POR EDUARDO GARCIA C. DO AMARAL também, como em qualquer jornal moderno que queira de modo A Secretaria de Educação, diante das “didático” dar-se credibilidade. avaliações que fez através do Enfim, haveria textos de vários SARESP1 e verificando que em geral gêneros discursivos (necessários há um desempenho insatisfatório para o desenvolvimento da leitura dos alunos no que se refere às capa- “competente”, como se diz) e cidades de ler e escrever, bem como variados dados estatísticos, de realizarem raciocínios lógico- quantitativos ou qualquer coisa matemáticos, decidiu elaborar um assim, cuja interpretação mereça material, em formato de jornal, a ser ser trabalhada matematicamente. distribuído para todos os alunos, da 5ª série até o ensino médio, com Poderíamos até imaginar como várias atividades que, em princípio, lidar com um jornal em sala de incidiriam sobre tais capacidades, a aula. Ainda que se tratasse de uma fim de recuperá-las e/ou desen- imitação de jornal, mas que volvê-las. Como um esforço de “re- mantivesse a linguagem que lhe é cuperação intensiva”, o jornal traz o própria, essa seria uma importante conteúdo a ser ministrado em cada iniciativa de incentivo da leitura, uma das disciplinas, aula por aula, desde que fosse um material para as primeiras seis semanas do ano letivo. referenciado na experiência real de leitura de um jornal. Seria, além disso, uma importante experiência educativa À primeira vista, a iniciativa mereceria aplauso. É o reco- poder arrancar algum conhecimento partindo de matérias nhecimento da Secretaria de que as coisas não vão bem na jornalísticas ou, o que me parece mais importante, escola pública e que não se pode deixar as coisas como elaborar com os alunos uma leitura crítica de um jornal, estão. Além disto, não se trata de uma iniciativa isolada – compreender a forma em que os textos são escritos, saber mas faz parte de um conjunto de medidas que a Secretaria como a informação é produzida e criada, assumindo um vem anunciando e, com efeito, executando. Pois além do ponto de vista nem sempre declarado. Saber enfim quais jornal, a Secretaria também definiu um novo currículo os critérios que entram em jogo para que um jornal forje para toda a rede de ensino, de modo a padronizar os con- para si mesmo sua “credibilidade”. teúdos e os tempos em que estes conteúdos são ministra- dos em toda a rede, a fim de garantir a todos os alunos o Portanto, não para tomarmos a informação jornalística de seu ensino. Mais do que isto, assim definiu também “ex- modo passivo, mas refletindo, analisando, criticando o que pectativas de aprendizagem”, o que se espera que os está escrito, esse seria um importante meio de educar alunos assimilem e, portanto, o que os professores para a cidadania, como se costuma apregoar por aí. Por ensinem. Tudo parece nos conformes do que se espera de que não? Pelo simples motivo de que governos, poderosos uma gestão eficiente na educação, que zele pela qualidade e a mídia usam de todos recursos “jornalísticos” para de ensino. São medidas de impacto, se não no dia-a-dia das manter todos sob seu controle, isto é, o controle que salas de aula e na aprendizagem dos alunos, seguramente exercem sobre a formação da opinião pública. Aprender impactam sobre a opinião pública de modo positivo, na escola oficial a ler um jornal sem lhe dar credibilidade sobretudo quando recebem grande apoio da mídia. passiva, mas exercer sua leitura crítica, seria colocar a educação em marcha contra a ordem vigente, contra uma “O JORNAL NÃO É UM JORNAL” das formas em que o exercício de poder se dá. Antes de prosseguir, porém, quero desfazer aqui um mal Obviamente, não foi esta a opção adotada. entendido. O jornal não é um jornal. Para que fosse um MAIS DO MESMO jornal, não lhe basta ter o tamanho (bastante incômodo, aliás) de um jornal. Em um jornal, haveria editorial, Se o “jornal” não é um jornal, o que ele é? Nada mais do editorias, reportagens, artigos de opinião e até mesmo que uma mera apostila, um “recurso didático” que nada crônicas e curtos ensaios. Haveria gráficos e tabelas tem de novo, como se quer fazer crer. Entretanto, a adoção de outro material já previamente existente (uma apostila 1 ou um livro didático, por ótimos que fossem) não teria a SARESP, Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Os resultados a que fazem menção são referentes à prova realizada mesma repercussão “publicitária” como a que foi em 2005. alcançada pela iniciativa. O que se quer é ter impacto Secretaria conseguiu melhorar a qualidade da educação, positivo na opinião pública, de uma gestão eficiente, sem precisar tomar nenhuma medida que resultasse em competente e inovadora, que produziu ela mesma um melhoria salarial, melhores condições de ensino, nem material excelente para alcançar os resultados que se nada disso. esperam. Como fazer? Ora, se os alunos têm um certo desempenho Grosseiramente falando, desde que tudo dê certo, eis uma no SARESP quando as provas são feitas sem que os alunos estratégia de campanha publicitária, que visa desde já tomem conhecimento prévio do que será pedido a eles, alguma vantagem eleitoral nas próximas eleições, para os uma prova sobre o Jornal já deixa claro qual o conteúdo correligionários do governo estadual, ou para as eleições que lhes será solicitado. Estatisticamente, é certo que o que virão depois, para o próprio governador José Serra desempenho médio dos alunos tende a melhorar – ainda que não esconde de ninguém seu desejo de tornar-se que por mera repetição do que eles viram em sala de aula presidente da República. Não é ao acaso que, sem (ainda que não tenham aprendido); parece bastante nenhuma necessidade pedagógica, o Jornal traga provável que possam demonstrar os efeitos positivos de estampado na capa o nome governador e da Secretária da tão genial iniciativa. Onde estaria o problema, se não na Educação. incapacidade dos professores de planejarem suas aulas? AFINIDADE DE DISCURSOS Adotar uma política de avaliação, tal como foi implementada – com imposição de conteúdos, seqüências Por outro lado, este discurso vem acompanhado de outro, didáticas preestabelecidas e uma “prova” como que já vem de há algum tempo e com jeito de campanha coroamento do processo, aferindo os resultados – faz das sistemática e contínua contra os professores, também com aulas um processo de adestramento dos alunos para este grande eco na mídia, que é o discurso da “desmoralização tipo de prova; adestrando-os, seguramente melhorarão do magistério”: é veiculado que o grande problema da seu desempenho. Isto certamente provarão as estatísticas. educação nacional é a má formação dos professores, individuando as responsabilidades pelo “fracasso Certamente, também, os resultados positivos ganharão as educacional brasileiro”. Quando não é a má formação a manchetes dos jornais, revistas, mídia. A produção da única responsável, querem fazem crer que os professores notícia, dela fazemos parte todos. Também os alunos. Os agem também de má-fé: são faltosos, irresponsáveis, dados serão produzidos para confirmar nossa descompromissados. incapacidade docente (ou a superação dessa incapacidade, a título de “colaboracionistas”) e a eficácia dos gestores, da Ocorre que, entre o discurso da gestão eficiente e o Secretária, do governador. discurso da má formação e má-fé dos professores, há uma afinidade que poderia passar desapercebida. Um discurso Caso contrário, se tudo der errado e os dados produzidos reafirma ou confirma os termos em que o outro se dá. – permanecerem sofríveis, a campanha de desmoralização Não será necessário, portanto, examinar o conteúdo do dos professores será intensificada. E em ambos os casos, jornal em detalhe para a crítica. quem perde é a educação pública paulista. Trata-se de demonstrar que os professores são incompetentes e que, com a iniciativa do tal jornal, a