Вы находитесь на странице: 1из 10

ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 11

Capítulo 1

OUCAS HORAS DEPOIS DE DEIXAR O AMIGO, Dave, à porta do pub


P Duke of York, Jimmy tinha conseguido virar o mundo de pernas
para o ar. Literalmente, porque agora já não estava de pé, mas pen-
durado de cabeça para baixo, por cima da London Road, preso à vida
e à ponte apenas por um pequeno pedaço de metal ferrugento que se
lhe tinha enfiado no cinto no momento da queda.
E aquele era o seu cinto favorito. Uma tira de couro velha e gasta
que ele adorava e que Wendy odiava. Ainda nessa manhã ela lhe tinha
dado uma nota de dez libras novinha em folha para ele comprar outro,
mas Jimmy tinha gasto cinco libras em cerveja e duas libras em bi-
lhetes de lotaria. As outras duas libras tinham-lhe caído do bolso
quando ficou de pernas para o ar. Agora via as moedas, no macadame,
a uns vinte e tal metros abaixo da sua cabeça oscilante e esbraseada.
— Merda — arquejou ele, no instante em que outro furo alargou
e deu si.
Jimmy tinha de fazer alguma coisa rapidamente para aliviar o
mais possível a tensão exercida no cinto. Estendeu os braços para
baixo, tentando abrandar o balancear do corpo. A coisa resultou e o
balanço ficou reduzido a uma oscilação suave.
— Porque raio não fiz eu o que aquela puta disse e não comprei
a merda do cinto! — gritou Jimmy.
Inspirou fundo e berrou outra vez na direcção do trânsito lá em
baixo.
— SOCORRO!
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 12

12 ANDY TILLEY

É claro, se Jimmy tivesse percebido que no fim de contas a sua


vida estaria dependente de ter feito o que lhe tinham dito, provavel-
mente teria comprado um cinto novo. Mas o cinto que tinha era bom.
Prendia-lhe as calças na perfeição e ajustava-se-lhe bem às ancas,
mesmo abaixo da cintura das Calvins que trazia vestidas. Porque
carga de água havia ele de imaginar que hoje, justamente no dia em
que tinha dinheiro para comprar um novo, iria precisar do cinto como
dispositivo de salvação?
O cinto chiou outra vez e Jimmy escorregou um pouco mais.
Olhou para a estrada mortífera em baixo e amaldiçoou a decisão de
se matar.
— Então quando decidiste tu, Jimmy, que o suicídio era uma
ideia tão boa?
Não conseguiu lembrar-se exactamente de quando, porque não
tinha sido uma decisão repentina. Tudo quanto sabia era que a de-
pressão profunda que se abatera sobre ele nos últimos seis meses
o tinha impelido para isso, de mansinho. Durante esse período, até o
mais pequeno revés («pregos», chamava-lhes ele) parecia ganhar uma
gravidade bem maior do que a sua real dimensão, e o peso irracional
de cada um deles tinha-o arrastado para um negrume cada vez mais
soturno. Tinha sido também uma viagem sem regresso, porque
sentia não haver dia em que alguma coisa não estivesse contra si, nem
um só dia de sol luminoso que lhe desse oportunidade de aliviar um
pouco a carga e o deixasse arrebitar um pouco.
Veja-se esta semana, por exemplo.
Segunda-feira, o homem do leite não faz distribuição e não há
pão para torradas.
Pum! Entra-lhe um prego pela casa dentro.
Terça-feira, a Wendy trabalha até tarde (outra vez) e ele queima
a T-shirt Bench ao tentar passá-la a ferro.
Quarta-feira, a televisão vai abaixo vinte minutos antes do empate
do jogo do Manchester United para a Liga dos Campeões, frente ao
Inter de Milão.
Quinta-feira, chove a potes e o abrigo da paragem do autocarro
está encerrado porque um patife qualquer rebentou a pontapé as
chapas de Perspex.
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 13

A RECICLAGEM DE JIMMY 13

Pum!
Sexta-feira, chega atrasado ao emprego pela terceira vez em duas
semanas e prega uma lambada no patrão quando ele lhe desconta no
ordenado.
Sexta-feira, não encontra as chaves do apartamento e tem de ir
a correr a casa do Dave (que acabara de deixar no pub) para ir bus-
car as sobresselentes.
Sexta-feira, tropeça num atacador ao cimo da rua de Dave e esta-
tela-se na calçada. (Jimmy nunca ata os atacadores.)
Sexta-feira, ao virar a esquina, vê Wendy e Dave a beijarem-se
à porta de casa. Ela abraça-o com força, e no momento em que se se-
para dele com relutância, sorri de uma maneira que Jimmy já não via
há três anos.
Pum! Pum! Pum!
Pois, sexta-feira foi um dia mau. Sexta-feira foi o dia em que fi-
nalmente a tampa do caixão de Jimmy foi pregada.
Jimmy fechou os olhos e tapou os ouvidos com as mãos para
acabar com as vertigens. A lembrança de Wendy e Dave a beijarem-
-se assaltava-lhe o espírito, anestesiava-lhe um pouco o medo, e afas-
tava-o da ponte. No entanto, não era um pensamento redentor, porque
o seu espírito já ia muito longe para encontrar refúgio. Destroçado e
exausto, tinha-o abandonado num local provavelmente ainda bem
mais perigoso do que a parte de baixo da ponte.
Reviu a cena e lá estava ele de pé, com os joelhos esfolados e a
tremer, no caminho que levava à porta de casa de Dave, a uma dis-
tância de uns vinte metros. Queria enfrentar Dave e Wendy quando
os viu ali engalfinhados numa confusão de braços e bocas, mas não
sabia como. Que poderia ele dizer ao amigo de sempre, ao amigo que
tinha a cara presunçosa lambuzada do batom da sua noiva, isso fazia
algum sentido? Mas tinha mesmo de fazer alguma coisa, alguma
coisa que os fizesse perceber que ele tinha descoberto a traição deles.
Ah, sim, Jimmy, tu ias dar-lhes uma lição a sério, pá!
Jimmy conseguiu esboçar um sorriso ao lembrar-se de como se
sentira malvado e inteligente no momento em que se inclinara por
cima do murete de um jardim e apanhara um seixo grande da borda
de um repuxo que ali borbulhava. Avançara, determinado, em direcção
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 14

14 ANDY TILLEY

à casa de Dave, com uma respiração rápida, tensa, zangada, passando


o seixo de uma mão para a outra à medida que o seu nervoso aumen-
tava. Quando chegou a dez metros deles, libertou a tensão que tinha
acumulado.
— Dave! Wendy! Seus filhos da puta! — gritou.
Só isto? Isto era tudo o que um tipo tinha a dizer ao seu suposto
melhor amigo, cujas calças estavam ainda inchadas do apalpão da
sua noiva? Merda, Jimmy, não admira que as pessoas te tenham go-
zado durante a maior parte da tua vida, filho!
A imbecilidade daquelas palavras, que eram finais, apagou o sor-
riso no rosto de Jimmy. Mas o pior ainda estava para vir, e quando a
recordação do que acontecera a seguir lhe passou diante dos olhos,
Jimmy contraiu-se com tanta força que por pouco não recomeçou a
baloiçar.
Ao ouvirem os gritos de Jimmy, Wendy e Dave voltaram-se.
Jimmy puxara o braço atrás e fazia pontaria ao Mini Cooper S que
Dave comprara há uma semana, mas quando lançou o braço para a
frente com energia, a mão que agarrava a superfície lodosa da pedra
ficou escorregadia e o ímpeto do arremesso perdeu-se completa-
mente. O calhau descreveu um arco ineficaz até cair no chão, desli-
zou e parou do outro lado do caminho a poucos metros do carro.
Jimmy soltou um queixume, deu meia-volta e desatou a correr.
Se calhar foi nesse preciso instante, quando o calhau troçou dele,
que a decisão de acabar com tudo tinha sido tomada. Sim, e além
disso lembrou-se da razão por que se encontrava a baloiçar por baixo
daquela ponte em particular, e não por baixo da outra que ficava perto
da casa de Dave.
É que enquanto fugia dos amantes, tinha raciocinado assim:
mesmo que Wendy conseguisse convencer-se de que o futuro marido
não tinha assistido à traição dela (ou pelo menos não tinha visto o su-
ficiente para chegar a uma conclusão), e que a pedra atirada não pas-
sava de uma brincadeira de rapazolas, do género «com que então,
carro novo!», ela não poderia negar a evidência quando soubesse que
ele saltara da ponte deles, da ponte onde Jimmy a beijara pela pri-
meira vez. A ponte onde Jimmy levara Wendy doze meses depois
desse primeiro beijo e lhe pedira que casasse com ele.
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 15

A RECICLAGEM DE JIMMY 15

E dessa vez ela rira-se, quando ele fingira passar para o outro
lado da vedação, ameaçando saltar se ela não dissesse sim.
E agora ainda continuava a rir-se dele, quando Jimmy voltara à
ponte, destroçado e esbaforido, desta vez determinado a cumprir a
sua promessa.
Jimmy passara a perna por cima da vedação e apoiara o pé es-
querdo firmemente no bordo exterior da ponte. Sem hesitar, avançara
depois com o pé direito e ficara ali a olhar para trás, para a segurança
do caminho que recusava para si, apertando o parapeito com força
contra o seu estômago aos saltos. Depois, rapidamente, antes que a
coragem o abandonasse, soltara uma das mãos e virara-se desajeita-
damente sobre o rebordo estreito. A mão livre fustigou o ar e acabou
a descrever um arco suave até agarrar de novo o parapeito.
Finalmente iria ser capaz de realizar uma coisa de que as pessoas
falariam e que a mulher que amara havia simultaneamente de respei-
tar e lamentar. De costas para a estrada, Jimmy fixara o espaço e pre-
parara-se para deixar a vida.
E foi nesse preciso instante que Jimmy decidiu que afinal a
morte não era uma ideia assim tão boa, e que no fim de contas Wendy
era uma cabra e Dave nunca tinha sido muito divertido, e que o que
ele tinha mesmo de fazer era começar por atar os atacadores.
Eu e a porcaria dos atacadores!
Começara a virar-se outra vez para percorrer o caminho de re-
gresso a terreno seguro, mas o atacador — aquele traiçoeiro e assassino
atacador esquerdo — prendera-se numa cavilha solta. Isto acontecera
no momento exacto em que ele tirara a mão do parapeito e apesar de
ter provocado apenas um ligeiro esticão na perna, foi o suficiente para
o fazer perder o equilíbrio. Jimmy tentara compensar, arrastando ra-
pidamente o pé esquerdo para trás, em direcção à protecção da ponte,
mas tudo o que conseguiu foi inclinar o tronco ainda mais para a
frente. Num acesso de pânico, tentara virar-se de repente mas fora
muito lento e começara a cair quase imediatamente, com a gravidade
a empurrá-lo do rebordo e a atirá-lo para baixo, num golpe súbito,
decisivo. Ao bater violentamente com os joelhos no betão, Jimmy
ainda conseguira agarrar-se à ponte com as duas mãos. Por um mo-
mento os braços aguentaram, mas fora um momento efémero, e em
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 16

16 ANDY TILLEY

breve as pernas de Jimmy baloiçaram e contorceram-se abaixo da


ponte, fazendo-o bater com o peito na estrutura de pedra ao mesmo
tempo que as mãos se abriram e largaram o betão.
Jimmy começara a cair, de olhos fechados, a gritar, enquanto es-
perava que a estrada pusesse fim àquilo. Mas inacreditavelmente a
cabeça dele não se esmagara no macadame lá em baixo, sofrera ape-
nas uma pequena pancada. Uma pancada chata, é verdade, das que
doem a valer mas só deixam um pequeno arranhão e por isso tendem
a provocar gargalhadas em vez de compaixão. Jimmy esfregara a ca-
beça e abrira os olhos, não percebendo bem porque tinha embatido na
ponte e não na estrada. Foi só quando olhou de novo para os pés que
tudo começou a fazer algum sentido. O seu cinto esfarrapado tinha-
-se enfiado num espigão de ferro retorcido, saliente da parte inferior
da ponte, e impediu a queda.
Actualizado quanto ao que lhe acontecia, e esgotadas as recor-
dações, Jimmy voltou por fim ao ponto em que deixara o seu ser osci-
lante, e foi obrigado a considerar as opções que se lhe apresentavam.
Mas o que devia ele fazer agora? Geralmente situações de suspense
como aquela passavam nos trailers, dando pelo menos uma pista
sobre o que iria acontecer ao herói no episódio emocionante da se-
mana seguinte, mas a sua situação parecia bastante desesperada. Pro-
vavelmente aquele seria mesmo o último episódio.
Jimmy gritou outra vez para a estrada lá em baixo, depois levan-
tou a cabeça e gritou para a estrada de cima, mas os seus gritos faziam
ricochete na parte inferior do tabuleiro da ponte ou diluíam-se no
ruído do tráfego. Esticou o corpo e tentou alcançar outra vez o re-
bordo da ponte, mas falhou por escassos centímetros. O cinto deu de
si um pouco mais, e Jimmy sentiu-se escorregar para mais perto da
morte.
— Merda! merda merda merda merda — praguejou ele quando
se apercebeu de que o sangue que lhe afluía à cabeça já era mais do
que um mero incómodo.
Os braços e as pernas de Jimmy eram atacados por um formi-
gueiro desagradável e ele calculou que em breve ficariam paralisados
por falta de circulação. Se ia fazer alguma coisa para se salvar, teria
de a fazer depressa.
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 17

A RECICLAGEM DE JIMMY 17

Olhou para o ferro saliente e perguntou-se se seria capaz de o


agarrar e de conseguir soltar-se. E depois? Ficaria simplesmente pen-
durado a baloiçar por baixo da ponte, à espera de que os seus braços
se cansassem e desistissem dele totalmente. Olhou para a ponte e
tentou lembrar-se de se a aresta aguda que avistava seria bastante sa-
liente na vertical para oferecer alguma segurança e porventura per-
mitir-lhe recorrer às forças que lhe restavam para se içar até lá. Jimmy
convenceu-se de que sim, certo de que havia um rebordo de dez -
doze centímetros fora do seu alcance, e que se fosse capaz de tomar
balanço suficiente poderia cobrir a distância e encontrar um ponto de
apoio. Mesmo que o cinto cedesse, o que certamente ia acontecer de-
vido à tensão a que estava sujeito, ainda lhe restavam cinquenta por
cento de hipóteses de conseguir voar na direcção certa e de o impulso
o fazer chegar até à beira da ponte.
Sabes, Jimmy, companheiro, isso é mesmo capaz de resultar.
Para quem dez minutos antes estivera tão deprimido que tentara
matar-se, o optimismo de Jimmy era admirável. Admirável, mas abso-
lutamente desajustado. Ao fim da terceira tentativa de tomar balanço
com os braços e os quadris, o cinto acabou mesmo por rebentar, e no
momento em que Jimmy se soltou do espigão de ferro, o peso do seu
corpo em movimento projectou-o horizontalmente da sombra escura
da ponte para a claridade resplandecente da luz do sol. Primeiro, a
força da gravidade pareceu desinteressar-se de um novo combate e
Jimmy continuou a elevar-se, tentando agarrar-se a um ponto seguro
quando atingiu a beira da ponte.
Mas não havia rebordo, nem saliência palpável, apenas uma su-
perfície vertical lisa em que as suas mãos bateram. De novo dominado
pela gravidade, Jimmy perdeu velocidade e quando a impulsão do mo-
vimento ascendente se esgotou, ele parou momentaneamente no ponto
máximo do balanço que o tinha empurrado até tão alto, a ponto de ele
conseguir ver o parapeito e a bela cabeça de uma rapariga que cami-
nhava em segurança por trás dele. Gritou-lhe e ela virou-se, e um hor-
ror instantâneo moldou-lhe o rosto num grito silencioso.
(Mas o que era aquilo nos olhos dela? Havia neles mais alguma
coisa, alguma coisa que não era horror, uma emoção que não parecia
pertencer àqueles grandes olhos castanhos aterrorizados.)
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 18

18 ANDY TILLEY

Quando a mulher avançou na sua direcção e espreitou por cima


do parapeito, Jimmy já estava a uns cinco metros de distância dela e
afastava-se a grande velocidade. Conseguiu virar-se de barriga para
baixo, esperneando freneticamente e batendo os braços como se es-
voaçasse. Lá no fundo, a estrada aumentava a cada centímetro de
queda e o rumor surdo do trânsito ganhava agora tons mais distintos,
buzinadelas e sons metálicos que lhe entravam pelos ouvidos através
da torrente de ar que lhe arrepanhava com violência os cabelos e as
roupas. Quando entrou nos dez metros finais da sua vida, Jimmy
fechou os olhos.
Tal como sempre suspeitara, o momento do impacto foi indolor.
Isso, acreditava ele, era uma reacção natural a níveis intoleráveis de
dor, com o seu corpo a aceitar a inutilidade de dizer a um homem
condenado que em breve estaria morto.
E o barulho! O barulho foi ensurdecedor e inesperado — pe-
quenas explosões e rangidelas, chiadeiras e colisões. E ainda segundos
após o impacto, quando Jimmy estava estendido no escuro à espera
de uma luz brilhante que o conduzisse pelo túnel abaixo, conseguiu
ouvir mais guinchos, chapa batida, tinir de vidros.
E agora havia vozes, e isso surpreendeu-o porque não eram as
vozes tranquilas e confiantes dos seus anjos da guarda (um dos quais
ele tivera esperança de que fosse a sua mãe), mas gritos desagradá-
veis de homens.
E de homens zangados, ao que parecia.
— Porque carga de água é que você parou, seu grande idiota?
O semáforo está verde! Veja o que fez ao meu carro!
— Olhe, foi um palerma qualquer que atirou uma coisa lá de
cima da ponte e ia-me matando! E já agora, a quem é que você está
a chamar idiota?
Jimmy mexeu-se pela primeira vez desde que morrera e esten-
deu os braços para cima. Eles bateram numa coisa que se deslocou
com facilidade. Continuou a empurrar, e de cada vez que o fazia con-
seguia mover uma coisa grande mas leve, até que um raio de sol lhe
bateu na cara. Piscou os olhos, inspirou fundo, e tossiu com força
quando sentiu pó e bolinhas de poliestireno a chegaram-lhe ao fundo
da garganta.
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 19

A RECICLAGEM DE JIMMY 19

— Porra, está alguém aqui dentro. Oiça!


— Socorro, SOCORRO! — gritou Jimmy, e ouviu o som de ca-
vadelas por cima dele.
Passado um minuto alguém lhe agarrou numa perna, depois na
outra, e foi arrastado de debaixo de um monte de lixo até ao taipal tra-
seiro de uma camioneta de caixa aberta.
— Merda, pá, donde raio saíste tu? — perguntou o condutor.
— Lá de cima — Jimmy levantou um braço trémulo e apontou
para a ponte.
— Estás a enfiar-me o barrete, não estás? Qual quê! O caraças!
Impossível, homem, impossível!
O condutor de um Ford estava de pé em cima do que restava do
capot do carro, enfaixado por baixo do eixo das rodas traseiras da ca-
mioneta, e olhava para onde Jimmy apontava.
— És um cabrão cheio de sorte! — Ele riu-se e tapou a cara com
ambas as mãos, abanando a cabeça, incrédulo. Depois olhou outra
vez para Jimmy, desta vez com preocupação.
— Ei! Tu estás bem?
Jimmy pensou durante um momento. A cabeça doía-lhe no sítio
onde batera na ponte, mas como não sangrava não disse nada. As costas
ardiam-lhe no sítio onde o espigão de ferro, ao atingi-lo, o tinha ar-
ranhado, mas fora isso sentia-se bem.
— Estou bem, acho que sim. Sinto-me bem.
E só então percebeu o que lhe acontecera. Acabara de saltar de
uma ponte e não tinha um arranhão. Jimmy sentou-se.
— Não, não me sinto bem. Sinto-me melhor que isso. Sinto-me
porreiro!
Jimmy arrastou-se para fora da carrinha, deslizou para o capot
amassado do carro preso debaixo da camioneta, e por fim desceu para
o chão. Abriu os braços e fez um grande sorriso.
— Sinto-me porreiríssimo!
Jimmy olhou para a parte lateral da camioneta que lhe tinha am-
parado a queda. Por baixo da sujidade lia-se Centro de Reciclagem
Shaw Heath, com as palavras enquadradas por duas enormes setas
azuis. Jimmy riu-se.
— Ah! Eu fui reciclado! Boa!
ReciclagemDeJimmy:montanha49 14-01-2010 14:33 Page 20

20 ANDY TILLEY

Jimmy sentia-se nas nuvens, muito mais alto do que a ponte, e a


sua excitação era incontrolável. Afastou-se do local do acidente, co-
meçou aos pulos e a gritar «Homem Reciclado» com todas as forças,
a cada salto que dava, e só parou com a palhaçada quando reparou em
dois pontos dourados que brilhavam na estrada, atrás do carro. Bai-
xou-se para apanhar as duas moedas de uma libra que lhe tinham
caído do bolso quando ficara pendurado na ponte. Voltou-se e mos-
trou-as aos dois homens.
— Olhem! Olhem!
Jimmy acenou-lhes com as moedas e riu-se.
— Ah! E o que é isso?
Os seus salvadores sentaram-se no taipal traseiro da camioneta
e pareciam completamente atarantados com o que acabava de acon-
tecer. Jimmy continuou a rir ainda com mais vontade, enquanto se
afastava e continuava aos pulos.
E foi assim até que o atacador do seu sapato esquerdo, que ar-
rastava pelo chão, o fez tropeçar de novo e ele perdeu o equilíbrio
pela terceira vez nesse dia. Jimmy rodopiou e ao cair agarrou-se a
uma barreira de fita totalmente inútil que delimitava um buraco que
os operários da British Gas tinham aberto nessa manhã. Era uma fita
vermelha e branca, parecida com uma outra com que Jimmy embir-
rava todos os dias (colocada em volta de uns postes provisórios que
sustentavam o tecto na cave do Duke of York) e que ele detestava.
A fita esticou, perdeu resistência e prendeu-se-lhe às mãos no mo-
mento em que ele caiu no buraco.
Dois metros depois, Jimmy embateu com violência nas ferra-
mentas duras, pedras e canos que estavam no fundo do buraco. Ouviu
um forte estrondo quando partiu a cabeça e deixou de sentir as pernas
quando três vértebras fracturadas cortaram a comunicação com elas.
Espirais de fita vermelha e branca serpenteavam à sua volta, cobriam-
-lhe a cara e obstruíam a luz. Antes de perder a consciência Jimmy só
teve tempo de praguejar contra aquilo e contra o dia que tivera.
Pum!

Вам также может понравиться