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Noções de corporativismo.

Considerações a respeito da inserção e da trajetória de um conceito.

Vinícius dos Santos Fernandes1

Resumo:
Este artigo procura compreender a trajetória e a inserção do conceito de
corporativismo nos contextos europeu e brasileiro. Para isso, está estruturado de maneira a
permitir uma compreensão mais genérica do conceito para então, analisar a maneira pela qual
esse conceito se insere nessas duas conjunturas e as transformações e adaptações que ele
sofreu em cada um dos casos. Neste sentido, o corporativismo é um conceito fundamental
para entender o panorama político da primeira metade do século XX.
Palavras-chave: Corporativismo, Política e Autoritarismo.

Introdução ou a constatação do problema.

Durante longa tradição na historiografia nacional e internacional, o tema do


corporativismo esteve associado ao surgimento de Estados Autoritários ou Totalitários, como
uma espécie de doutrina que dá fundamentação teórica à experiência política dos países que
optam pela radicalização da via direitista.
Muito dessa associação deriva da apropriação feita pelos regimes totalitários que
surgiram na Europa no período do entreguerras, de certos elementos do corpo teórico
corporativista. As experiências fascista e nazista contribuíram também para impregnar certa
carga pejorativa ao conceito, em virtude dos “horrores da guerra” e da condenação posterior a
qualquer característica presente nesses dois regimes políticos.
A associação corporativismo/fascismo teve representação em terras nacionais quando
da crítica (ou análise) do Governo de Getúlio Vargas, principalmente quando da implantação
do Estado Novo em 1937, por setores da oposição política (aos contemporâneos) e por setores
da intelectualidade brasileira preocupados com a questão da incorporação das classes
populares ao Estado Brasileiro, sobretudo aqueles que buscam ver na montagem do aparelho
estatal getulista a expressão de uma máquina dominadora.

1
Graduado em História pela UFRRJ/IM. Membro do grupo de pesquisa: Revendo a relação entre o movimento
operário e Estado na América Latina: O sindicalismo classista no México, Argentina e Brasil, coordenado pelo
Prof. Dr. Alexandre Fortes.
Tendo base neste panorama, o objetivo principal deste breve estudo é o de contribuir
fornecendo indicações e perspectivas para um melhor entendimento do conceito através de
uma análise de suas trajetória e aplicação prática em determinados contextos históricos.

Uma análise do conceito.

Para se entender o conceito e sua aplicação nas Ciências Humanas e Sociais, faz-se
necessária uma breve caracterização, seguida de uma explanação de seu desenvolvimento. De
maneira geral, o corporativismo é entendido como uma doutrina ou sistema sócio-político
baseado na representação dos interesses dos grupos sociais junto ao Estado ou às esferas mais
altas de poder em função de atividades profissionais, tendendo à harmonia entre esses setores
para a realização de um bem comum, algo maior que extrapola os interesses definidos de cada
grupo social.

“O corporativismo é uma doutrina que propugna a organização da coletividade


baseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais
(corporações). Propõe, graças à solidariedade orgânica dos interesses concretos e
às formas de colaboração que daí podem derivar, a remoção ou neutralização dos
elementos de conflito: a concorrência no plano econômico, a luta de classes no
plano social, as diferenças ideológicas no plano político”( INCISA, 1995. p. 286).

Fica evidente, neste sentido, a referência à experiência da centralidade das comunas e


das corporações de ofício na Idade Média.
Além disso, é importante destacar a pretensa incompatibilidade teórica, pelo menos
em essência, entre liberalismo e corporativismo, na medida em que o primeiro pressupõe um
processo de individualização, de libertação do indivíduo das limitações que o impediam de
desenvolver suas potencialidades (preconizando uma dinâmica conflituosa e competitiva, já
que os indivíduos possuem uma infinidade de interesses); e o segundo, um processo de
limitação dos interesses individuais em função do bem da coletividade, fundando uma ordem
social harmônica.
Como último componente, destacamos a profunda associação entre o conceito e a
chamada doutrina social da Igreja. Por essa tendência harmonizante, muitas vezes, o
corporativismo foi utilizado e visto, por alguns defensores do processo de industrialização,
como instrumento privilegiado de defesa desta ordem social, caráter que, de modo algum, é
unânime entre seus principais teóricos, entre os quais
“Sobrevive em alguns a desconfiança em relação à sociedade industrial e a
nostalgia de uma sociedade descentralizada, baseada nos corpos intermédios, que
vão da família à sociedade local e à associação profissional, e trazem ao indivíduo
remédio para sua solidão, assegurando-lhe, em um quadro pluralista, dentro de um
equilíbrio de poderes e posições, um mais profundo sentido de participação
política.” (INCISA, 1995. p. 287).

A partir da compreensão da complexidade dessa relação entre liberalismo e


corporativismo é que se faz necessária a identificação e distinção de dois tipos de
corporativismo, o chamado “tradicional” ou “contra-revolucionário” e o “dirigista”.
O primeiro tem caráter antiliberal e profunda ligação com a doutrina Social da Igreja
que, se põe à parte do processo modernizador desencadeado pela Revolução Industrial e
busca, através da divulgação de um ideal de solidariedade entre as classes marginalizadas do
sistema, a restauração de uma ordem anterior.
Esse tipo de corporativismo não logrou muito êxito em função das limitações que lhe
foram impostas pela dinâmica de funcionamento da sociedade liberal. As ações católicas
informadas por esse modelo corporativo, logo se viram obrigadas a aceitar a luta de classes e
o sistema democrático – representativo em suas estratégias.
O corporativismo dirigista parece derivar exatamente da constatação desses limites.
Ele provoca uma ruptura com o primeiro por promover uma conciliação do corporativismo
com a industrialização, num processo onde os conflitos e interesses particulares de cada grupo
são dirimidos e a cooperação entre os mesmos é estabelecida pelo Estado, para a manutenção
do mesmo.

Do corporativismo Europeu.

Antes de uma análise um tanto quanto mais detalhada, é necessário situar


historicamente, isto é, cronologicamente, o debate acerca do tema.
A inserção do corporativismo no horizonte político dos países europeus remete ao
período do entreguerras. Neste contexto ele se apresentava como opção entre os excessos do
comunismo e o liberalismo que, como demonstra Hobsbawm, encontrava-se em processo de
crise. Como mostra o autor, esse período assistiu a um intenso processo de queda da ideologia
liberal, provocada principalmente pela desilusão com os progressos do liberalismo, decorrente
das conseqüências catastróficas da primeira Grande Guerra. Estava aberto o espaço para
difusão de novas ideologias. Neste contexto, duas forças se mostravam presentes, a direita e a
Igreja.
Sobre esse processo de queda do liberalismo, Hobsbawm afirma que a principal
ameaça aos regimes liberal-democráticos partia, neste momento, da direita política. Essa
ameaça vinha de três movimentos: os “reacionários antagônicos”, os idealizadores de um
“estatismo orgânico” e o(s) movimento(s) fascista(s). Para efeito de análise restringiremos o
escopo do estudo aos dois últimos movimentos por sua relação direta com o tema da presente
análise.
A idéia de estatismo orgânico sugerida por Hobsbawn tem definição próxima, se não
idêntica, ao que aqui denominamos corporativismo tradicional ou católico. Em suas palavras:

“Um segundo tipo da direita produziu o que se tem chamado de “estatismo


orgânico” (...), ou regimes conservadores, não tanto defendendo a ordem
tradicional, mas deliberadamente recriando seus princípios como uma forma de
resistir ao individualismo liberal e à ameaça do trabalhismo e do socialismo.”
(HOBSBAWN, 1995. p. 117)

Baseava-se assim, na recusa ao liberalismo e na aceitação da cooperação entre as


classes sociais, muitas vezes delimitada enquanto uma “democracia orgânica”. Não à toa o
autor identifica a existência desse sistema em países católicos.
O outro movimento a que nos cabe fazer referência é o fascismo. Este nutria
basicamente as mesmas bases do “estatismo orgânico”, sobretudo seu caráter antiliberal, mas
diferia deste na medida em que atuava diretamente na mobilização das massas.

“A grande diferença entre a direita fascista e não fascista era que o fascismo
existia mobilizando massas de baixo para cima. Pertencia essencialmente à era da
política democrática e popular que os reacionários tradicionais deploravam, e que
os defensores do “Estado orgânico” tentavam contornar.” (HOBSBAWN, 1995. p.
121)

Permeando todo esse movimento do período existiu a questão da atuação da Igreja


católica. Como ressalta Jessie Jane V. de Souza, foi nesse período que a ação católica passou
a se pautar no corporativismo, constituindo-se como elemento constitutivo da doutrina social
da Igreja e como uma espécie de terceira via, alternativa ao liberalismo e ao comunismo,
ambos movimentos repugnados pela instituição eclesiástica.

“(...) foi com a encíclica Quadragesimo anno, promulgada em 15 de março de 1931


por Pio XI, cujo papado ocorreu durante o período entre as duas grandes guerras,
que o corporativismo foi introduzido no debate do catolicismo social.
Naquele contexto, o corporativismo surgiu como uma resposta às novas
inquietações dos católicos envolvidos na ação social e foi visto por estes como a
possibilidade de a Igreja se fazer presente no mundo de então. Era preciso que os
católicos se pronunciassem sobre a restauração da ordem social e seu
aperfeiçoamento em conformidade com o evangelho.” (SOUSA, 2006. pp. 424-425)

É a influência dessa doutrina que se percebe nos movimentos direitistas que


emergiram, então, no cenário europeu. Foi nela que os teóricos do fascismo, por exemplo,
buscam inspiração para a montagem de seu aparelho estatal. Em comum todos estes
movimentos alimentavam um sentimento de repulsa a toda a tradição política que se
inaugurou com a Revolução Francesa. Contudo, há que se relativizar os termos dessa
semelhança/proximidade.
Apesar da constatação de um inimigo comum, a Igreja não apoiava abertamente o
fascismo e recusava a idéia de Estados totalitários. Junte-se a isso o fato de o corporativismo
católico, diferentemente do adotado no fascismo, não ter um caráter unívoco, ou seja, não
pregar a união das corporações em torno do ideal maior que se concretizava no Estado, nem
surgiu por iniciativa do mesmo. Tinha caráter plural e surgiu por iniciativa da sociedade civil.
Completando esse cenário de derrocada do liberalismo e ascensão de regimes
totalitários e/ou, corporativistas, surge a questão da opção da socialdemocracia européia, no
período demarcado, pela defesa dos regimes constitucionais e da democracia como estratégia
de atuação, num processo que Eley denominou, “constitucionalização da socialdemocracia”.
Como já referenciado antes, desvelou-se nesse período um intenso processo de crise
dos referenciais liberais que, associado à deflagração da revolução na Rússia (que trouxe à
cena um novo foco revolucionário), provocou a instauração de uma situação potencialmente
revolucionária em virtude, sobretudo, dos estragos da Guerra.
O medo dessa radicalização acabou provocando uma reação defensiva da social
democracia, que optou por fazer alianças com setores mais conservadores, excluindo da pauta
a atuação extraparlamentar em função de um ideal reformista, que, por se basear no
corporativismo, contemplava as bandeiras de luta dos movimentos trabalhistas, e da
instauração de uma nova ordem socialista por dentro do sistema.
Neste sentido, Eley foge dos esquemas clássicos de definição do corporativismo ao
mostrar que projetos políticos corporativistas também se delineavam no horizonte político da
esquerda. Medidas que, de certa maneira, se assemelhavam às fascistas no sentido de assinalar
a conquista de determinados direitos por parte dos trabalhadores, ainda que isso significasse
sua incorporação ao Estado ou a descrição de uma estratégia de atuação dentro dos limites
estabelecidos pela legislação.
Não que isso significasse, obviamente, qualquer tipo de manipulação dos interesses
dos trabalhadores por parte do Estado, já que a opção corporativista da esquerda estabeleceu-
se em relação complementar a um forte desempenho parlamentar.
Esse reformismo foi garantido enquanto a prosperidade capitalista permitiu a execução
das reformas. A profunda crise econômica que se inaugura a partir de 1929 viria a abalar essa
situação. Contudo, ao invés de provocar uma ruptura nas alianças socialdemocratas com os
setores conservadores, a crise veio mostrar que, mais uma vez, aquela optou pela ortodoxia
teórica em detrimento da radicalização política.

“A radicalização da agenda política significava a mobilização popular, de formas


extraparlamentares e portanto perigosamente transgressoras, que forçaria os
limites normativos da política, assustando as classes dominantes e seu apoio
popular e levantando da mesma forma o espectro do bolchevismo.”(ELEY, 2005.
p.285)

O corporativismo brasileiro.

No caso brasileiro, a maioria dos autores é enfática ao indicar o início da década de 30


como o período de implantação do corporativismo no Brasil, sobretudo com a implantação do
Estado Novo por Getúlio Vargas. As raízes e causas da implantação desse projeto
corporativista remontam, entretanto, à experiência política da Primeira República e os
excessos de seu liberalismo.
Além disso, os debates giram em torno da questão se o corporativismo brasileiro teria
se constituído enquanto projeto integral de governo ou se foi utilizado um tanto quanto
pragmaticamente, tendo sua contribuição se resumido a um determinado setor da sociedade,
sobretudo o econômico.
Longe de querer esgotar o tema do corporativismo brasileiro, o intuito deste trabalho
reveste-se de caráter indicativo, das problemáticas, limites e contribuições de diversos autores
acerca do tema e sua acepção ou integração na política nacional.
Como uma primeira contribuição importante, destacamos a obra de Francisco Martins
de Souza. Em seu, “Raízes teóricas do corporativismo brasileiro”, o autor desenvolve uma
linha de argumentação que visa mostrar que o corporativismo, para além de mera importação
de um modelo estrangeiro e apesar da reafirmada inspiração no fascismo italiano, se revestiu
de elementos altamente originais, calcados na experiência do desenvolvimento do pensamento
autoritário brasileiro, constituindo solução original, própria para os problemas nacionais. Para
tanto, o autor recorre a já propalada associação entre o desenvolvimento do pensamento
autoritário e a implantação de medidas corporativas, como se tais medidas fossem apanágio
da direita política. Entretanto, incorpora um novo componente importante do corporativismo
brasileiro, o nacionalismo.
Neste sentido, o autor recupera a trajetória intelectual e as formulações de Alberto
Torres, e parece traçar uma linha evolutiva de pensamento, embora não seja efetivamente esse
o intuito, que passa pelas considerações acerca do Integralismo de Plínio Salgado, Miguel
Reale e Gustavo Barroso, desembocando nas acepções acerca do Estado Novo de Azevedo
Amaral para, finalmente, analisar as contribuições de Francisco Campos.
Na raiz dessa formulação teórica que se inaugura com Alberto Torres, estariam os
problemas da recente experiência democrática da Primeira república, e a desilusão de amplos
setores da sociedade com os limites encontrados para o desenvolvimento democrático nesse
período. Eclodindo, então, certo sentimento autoritário no país, um clamor por soluções
autoritárias, que teve sua formulação primeira na ideologia nacionalista de Alberto Torres.
É a partir do amadurecimento dessa doutrina, baseada no centralismo e nacionalismo
políticos modernizadores, que se dá o desenvolvimento posterior do corporativismo brasileiro.

“Amadurecida a ideologia nacionalista, será posta em andamento pelos intelectuais


das décadas de vinte, trinta e quarenta, com profunda influência nos jovens oficiais
do Exército, o chamado tenentismo.” (SOUZA, 1999. p. 84)

A despeito de sua influência posterior o corporativismo brasileiro só será alvo de


melhor sistematização quando da eclosão do movimento integralista. A partir de então, será
acrescido do elemento do pensamento católico ou da influência da Doutrina Social da Igreja.
Nos anos 30, associado à crença generalizada na ineficiência do capitalismo em
resolver os problemas sociais e ao descrédito acumulado pelos partidos políticos, o
corporativismo será alvo de nova teorização dessa vez por parte de Azevedo Amaral e
Francisco Campos, que procuram montar e legitimar o arcabouço teórico do Estado Novo.
Entretanto, distanciando-se dos projetos desses dois intelectuais, o projeto de Estado
efetivamente levado a cabo por Getúlio Vargas terá um componente a mais, o castilhismo
positivista.

“A peculiaridade do castilhismo reside na admissão de que aposse do poder


político constitui a condição essencial e suficiente para educar a sociedade na
busca do bem comum. O bem comum deixa de ser uma barganha entre interesses,
sustentados por grupos sociais diversificados, e passa a ser considerado como
objetivo de saber, de ciência.” (SOUZA, 1999. p. 154)
É interessante ressaltar que o corporativismo brasileiro, para Francisco de Souza
Martins, está restrito ao âmbito econômico. Tal afirmação deve-se ao fato de o autor situar a
adoção strictu sensu do corporativismo, na década de 30. Neste sentido, comporiam o
arcabouço corporativo todo o aparato desenvolvido por Getúlio com o intuito de organizar as
relações de trabalho no Brasil. Fato que fica melhor explicitado, quando analisado o adendo
feito por Antônio Paim e que se intitula: “Pensamento e Ação Corporativa no Brasil”.
Segundo o próprio autor: No Brasil não houve nenhum empenho em tomar o corporativismo
como doutrina globalizante, salvo talvez numa das vertentes do integralismo. (SOUZA, 1999.
p. 125)
Estas são basicamente as influências teóricas que o autor elenca na formação do
corporativismo brasileiro e que, de certa maneira, são relevantes para o entendimento da
constituição desse conceito no Brasil e para o entendimento das contribuições posteriores.
Ângela de Castro Gomes, no artigo intitulado: “Os paradoxos e os mitos: o
corporativismo faz 60 anos”, visa esclarecer o tema do corporativismo na política brasileira. A
autora propõe a existência de certos aspectos pelos quais seria interessante pensar o tema do
corporativismo. Para efeito de análise, daremos ênfase a apenas dois deles, a saber: a
existência de uma certa tradição associativa de tipo corporativo, que remonta à Republica
Velha, e as razões da produção do discurso, no período pós-30, que afirmava ser este o
período por excelência da implementação de medidas corporativas. Na visão da autora, essa
segunda característica reveste-se de sentido por entender que:

“(...) ao produzir um discurso que visava monopolizar a experiência corporativa


para o período do pós-30, estava sendo produzida, igualmente, uma certa
conceituação do que era o “corporativismo brasileiro”, conceituação marcada por
uma associação com a tradição política de nosso pensamento autoritário,
florescente desde os anos 20.” (GOMES, 1991. p. 51)

Sobre o primeiro aspecto, a autora afirma que se desenvolveu no Brasil uma tradição
de estudos que visam esclarecer os termos da formação de atores coletivos e a participação
desses atores no espaço público brasileiro. Neste sentido, a análise de alguns trabalhos
clássicos como o de Wanderley Guilherme dos Santos e de Elisa Pereira Reis dá
fundamentação à tese de que, no período em questão, havia uma restrição da atuação de
amplos setores da sociedade no âmbito das representações político-partidárias, em que pesem
na questão as análises das ambigüidades e limites do liberalismo brasileiro presente na
Primeira República, e uma valorização da atuação através da esfera político associativa ou do
associativismo de classe. Contraria-se assim o já referido discurso que propunha a ausência de
instituições associativas e de representação na Primeira República.
Para o entendimento das razões que levam à formulação de tal discurso, a autora se
dedicou à analise da obra de Oliveira Vianna. Ela ressalta que, para este pensador, o problema
principal residiria na desarticulação do povo na primeira República. Ele até percebia as
intensas movimentações sociais que estavam ocorrendo durante a Primeira República,
entretanto, a negação em seu trabalho dessa tradição associativa, se deve à intenção deliberada
de se fazer esquecer, ou no mínimo de não considerar, a experiência de representação desse
período, por ter uma concepção própria do que consistiria o corporativismo. Para ele,
“corporativismo era a forma de estabilizar a ordem política e faze-la promotora do
desenvolvimento econômico, ampliando-se a participação do povo”. (GOMES, 1991. p. 56)
Esse processo de implantação de um discurso e mesmo da implantação efetiva de uma
ordem corporativista ganha reforço no Estado Novo. Nesse momento ocorre um
distanciamento do projeto político de Vianna do projeto efetivamente implementado por
Vargas. No modelo corporativista de Vianna, o partido é substituído pelo sindicato
corporativo como canal preferencial de representação dos interesses dos grupos sociais. Isso
se concretiza no projeto Varguista através da implementação das leis trabalhistas. Contudo, o
afastamento ocorre a partir do momento em que, através da ideologia trabalhista, ocorre uma
aproximação entre o sindicato e o partido.

“Portanto, os anos que medeiam 1942 e 1945 são chaves para a implementação do
“corporativismo brasileiro”, que se mostra flexível, ganha legitimidade com a
ideologia trabalhista e começa a ser preparado para conviver com partidos
políticos. É neste contexto que nasce o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
competindo com o tradicional Partido Comunista (PC) e destinado a se aproximar
dos sindicatos de trabalhadores, contrariando a norma separatista de Vianna.”
(GOMES, 1991. p. 60)

Um dos estudos também já tradicionais a respeito do assunto é o trabalho de Luiz


Werneck Vianna, “Liberalismo e sindicato no Brasil”.
Para este autor, tributário da tradição marxista sociológica dos anos 60, o
corporativismo só pode ser entendido dentro do processo de desenvolvimento e implantação
do capitalismo no Brasil. Para ele o processo de aburguesamento e, consequentemente da
implantação do liberalismo enquanto ideologia da sociedade, se inaugurou a partir do
processo de independência do Brasil e da constituição do Estado Nacional. Entretanto, esse
processo só se veria completo a partir do momento em que o indivíduo estivesse totalmente
inserido na ótica do capital, nas relações do mercado, pois só assim o indivíduo estaria em
condições de estabelecer o pacto que funda a ordem liberal já que baseada no princípio de
igualdade, ao menos no aspecto jurídico-político, entre os homens.
O autor vê o estabelecer desse processo, no Brasil, no período que abrange a Primeira
República, em virtude da abolição da escravidão. Entretanto, a ordem política desse período é
marcada por uma ambigüidade fundamental. Por um lado, assistia-se a um processo de
fundação de uma nova ordem baseado nos princípios do liberalismo e da democracia, por
outro, o processo de estabelecimento dos setores dominantes na sociedade não sofreu
alteração, visto que continuava desempenhando esse papel, a classe agrário-exportadora.
Nem o crescente processo de modernização econômica do Estado, ou seja, da
implantação de um setor Urbano-Industrial e do crescimento da acumulação capitalista
burguesa pôs fim a esse domínio (estabelece-se na primeira república o que o autor denomina
complementaridade de interesses entre os setores da recente burguesia industrial e os setores
das oligarquias agrário-exportadoras), que só verá seu fim no processo revolucionário
desencadeado em 1930 em função das constantes pressões democratizantes exercidas por
diversos setores da sociedade, tais como: as classes médias urbanas representadas, por
exemplo, no movimento tenentista; e as oligarquias dissidentes ou que se viam desfavorecidas
pelo sistema político de então, a chamada Política dos Governadores, complementada pelo
sistema Coronelista.
O sistema inaugurado com o movimento de 1930, entretanto, ao invés de propor um
sistema baseado nos pressupostos básicos do liberalismo clássico, aos moldes do da Primeira
República, adotou o corporativismo enquanto doutrina que propugnava a incorporação “por
cima”, ou controlada, dos novos setores sociais alçados ao espaço público. Controle que se fez
evidente nas determinações das leis trabalhistas. A dinamização do espaço público e a
presença cada vez mais ativa dos setores mais baixos da sociedade são constatadas, sobretudo,
na ampliação e diversificação dos movimentos migratórios.
Neste sentido, segundo Jessie Jane V. de Souza,

“para Luiz Werneck Vianna, o corporativismo seria uma resposta às pressões


sociais sem, no entanto, ser a única solução possível para a resolução destes
mesmos conflitos. Representava uma condenação à participação do governo no
sistema produtivo como um meio de resolver a crise econômica; apresentava
características oriundas da sua adequação à ideologia revolucionária e seria
voltado especialmente para os conflitos gerados no setor urbano – fabril, com
controle sobre a classe operária vista como capaz de desestabilizar a ordem
social.” (SOUSA, 2006. p.435)

Esta autora, por sua vez, desenvolve estudo altamente contributivo no sentido de
delimitar as influências do chamado “corporativismo católico”, no Brasil. Esta tradição
remete diretamente à definição antes referenciada de corporativismo tradicional. Baseia-se
numa concepção antiliberal da sociedade, propõe a divisão e estruturação social em função
das corporações ou associações profissionais tendo em vista sempre a coletividade ou o bem
comum, aqui identificado ao ideal de justiça social.
No caso brasileiro, porém, não aspirava à volta de uma tradição medieval. Aceitava a
inevitabilidade das transformações decorrentes da Revolução Francesa contudo, opunha à
agressividade do ideal liberal a noção de justiça social calcada na idéia bastante difundida da
incapacidade do capitalismo de resolver os problemas sociais. A noção de justiça surgia como
órgão supremo norteador da sociedade que prezava a cooperação entre as todas as
corporações, através principalmente da caridade cristã, em função do bem maior da
coletividade.
A ação da Igreja católica no período era desempenhada pelos círculos Operários e da
Ação Católica, que prezavam pela adoção de um projeto integral de corporativismo,
predominando entre nós o que a autora designa por “traços secundários”, tais como
assistência social, mutualismo e cooperativismo. Não se podendo desprezar, contudo,

“o papel de implementar uma legislação social e previdenciária (...), já que seu


projeto pareceu expressar, em todos os princípios e objetivos, o desejo de forjar
uma cultura corporativa, tanto no plano da organização das classes quanto na
elaboração de um corpo jurídico voltado para a solução da chamada ‘questão
social’”. (SOUSA, 2006. p.435)

O desenvolvimento do corporativismo no Estado brasileiro, apesar de se concretizar na


década de 30, teve antecedentes na Primeira República e desdobramentos no período da
redemocratização ou do intervalo democrático. A esse respeito, é importante o estudo de
Adriana Carvalho que, através da análise do processo constituinte de 1946, identifica
continuidades de elementos característicos da ordem autoritária anterior na nova ordem que se
afigurava.
Através da análise da fala dos deputados envolvidos na constituinte, a autora detecta a
persistência de elementos autoritários no regime democrático a partir, principalmente de três
aspectos, os problemas em torno da constituição de 1937 e dos decretos-lei; a cassação do
registro do PCB e a manutenção de instituições corporativas.
Sobre a constituição de 1937, a autora mostra como a impossibilidade de se extingui-la
enquanto não estivesse terminado o processo de elaboração da nova Constituição, abriu um
precedente administrativo ao presidente provisório que continuava governando por meio de
decretos-lei. A situação era ainda mais contraditória se se considerasse o fato de que o
presidente detinha poderes de destituir o processo da constituinte.

“Era uma contradição o fato de a nova ordem democrática estar sendo gestada
com a expedição de decretos-leis por parte do Executivo. Assim, apesar da queda
do estado Novo, o novo Presidente da República, democraticamente eleito, ainda
governava por decretos-lei.” (CARVALHO, 2009. p.5)

A questão da cassação do registro do partido Comunista mostra uma continuidade por


razões óbvias. Trata-se da cassação do registro de um partido em um governo que se diz
democrático. O contexto e o fato mostram o medo por partes das elites dirigentes do país de
uma radicalização do movimento comunista. É importante lembrar que, em 1935, eles tinham
acabado de tentar um levante. A cassação foi decretada logo após uma manifestação
comunista no largo da carioca, no ano de 1946.
Por último, resta salientar a persistência das fórmulas corporativistas no regime
democrático que se inaugurou pós-ditadura estodonovista. Neste sentido, a autora destaca que,
apesar do reforço no debate sobre a democracia em virtude das convulsões sociais e políticas
provocadas pela Guerra, subsistiu na mentalidade dos políticos o artifício corporativo em
matéria de política.
Os debates que se estabeleceram na constituinte de 1946 têm o que a autora classifica
como democracia restrita. Eles se estabeleceram como contraposição à ordem política
anterior, rejeitando assim, as diretrizes da Constituição de 37. Entretanto, a instituição da nova
ordem tem como modelo principal a Carta de 34, demonstrando assim, um imenso apreço por
velhas formas políticas que em nada contribuíam para o desenvolvimento democrático.

“Giovanetti Netto (1996) aponta que os deputados e senadores constituintes


procuravam sempre pensar a democracia em contraposição ao regime autoritário
anterior. A constituição autoritária de 37 sempre foi vista como um antimodelo na
elaboração da nova Constituição e a Constituição de 34 era o modelo a ser
seguido. O autor argumenta que a conseqüência dessa visão de democracia é um
formalismo que obstaculiza a emergência de uma participação popular que fosse
além da participação pelas urnas eleitorais. Somado a isso, temos uma estrutura
burocrática que é inacessível aos interesses populares, impossibilitando que, pela
atuação das massas, ocorram as transformações que o pós-guerra presumia.”
(CARVALHO, 2009. p.14)

Além dos limites mais claros da democracia, baseando-se na obra de Vianna


(VIANNA, 1978), a autora argumenta que a tradição corporativista também foi decisiva no
sentido de limitar o processo de transição democrática.
O corporativismo enquanto sistema antiliberal e que se propunha a estabelecer uma
ordem alternativa ao mesmo, encerra uma contradição significativa na incipiente democracia
brasileira, a exaltação do bem comum (do coletivo), próprio do corporativismo, em
detrimento do individual. Além disso, enquanto o Estado corporativista dominasse os canais
de representação das classes sociais ou da sociedade civil, as possibilidades de ampliação dos
direitos sociais são dadas na proporção da capacidade de negociação das representações frente
ao Estado. Restringe-se assim, a capacidade de autonomia da sociedade civil.
Para finalizar, recuperando mais uma vez Vianna (VIANNA, 1978), Adriana mostra a
emergência de um Estado Híbrido1, pautado na convivência de doutrinas poítico-sociais que,
em última instância, em essência, são contraditórias.

Considerações finais.

Com base nos relatos acima, resta-nos afirmar que, guardadas as devidas proporções, o
corporativismo no Brasil sempre esteve associado ao desenvolvimento do Estado autoritário,
como um instrumento de dominação e controle da atuação das classes populares no espaço
público brasileiro. Neste sentido, a maioria dos estudos se concentra na análise do aparelho
estatal varguista, período considerado fulcral para o entendimento dos limites impostos pelo
estado à mobilidade dos populares na sociedade, principalmente através da legislação
trabalhista.
Essa tendência só há bem pouco tempo vem sendo relativizada pela historiografia
brasileira, como podemos ver nas indicações de Ângela de Castro Gomes (GOMES, 1991).
Esse movimento que se inaugurou na historiografia brasileira deve suas contribuições, acima
de tudo, à tradição de estudos historiográficos que, a partir dos anos 80, tenderam a questionar
certos paradigmas de análise como, por exemplo, a pretensa manipulação da classe
trabalhadora pelo Estado Populista.2
Apesar dos esforços recentes, fica a indicação da necessidade de um maior
aprofundamento sobre o tema, no sentido de aproveitar a indicação feita por Eley, de que
mesmo em essência teórica corporativismo e liberalismo sejam instâncias conflitantes, o
desenvolvimento histórico efetivo nos mostra que na prática, os acontecimentos podem
determinar o surgimento de processos e sistemas políticos “híbridos”, forjados na combinação
de elementos diametralmente opostos. Mostra ainda que, se durante muito tempo,
corporativismo foi associado ao cabedal político de perspectivas da direita, o contrário não é
necessariamente incorreto. Como pudemos ver no caso europeu, medidas corporativistas
foram tomadas por governos situados à esquerda no espectro político, sem que isso
determinasse a perda de sua essência.
Para finalizar, cumpre ressaltar a indicação feita por Daniel Aarão Reis de que, no
caso brasileiro, o Estado corporativista inaugurado na década de 30 (que o autor denomina
nacional-estatismo) foi esvaziado de todo o seu conteúdo esquerdista. Advogando a
necessidade de realocá-lo, então, no campo político das esquerdas, provoca-se uma séria
inversão de perspectiva que, por enquanto, ainda está por ser dimensionada.

“Assim, essa tradição até hoje é muito mal estudada, a rigor, nem sequer
considerada no campo das esquerdas. Trata-se, a meu ver, de um erro de avaliação
e de uma injustiça histórica, resultando em muitas perdas, porque, como sabemos, a
melhor maneira de sermos dominados pelas tradições é ignora-las.
Penso, portanto, que é preciso examinar com atenção a tradição nacional-
estatista, ou trabalhista, integrando-a, com seus múltiplos aspectos, no campo
diversificado das esquerdas brasileiras.” (REIS, 2005. p.176)
1
NOTAS

Este termo não aparece em momento algum no artigo ora referenciado, sendo de inteira
responsabilidade da interpretação efetuada pelo autor do presente texto.
2
Desnecessário dizer de que maneira o desmantelamento do arcabouço teórico do populismo pela
historiografia recente influenciou nos estudos acerca do tema do corporativismo brasileiro, já que
parece ser evidente a relação ou referência ao conceito para legitimar a tão propalada manipulação de
classe.

BIBLIOGRAFIA

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constituinte de 1946. Comunicação apresentada em: Sociologia e política. I Seminário Nacional
Sociologia & Política, UFPR, 2009. “Sociedade e política em tempos de incerteza”. Grupo de
Trabalho 2: Instituições, elites e democracia. Disponível online em:
http://www.humanas.ufpr.br/evento/SociologiaPolitica/anais/gt2.html
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http://www.fjp.mg.gov.br/revista/analiseeconjuntura/viewarticle.php?id=225&layout=abstract.
Acessado em: 07/12/2009.

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SOUSA, Jessie Jane Vieira de. Uma sociedade juxta totum naturare ou um corporativismo incompleto?
Topoi, v.7, n. 13, jul. - dez. 2006, pp. 424-444.

SOUZA, Francisco Martins de. Raízes teóricas do corporativismo brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo
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