O teorema de Gödel está relacionado ao paradoxo de Epimenides, também
conhecido como paradoxo do mentiroso. A ligação deste paradoxo e da pesquisa
desenvolvida por Gödel está nas limitações da linguagem, as quais constituíram um tópico bastante estudado no famoso círculo de Vienna, do qual Gödel fez parte e que teve uma forte influência em sua formação. O paradoxo do mentiroso funciona realizando declarações que se contradizem ao mesmo tempo em que se referenciam. Por exemplo: § “Esta sentença é falsa” § “Quer aprender a ler, ligue 632-8641 para mais informações” Gödel encontrou uma forma de expressar esse paradoxo auto-referenciado através da aritmética. O aspecto que torna essas sentenças um paradoxo é o fato delas lidarem com a noção de verdade. Gödel substitui a noção de verdade por algo formalizável: a noção de provabilidade. Por exemplo: • “Esta sentença é falsa” é substituído por • “Esta declaração não é comprovável” Gödel então elaborou uma declaração auto-referenciada equivalente expressa na linguagem da aritmética. Se a declaração é comprovável, então ela é verdadeira. Sendo assim, o que ele diz é verdade e não pode ser provado. Finalmente, tanto a declaração quanto sua negação são comprováveis, implicando uma inconsistência. De outra forma, se a declaração não for provável, então o que ela declara é verdade. Neste caso, a declaração é verdadeira mas não é comprovável, o que significa que o sistema formal é incompleto. Em linhas gerais, Gödel demonstrou que para qualquer sistema formal capaz de expressar aritmética simples, existe uma “sentença de Gödel”, conseqüentemente, a formalização deve ser incompleta. De uma forma resumida, os passos utilizados por Gödel para realizar sua prova foram os seguintes: 1. Enumeração de Gödel: esquema para traduzir todas as sentenças lógicas e passos das provas do Principia Mathematica (fundamentação lógica da aritmética) em uma sentença correspondente sobre números naturais. 2. Paradoxo de Epimenides: Substituir a noção de Verdade pela de Provabilidade, traduzindo o paradoxo para: “Esta sentença não é comprovável”. 3. Sentença de Gödel: Demonstrar que a sentença “Esta sentença não é comprovável” tem uma representação aritmética, chamada sentença Gödel G, em todas as formalizações concebíveis da aritmética. 4. Incompletude: Provar que a sentença Gödel G deve ser verdadeira se o sistema formal for consistente 5. No Escape Clause: Provar que mesmo se axiomas forem adicionados para formar um novo sistema no qual G é comprovável, tal novo sistema terá sua própria sentença Gödel não comprovável. 6. Consistência: Construir uma declaração aritmética afirmando que “a aritmética é consistente”. Demonstrar que esta declaração aritmética não é comprovável, sendo assim, demonstrando que a aritmética como um sistema formal é fraca demais para provar sua própria consistência. Os teoremas de Gödel podem ser aplicados em diversos contextos, a seguir é apresentada uma variação do teorema inicial, contextualizado na aritmética e em seguida uma versão um pouco mais abrangente com as respectivas explicações: Para cada sistema formal consistente F que visa comprovar declarações aritméticas, existe uma proposição aritmética que não pode ser nem provada nem ‘desprovada’ no sistema. Sendo assim, o sistema F é incompleto. • Teorema 1: “Se o conjunto axiomático de uma teoria é consistente, então nela existem teoremas que não podem ser demonstrados (ou negados)” e • Teorema 2: “Não existe procedimento construtivo que demonstre que uma tal teoria seja consistente”. A primeira proposição indica que a “completude” de uma teoria axiomática não pode ser alcançada; a segunda diz que não há garantia de que não surjam eventuais inconsistências (não afirma que elas existam - apenas não se pode decidir). A consistência só poderia ser demonstrada a partir de uma teoria mais geral, a qual necessitaria de outra ainda mais ampla e assim por diante, "ad infinitum". A prova do teorema de Gödel apresentada a seguir é uma versão resumida e genérica da mesma, a qual está disponível em Carnielli, 2006. Considerando-se um sistema T, T A, A é um axioma presente em T. Para toda fórmula B(x) (x sendo uma variável livre) é possível elaborar uma fórmula A, contida no sistema T, tal que: T ⊂ (A B(φA)) Dessa forma, A é demonstrável em T sse seu número de Gödel (φA) (número de Gödel é a sentença de Gödel aplicada ao contexto da aritmética) satisfaz à propriedade B(x). Substituindo-se nesse framework B(x) por Teo(x), significando “x é o código de um teorema de T”, aproxima-se mais da prova apresentada por Gödel. Por conveniência, será utilizado o símbolo * para denotar que um teorema faz parte de um sistema (Teo(φA)), por exemplo, *A significa A é um teorema de T, possibilitando também iteração: **A, equivale a *A é um teorema de T. Sendo assim, a sentença de Gödel pode ser escrita da seguinte forma: (a) T (G ⇔ ¬ *G) Logo, G "afirma de si mesma que ela não é um teorema de T". Daí, G é verdadeira sse G não é um teorema de T. Supondo-se que todos os teoremas de T sejam de fato verdadeiros (isto é, que T é semanticamente consistente). A partir de (a), concluí-se que: A sentença G é indecidível em T, isto é, nem G nem ¬G são teoremas de T 1) De fato, G é verdadeira sse G não é um teorema de T. 2) Como os teoremas de T são verdadeiros, G não pode ser um teorema de T. 3) Como G não é um teorema de T, G é de fato verdadeiro (usando de novo (a)). 4) Portanto ¬G também não é um teorema de T, dado que ¬G é falsa. Por 1,2,3 e 4 prova-se o seguinte teorema da incompletude de Gödel: Seja T um sistema formal que permita representar uma sentença de Gödel, então T é incompleto, isto é, existem sentenças G em T tais que nem G nem ¬G são teoremas de T. De uma forma geral, Gödel provou que A verdade é maior do que a prova. Ou seja, provou formalmente que existem proposições matemáticas que podem ser verdadeiras porém não podem ser provadas como verdadeiras. Desta forma, conclui-se que o mundo matemático é mais complexo (e mais poderoso) que a linguagem matemática. O que pode ser provado dentro e através de uma linguagem é menor do que a capacidade do pensamento humano. Este, por sua vez, é mais fraco do que o que é possível no mundo. Gödel: A Life of Logic (Paperback) by John L. Casti, Werner Depauli-Schimanovich, Werner DePauli. Perseus Publishing.
Carnielli, W.A. Teoremas de Gödel. Disponível em:
<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/godel.htm> Acesso em 11/2006.