Вы находитесь на странице: 1из 12

TRÊS FORMAS DE INIQUIDADE ESTÉTICA NA CULTURA CONTEMPORÂNEA: LIXO, FICUS E

FULEIRAGEM1

Josemar da Silva Martins2

Resumo: Este texto trata, conforme indicado no título, das três principais formas de
iniquidade estética na cultura contemporânea: o lixo; uma espécie de árvore chamada Fícus
Benjamina, ou simplesmente fícus, muito utilizada na arborização das cidades brasileiras
(especialmente no Nordeste e na Bahia); e a proliferação de estilos musicais que banalizam a
insinuação erótica e os temas sexuais abordados de modo metaforizados nas letras das
músicas, mas explicitados nas danças. O tratamento desses temas como formas de
iniquidades estéticas pretende questionar não as escolhas pessoais, mas as paisagens de
subjetivação que derivam não apenas da indústria cultural, do mercado e das mercadorias,
mas também das políticas públicas ou da ausência delas.
Palavras-chave: Iniquidades Culturais; Paisagens de Subjetivação; Ecologia Urbana;
Estudo de Mentalidades.

INTRODUÇÃO

Dizer que há iniquidades estéticas ou iniquidades na estética contemporânea é


começar posicionando uma questão de cunho político, já que implicaria em começar
contrariando o “liberalismo pós-moderno” (ou o “pós-modernismo liberal”, aliás, cada vez
mais esses termos se aproximam), para o qual o termo política talvez soe pesado demais.
Ora vejamos: a palavra iniquidade indica, perante os dicionários, “falta de eqüidade” ou a
“qualidade do que é iníquo”. Sendo um substantivo feminino refere-se à ação iníqua de
alguém que comete malvadez, crueldade ou injustiça, ou sugere algo que é considerado
malévolo, perverso ou mau. Em todo caso, o uso mais frequente é para denotar algo que
não se pauta pela observância da justiça, no sentido de igualdade (igual para todos).
Levando isso para o campo da cultura, da arte e da estética, a iniquidade deve referir-se
exatamente à privação de oportunidades para que as pessoas reelaborem e ampliem sua
relação com tais universos de sentido.
No entanto a iniquidade localiza-se no centro mesmo da própria questão estética.
Está incrustado em sua própria definição. A palavra estética vem do grego aisthésis, e

1
Texto apresentado na Mesa 31 (Cultura, cidade e paisagem), do II Encontro Baiano de Estudos em Cultura
(EBECULT), ocorrido entre os dias 20 e 21 de agosto de 2009, na Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), em Feira de Santana/BA.
2
Doutor em Educação pela FACED/UFBA. Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), lotado
no Departamento de Ciências Humanas do Campus III (Juazeiro). E-mail: pinzoh@uol.com.br.
nomeia um ramo da filosofia que se dedica ao estudo da natureza do belo e dos
fundamentos da arte. Ela estudaria o julgamento e a percepção do que é considerado belo e
a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte
e do trabalho artístico. Mas ela também pode ocupar-se da privação da beleza, daquilo que
pode ser considerado feio ou até mesmo ridículo.
Ora, as fronteiras entre o belo e o feio já foram demasiadamente borradas. Nas artes,
desde que o dadaísta Marcel Duchamp propôs uma artiarte baseada em ready-made, e já
em 1917 transformou, entre outras coisas, um penico em obra de arte (a obra Fonte), a não-
arte foi convertida em Arte, complicando de uma vez por todas esta definição. Embora haja
quem ache que já está na hora de superarmos e desmascararmos esses truques de
charlatanismo (SANT’ANNA, 2003), tais “obras” continuam a produzir seus efeitos. No rastro
disso um bom exemplo foi a realização da 28ª Bienal de São Paulo, inaugurada em 26 de
outubro de 2008, na qual o segundo andar inteiro do pavilhão da Bienal ficou totalmente
vazio como expressão de arte, tendo por isso possibilitado a esta Bienal ficar conhecida
como “a Bienal do vazio”. Diante disso, a proposta de discussão de uma iniquidade estética
só pode ser principiada se levarmos em conta o monopólio do conceito de Arte por aquilo
que originalmente se propôs como seu contrário, como anti-arte. Esta iniquidade, portanto,
está profundamente vinculada a esta confusão de fronteira e, portanto, é do centro do
próprio campo da estética que ela se insinua.
Mas a abordagem que proponho não chega a tanto. É mais modesta! Contenta-se em
problematizar os modos como as estéticas do cotidiano, que podemos capturar atentando
para os modos como os cenários urbanos contemporâneos são dispostos pelo uso ordinário
de seus usuários. Parece que o que se oferece ao uso comum dos habitantes de uma cidade,
especialmente se ela se localiza no interior do país, onde em geral não há “equipamentos
culturais”, como teatros, cinemas, bibliotecas, etc., não passa de séries engessadas que se
desdobram de todos os tipos de indústria. Aqui não se trata de nutrir nenhum tipo de
preconceito perante o “gosto do povo” ou perante as formas autônomas de o povo gozar a
vida e fazer cultura. Trata-se de objetar que estas formas autônomas não existem – talvez
nunca tenham existido – e sequer se poderia falar em um “gosto popular” sem levar em
conta todas as indústrias e todas as “mercadorias culturais”.
O que está em questão não é apenas uma discussão da estética, mas uma discussão
“ecosófica”, nos modos como a propôs Falix Guattari (1990). A matriz ecológica e seus
critérios e pilares manteve-se muito restrita à dimensão material nas discussões do
desenvolvimento dos países e não levou em conta a dimensão imaterial da produção da
vida, cruzada de todos os negócios. Desde 1969 que Octavio Paz, em suas aulas no Texas,
afirmava:
Esqueçamos por um momento dos crimes e das burrices que foram cometidos em
nome do desenvolvimento, da Rússia comunista à Índia socialista e da Argentina
peronista ao Egito nasserista e vejamos o que acontece nos Estados Unidos e
Europa Ocidental: a destruição do equilíbrio ecológico, a poluição dos espíritos e
dos pulmões, as aglomerações e os miasmas nos subúrbios infernais, os estragos
psíquicos na adolescência, o abandono dos velhos, a erosão da sensibilidade, a
corrupção da imaginação, o aviltamento de Eros, a acumulação do lixo, a explosão
do ódio (In: REIGOTA, 1995: 48-9).

Eis o tipo de iniquidade que pretendemos dar visibilidade. Nesta direção vem o
pensamento de Félix Guattari, expresso em As três ecologias (GUATTARI, 1990). Para ele o
mais importante é ver que além destas perturbações que sacodem as nossas certezas e
comprometem a manutenção da vida na Terra, existem outras, paralelamente, e se
relacionam ao fato de que os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no
sentido de uma progressiva deterioração. Para ele é a relação da subjetividade com sua
exterioridade – seja esta social, animal, vegetal, cósmica – que se encontra comprometida,
numa espécie de movimento geral de implosão e infantilização regressiva, onde a esfera das
relações humanas se vê reduzida às mesmas redundâncias de imagens e de comportamento.
Diz ele:
(...) as relações da humanidade com o socius, com a psique e com a "natureza"
tendem, com efeito, a se deteriorar cada vez mais, não só em razão de nocividades
e poluições objetivas, mas também pela existência de fato de um desconhecimento
e de uma passividade fatalista dos indivíduos e dos poderes com relação a essas
questões consideradas em seu conjunto (GUATTARI, 1990, p. 23).

Para ele não a verdadeira resposta a isso deveria ser em escala planetária e com a
condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural, reorientando os
objetivos da produção de bens materiais e imateriais, englobando não só às relações de
forças visíveis e objetivas, mas também os domínios moleculares de sensibilidade, de
inteligência e de desejo. Mas como vislumbrá-la sem levar em conta a singularidade de cada
configuração específica? Como fazê-lo, por exemplo, em nossas cidades sertanejas?
O mais importante é que Guattari propõe o termo ecosofia para amparar suas
análises e proposições, sendo esta uma articulação ético-política entre três tipos de registro:
o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana. Seria esta uma
articulação que poderia esclarecer convenientemente e de forma mais ampla os desafios do
presente (GUATTARI, 1990, p. 8). Ao incluir a subjetividade humana na discussão e ao indicar
a sua preocupação com os domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de
desejo, Guattari nos sugere que a erosão mais fundamental não é aquela que ocorre na
natureza física, objetiva, mas trata-se de uma erosão que se dá fundamentalmente na
subjetividade. O que ele nos faz ver é uma espécie de “iniquidade subjetiva”, e é a partir
disso que propomos a noção de “iniquidade estética”, relacionada às práticas sociais, de
mediação estética, de relação consigo e com o outro, etc., que se desdobram em nossas
cidades.
Há muitas dessas iniquidades, mas aqui vou me deter em apenas três imagens, que
funcionam como metáforas para a tematização que pretendo: lixo, fícus e fuleiragem.

1. LIXO

Na noite de 15 de fevereiro de 2009, domingo, ligo a TV e vejo uma reportagem no


programa Fantástico, da Rede Globo, sobre o lixo nos oceanos. Uma praia inteira do Havaii
tomada pelo lixo que o mar vomita: sacos plásticos de todas as partes do mundo, vasilhames
plásticos japoneses e coreanos, potes plásticos de xampus americanos, pneus de carro sabe-
se lá de onde. Ilhas inteiras destinadas ao lixo, onde a presença do plástico é tão majoritária
que poderíamos tomar apenas o plástico (e não o lixo) como uma forma específica de
iniquidade. Claro que a história humana é também a história de seus dejetos, mas a era do
plástico parece ter um significado maior e mais específico. Mas pensar apenas o plástico
seria uma armadilha, pois de fato ele é apenas a expressão mais cruel da tirania da
descartabilidade a que nos submetemos. De fato há uma maquinaria cuja velocidade
aumenta a cada dia – uma dromocracia conforme Paulo Virilio –, que se alimenta da pura e
constante renovação de todas as coisas. Ao mesmo tempo o novo não existe sem suas
consequentes muralhas de rebotalhos.
O lixo tornou-se quase uma coisa “natural” e somos saudados à entrada das cidades
pelos plásticos esvoaçantes se esfrangalhando pelas ramagens; ou convivemos com urubus,
que agora estão prestes a coabitar conosco nas ruas, disputando as porcarias com os
mendigos, bebendo água dos esgotos. Imagem assim eu vi com os próprios olhos em São
Raimundo Nonato/PI, cidade sede do Parque Nacional Serra da Capivara, sede do Museu do
Homem Americano, importante espaço de pesquisas arqueológicas. Ali, tanto os urubus
quanto as pessoas parecem já ter se acostumado uns aos outros. Isso compõe uma estética?
Ou essa “naturalização” indica uma iniquidade? De todo modo os urubus estão por ai, em
toda parte, se alimentando dos restos e imundices que formam já o mais importante anel,
pútrido e fétido, de todas as nossas cidades.
A imagem mais formidável é a que encontrei no livro As cidades invisíveis, de Ítalo
Calvino (1990), precisamente em “as cidades contínuas”, no qual descreve Leônia (p. 105-
107). A cidade de Leônia se refaz a si própria todos os dias; sua população acorda todas as
manhas num permanente estado de novidade: lençóis frescos, sabonetes recém-tirados da
embalagem, roupões novíssimos, novas e avançadas geladeiras de onde saem latas ainda
intatas, últimos modelos de rádio de onde se ouvem as últimas lengalengas. E para
permanecer sempre tão nova, a Leônia de hoje joga fora todos os dias os restos da Leônia do
dia anterior, envoltos em límpidos sacos plásticos: tubos retorcidos de pasta de dente,
lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, aquecedores,
enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana...
Pergunta-se se a verdadeira paixão de Leônia seria o prazer das coisas novas ou o ato
de expelir, de afastar de si, de expurgar todos os dias uma impureza sempre recorrente. E o
que resulta disso é uma cidade que, renovando-se todos os dias, se conserva integralmente
em sua única forma definitiva: a do lixo. Do lixo de ontem “que se junta ao lixo de
anteontem e de todos os dias e anos e lustros (p. 106). Nossas cidades andam nessa direção.
A globalização permite que as grandes corporações despejem em nossos terreiros e em
nossos monturos os seus dejetos. E como essa indústria se alimenta de uma relação libidinal
com a novidade, o descarte decorre de duas formas de obsolescência: uma programada,
para acelerar o descarte, e que consiste em dotar os produtos de uma existência cada vez
mais curta; e outra obsolescência perceptiva, que diz respeito ao fato de que, a cada coisa
nova que se insere no meio social, se instala um novo desespero subjetivo em cada um dos
seus membros, que só se cura com o acesso à novidade. É uma percepção de obsolescência
de si próprio o que se produz.
Esses dois mecanismos nos remetem à constante desatualização e à constante busca
de reinscrição pela posse da novidade. Isso explica, pelo menos em parte, as formas do
consumo contemporâneo.
Do ponto de vista da cultura, bem o faz Guattari (1986) em pensá-la como sendo
constituída de atividades semióticas que não se separam dos mercados econômicos, nos
níveis de produção, criação e consumo real. À cultura-valor, circunscrita a cânones
específicos, e à cultura-alma coletiva, como sinônimo de civilização ou relativa à chamada
identidade cultural – democrática, pois todo mundo a tem ou a reivindica –, Guattari
adiciona a cultura-mercadoria, que diz respeito a todos os bens, equipamentos, pessoas,
referências teóricas e ideológicas, enfim tudo o que contribui para a produção de objetos
semióticos, difundidos num mercado determinado de circulação monetária ou estatal (p.
17), que constitui o que ele chama de “modo de semiotização dominante”, onde se igualam
enquanto produtos destinados a essa semiotização, livros, música, cigarros, Coca-cola, sexo
ou batata-frita.
Olhando desse ponto de vista, o lixo apenas é sua parte inerente. E se nossas cidades
estão enfiadas nos centros dos lixões, ou pelo menos aneladas pelo lixo, esse lixo não é
apenas material. E quando lixo é “naturalizado” e vira coisa “cultural”, ou seja, “normal”,
compondo as estéticas habituais e cotidianas, sem que se esboce sobre ele nenhum tipo de
problematização, é isso mesmo que se apresenta como uma forma de iniquidade.

2. FÍCUS

Fícus é uma figueira da família dos Moraceae e da classe dos Angiosperma. Consta
que ela é nativa do sudeste asiático, mas há informações de que sua origem é atribuída às
regiões tropicais e subtropicais da Linha do Equador, motivo pelo qual a planta se dá bem
em climas tropicais e subtropicais, bem como à exposição direta ao sol. Existem cerca de 800
subespécies da planta sendo a mais popular a Ficus benjamina, que já virou “praga” no
Brasil.
O Blog “Árvores de São Paulo”, destinado a “Artigos e Noticias da Associação dos
Amigos das Árvores de São Paulo – A3SP”3 informa, numa postagem de Ricardo Henrique
Cardim, datada de 29 de novembro de 2008, que a segunda entre as 10 árvores mais
ocorrentes na cidade de São Paulo é a Ficus Benjamina. Não nos parece que há uma

3
Disponível online em <http://arvoresdesaopaulo.wordpress.com/2008/11/29/qual-sao-as-10-arvores-mais-
comuns-na-cidade-de-sao-paulo/>. Acessado em 28 de janeiro de 2009.
expressão de felicidade nesta constatação, afinal, a mesma pessoa é autora de outra
postagem datada de 7 de novembro de 2008, intitulada “Plante muitas árvores, mas nunca o
Ficus na cidade!”, que mantém ares de protesto. Merece a transcrição literal:
(...) o popular Ficus (Ficus benjamina), está sendo disseminado pela população em
todo o Brasil a uma velocidade impressionante. Acredito que não existe mais
município no Brasil sem ele. Vendido em floriculturas, supermercados e em
diversos lugares por um preço bem em conta, muitas vezes é a única árvore
disponível, e que se disfarça muito bem quando pequeno no vaso, podendo ter seu
tronco trançado e parecer um “bonsai” muito ornamental, bom para presentes
e decorar ambientes.

Sua venda devia ser proibida por lei, e não se trata de implicância com a “pobre”
árvore. Nativa da Ásia e melhorada por viveiristas da Holanda, é produzida aos
milhões em Holambra-SP, com baixíssimo custo. Quando plantada no solo, fora do
vaso, suas raízes agressivas destroem galerias pluvias, de esgoto, fiações
enterradas, fundações e o que mais houver pela frente, causando enormes
prejuízos materiais.
Como é uma árvore que cresce em qualquer solo e clima brasileiro, extremamente
rústica, já existe até em cidades ribeirinhas no meio da floresta amazônica, mesmo
com tantas belas árvore nativas à disposição (!!).

O problema é que ela surgiu no mercado há cerca de 20 anos, e muitas destas belas
arvorezinhas presentes nas cidades não chegaram ainda sequer a idade adulta.
Daqui algumas décadas elas ficarão adultas e vamos ter um problema seríssimo nas
edificações das cidades e prejuízos públicos e particulares incalculáveis por causa
desta “bonsai”. A conta irá então para o bolso de todos, e o que é pior, a fama
ficará para todas as árvores urbanas, naquele velho pensamento que árvore na
4
cidade só dá problema .

Há também na internet uma notícia intitulada “Espécie Ficus benjamina será


substituída na Cidade”, postada no site da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de
Janeiro, que informa que a Fundação Parques e Jardins (FPJ), está com uma campanha
denominada “Fico ou não fico com o meu Ficus”5, que pretende o esclarecimento da
população sobre as inadequações do plantio do Ficus e até mesmo a remoção da planta
quando o plantio for considerado inadequado e prejudicial.
Para quem não sabe a Ficus benjamina é a principal espécie que serve à arborização
das cidades sertanejas que conheço na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba, em Alagoas, no
Piauí, no Ceará... Quase todas as cidades (senão todas) substituíram surtos anteriores de
arborização homogeneizada, na qual predominaram a Algaroba (Prosopis Juliflora D.C.) ou o

4
Disponível online em <http://arvoresdesaopaulo.wordpress.com/2008/11/07/plante-muitas-arvores-mas-
nunca-o-ficus-na-cidade/>. Acessado em 28 de janeiro de 2009.
5
Disponível online em <http://www.rio.rj.gov.br/smac/mostra_noticia.php?not=NOT&codnot=652>. Acessado
em 28 de janeiro de 2009.
Sete Copas (Terminalia catappa), também conhecido como Castanhola, pelo Ficus – que
muitos chamam de “pé de figo” ou “pé de figos”. Agora, qualquer pessoa pode observar na
passagem pelas cidades, a multidão de “pés de bolotas verdes”, pois a regra é apará-las
deixando suas copas sempre arredondadas, como se fossem obras de um Edward,
personagem de Johnny Depp no filme Edward Mãos de Tesoura, de Tim Burton (Century Fox,
1990, 103 mim).
Ora, qualquer pessoa pode questionar: “mas que problema há nisso, se isso decorre
da livre vontade e iniciativa das pessoas?” Não se trata de responsabilizar as pessoas
individualmente. Trata-se se tão somente de abrir uma fresta nessa certeza de que isso é
fruto de uma escolha livre e autônoma das pessoas. Aqui gostaria de propor, por um lado,
que a própria possibilidade de escolha é limitada. Primeiramente porque não há uma
variedade significativa posta às escolhas. Por outro lado porque, mesmo que houvesse, aqui
entraria em funcionamento, talvez, não um “espírito de corpo”, visto que o espectro social
não constitui uma corporação, mas um “espírito de bando”, um “efeito manada”, muito
comum no funcionamento da moda. Talvez apenas uma abordagem mais próxima dos
estudos de mentalidade, que levasse em conta aquilo que Pierre Chardin (2001) e Edgar
Morin (1991) chamaram de “noosfera”, fosse capaz de sustentar tal forma de análise.
Não pretendo aqui reinventar qualquer estruturalismo; no entanto, sem prejuízo das
variadas distâncias de singularização operadas por cada sujeito em particular, no seio do
corpo social, apenas a regularidade majoritária com que ocorre o fenômeno da arborização
com Ficus, já nos serviria para amparar uma tematização de como as escolhas individuais
podem ser afetadas e alienadas pelas escolhas da maioria. O que podemos deduzir quando
nos deparamos com uma cidade inteirinha arborizada com Ficus benjamina? Isso serviria
bem para um estudo de mentalidades exatamente porque o “efeito manada” ou o “espírito
de bando” dizem respeito àquilo que o meio social convenciona cegamente como o mais
correto, como a direção a seguir: “se todos estão correndo para o mesmo lado; devo correr
também”. Sequer nos perguntamos por que corremos, quem ou que razão iniciou a corrida.
Há uma espécie de “certezas não conscientizadas”. Não são forças que se situam nas
coisas, nem nos indivíduos em particular, mas no conjunto das percepções partilhadas. Por
trás das nuances das escolhas individuais parece subsistir uma espécie de resíduo
psicológico com uma estabilidade relativa e temporária, amparado em julgamentos,
conceitos e crenças partilhadas, suficientes para funcionar como força de convocação à
adesão dos indivíduos (VOVELLE, 1987). É este aspecto, convertido em valor de moda, que
se apresenta como uma forma de iniquidade estética: uma estética esterilizada, repetitiva,
homogênea ou pouco variada, justo numa contemporaneidade que se nomeia como “da
diversidade”.
Quanto a isso, é quase certo que o Ficus benjamina será substituído por outra
“tendência” e esta parece ser a do Nim (ou Neem, Azadiracta indica), árvore de origem
indiana tida como multiuso: medicinal, cosmético, fungicida, inseticida, nematicida, etc. Diz-
se que ela controla cerca de 400 pragas relacionadas à agricultura, por possuir mais de 100
princípios ativos, sendo o principal a azadiractina, e por este motivo torna-se difícil aos
insetos adquirirem resistência ao extrato das folhas, ao óleo da semente ou ao pó da folha
seca. Recomenda-se até preparos feitos do extrato das folhas maceradas e deixadas de 12 a
24h em infusão, e depois de coado pode ser pulverizado para controle de lagartas e
cochonilhas. Seu uso é inclusive permitido na agricultura orgânica. Não por estas supostas
utilidades, mas pelo simples “efeito manada”, esta parece ser a árvore que dominará a
arborização de nossas cidades nos próximos anos, em substituição à moda do Ficus
benjamina. Quem viver verá!
Insisto em que isso não se apresenta apenas como um problema ambiental ou
ecológico – o que já seria um problema importante – mas como uma questão de iniquidade
estética.

3. FULEIRAGEM

Tenho viajado muito nas cidades do interior do Estado e mesmo de outros Estados.
Cada vez me surpreendo mais com o tipo de música, de dança, de gesto que predomina em
todas elas. O formato é mais ou menos o mesmo: a cidade lhe recebe com o lixo lhe dando
boas vindas em suas bordas; a paisagem das ruas e praças rende os seus olhos ao verde das
bolotas verdes dos pés de Ficus; e os seus ouvidos têm que se acostumar a um tipo de
sonoridade que emana dos sons nos bares – especialmente na “praça principal”, onde em
geral há um ou vários bares equipados com aparelhos de TV/DVD – ou dos porta-malas dos
carros, são sempre os mesmos: forró, pagode ou fank, todos implicados na venda e
disseminação de uma linguagem cada vez mais chula, cuja metáfora do duplo sentido e da
picardia foi abandonada em benefício da pura literalidade erotizada. Este é um “modo de
semiotização dominante”.
Dispensando os nomes das próprias bandas e dos grupos musicais, as letras são
exemplares disso: “Perereca”, “Lapada na Rachada”, “Rala a Tcheca no Chão”, “Rala a Xana
no Asfalto”, “Amor de Rapariga”, “Um Carro de Raparigas”, “Abre as Pernas, Mete a Língua”,
“69 Frango Assado”, “Atoladinha”, “Mete Até Gozar”... Não é necessário continuar!
Há os que virão dizer, novamente, que aquilo que questiono é a legítima expressão de
liberdade das pessoas. Outros virão sugerir que questionar isso é questionar o direito de
cada um fazer o que bem quiser da sua vida, e que questionar isso é uma espécie de reação
conservadora e moralizante; outros ainda virão afirmar que o questionamento que
apresento deixa de ver que “há outras coisas” e que eu estaria operando apenas pelo
negativo.
Mas se todos têm razão, eu também tenho! Afinal, isso tudo não seria problema se
realmente as pessoas tivessem como escolher. Se os prefeitos e demais políticos não
gastassem seus orçamentos destinados às políticas culturais na contratação de bandas deste
naipe. Se não houvesse uma indústria do entretenimento especializada em ganhar dinheiro
com este tipo de “cultura-mercadoria”, se as FMs não tivessem se especializado apenas
nesse tipo de linguagem, se isso tudo não funcionasse como um “modo de semiotização
dominante” que acarreta em sérios problemas nos processos de sociabilidade das novas
gerações.
Diante disso não há como não admitir um certo sufocamento da alteridade, como
bem sinaliza Guattari (1990):
É a relação da subjetividade com sua exterioridade – seja ela social, animal, vegetal,
cósmica – que se encontra assim comprometida numa espécie de movimento geral
de implosão e infantilização regressiva. A alteridade tende a perder toda aspereza.
O turismo, por exemplo, se resume quase sempre a uma viagem sem sair do lugar,
no seio das mesmas redundâncias de imagens e de comportamento (p. 8, grifo
meu).

O que mais me insulta, aliás, é a banalização da ideia de que este “programa cultural”
presente na maior parte de nossas cidades é pura expressão do povo e do “gosto popular”,
isso dito como se o gosto fosse uma qualidade inata, como se ele já não estivesse
vampirizado por todas as indústrias, como se a própria “estética da fuleiragem” já não
funcionasse como uma espécie de cera nos ouvidos, a danificar o aparelho auditivo, típico da
cera que Ulisses dispôs nos ouvidos de seus remadores para poder se deleitar com o
refinamento perigoso do canto das sereias (HOMERO, 2003). O jogo é este!
A PROPÓSITO DE UMA CONCLUSÃO

As imagens a que recorri não apenas constituem o real, mas são as minhas chaves
para problematizar formas de iniquidade, correlacionadas, que são não apenas sociais ou
ambientais, mas estéticas. É preciso dizer que, felizmente, há muitas “distâncias de
singularização” que fogem disso, que criam linhas de fuga, que abrem espaços para a
alteridade. Novamente Guattari nos ajuda:
A juventude, embora esmagada nas relações econômicas dominantes que lhe
conferem um lugar cada vez mais precário, e mentalmente manipulada pela
produção de subjetividade coletiva da mídia, nem por isso deixa de desenvolver
suas próprias distâncias de singularização com relação à subjetividade normalizada
(1990, p. 14).

Este aspecto é alentador e nos faz ver que as políticas urbanas poderiam se valer
desse aspecto para estruturem suas ações, investindo não na moralização da vida pública,
mas na disponibilização de um leque de opções e de experimentos, que criasse maiores e
mais plurais condições de escolha. Neste sentido, o mesmo Guattari, ainda esperançoso,
mas não utópico, nos ajuda a pensar a necessidade de organização de um programa de
desenvolvimento de novas práticas que rompam com este fechamento:
Novas práticas sociais, novas práticas estéticas, novas práticas de si na relação com
o outro, com o estrangeiro, com o estranho: todo um programa que parecerá bem
distante das urgências do momento! E, no entanto, é exatamente na articulação:
da subjetividade em estado nascente, dos socius em estado mutante, do meio
ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das
crises maiores de nossa época (GUATTARI, 1990, p. 55).

Uma contribuição importante seria, sem dúvida, a abertura do debate – afinal,


parece que tocar nesses assuntos se tornou tabu, já que parece que todo mundo preferiu
pousar de “sem preconceito”, uma espécie de liberalismo pós-modernizado que não quer
mais compromissos com a crítica, ou com o enfrentamento de certas questões polêmicas.
O enfrentamento desses tipos de iniquidades, cujo fundo comum é a própria
confusão de fronteira a que estamos submetidos, ou seja, o modo como dispomos o nosso
pensamento nos tempos atuais, exige o mínimo de compromisso com a redução da
liberalidade complacente apenas com o prosseguimento da expansão dos negócios no
campo cultural. É preciso pensar políticas públicas interessadas em discriminações positivas,
em favor de linguagens e produtos culturais que não acham espaço na lógica de mercado
das banalidades. Há muitas legiões de jovens sedentos de outros espaços e de outras
estéticas e produzindo outras linguagens, apesar do engessamento. Além disso, seria um
benefício para a diversidade a abertura de outras vias de produção e consumo cultural e
estético nas nossas cidades, que enfrentassem essas iniquidades e abrisse a experiência
urbana para outras belezas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. O fenômeno humano. – São Paulo: Editora Cultrix,
2001.

EUFRASIO, Mário A. Estrutura urbana e ecologia humana: a escola sociológica de Chicago


(1915-1940). – São Paulo: Curso de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São
Paulo/Ed. 34, 1999.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

GUATTARI, Félix. As três ecologias – Campinas, SP: Papirus, 1990.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. – São Paulo: Ed. 34, 1992.

GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolíticas: cartografias do desejo. – 4ª Ed. – Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1986.

HOMERO. Odisséia. – São Paulo: Martim Claret, 2003.

MORIN, Edgar. O método iv: as idéias, a sua natureza, vida, habitat e organização.
– Portugal: Edições Seuil: Biblioteca Universitária: publicações Europa-América,
1991.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão. –


Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2003.

VOVELLE, M. Ideologias e mentalidades. – São Paulo: Brasiliense, 1987.

Вам также может понравиться