Agora, quando voltam às aulas, esperamos que os alunos tragam
consigo e também encontrem a alegria do aprender em uma escola pública. Esperamos, igualmente, que o mesmo ocorra com professores, funcionários e gestores. É que, sem a alegria, o aprender pode ficar privado de uma de suas melhores significações. E, sem essa significação, a escola tende a ficar reduzida a algo “chato” e obrigatório, ainda que valioso. A que aprendizagem estamos nos referindo? Por que nela a dimensão lúdica, o prazer funcional do aprender, é um componente fundamental? Como buscar e encontrar a alegria nas situações de aprendizagem? Como geri-la em favor do que julgamos melhor para nós e para os outros?
É bom sair de férias, depois de um ano de estudos. É bom ficar
mais tempo com a família e os amigos, fazer viagens, alterar o ritmo da semana – acordar, quem sabe, mais tarde, passear, não fazer nada, ou mesmo realizar algum trabalho. Férias escolares são isto mesmo: tempo de descanso, de divertimento e, esperamos, de renovação do lugar e do valor desta instituição para todos nós. Renovação, pelas saudades do que aconteceu no ano que passou, dos amigos que “lá deixamos”, do que se fazia no horário ou no intervalo entre as aulas, dos projetos realizados em comum, das brincadeiras e conversas com os colegas, dos sonhos que se teceram ou se desfizeram. Renovação também pelas esperanças, às vezes ansiedade, com relação ao ano escolar que se inicia: os novos colegas de classe, as aulas e os novos desafios a enfrentar. Renovação, enfim, pela alegria de voltar à escola e poder continuar aprendendo, o que de melhor nela se pode aprender e que vale a pena!
Se a alegria justifica o ir e o voltar, é também uma condição
“durante”, que mobiliza e se relaciona com o aprender em si mesmo. Observem que nas propostas de situações de aprendizagem apresentadas nos Cadernos do Professor pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2008, a
dimensão lúdica é sempre uma condição fundamental. Trata-se ali de usar jogos, brincadeiras ou desafios como meios ou recursos didáticos. Implica também propor projetos ou atividades quaisquer, mas que façam sentido aos alunos pelo prazer funcional que desencadeiam. A alegria se refere, pois, a uma atitude, a um modo de aprender, que supõe uma relação ativa, interessada e inteligente, reunida nas competências de saber ler e escrever, compreender, resolver problemas, argumentar e compartilhar. Convenhamos, seria pretensioso esperar no ensino básico que os estudos se justificassem de imediato, aos alunos, por seu valor futuro, pelo que, mais tarde, os habilitarão a um desempenho profissional. Para os adultos – pais, educadores, políticos –, isso pode ser o melhor argumento, mas não para eles. Como criar situações de aprendizagem nas quais o que se ensina em Matemática ou Língua Portuguesa, por exemplo, tenha valor de vida, mas que interesse aos alunos por seu presente, por aquilo que agora evoca ou desafia neles? Como criar um ambiente de escola no qual esta seja mais do que um tempo em que se é obrigado a ficar (mesmo que em segurança e boa companhia)? Uma escola com ambientes de aprendizagem, geridos por profissionais qualificados para isso? A presença do lúdico, já o dissemos, é uma de suas garantias.
Nas situações de aprendizagem propostas nos Cadernos do
Professor temos muitos exemplos de como jogos, brincadeiras e desafios podem se articular com o ensino de conteúdos disciplinares. É que essas atividades (jogos, brincadeiras e desafios) combinam com duas necessidades fundamentais do ser humano, ao menos em suas primeiras etapas da vida: a aprendizagem e o prazer funcional nas ações que a possibilitam. Nós adultos compreendemos o valor das aquisições, quaisquer que sejam, por sua transcendência, isto é, por seu passado (por aquilo que não se deve esquecer) ou futuro (por aquilo que se deve preparar). As crianças valorizam as mesmas aquisições, por sua imanência, pela alegria ou esforço que requerem no presente. Para aqueles, a aprendizagem é um meio, para estes, o próprio fim.
Consideremos, por exemplo, as regras ou normas sociais.
Crianças e jovens descobrem ou constroem, pouco a pouco, o valor delas em situações do cotidiano, que fazem sentido para eles. Ouvir, e depois contar, histórias, por exemplo, são ações que supõem aprender a escutar, a prestar atenção, a aprender a reunir ou reorganizar, não importa por quais indícios, o que está sendo narrado. Supõem atribuir consideração ao contador, a ficar
em silêncio para desfrutar as delícias do imprevisto, descobrir os
personagens, imaginar ou repetir situações e seus desfechos. Em um jogo de regras aprendem a aceitar os limites e os marcadores sociais, que tornam possível e interessante essa atividade: a alternância entre os oponentes, o ganhar e o perder, os limites de espaço e do tempo, o fazer escolhas e se submeter a suas consequências. Conflitos, divergências, dificuldades para compartilhar um desafio comum e seu incerto desfecho perturbam, desequilibram, assinalam diferenças. Mas, suas regulações (o que corrigir, anular, manter ou reforçar) tendem a transformar as estruturas cognitivas e os esquemas afetivos que possibilitam essas trocas sociais no plano individual ou grupal.
Os desafios presentes na resolução de um problema, no
cumprimento de um prazo ou limite (de espaço ou de tempo) para a realização de uma tarefa, na construção de um jogo ou texto segundo certas condições, na observação e superação de dificuldades, no estabelecimento de novas relações, na interpretação de um texto podem encantar crianças e jovens, se neles a dimensão lúdica, o prazer funcional de enfrentá-los, estiver presente. Recorrer ao já aprendido, aprender algo novo, experimentar, imaginar, arriscar-se são consequências positivas dos desafios, pois – em perturbar – rompem com um equilíbrio anterior ou com uma resposta, agora insuficiente.
As brincadeiras, por sua inteireza e liberdade, possibilitam que
crianças e jovens se relacionem simbolicamente com aquilo, às vezes só possível de ser experimentado nesse plano. Ao mesmo tempo, requerem presença e materialidade de ações, pensamentos e escolhas que implicam o aprender construir coerência e coesão, junto com a alegria do que pode ser de muitos jeitos, desde que os que brincam estejam lá e satisfeitos. E quando há exageros, violências, agressividades, egocentrismos, é tempo de marcar, corrigir, compreender, perdoar, esquecer.
Segundo o dicionário, escola, em seus começos, era lugar de
“divertimento, recreio” (versão latina) ou “descanso, repouso, lazer, tempo livre, hora de estudo, ocupação de um homem com ócio, livre do trabalho servil” (versão grega). Na escola antiga, os alunos, através de seus mestres e do que ouviam ou praticavam com eles, podiam aprender coisas valiosas, podiam se aperfeiçoar como pessoas ou membros de uma comunidade de iguais. Mas, essa escola era só para os que tinham fortuna, em todos os seus significados, para isso. Como recuperar ou construir a dimensão lúdica na escola, agora para todos?
A escola era, e deve ser, um lugar onde se aprende, onde se
aprende coisas que valem a pena repetir. Nela, por exemplo, se aprende a ler, e ler vale a pena repetir e aperfeiçoar. Quem sabe ler e descobriu o gosto da leitura pede livros, busca coisas para ler, aprecia situações em que essa atividade está presente. Ele não o faz só por obrigação, mas por algo justificado por si mesmo. Ele lê por deleite, pelo gosto ou prazer funcional da leitura, lê para ler, lê porque gosta das surpresas ou do conhecimento que a leitura traz. Lê porque se tornou um leitor.
Saúde e beleza não são privilégios nossos. A alegria, sim. E se ela
comparecer nas situações de aprendizagem escolar, melhor ainda. Que na volta às aulas os alunos encontrem um ambiente perfumado por ela; que suas novas e mais difíceis aquisições tenham o frescor, a leveza e o presente do lúdico.