

O mundo acompanha a eleição presidencial nos Estados Unidos.

Diversos países preocupam-se com o advento de uma possível crise econômica diante

da recessão na maior economia do mundo, e a Declaração Universal dos Direitos

Humanos1 está prestes a completar sessenta anos de existência.

No Brasil, realizam-se eleições municipais para escolha de prefeitos e

vereadores, celebram-se os vinte anos de promulgação da Constituição Federal, e

começam a vigorar as três leis2 que promoveram importantes alterações no Código de

Processo Penal.

A cidade Santa Clara, localizada na região metropolitana de uma

grande capital brasileira, é tradicionalmente reconhecida por sua produção industrial, e

atualmente movimentada pelos ramos do comércio e de serviços.

É o município mais populoso da região. Parte de sua população

descende ou é imigrante de outros estados brasileiros, ou do exterior. Em geral, tal fluxo

migratório representa a busca de melhores perspectivas para a conquista de um futuro

melhor para viver.

1
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas, e nela
são enumerados todos os direitos que os seres humanos possuem. Foi aprovada em 10 de dezembro de
1948 pela Assembléia Geral das Organizações Unidas, tendo como signatários vários países ao redor do
mundo.
2
Lei 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou os dispositivos concernentes ao Tribunal do Júri; Lei
11.690, de 10 de junho de 2008, que modificou os artigos relativos à prova; Lei 11.719, de 20 de junho de
2008, que trouxe alterações quanto à suspensão do processo, os institutos da mutatio libelli e da
emendatio libelli, e aos procedimentos.
5

A fim de desenvolver um plano de habitação popular voltado para a

população de baixa renda, ao final da década de oitenta, a Companhia de

Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado onde se localiza Santa Clara

construiu uma série de conjuntos habitacionais.

Os imóveis são de propriedade do governo. O financiamento neste

tipo de programa vale por vinte e cinco anos, e o valor das prestações varia de acordo

com a renda do mutuário, em consonância com os ditames do programa desenvolvido

especialmente para a população de Santa Clara menos favorecida.

Cada imóvel dos conjuntos habitacionais possui uma disposição

simplificada: dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Atualmente, em

cada conjunto habitacional moram cerca de duas mil pessoas.

Santa Clara, aparentemente, não possui o perfil de uma cidade com

altos índices de criminalidade.

No entanto, há de se sinalizar a ocorrência de dois crimes de destaque

nacional, com repercussões de âmbito internacional: um, contra o chefe do poder

executivo local, ocorrido há pelo menos mais de cinco anos3, e outro, atual, ao qual

gerou intensa comoção em todo o país, modificando radicalmente a vida de um grupo

de pessoas, em especial a dos moradores do apartamento quarenta e dois, no Jardim

Santa Clara, um dos conjuntos habitacionais da cidade.

3
O ex-prefeito de Santa Clara foi encontrado morto, baleado com dezoito tiros, em uma estrada próxima
à cidade. O caso ainda se encontra sem solução.
6

1.2 Os personagens

1.2.1 Caio

Brasileiro, solteiro, vinte e dois anos.

Trabalhava como auxiliar de produção, terceirizado em uma empresa

de produtos de limpeza. A noite, para complementar sua renda, laborava em um

restaurante, onde era entregador de pizzas e esfirras.

De mãe empregada doméstica e irmão mais novo de três mulheres,

mudou-se com sua família do interior de uma capital nordestina para Santa Clara, aos

dois anos. Não foi criado pelo pai, que se separou de sua mãe quando ainda era criança.

Era tido por familiares e amigos como um jovem trabalhador, calmo e

de pouca fala. Gostava de jogar futebol, e costumava participar de partidas informais

junto com amigos aos finais de semana.

Um mês antes do jovem se tornar um dos protagonistas de uma trágica

história em Santa Clara, e de alta comoção nacional, pessoas próximas ao rapaz notaram

razoável diferença em seu comportamento habitual. Ele teria entrado em profunda

depressão após o rompimento do relacionamento de dois anos e sete meses com sua ex-

namorada.

O namoro foi repleto de idas e vindas. Revelando-se frio, ciumento e

agressivo, o ex-namorado teria ficado insatisfeito com o término do relacionamento,

sentindo-se sozinho e inconformado, e teria passado a ameaçar a ex-namorada.


7

1.2.2 Mélvia

Brasileira, solteira, quinze anos.

Estudante, cursava o primeiro ano do Ensino Médio em uma escola

pública de Santa Clara.

Sua família é proveniente do nordeste do país. Morava no conjunto

habitacional Jardim Santa Clara com seus pais e com o irmão mais velho, há mais de

dez anos. A mãe é merendeira em uma escola, e seu pai afastado da carreira policial,

trabalha com vigilante.

Era considerada uma garota estudiosa, meiga e feliz. Gostava de tirar

fotos, ouvir música e de navegar em sites da internet. Em sua escola, era popular e

reconhecida como uma das garotas mais bonitas de sua turma.

Tinha apenas doze anos quando começou a namorar Caio. Sua família

aprovava o relacionamento, que, por sua vez, demonstrava-se conturbado. Foi ela quem

decidiu terminar o namoro.

Nos últimos tempos, Mélvia havia se aproximado de uma colega de

escola, Tícia, de quem e se tornou melhor amiga e inseparável.

1.2.3 Tícia

Brasileira, solteira, quinze anos.

Estudante, freqüentava a mesma escola pública onde estudava sua

amiga, ex-namorada de Caio. Cursava o primeiro do ano do Ensino Médio.


8

De família oriunda de Santa Clara, e de pais separados, Tícia morava

com a avó e com sua mãe, que trabalha como professora. A jovem não encontrava o pai

há um ano.

Assim como sua melhor amiga, era reconhecida como uma garota

estudiosa, e uma das mais populares e bonitas de sua turma na escola.

Tícia namora um de seus colegas de turma na escola.

1.2.4 Prometeu

Brasileiro, solteiro, quinze anos.

Estudante do primeiro ano do ensino médio. É namorado de Tícia.

1.2.5 Epitemeu

Brasileiro, solteiro, quinze anos.

É estudante do primeiro ano do ensino médio, e colega de turma de

Mélvia, Tícia e Prometeu.

1.2.6 Grupo de Ações Táticas Especiais de Santa Clara - GATE

Conhecido como GATE, o Grupo de Ações Táticas Especiais do

Estado onde se localiza Santa Clara é uma unidade de operações policiais especiais,

constituindo o batalhão de choque da Polícia Militar.

Os policiais integrantes do GATE são capacitados e treinados para o

desenvolvimento de atividades específicas e suportar as exigências físicas, técnicas,

psicológicas e profissionais.
9

Neste sentido, recebem treinamento específico para atuação nas mais

diversas operações especiais que requerem um alto grau de desempenho tático, bem

como para uma eventual necessidade de ação em conjunto com outras instituições.

Seus policiais são divididos em equipes táticas de serviço e em

quadros de apoio, além de contar com um arsenal de armamentos e equipamentos

militares avançados.

Trata-se de um dos mais modernos grupos de táticas especiais do país,

focando sua atuação em situações de alto risco, como desarmamento de bombas e

resgate de reféns.

1.3 O Crime

Segunda-feira, primeiro dia.

Ao chegarem da escola, Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu

reuniram-se no apartamento daquela, a fim de realizar um trabalho escolar. O

apartamento, de número quarenta e dois, está localizado no bloco de um dos conjuntos

habitacionais da cidade, o Jardim Santa Clara.

A porta estava aberta. Caio, surpreendendo a todos, entrou no

apartamento da ex-namorada armado com um revólver calibre trinta e dois, de

procedência duvidosa4. A seguir, rendeu os quatro colegas, informando sua intenção de

matar a ex-namorada, e a seguir, de suicidar-se.

4
A arma pertencia a um homem residente em um estado do nordeste brasileiro, segundo apurou a Polícia.
O antigo dono contou que o revólver foi roubado há cerca de vinte anos, quando foi deixado no banco de
uma Kombi, em sua cidade. Entretanto, ainda de acordo com a polícia, a arma registrada era de calibre
trinta e oito, e não trinta e dois, conforme ficou constatado. Agora, os investigadores buscam informações
se houve alguma alteração no equipamento, ou se ocorreu erro no registro de apreensão do revólver.
10

Caio apresentava forte instabilidade emocional, contrapondo, assim

seu perfil habitual, descrito por familiares e amigos.

Na tentativa de amenizar a situação, Mélvia chegou a propor a Caio

que reatassem o namoro. Caio não concordou, alegando que se isso ocorresse, ocorreria

por medo, e não por amor a ele.

Caio, a todo o momento, ameaçava os quatro jovens que fazia reféns,

reafirmando sua intenção de assassinar Mélvia e, de logo em seguida, ceifar sua vida.

Caio ainda afirmava sentir raiva de Tícia, pois acreditava que ela havia influenciado

Mélvia na decisão desta em terminar o relacionamento com ele.

No início da noite, chegou ao local uma equipe do GATE de Santa

Clara para negociar a entrega dos reféns e a rendição do rapaz.

Os policiais se utilizam principalmente de contato telefônico para

desenvolver as negociações com Caio. Autoridades policiais, executivas e judiciais

foram envolvidas na comunicação com Caio, além de familiares de Caio e de todos os

reféns.

Prometeu e Epitemeu são libertados por Caio. Frustram-se as

tentativas da polícia de dar fim a situação.

Terça-feira, segundo dia.

A imprensa iniciou intensa cobertura sobre o caso.


11

Por volta das 9h, Caio efetuou dois disparos de arma de fogo contra

vizinhos, curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro do

condomínio onde manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo. Não

houve feridos, segundo a polícia.

Às 10h, Caio liga para o celular do pai de Tícia, e promete a libertação

da garota em breve, sem precisar data e horário. Um pouco antes, também conversou

com a mãe de Tícia, prometendo a libertação da jovem.

No inicio da tarde, o pai de Tícia afirmou que, de acordo com

informações que obteve durante conversa telefônica com Caio, a garota deveria ter sido

libertada na tarde de segunda-feira, junto com Epitemeu e Prometeu. Contudo, Tícia se

recusou a deixar Mélvia sozinha com o ex-namorado, temendo pela morte de sua amiga.

Por volta das 15h30, Caio efetuou outros dois disparos de arma de

fogo contra vizinhos, curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro

do condomínio onde manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo.

Segundo a polícia, ninguém se feriu.

A energia elétrica do apartamento é cortada às 16h. Somente o

fornecimento de água é mantido.

Às 19h, Caio suspende as negociações com o GATE. No último

contato telefônico com a polícia, o rapaz afirma que voltaria a se comunicar somente na

manhã da quarta-feira.
12

Contudo, após Caio afirmar que somente voltaria a negociar com a

polícia se a eletricidade fosse religada, em torno das 22h, a energia elétrica do

apartamento é restabelecida.

Caio libera Tícia, às 23h. Entretanto, Mélvia persiste no cárcere

privado.

Quarta-feira, terceiro dia.

Às 7h, o GATE tenta retomar as negociações com Caio.

Mais tarde, às 15h30, uma das reféns joga pela janela uma corda feita

com lençóis, a fim de receber alimentação. Caio se posiciona atrás da refém para

observar a movimentação.

Diante da repercussão do caso, às 15h30 um programa de televisão de

âmbito nacional exibe, ao vivo, uma entrevista com Caio. Ele diz à apresentadora do

programa que pretende libertar a ex-namorada, mas que teme a reação da polícia.

Algumas horas mais tarde, um policial do GATE, sem aviso, apertou a

campainha do apartamento, na tentativa de se aproximar e de acelerar as negociações

com Caio, sem sucesso. Caio, nervoso, atirou contra o policial.

Por volta das 17h30, Tícia, deixa a delegacia de Santa Clara, onde

prestava depoimento desde as 11h30.

Novamente a polícia não obtém êxito na resolução do caso.

Quinta-feira, quarto dia.


13

Durante a madrugada, a polícia tentou manter a negociação com Caio,

mas novamente não obteve sucesso.

Às 10h, a polícia acerta negociação com Caio, mas é surpreendida

pelo retorno de Tícia ao apartamento, que havia sido libertada na noite de terça-feira.

Tendo em vista uma negociação da policia com Caio, para um suposto

procedimento de libertação de Mélvia, Tícia deveria subir apenas dois jogos de escada

do prédio, junto com o irmão de Mélvia, a fim de dar cobertura e dar proteção a Caio.

Contudo, Caio conseguiu o retorno da refém, que estava sem escolta policial ou escudo

balístico.

Por volta de 12h45, uma das reféns jogou pela janela uma mochila,

contendo utensílios onde seriam colocados alimentos. Novamente Caio posicionou-se

atrás da refém para observar toda a movimentação.

Às 13h30, o cárcere privado em Santa Clara completa setenta e duas

horas, tornando-se o mais longo da história do Estado.

As negociações para libertação das reféns permanecem sem solução.

Sexta-feira, quinto dia.

No inicio da manhã, a polícia acopla à porta duas fitas com adesivos

de explosivos, preparando-se uma eventual invasão ao apartamento.


14

Às 14h, um Promotor de Justiça, assessor da Procuradoria Geral de

Justiça do Estado, elaborou uma declaração que garantiria que a integridade física de

Caio estaria resguardada no momento em as reféns deixassem o cárcere privado.

Por volta das 18h10, o GATE de Santa Clara invadiu o apartamento e

prendeu Caio. Tícia estava deitada em um colchão estendido no chão, e Mélvia no sofá,

ambas na sala, dormindo. Caio estava sentado, em frente às garotas. Ouviu-se uma

explosão. Entre o explosivo colocado pela polícia ser detonado, e Caio surgir preso,

passaram-se pouco mais de três minutos.

Reagindo à invasão policial, Caio desferiu tiros contra Tícia, atingindo

na mão direita, e em seu rosto, e contra Mélvia, baleando-a na região da virilha e na

cabeça.

A polícia militar alegou que decidiu invadir o apartamento após

supostamente ouvir um tiro, e porque o comportamento de Caio durante a tarde de

sexta-feira era muito agressivo.

Depois de explodir a porta, os policiais ainda levam quinze segundos

para conseguirem, de fato, entrar no apartamento.

Quarenta segundos depois da primeira explosão, ferida e com um tiro

no rosto, Tícia sai do apartamento, acompanhada de um policial. Eles caminhavam pelo

corredor do prédio agachados, temendo uma possível troca de tiros.

Em seguida, Caio, saiu do apartamento, e dominado por um policial é

levado até o corredor do prédio. Ele ainda tentou resistir, e são necessários mais dois
15

homens para poder imobilizá-lo. Emocionados, vizinhos e curiosos gritavam, indagando

o que haveria ocorrido e onde estaria Mélvia.

Um médico sobre as escadas do prédio correndo, tentando chegar ao

apartamento. Instantes depois, um policial sai do apartamento carregando Mélvia. Ela

estava ferida, com um tiro na virilha e outro na cabeça.

Pouco tempo depois, Caio é levado para fora do prédio, e

encaminhado à carceragem de uma delegacia de Santa Clara. Durante a madrugada, é

transferido para o Centro de Detenção Provisória.

Mélvia e Tícia são encaminhadas para um hospital da cidade. Tícia,

após submeter-se a algumas cirurgias, recuperou-se e voltou para sua casa. Em

depoimento posterior, afirmou que não ouve nenhum disparo de arma de fogo antes da

entrada dos policiais ao cativeiro, confrontando a versão inicial dada pela polícia.

Mélvia, que foi gravemente ferida, teve perda de massa encefálica, foi

operada, mas não resistiu aos ferimentos e teve sua morte cerebral atestada quase

quarenta e oito horas depois do desfecho do crime.

Assim, após mais de cem horas, termina o caso passional de cárcere

privado mais longo da história do Estado onde se localiza Santa Clara. O resultado

trágico da operação policial contra o crime que persistiu por cinco dias foi criticado, e a

atuação da policia, amplamente questionada diante do trágico resultado obtido.


16

1.4 Da atuação da policia

A atuação policial no crime passional em tela gerou críticas acerca da

eficiência de sua ação, além da discussão sobre a adoção de procedimentos alternativos,

diante do trágico desfecho.

Depreende-se que o propósito da ação policial no caso em epígrafe foi

a tentativa de se esgotar todas as formas de negociação junto ao criminoso,

privilegiando, assim, o exaurimento das possibilidades de transação admitidas pela

equipe de policiais.

Tal decisão foi determinante para que o crime se prolongasse no

tempo, perdurando por mais de cem horas. Deste modo, transformou-se em dos casos de

cárcere privado mais longos da história do país, com repercussão de altas proporções.

Neste sentido, verifica-se a postura policial no sentido de evitar o

disparo de armas de fogo, da utilização de atiradores de elite e de outros mecanismos de

ataque direto ao criminoso, indicando a pretensão de preservar a vida não somente dos

reféns, mas de todos os envolvidos.

Outrossim, observa-se a utilização de familiares, parentes e amigos

nas negociações, além de autoridades de diversas esferas, como artifício na tentativa de

incentivar a resolução pacífica do crime.

Assim, tem-se a participação, inclusive, de uma das reféns, em duas

ocasiões: a primeira, cuja libertação foi negociada em troca do restabelecimento de

energia no apartamento, e a segunda, com o retorno da refém ao cativeiro, tendo em


17

vista sua vulnerabilidade, caminhando rumo ao apartamento sem escolta ou a utilização

de escudo balístico.

Não obstante, horas antes de decidir pela invasão ao local do cativeiro,

em decorrência da forte instabilidade emocional de Caio, a polícia acoplou adesivos

com carga de explosivos a fim de deflagrar a porta do apartamento e deixar a passagem

livre para os policiais.

Entretanto, afirmando ter ouvido um suposto tiro disparado pelo

criminoso - o que, posteriormente, admitiu-se a possibilidade de erro - optou-se pela

invasão do apartamento. Contudo, os policiais encontraram um obstáculo posicionado

atrás da porta do apartamento, do que se depreende terem se surpreendido com tal

barreira.

O referido fato teria retardado o ingresso da equipe de policiais e, por

conseqüência, do atendimento médico às reféns. Além disso, pode-se inferir que a

quantidade de explosivos colocada não teria sido adequada.

De outro giro, observa-se que a polícia não ingressou simultaneamente

no apartamento pela porta, janela e fundos, e nem se utilizou de recursos como o

emprego de bombas de luz e som, que poderia facilitar sua atuação e, por conseqüência,

dificultar a ação do criminoso.

O resultado da atuação policial não se mostrou positivo.

Após cem horas de tentativas de negociação com Caio, nenhum dos

envolvidos saiu ileso. Uma das reféns, alvejada e ferida, teve de submeter-se a cirurgias
18

para recuperação, e a outra, baleada duas vezes, faleceu. Caio apresentou apenas

ferimentos leves.

Após a invasão do apartamento pela polícia, Caio foi preso em

flagrante, e deve ser denunciado pelo Ministério Público pela prática de uma série de

condutas ilícitas, conforme a seguir demonstrado. Sendo a denúncia recebida,

responderá a um processo criminal, formalmente acusado da realização de uma série de

crimes que se desenvolveram durante os cinco dias em que perdurou um dos mais

longos crimes passionais da história do país.


19

2 DO DIREITO MATERIAL

2.1 Da tipificação das condutas

Diversos são os fatos da vida social que ensejam a aplicação da sanção

penal por lesionar ou colocar em perigo interesses jurídicos relevantes. Para tanto, o

legislador infraconstitucional descreve as condutas proibidas na ordem jurídica vigente.

A essa definição legal fornecida pela ordem jurídico-penal, dá-se o nome de tipicidade.

Segundo Damásio de Jesus, “Tipicidade é a correspondência entre o

fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie da infração contida na lei penal

incriminadora5”. Configura-se em um dos postulados básicos do princípio da reserva

legal, expressamente consagrado pela Constituição Federal de 19886.

Tipificar a conduta significa subsumir, justapor, amoldar, enquadrar a

conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante na lei. Assim, um fato

para ser considerado típico, deve se adequar a um modelo descrito na lei penal. É a

adequação típica, que consiste na subsunção da conduta ao tipo penal7.

A adequação típica pode se operar de formas distintas, quais sejam, de

forma mediata ou indireta, ou ainda de forma imediata, direta ou por extensão.

Configura-se a adequação penal imediata, direta ou por extensão

quando o fato de subsume imediatamente ao determinado na lei, sem a necessidade de

concorrência de qualquer outra norma.

5
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
260.
6
Consoante preceitua o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, “não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, também reconhecido como princípio da reserva
legal: nullum crimen nulla poena signe praevia lege.
7
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
269-270.
20

Já a adequação penal mediata ou indireta, constitui exceção, e exige

a concorrência de outra norma, secundária, de caráter extensivo, que amplie a

abrangência da figura típica8.

Nas palavras de Damásio de Jesus:

[...] nem sempre é coisa simples que resulte de análise ligeira e mecânica da
lei, pois os tipos não são valores numéricos, nem puros conceitos lógicos, e
sim normas que contêm uma essência que forma um complexo sistema de
relações entre uma figura e outra. Para conseguir uma adequação correta é
sempre necessário indagar a que figura típica deve atender-se entre as
muitas que em regra podem ser aplicadas a determinado
comportamento. Na maior parte das vezes o problema assume feição de uma
operação complexa, seja porque várias leis podem aplicar-se a ela. Em alguns
casos, é correta a aplicação de várias leis ao mesmo fato; em outros, não. A
solução se condiciona às relações existentes entre os múltiplos tipos, com
base nos princípios que resolvem os conflitos aparentes de normas penais9.
[grifo nosso].

A doutrina moderna reconhece duas funções ao tipo penal10. A

primeira é a de garantia, tendo em vista seu aperfeiçoamento e sustentação no princípio

da reserva legal. Assim, os indivíduos, antes de realizarem um fato, devem ter a

possibilidade de saber se sua ação é ou não punível.

A segunda, denominada de indiciária, proclama que a realização do

tipo já antecipa uma possibilidade de também haver uma infringência do Direito,

embora esse indício não integre a proibição, cuja presunção somente cessa diante de

uma causa que a exclua.

8
O caso hipotético apresentado no presente trabalho oportunamente exemplifica situações de adequação
penal mediata, indireta ou por extensão.
9
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
270.
10
Neste sentido, Cezar Bitencourt, em sua obra “Tratado de Direito Penal” ainda indica uma terceira
função, denominada de “função diferenciadora do erro”. Neste sentido, o autor somente poderá ser
punido pela prática de um fato doloso quando conhecer as circunstâncias fáticas que o constituem.
21

Não obstante, para que a conduta humana seja considerada crime, faz-

se necessário seu ajustamento a uma descrição abstrata que expressa os elementos da

conduta lesiva.

Contudo, o tipo legal deve conter apenas os elementos necessários

para individualizar a conduta considerada nociva, manejando a um plano secundário as

outras circunstâncias que servem para exacerbar ou diminuir a pena, ou ainda que

forneçam subsídios à sua dosagem11.

Ante o exposto, verificadas as condições para a adequação do fato ao

tipo penal, e as condutas praticadas no caso hipotético apresentado, eis que lesivas ao

ordenamento jurídico, é possível realizar a congruência entre a ação concreta e o

paradigma legal, conforme será a seguir demonstrado.

2.1.1 Do homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso


que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Mélvia

Caio matou Mélvia, enquanto esta dormia no sofá da sala de seu

apartamento, no momento da invasão da polícia ao cativeiro.

Caio afirmara desde o início do crime que seu principal propósito era

o de matar a ex-namorada, pelo fato dela ter decidido terminar o relacionamento com

ele, o que o deixou sozinho e inconformado.

Ora, Caio matou Mélvia. Atingiu-a enquanto dormia no sofá de seu

apartamento, o que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.

11
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
270.
22

De outro giro, demonstra-se repugnante, vil e mesquinho o propósito

de matar Mélvia pelo fato dela ter terminado o relacionamento com Caio. Tal motivo

gera intensa repulsa social, eis que diante de tal fato a sociedade demonstra-se

particularmente indignada.

Assim, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 121, parágrafo 2º,

inciso III.

De acordo com o expresso no Código Penal12:

Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; [grifo nosso]

2.1.2 Da tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe,


e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Tícia

Caio tentou matar Tícia, desferindo tiros contra ela enquanto dormia

no colchão da sala do apartamento, no momento da invasão da polícia ao local do

cativeiro. Caio asseverara sentir raiva de Tícia, pois acreditava que ela havia

influenciado Mélvia em sua decisão de terminar o relacionamento com ele.

Ora, Caio atirou contra Mélvia, na tentativa de ceifar sua vida. Porém,

iniciada a execução, o homicídio não se consumou por circunstâncias alheias à sua

vontade. Atingiu-a enquanto dormia em um colchão ao lado do sofá do apartamento, o

que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.

12
Artigo 121, parágrafo II, inciso III, do Código Penal.
23

Não obstante, configura-se repugnante, vil e mesquinho o propósito de

tentar matar Tícia por raiva, pelo fato de acreditar que influenciou na decisão de Mélvia

em terminar o relacionamento com Caio. Tal fato causa intensa repulsa social, eis que a

sociedade demonstra-se particularmente indignada.

Ante o exposto, Caio cometeu infração repudiada pelo ordenamento

jurídico, eis que a tipicidade surge da junção do artigo 121 e do artigo 14, inciso II, do

Código Penal.

Conforme preconiza o Código Penal13:

Diz-se o crime:
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição
legal;
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente.
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a
pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
[grifo nosso]

Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo
torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; [grifo nosso]

13
Artigos 14, inciso II, e 121 parágrafo 2º, incisos I e III, do Código Penal.
24

2.1.3 Da tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de


crimes – contra o policial

Caio atirou contra o policial do GATE que, sem comunicá-lo, apertou

a companhia do apartamento, com o objetivo de se aproximar dele e de acelerar as

negociações para a resolução do caso, sem sucesso.

Ora, Caio tentou matar o policial, a fim de que a execução do crime

em epígrafe não restasse prejudicada. Todavia, iniciada a execução, o homicídio não se

consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.

Consoante o previsto no Código Penal14:

Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem
de outro crime.
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. [grifo nosso]

Por agir assim, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 121,

parágrafo 2º, inciso V, do Código Penal.

2.1.4 Do cárcere privado qualificado - contra Mélvia, Tícia, Prometeu e


Epitemeu

Caio privou Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu de sua liberdade, por

um período de tempo razoável. Assim, Caio manteve os quatro jovens encerrados em

um apartamento, sem poder de locomoção.

14
Artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, do Código Penal.
25

Todos os jovens possuíam quinze anos de idade, sendo, portanto,

menores de dezoito anos. Ainda, Caio cerceou a liberdade de Tícia por duas vezes, eis

que após a libertação da refém, fez com ela retornasse ao cativeiro.

Caio privou a liberdade de Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu,

desapossando-os do direito de ir e vir. Não obstante, Caio cerceou a liberdade de quatro

jovens menores de idade.

Com relação à Tícia, Caio ainda a privou de sua liberdade duas vezes,

eis que depois de libertada, fez com que a jovem retornasse ao cativeiro, mantendo-a

tolhida de sua liberdade. Novamente por um considerável lapso temporal

Conforme determinado no Código Penal15:

Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:


Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:
I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente
ou maior de 60 (sessenta) anos.
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou
hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.
IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
V - se o crime é praticado com fins libidinosos. [grifo nosso]

Desta forma, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 148, do

Código Penal, contra Tícia (duas vezes) e contra Mélvia, Prometeu e Epitemeu (uma

vez em relação cada um).

15
Artigo 148, do Código Penal.
26

2.1.5 Do disparo de arma de fogo em lugar habitado

Caio efetuou quatro disparos de arma de fogo contra vizinhos,

curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro do condomínio onde

manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo.

Neste sentido, verifica-se que Caio disparou arma de fogo por quatro

vezes, em lugar habitado.

Reza a lei 10.826/0316:

Disparo de arma de fogo:


Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta
não tenha como finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. [grifo nosso]

Assim sendo, Caio incorreu na conduta tipificada no artigo 15, da Lei

10.826/03 (quatro vezes).

Diante do exposto, verifica-se que as diversas condutas praticadas por

Caio se subsumem a um respectivo tipo penal legalmente previsto.

Assim, cometidas uma ou mais infrações penais, em uma

oportunidade ou em ocasiões diversas, que, de alguma forma estejam

circunstancialmente ligadas, faz-se pertinente, diante do caso hipotético em epígrafe, a

análise acerca do instituto do concurso de crimes.

2.2 Do concurso de crimes

Diz-se concurso de crimes quando da ocorrência de dois ou mais

delitos, por meio da prática de uma ou mais ações. Assim, configurar-se-á o concurso de

16
Artigo 15, Lei 10.826/03.
27

crimes quando um indivíduo, mediante unidade ou pluralidade de fatos, praticar dois ou

mais delitos.

Nas palavras de Júlio Fabbrine Mirabete:

É possível que, em uma mesma oportunidade ou em ocasiões diversas, uma


mesma pessoa cometa duas ou mais infrações penais que, e algum modo,
estejam ligadas por circunstancias várias. Quando isso ocorre, estamos diante
do chamado concurso de crimes (concursus delictorium), que dá origem a
suas penas. Não se confunde essa hipótese com a reincidência, circunstancia
agravante que ocorre quando o agente, após ter sido condenado
irrecorrivelmente por um crime, vem a cometer outro delito17.

O concurso de crimes diferencia-se do concurso de agentes (concursus

delinquentium), pois este se configura quando duas ou mais pessoas praticam um crime.

Todavia, é possível que um fato apresente a ocorrência do concurso de agentes e de

concurso de crimes, como quando dois ou mais agentes, em concurso, praticarem dois

ou mais crimes.

Não obstante, o concurso de crimes não se confunde com o concurso

aparente de normas, em que há a unidade do fato, mas também se observa a existência

de diversas leis que definem o mesmo fato como sendo criminoso.

Outrossim, quando da verificação de hipótese de pluralidade de ações,

não há de se falar em conflito aparente de normas penais, eis que se trata de hipótese de

concurso de crimes18.

Desta forma, destaca-se no caso em tela a existência de um concurso

de crimes, eis que se verifica a ocorrência de cinco delitos realizados, diante da prática

de duas ou mais ações pelo agente.

17
MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120 do CP. São
Paulo: Atlas, 2002, p. 314.
18
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
597.
28

Porquanto, demonstra-se mister examinar a forma de aplicação da

reprimenda diante de um concurso de crimes, cuja realização se opera por meio dos

sistemas de aplicação da pena.

2.3 Sistemas de aplicação da pena


Os sistemas de aplicação da pena referem-se à forma de gradação da

pena a ser estabelecida diante de um concurso de crimes, eis que um indivíduo que

comete diversos delitos deve ser apenado de forma mais severa do que aquele que

praticou apenas um.

Nas palavras de Julio Fabbrine Mirabete:

É possível que, em uma mesma oportunidade ou em ocasiões diversas, uma


mesma pessoa cometa duas ou mais infrações penais que, de algum modo,
estejam ligadas por circunstâncias várias. Quando isso ocorre, estamos diante
do chamado concurso de crimes (concursus delictorum), que dá origem ao
concurso de penas. Não se confunde essa hipótese coma reincidência,
circunstância agravante que ocorre quando o agente, após ter condenado
irrecorrivelmente por um crime, vem a cometer outro delito. São vários os
sistemas teóricos preconizados pela doutrina para a aplicação da pena nas
várias formas de concurso de crimes19.

Neste sentido, verifica-se a existência de cinco sistemas de aplicação

da pena20, essenciais para a forma de determinação das reprimendas.

De acordo com o sistema de unificação, soma, acumulação

material ou do cúmulo material, determina-se a soma das penas aplicadas para cada

um dos crimes (tot poena quot delicta)21.

19
MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120 do CP. São
Paulo: Atlas, 2002, p. 314.
20
Idem, p. 598-599.
21
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 472.
29

O sistema de unificação, da soma, acumulação material ou do cúmulo

material é utilizado pelo instituto do concurso material para a fixação da pena ao agente

que, tendo praticado mais de uma ação ou omissão, tenha cometido dois ou mais crimes.

Todavia, tal sistema também é adotado em outras hipóteses, quando

expressamente recomendada a sua utilização pela lei22. Foi adotado pelo Brasil nas

hipóteses de concurso material ou real23 e concurso formal imperfeito24.

O sistema de acumulação jurídica determina que a pena aplicável

não é será da soma das penas concorrentes, mas sim de tal rigidez que esteja em

consonância à gravidade dos crimes cometidos.

Neste sentido, faz com que exista uma pena ponderada entre as várias

previstas para os diversos crimes, com o objetivo de impedir excessos punitivos. Não é

adotado pelo Brasil.

De acordo com o sistema da absorção, a pena mais grave absorve a

menos grave. Assim, considera-se que, na hipótese de concurso de crimes pode haver a

fixação da pena com base na mais grave, restando a absorvição das demais.

O Brasil não adota expressamente o sistema da absorção. Contudo, há

casos em que a jurisprudência, no conflito aparente de normas levando em consideração

22
Como exemplo, a hipótese de coação no curso do processo, prevista pelo artigo 344 do Código Penal e
a de alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, conforme prevê o artigo 161 do
Código Penal.
23
Artigo 69, caput, do Código Penal.
24
Artigo 70, caput, 2ª parte, do Código Penal.
30

o critério da consunção, determina que o crime mais grave, normalmente denominando

de crime-fim, absorva o menos grave, chamado crime-meio25.

O sistema da exasperação da pena invoca a aplicação da pena mais

gravosa, aumentada de um determinado percentual. Foi adotado pelo Brasil nos

institutos do concurso formal26 e do crime continuado27.

Deste modo, permite que o agente, quando da prática de mais de um

delito, tenha a fixação de somente uma das penas, porém com o acréscimo de uma cota

parte que sirva para representar a punição a todos os demais crimes. Configura-se em

espécie de derrogação da regra do cúmulo material das penas28.

O sistema da responsabilidade única e da pena progressiva implica

na concorrência dos crimes, mas não em sua acumulação, devendo-se aumentar a

responsabilidade do agente na medida em que se aumenta o numero de crimes por ele

praticado.

Destarte, de acordo com o sistema da responsabilidade única e da pena

progressiva, cada novo crime realizado não é fonte de nova responsabilidade, mas uma

causa posterior que agrava a responsabilidade já configurada. Não é adotado pelo Brasil.

No caso hipotético em tela, já encontra-se verificada a hipótese de um

concurso de crimes. Igualmente, resta constatada a incidência de sistema de unificação,

25
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 410.
26
Artigo 70, do Código Penal.
27
Artigo 71, do Código Penal.
28
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 517.
31

da soma, acumulação ou do cúmulo material, eis que adequada para a situação em que o

agente, mediante mais de uma ação, perpetra dois ou mais delitos.

Assim sendo, demonstra-se pertinente a verificação de qual espécie de

concurso de crimes encontra-se presente no caso hipotético em epígrafe, conforme a

seguir exposto.

2.4 Do concurso material

Configura-se o concurso material ou real de crimes em uma espécie de

concurso29. Há o concurso material quando o agente, mediante mais de uma ação ou

omissão, pratica dois ou mais crimes, sendo idênticos ou não.

Ressalta-se que todas as condutas devem estar vinculadas pela

identidade do agente que as praticou, não importando se o fato aconteceu na mesma

ocasião, ou em oportunidades diferentes.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci:

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou


mais crimes, sua punição deve se articular pela soma das penas privativas de
liberdade que haja incorrrido, porque se adota o sistema de acumulação
material neste contexto30”.

O concurso material pode ser classificado em concurso material

homogêneo e concurso material heterogêneo31.

29
Em contraposição as demais espécies, quais sejam, o concurso formal ou ideal, expresso no Código
Penal, e o instituto do crime continuado, consoante proclama o artigo 71, ambos do Código Penal.
30
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 410.
31
Idem.
32

Diz-se concurso material homogêneo quando diz respeito a crimes

idênticos. Já o concurso material heterogêneo se configura quando não se trata de

crimes idênticos.

As penas devem ser somadas. Assim, o Juiz deve proceder à fixação

de forma se apartada à pena de cada um dos crimes, e, depois, proceder à sua soma na

própria sentença.

Uma eventual aplicação conjunta poderia provocar a violação do

princípio da individualização da pena32, constitucionalmente prestigiado, e que

determina que a reprimenda necessita ser individualizada, a fim de se evitar a

padronização das sanções penais33.

Com relação às causas especiais de aumento de pena, se autoriza a sua

incidência sobre cada um dos crimes, desses fatores de majoração da sanção penal, sem

que isso caracterize sua dupla incidência de majoração da sanção penal.

No concurso material ou real é possível a hipótese de pena privativa

de liberdade somada com restritivas de direitos, caso tenha sido concedida a suspensão

condicional da penal privativa de liberdade. Ainda, se compatíveis, a pena restritiva de

direitos junto à outra pena restritiva diversa devem ser executadas simultaneamente, ou,

ainda, uma após a outra34.

32
Artigo 5º, inciso XLVI, 1ª parte, da Constituição Federal.
33
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 518.
34
Idem.
33

No que se refere à competência do Juiz para a aplicação da regra do

concurso material, se houver conexão entre os crimes com a respectiva unidade

processual, há de se realizar a aplicação pelo próprio Juiz sentenciante.

Se não houver conexão entre os diversos delitos, que são objetos de

diversas ações penais, a regra do concurso material será aplicada pelo Juiz da execução

penal, haja vista que, com o trânsito em julgado, todas as condenações são reunidas na

mesma execução, momento em que há soma das penas.

No que tange ao prazo prescricional no concurso material, para cada

uma das infrações penais deve este ser contado separadamente, consoante proclama o

expresso no artigo 119 do Código Penal35.

Diante da análise do caso em tela, depreende-se tratar-se de hipótese

de concurso material ou real de crimes, tendo em vista a realização de mais de uma ação

pelo agente, conforme a apresentação das condutas anteriormente tipificadas.

Assim, tendo sido praticada a infração penal pelo agente, deve-se

proceder à apuração e os esclarecimentos acerca dos fatos e de todas as circunstâncias a

ele relacionadas.

Para tanto, como regra, a lei confere a atribuição investigatória a

autoridades administrativas (havendo, ainda, a possibilidade de se realizar por atuação

particular, desde que por meio da realização atividades lícitas), acerca da efetiva

existência de crimes e de sua respectiva autoria, conforme será a seguir demonstrado.

35
Determina o artigo 119, do Código Penal: “no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade
incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.
34

3 DOS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS E PROCESSUAIS

3.1 Do expediente policial

O inquérito policial configura-se em um expediente administrativo,

pré-processual, cautelar, provisório, sigiloso, indisponível, dispensável e inquisitivo,

destinando a recolher indícios de autoria e provas de materialidade do crime,

caracterizando-se por sua discricionariedade e pela ausência de contraditório.

Outrossim, é por meio do inquérito policial que são fornecidos os

subsídios mínimos ao titular da ação penal para que se possa demonstrar a existência de

um delito e os de indícios de sua autoria.

Conforme preceitua Eugênio Pacelli de Oliveira:

Como regra é a iniciativa (legitimação ativa) da ação penal a cargo do


Estado, também a fase pré-processual da persecução penal, nos crimes
comuns, é atribuída a órgãos estatais, competindo às autoridades
administrativas, excepcionalmente, quando expressamente autorizadas por lei
e no exercício de suas funções, e à Polícia Judiciária, como regra, o
esclarecimento das infrações penais. O inquérito policial, atividade específica
da polícia denominada judiciária, isto é, a Polícia Civil, no âmbito da Justiça
Estadual, e a Polícia Federal, no caso da Justiça Federal, tem por objetivo a
apuração das infrações penais e de sua autoria (art. 4º. CPP)36.

O inquérito policial poderá ser iniciado de ofício, ou mediante

requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou, ainda, por meio de

requerimento do ofendido ou de se representante legal, conforme determinação legal37.

Todavia, é certo de seu início dependerá da espécie de ação penal a

que se subordina o delito38. No caso em tela, há de se verificar tratar-se de ação penal

36
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris,
2008, p. 39.
37
Artigo 5º, do Código de Processo Penal.
38
Em contraposição à Ação Penal Pública Incondicionada, tem-se à Ação Pública Condicionada à
requisição do Ministro da Justiça e a Ação Penal Privada mediante o requerimento da vítima ou de seu
representante legal. Por outro lado, tratando-se de agente com prerrogativa de função, atual jurisprudência
35

pública incondicionada39, em que a autoridade policial não dependerá de nenhuma

providência da vítima ou de outrem, devendo proceder à instauração do inquérito,

conforme a seguir exposto.

São peças iniciais do inquérito policial a portaria40 da autoridade

policial, o auto de prisão em flagrante ou os requerimentos e requisições para

instauração do inquérito.

Destaca-se que, tratando-se de hipótese de flagrante delito, conforme

se observa no caso apresentado, eis que o acusado fora preso em flagrante, a peça inicial

será o respectivo auto, que substituirá a portaria da autoridade policial.

Não obstante, o inquérito policial decorre de uma notícia criminis, que

se configura no conhecimento da autoridade policial, espontâneo, conforme o caso

hipotético em epígrafe, ou provocado, quando transmitida por algum meio formal de

comunicação, do fato delituoso. É possível que se instaure o inquérito policial sem a

autoria do delito, sendo necessários apenas indícios de um fato criminoso.

Na fase do inquérito policial o acusado, suposto infrator da prática do

ilícito penal, é denominado de indiciado. O indiciamento é ato privativo da autoridade

policial, e pressupõe indícios razoáveis de autoria, sob pena de constrangimento ilegal41.

do Supremo Tribunal Federal denota que a autoridade policial não pode indiciá-lo sem prévia autorização
do Ministro-Relator do respectivo inquérito.
39
A Ação Penal Pública Incondicionada será particularmente examinada no presente trabalho em tópico
próprio.
40
Trata-se de peça singela na qual a autoridade policial descreve o fato delituoso, esclarece as
circunstâncias conhecidas, determina as primeiras diligências a serem realizadas e procede à classificação
do delito.
41
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 29.
36

Após o indiciamento, a autoridade policial deve ouvir o indiciado,

com observância, no que for aplicável, das disposições concernentes ao interrogatório

do acusado. Com efeito, o respectivo termo deve ser assinado por duas testemunhas42

que lhe tenham ouvido a leitura, sob pena de nulidade do ato devendo a prisão, caso

exista, ser imediatamente relaxada pela autoridade policial43.

De forma diversa da qual ocorre na fase processual, não se faz

necessária a presença de defensor, o qual, no caso queira o indiciado, poderá

acompanhá-lo e orientá-lo, não podendo aquele, todavia, influir nas perguntas.

O indiciado, por sua vez, é sujeito de direitos e possuidor de

garantias, como o de permanecer calado, sem que o silêncio seja interpretado em seu

desfavor.

No caso em tela, em que um dos tipos examinados refere-se ao

homicídio doloso, deve o indiciado submeter-se à identificação criminal, ainda que seja

civilmente identificado, conforme determinação legal44.

Além da identificação criminal, outras providências devem ser

realizadas pela autoridade policial. Nas palavras de Reinaldo Rossano:

Além do indiciamento, da oitiva e da identificação criminal do indiciado,


deve a autoridade policial cumprir as providências previstas no artigo 6º do
CPP, quais sejam: visitar o local do crime para resguardar as provas,
apreender os objetos relacionados ao fato delituoso, colher provas (inclusive
testemunhais), ouvir o ofendido, realizar conhecimentos e acareações,
determinar a realização de exames e perícias, apurar os antecedentes e a vida
pregressa do indiciado, e realizar reprodução simulada do crime, se não
ofender a moral. A propósito, é pacífico que o indiciado não está obrigado a
participar da reprodução simulada do crime, em face do privilégio contra a

42
Denominadas de testemunhas instrumentárias, não precisam estar presentes na oitiva em si, mas apenas
no ato da leitura do termo de declaração do acusado.
43
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 29.
44
Artigo 3º, inciso II, da Lei 10.054/00.
37

auto-incriminação. Poderá, entretanto, ser compelido a comparecer ao ato [...]


para invocar o seu direito de não produzir provas contra si45.

O inquérito policial tem prazo determinado para a conclusão das

investigações, devendo encerrar-se, como regra, em dez dias, quando o indiciado estiver

preso, por força de flagrante – como no caso hipotético em epígrafe, de prisão

preventiva ou temporária, contados da data da prisão ou do término do prazo da prisão

temporária. Neste caso, o prazo é improrrogável.

Diferentemente do crime em discussão, quando tratar-se de hipótese

de indiciado solto, o inquérito policial deve ser encerrado em 30 dias, quando o

indiciado estiver solto, contados da expedição da portaria pela autoridade policial ou da

requisição do Ministério Público, ou do requerimento da vítima. No crime em tela, o

prazo poderá ser prorrogado quantas vezes se fizerem necessárias, devendo a

prorrogação ser requerida ao Juiz, depois de ouvido o Ministério Público46.

Tendo em vista o caso hipotético apresentado tratar-se crimes sujeitos

à ação penal pública incondicionada, deve o inquérito policial, após devidamente

concluído, ser remetido ao Juiz competente que, por sua vez, dará vista, imediatamente

dos autos ao Ministério Público.

Assim, recebidos os autos, o Promotor de Justiça poderá tomar uma

das três ações: requerer o arquivamento dos autos, requisitar novas diligências ou

oferecer denúncia contra o agente.

Com efeito, afastadas as duas primeiras hipóteses no crime em

discussão, deve ser a denúncia oferecida pelo membro do Ministério Público contra o

45
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 33.
46
Idem.
38

agente. Caso seja recebida, dar-se-á início à ação penal pública incondicionada,

conforme será a seguir demonstrado.

3.2 Da ação penal

A ação penal é o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar

em juízo, requerendo a prestação jurisdicional das normas de direito penal no caso

concreto. Tendo em vista a existência de uma infração penal precedente, é por meio de

uma ação penal que o Estado ou a vítima alcança a realização de sua pretensão, qual

seja, de proceder à punição do infrator47.

Nas palavras de Luiz Regis Prado:

A ação penal é o momento da persecução do crime no qual se concretiza a


acusação contra seu autor. Através dela, instaura-se o processo penal, vale
dizer, a instrução judicial contraditória, e invoca-se a aplicação da pena, se
verificada a procedência da acusação em face da verdade real. A transgressão
da norma penal dá lugar ao nascimento da lide penal: de um lado a pretensão
punitiva estatal e de outro a resistência do acusado. Para solucioná-la
exsurgem o processo penal e, no seu bojo, a ação penal, que é exatamente o
direito público subjetivo a uma decisão jurisdicional sobre a referida lide ou
conflito de interesses.48

As ações penais podem ser classificadas como ações de

conhecimento, cautelares e executórias. As ações penais de conhecimento dizem

respeito ao mérito do processo, enquanto as ações penais cautelares tratam de incidentes

processuais que ocorrem ao mesmo tempo da ação penal de conhecimento, podendo, de

alguma maneira, influenciá-la. Já as ações executórias tratam da execução da pena

prolatada pelo Juiz após o término da ação de conhecimento49.

47
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 114.
48
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 751-752.
49
TUBINO, Cristina Alves. Direito Penal e processual penal. 3. ed. Brasília: Fortium Editora, 2007, p.
13.
39

Outra classificação apresentada com relação à ação penal, diz respeito

à sua pretensão ou ao seu conteúdo, perfazendo-se em ações penais condenatórias50,

declaratórias51 e constitutivas52.

Contudo, a classificação da ação penal mais conhecida diz respeito ao

titular da ação penal para seu início e desenvolvimento. A ação penal pode ser

classificada em a ação penal pública e ação penal privada.

Em quaisquer das hipóteses, será o Estado responsável efetivo pelo

julgamento da lide penal, por meio de um órgão imparcial, ou seja, o Juiz (Estado-

Juiz).53

A ação penal privada, modalidade de ação penal movida por

particular, cuja peça inicial configura-se na queixa-crime, subdivide-se em ação penal

propriamente dita ou exclusiva, em ação penal privada personalíssima e em ação

penal privada subsidiária da pública ou supletiva.

A ação penal propriamente dita ou exclusiva poderá ser proposta

pela vítima, pelo ofendido, por seu representante legal e por seus sucessores. Havendo

falecimento da vítima, se obedece ao disposto Código de Processo Penal. Seu prazo

para propositura é de seis meses a contar da data em que a vítima tomou conhecimento

de quem seja o autor do fato, salvo disposição em contrário, nos termos da lei.

50
Visam uma sentença de condenação do réu. Tais ações tendem a uma sentença em que, além da
declaração quanto à existência de uma relação jurídica, contém a aplicação da regra sancionadora.
51
Objetivam a declaração quanto a uma relação jurídica, e a ação visa desfazer, tornando certo aquilo que
é incerto, desfazer a dúvida em que se encontram as partes quanto à relação jurídica.
52
Propõe à verificação e declaração da existência das condições, segundo as quais a lei permite a
modificação de uma relação ou situação jurídica e, em conseqüência dessa declaração, a criação,
modificação ou extinção de uma situação jurídica.
53
A competência para julgamento do caso hipotético em epígrafe será objeto de exame em ponto
específico no presente trabalho.
40

Com relação à ação penal privada personalíssima, esta somente

poderá ser iniciada pela vítima ou pelo ofendido, tendo em vista tratar-se de interesses

altamente pessoais. O direito de proposição não se estende aos herdeiros, não se

admitindo, assim, o instituto da sucessão processual.

Já no que se refere à ação penal privada subsidiária da pública ou

supletiva, esta será promovida por meio da apresentação de queixa-crime, em demanda

que inicialmente seria de natureza pública, como no caso de inércia do Ministério

Público em iniciá-la. Com efeito, o Ministério Público deve acompanhar todos os atos a

serem praticados, e, caso o particular deixe de realizar algum ato processual, deve o

Ministério Público reassumir a titularidade da demanda.

A ação penal pública, por sua vez, é subdividida em ação penal

pública condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça e em

ação penal pública incondicionada.

Já a ação penal pública condicionada à representação ou à

requisição do Ministro da Justiça ocorre quando sua propositura depende da

manifestação de vontade do ofendido, da vítima ou de seu representante legal, por meio

do termo de representação. Pode ocorrer em situações específicas, como por exemplo,

em crimes perpetrados contra o Presidente da República, por meio de requisição do

Ministro da Justiça.

Não obstante, o início e a forma de como se desenvolverá a

persecução penal dependerá da espécie da ação penal a que se subordina o respectivo

delito.
41

Caso seja a ação pública condicionada, a ação do Estado irá depender

de representação do ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça. De outro giro,

tratando-se de ação penal privada, a persecução penal só poderá ser iniciada mediante

iniciativa da vítima.

De acordo com Luiz Regis Prado:

A ação penal será pública, portanto, quando for o Ministério Público seu
titular. No nosso ordenamento jurídico, porém, não impera de modo
absoluto o caráter publicístico da ação penal. Há casos em que o Estado
considera outros interesses que não estritamente o público, mormente
em se tratando de delitos que afetem profundamente a esfera íntima do
indivíduo, de modo que somente a vítima competirá decidir sobre a
conveniência de se incitar a atividade persecutória. Isso porque a
propositura da ação penal poderá gerar gravame maior à intimidade pessoal
do ofendido do que a própria impunidade do infrator, e, perante o conflito
entre o interesse público e o particular, prefere o Estado deixar o arbítrio
individual a sua punição. Nessas hipóteses, tem-se que a ação penal será
privada. O Estado, embora continue como detentor exclusivo do jus
puniendi, concede excepcionalmente à vítima do delito, ou ao seu
representante legal, a titularidade da ação penal. Para a determinação da
espécie da ação penal a que está submetida determinada infração, dispõe
a lei que a regra geral será a publicidade da ação, só afastada quando
houver expressa referência à modalidade da ação cabível. A ação penal é
pública. Só excepcionalmente será privada, quando a lei declarar como
tal. Destarte, no caso dos crimes, cuja a punição dependa da iniciativa do
ofendido, dispõe o próprio texto legal que “somente se procede mediante
queixa”. Já nos casos de ser a ação penal pública, não há menção na lei
quanto à necessidade de que seja intentada exclusivamente pelo Ministério
Público. Apenas em se tratando de ação penal pública incondicionada, dispõe
a lei que “somente se procede mediante representação”, ou que “procede-se
mediante requisição do Ministro da Justiça54”. [grifo nosso]

3.2.1 Da ação penal pública incondicionada

A ação penal pública incondicionada configura-se pela relevância

do bem jurídico ofendido e de seus reflexos no mundo. Preenchidos os requisitos legais,

deverá ser feita sua propositura.

54
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 472.
42

Destarte, de modo geral, tratando-se de ação penal pública

incondicionada, o Estado não irá depender de qualquer providência do ofendido para

promover a persecução criminal.

O Ministério Público é o titular dessa ação penal, e independe da

vontade de terceiros ou da vítima para o seu exercício.

Com efeito, todos os crimes previstos na legislação brasileira sobre os

quais o texto legal não especifique o cabimento de outro tipo de ação penal diversa

pertencem à ação penal pública incondicionada.

Trata-se da espécie mais comum no ordenamento jurídico brasileiro,

eis que mais presente nos tipos penais. Pode-se afirmar que é a regra geral, enquanto as

exceções configuram-se nas ações penais públicas condicionadas e nas ações penais

privadas55.

Consoante acima exposto, e, de acordo com o caso hipotético em

discussão, evidencia-se que a lide em tela será manejada por meio da ação penal pública

incondicionada, haja vista que a legislação brasileira não especifica nenhum tipo

específico de ação para tal, e, ainda, por não haver dependência de qualquer providência

para que se dê início à devida persecução criminal.

Assim, demonstra-se pertinente a análise da competência para o

processamento e julgamento dos crimes, em especial, levando-se em consideração a

natureza da lide em epígrafe.

55
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 64.
43

3.3 Da competência para processamento e julgamento

Competência é a delimitação da jurisdição, ou a possibilidade que

possui o Poder Judiciário de manifestar-se concretamente na aplicação do direito

objetivo em cada caso concreto, ou seja, o espaço onde cada autoridade judiciária pode

aplicar o direito aos litígios que lhe foram apresentados56.

3.3.1 Da conexão de crimes

A conexão é hipótese de modificação de competência, acarretando,

como regra, a unidade de processos, a fim de resguardar a segurança jurídica e a

economia processual, e evitando-se, sobretudo, decisões contraditórias57.

Neste sentido, conexão é o nexo, a dependência recíproca que os fatos

guardam entre si. Irá existir a conexão quando duas ou mais infrações se configurarem

de forma que deverá haver apenas um processo para que seja possível o julgador para a

verificação da situação como um todo. Neste sentido, verifica-se a ocorrência de

conexão de crimes no caso hipotético em tela.

Diferencia-se de outra forma de modificação de competência, a

continência, pois esta ocorre quando uma causa está contida na outra, não sendo

possível separá-las.

Assim, haverá continência na hipótese em que um fato criminoso

conter outros, tornando-os uma unidade indivisível. Entretanto, a conexão e a

56
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 189.
57
A Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal determina que “não viola as garantias do juiz natural, da
ampla defesa e do devido processo penal a atração por conexão ou continência do processo do co-réu ao
for por prerrogativa de função de um dos condenados”.
44

continência têm como conseqüência a unidade de processo e a prorrogação da

competência.

Existem três espécies de conexão previstas no dispositivo legal: a

conexão intersubjetiva (entre pessoas), a conexão material (lógica ou objetiva) e a

conexão probatória (testemunhal).

A conexão intersubjetiva (entre pessoas) se subdivide em conexão

intersubjetiva por simultaneidade (subjetiva objetiva ou meramente ocasional),

quando ocorrem duas ou mais infrações, praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas

reunidas, em que não há a atuação em concurso de agentes, mas sim em conexão

intersubjetiva por simultaneidade.

A conexão intersubjetiva concursal se configura quando duas ou

mais infrações tiverem sido praticadas por várias pessoas em concurso, ao mesmo

tempo, ou em lugar e tempo diversos. Diferencia-se da conexão intersubjetiva por

simultaneidade em razão de nela haver concurso de agentes.

Não se confunde, também, com o instituto da continência, eis que

nesta há concurso de agentes para a prática de um crime, enquanto na conexão

intersubjetiva concursal existe o concurso entre os agentes, mas é praticado mais de um

delito.

A conexão intersubjetiva por reciprocidade se se dá quando ocorre

duas ou mais infrações, praticadas por várias pessoas, umas contra as outras.
45

A conexão material (lógica ou objetiva) é a que se configura

quando, no mesmo caso, houverem infrações praticadas a fim de facilitar (conexão

teleológica) ou ocultar as outras, ou, ainda, para alcançar impunidade ou vantagem

(conexão conseqüencial) em relação a qualquer delas.

A conexão probatória (ou instrumental) se realiza quando a prova

de uma infração gera influência na prova de outra.

Com efeito, conforme ressaltado anteriormente, além de verificada a

presença de conexão de crimes no caso em epígrafe, a conseqüência da presença da

conexão é que haverá a reunião de processos. Assim, o processamento e julgamento dos

crimes será manejado em apenas um só processo.

Contudo, deve-se determinar qual foro deverá correr o processo

unificado, sendo competente para tal. Assim, é preciso encontrar o foro prevalecente, no

qual serão julgadas as causas devidamente reunidas.

3.3.2 Da competência do Tribunal do Júri

A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente a

instituição do Tribunal do Júri, com a organização que a lei lhe prover, assegurados a

plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência

para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, por meio de um corpo de

jurados58.

Destaca-se que a Carta Magna permite que a lei ordinária venha

eventualmente ampliar eventualmente esta competência.

58
Artigo 5º, inciso XXXVIII, da Consitutição Federal de 1988.
46

Neste sentido, e, de acordo com o Código Penal, são considerados

crimes dolosos contra a vida, o homicídio doloso, simples, privilegiado ou qualificado59,

o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio60, o infanticídio61 e o aborto provocado

pela gestante, ou com seu consentimento62 ou por terceiro63, sejam consumados ou

tentados.

Ainda, o Código de Processo Penal destaca a importância da

competência do Tribunal do Júri, eis que determina que a competência pela natureza da

infração será regulada pelas leis de organização judiciária, ressalvando-se a

competência privativa do tribunal do júri.

No caso de conexão entre crime doloso contra a vida e qualquer outra

espécie de crime, conforme se verifica no caso hipotético em tela, a regra aplicada é a

de prevalência da competência do júri.

Determina o Código de Processo Penal:

Na determinação da competência por conexão ou continência, serão


observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da
jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
II - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais
grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de
infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de
maior graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta64.
[grifo nosso]

59
Artigo 121, parágrafos 1º e 2º, do Código Penal.
60
Artigo 122, parágrafo único, do Código Penal.
61
Artigo 123, do Código Penal.
62
Artigo 124, do Código Penal.
63
Artigos 125, 126 e 127, do Código Penal.
64
Artigo 78, do Código de Processo Penal.
47

Neste sentido, havendo concurso de infrações do Tribunal do Júri e da

competência comum, prevalece a competência do sinédrio popular. Não obstante, o

Tribunal do Júri permanece competente para julgar o crime conexo mesmo tendo

absolvido o réu da imputação principal65.

Assim, no caso em tela, tratando-se de conexão de crimes, e, diante da

verificação da prática de crimes dolosos contra a vida, o processo contra o agente será

submetido a processamento e julgamento pelo corpo popular de jurados do Tribunal do

Júri, eis que se configura no órgão competente para tal, conforme as disposições

legalmente previstas.

65
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 130.
48

CONCLUSÃO

Resta plausível e de indubitável importância a análise realizada acerca

das diversas questões nos aspectos penais, procedimentais e processuais que envolvem

o crime passional hipotético apresentado. Deste modo, se procedeu a um exame

completo dos fatos relatados, abarcando-se desde sua origem até as implicações

jurídicas decorrentes dos delitos praticados.

Assim, foi demonstrada a latente modificação ocorrida na vida dos

personagens do caso em epígrafe, diante do trágico desfecho do crime passional. Como

resultado, obteu-se a morte de uma das reféns, duas tentativas de homicídio, sendo uma

contra a refém sobrevivente e outra contra um policial que participara das negociações,

além do cárcere privado contra dois rapazes.

Não obstante, observou-se a atuação policial diante do caso em tela.

Conclui-se que, perante as dificuldades para o alcance de uma resolução pacífica, do

tempo total em que perdurou o delito, e, sobretudo, do lamentável resultado obtido, não

se mostrou positiva a atuação policial, questionando-se a postura adotada pelos

responsáveis pelas negociações.

De outro giro, foram devidamente tipificadas as condutas praticadas

pelo agente, procedendo-se à adequação típica direta e indireta, conforme o tipo

específico e de acordo com a determinação legal. Assim, o agente praticou o delito

previsto no artigo 121, parágrafo 2º, inciso III, do Código Penal, qual seja, homicídio

duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte ou torne impossível a

defesa da vítima, contra Mélvia. Do mesmo modo, incorreu na conduta tipificada a

partir da junção do artigo 121 e do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, a saber,
49

tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte

ou torne impossível a defesa da vítima, contra Tícia.

Ainda, praticou a conduta descrita pelo artigo 121, parágrafo 2º, inciso

V, do Código Penal: tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de

crimes, contra o policial participante das negociações. Outrossim, praticou o delito

previsto artigo 148, do Código Penal, contra Tícia (duas vezes) e contra Mélvia,

Prometeu e Epitemeu (uma vez cada), ou seja, cárcere privado qualificado contra

Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu. Por fim, o agente incorreu na conduta tipificada no

artigo 15, da Lei 10.826/03 (quatro vezes), qual seja, disparo de arma de fogo em lugar

habitado.

Reconhecida, também a hipótese de concurso crises, mais

especificamente de concurso material ou real de crimes, eis que o agente, mediante mais

de uma ação, praticou mais de dois crimes, tais como anteriormente indicados. Neste

sentido, também restou demonstrada adequada a utilização do sistema de unificação, da

soma, acumulação material ou do cúmulo material no crime em discussão, para a

fixação da pena ao agente.

Por fim, foram apresentados os aspectos procedimentais e processuais,

com detalhes acerca dos procedimentos na fase pré-processual, por ocasião do inquérito

policial. Ainda, averiguadas as espécies de ação penal existentes, restou apropriada a

ação penal pública incondicionada. Do mesmo modo, verificada a hipótese de conexão

de crimes, foi constatada a competência do Tribunal do Júri para processamento e

julgamento dos crimes praticados no caso hipotético apresentado.


50

REFERÊNCIAS

ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora,
2008.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.

Código Penal Brasileiro.

Código de Processo Penal Brasileiro.

Constituição da República Federativa do Brasil.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: Disponível em:


<http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php >. Acesso em 12 nov
08.

GRECCO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora
Impetus, 2007.

_____. Curso de direito penal: parte especial. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus,
2007.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007.

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005.

Lei 10.054, de 07 dez de 2000. Dispõe sobre a identificação criminal e dá outras


providências. DOU de 08.12.2000.

Lei 11.689, de 09 de jun de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 03 de


outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras
providências. DOU de 10.06.2008.

Lei 11.690, de 10 de jun de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de


outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras
providências. DOU de 10.06.2008.

Lei 11.719, de 20 de jun de 2000. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de


outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo,
emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. DOU de 23.06.2008.

MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120
do CP. São Paulo: Atlas, 2002.

_____. Código de processo penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
51

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumens Juris, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007.

_____. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts.
1º a 120. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 11


nov 08.

TRIBUNAL DO JÚRI POPULAR NAS CONSTITUIÇÕES. Disponível em:


<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1065>. Acesso em 14 nov 2008.

TUBINO, Cristina Alves. Direito Penal e processual penal. 3. ed. Brasília: Fortium
Editora, 2007.

Вам также может понравиться