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KÊNIA GABIATTI

ANÁLISE DO ESPAÇO E DA JORNADA DO HERÓI EM O


TALISMÃ DE STEPHEN KING E PETER STRAUB.

BATATAIS
2008
KÊNIA GABIATTI

ANÁLISE DO ESPAÇO E DA JORNADA DO HERÓI EM O


TALISMÃ DE STEPHEN KING E PETER STRAUB.

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao Centro
Universitário Claretiano para
obtenção do título de graduado
em Letras .
Orientador: Prof. Ms. Renato
Alessandro dos Santos.

BATATAIS
2008
KÊNIA GABIATTI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário


Claretiano para obtenção do título de graduado em Letras. Orientador: Prof.
Ms. Renato Alessandro dos Santos.

ANÁLISE DO ESPAÇO E DA JORNADA DO HERÓI EM O


TALISMÃ DE STEPHEN KING E PETER STRAUB.

Orientador:Prof. Ms. Renato Alessandro dos Santos

Examinador: ___________________________________________________

Batatais, 07 de novembro de 2008.


Dedico este trabalho a todas as pessoas que fazem
parte da minha vida, especialmente aos meus
familiares e amigos que sempre me apoiaram.
Agradeço em primeiro lugar a Deus por ter me dado
a oportunidade de estudar, força e paciência para
superar os momentos de dificuldade. Aos meus pais
e familiares que estavam sempre prontos a ajudar
nos momentos de necessidade e pelo apoio dado
desde o começo. Às minhas primas e amigas por
terem me dado apoio nos momentos de dificuldade
e por serem pacientes comigo nos momentos de
ansiedade e nervosismo, respeitando a minha
vontade de ficar sozinha. Aos amigos da van por
agüentarem as minhas chatices durante esses três
anos. A um amigo muito especial que está ao meu
lado há algum tempo, sempre me lembrando que
sou capaz de conseguir o que quiser, bastando para
isso acreditar em mim mesma, rindo comigo nos
momentos alegres, me animando nos momentos
tristes e dando todas as broncas possíveis nos
momentos em que quis desistir. E, por último, mas
não menos importante, ao professor Renato
Alessandro por me apresentar as obras de Stephen
King e por acreditar na minha capacidade de
desenvolver esse trabalho, ajudando de todas as
formas possíveis para a conclusão do mesmo.
Quando tenho um sonho, só sei que estou realmente
sonhando quando começo a acordar. Se estou dormindo
e me acordam bruscamente (se o despertador, por
exemplo, começa a tocar), sinto o maior espanto do
mundo. A princípio, o mundo do despertar é que parece
um sonho. E tanto nele quanto no mundo do sonho não
me sinto um estrangeiro. Será exatamente isto que estou
querendo dizer? Não, mas estou chegando perto! (KING,
2000, p. 154)
RESUMO

Este trabalho foi feito com o propósito de apresentar a topoanálise aos

leitores, identificando todos os tópicos espaciais a serem analisados em um texto

literário. Utilizamos o livro do professor Ozíris Borges Filho, Literatura e Espaço para

a conceituação do tema e o romance O Talismã, do autor norte-americano Stephen

King para a análise.

Após o trabalho, podemos concluir que o espaço realmente tem a mesma

importância que qualquer outro elemento narrativo, sendo capaz de interferir na

personalidade e nas atitudes das personagens.

Palavras-chave: Stephen King. Topoanálise. Espaço Literário. Literatura

norte-americana. Elementos narrativos.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11

1. OS ANOS 1980 NOS EUA E NO MUNDO....................................................... 12

1.1 Contextos.................................................................................................. 12

2. O TALISMÃ....................................................................................................... 18

2.1 Sobre O Talismã....................................................................................... 18

2.2 Resumo Biobibliográfico......................................................................... 20

2.2.1 Stephen King.................................................................................. 20

2.2.2 Peter Straub.................................................................................... 24

3. A TOPOANÁLISE............................................................................................. 27

3.1 Conceituando............................................................................................. 27

3.2 Introdução à Topoanálise........................................................................ 31

3.2.1 Funções do Espaço...................................................................... 32

3.2.2 Espaço e Enredo........................................................................... 34

3.2.3 Segmentação do texto.................................................................. 35

3.3 Perspectivas Espaciais............................................................................ 37

3.4 A Espacialização....................................................................................... 39

3.4.1 Abundância e Moderação............................................................. 40

3.4.2 Minúcia e Panorama...................................................................... 40

3.4.3 Objetividade e Subjetividade........................................................ 41

3.5 Os Gradientes Sensoriais ........................................................................ 41

3.5.1 Os Sentidos..................................................................................... 42

3.5.2 A Visão............................................................................................. 43

3.5.2.1 As cores do espaço: Símbolos......................................... 43


3.5.3 O Tato.............................................................................................. 47

3.5.4 A Audição........................................................................................ 47

3.5.5 Olfato............................................................................................... 48

3.5.6 Percepção e Totalidade dos Sentidos.......................................... 48

3.5.7 Percepção, Atividade, Narração.................................................... 49

3.6 Fronteira..................................................................................................... 49

3.7 O Espaço Lingüístico................................................................................ 51

3.7.1 Pronomes Demonstrativos ........................................................... 52

3.7.2 Advérbios........................................................................................ 52

3.7.3 Outros advérbios, locuções e preposições................................. 53

3.7.4 Verbos Espaciais............................................................................ 54

3.7.4.1 Direcionalidade.................................................................. 55

3.7.4.2 Englobamento.................................................................... 56

3.7.5 Adjetivos.......................................................................................... 56

3.7.6 Afixos............................................................................................... 57

3.7.7 Substantivos.................................................................................... 57

3.7.8 Advérbios Geográficos................................................................... 57

3.8 As Figuras de Retórica.............................................................................. 58

3.9 Espaço da Narração e Espaço da Narrativa ........................................... 58

3.10 Topopatia.................................................................................................. 59

3.11 Toponímia................................................................................................. 59

4. A TOPOANÁLISE DE O TALISMÃ................................................................... 60

4.1 Os Espaços da Obra.................................................................................. 60

4.2 Coordenadas Espaciais ........................................................................... 69

4.3 Espacialização........................................................................................... 70
4.4 Gradientes Sensoriais............................................................................... 70

4.4.1 Visão................................................................................................ 70

4.4.2 Audição............................................................................................ 71

4.4.3 Olfato................................................................................................ 72

4.4.4 Paladar............................................................................................. 72

4.4.5 Tato................................................................................................... 73

4.5 Fronteira...................................................................................................... 74

4.6 Topopatia.................................................................................................... 74

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 77

E-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 78


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a intenção de apresentar o romance O Talismã, de Stephen

King e Peter Straub, dois grandes escritores de suspense da atualidade e, também,

um estudo sobre a topoanálise, analisando sua influência no romance citado.

O estudo do espaço em obras literárias vem recebendo atenção

aproximadamente desde o ano de 1974. Esse novo interesse surgiu com a

desvalorização do tempo dentro da narrativa que, por sua vez, veio da

desvalorização dos personagens e do enredo.

No capítulo 1, fizemos uma contextualização do período em que o romance

foi lançado, a década de 1980.

No capítulo 2, trouxemos algumas informações sobre como o romance foi

escrito e informações biobibliográficas dos autores.

No capítulo 3, fizemos a conceituação de topoanálise e os tópicos que devem

ser observados em uma análise.

E no capítulo 4, fizemos a análise dos tópicos da topoanálise na narrativa do

romance O Talismã.
CAPÍTULO 1

OS ANOS 1980 NOS EUA E NO MUNDO

A obra que estamos analisando, O Talismã, foi lançada no ano de 1984.

Neste capítulo, para contextualizar o período em a obra foi recebida, veremos alguns

fatos que foram de grande importância para os Estados Unidos e, também, para o

mundo e que ocorreram durante a década de 1980.

1.1 Contextos

No ano de 1981, Ronald Reagan foi eleito em seu primeiro mandato como

presidente dos EUA, optando por praticar uma política externa agressiva, investindo

nas esferas de defesa e diplomacia com o objetivo de combater o comunismo,

porém, no seu segundo mandato, encontrou-se com Mikhail Gorbachev (URSS) e,

juntos, colocaram fim à chamada Guerra Fria, o que fez com que a corrida

armamentista declinasse vertiginosamente.

Reagan criou uma doutrina que reduziu tributos, combateu a inflação com a

política monetária, ampliou gastos militares e criou o programa multibilionário

„Guerra nas Estrelas‟, com o intuito de criar um escudo para mísseis nucleares,

coibiu greves, cortou gastos e flexibilizou o mercado de trabalho e teve retorno

positivo em todos os itens citados.

Como mencionado anteriormente, Reagan influenciou vários países com a

política externa, mas o país mais influenciado foi a Rússia, na época URSS. Os

russos não conseguiram acompanhar a corrida armamentista o que fez com que o

sistema entrasse em crise, levando Gorbachev a criar a perestroika e a glasnost,

programas de abertura econômica e política que acabaram democratizando o leste

europeu e levando à queda o Muro de Berlim em 1989.


Uma das cenas mais marcantes dessa época foi a de milhares de soviéticos

formando imensas filas no McDonald‟s, já que a cultura do fast-food era o que mais

impunha o american way of life (estilo de vida americano) às pessoas do mundo

todo.

Comer um Big Mac com fritas era a representação ritual e simbólica do


consumo e de tudo aquilo que, para eles, a cultura americana representava:
a liberdade que nunca existira em seu próprio país, o rock’n’roll,
supermercados repletos em contraste com as miseráveis e vazias lojas
soviéticas. (ARBEX JR, 1993, p. 10)

Com essa queda e a rápida desagregação da União Soviética, os Estados

Unidos se tornaram a única superpotência mundial, com a maior disposição de

recursos tecnológicos imponentes e rápida capacidade de propagar sua cultura,

seus valores e a imagem ideal que fazia de si mesmo.

Entretanto, nesse mesmo período, a Bolsa de Nova York teve uma queda, no

ano de 1987 que foi comparada àquela ocorrida no ano de 1929. A causa da queda

é incerta, muitos culpam os alemães por terem feito rebentar a bolha especulativa ao

fazerem subir as taxas; outros culpam o mercado financeiro, questionando a razão

de uma ação perder metade do seu valor de um dia para o outro. Para não

acontecer o mesmo caos da queda de 1929, as autoridades fizeram descer as taxas

de juro, garantiram disponibilidade de créditos alargados para ajudar as instituições

a superar suas dificuldades. Não houve falências generalizadas e a economia não

entrou em depressão.

Pode-se dizer que ao mesmo tempo em que os Estados Unidos viviam seus

momentos de glória perante o resto do mundo, internamente as coisas não iam tão

bem.
A concentração de riqueza nas mãos de pequeno número de pessoas juntou-

se ao aumento do desemprego e da marginalização de setores da classe média,

criando um fenômeno parecido com o de economias subdesenvolvidas.

Houve crise no setor industrial, principalmente automobilístico, pois ocorreu

um crescimento na indústria de automóveis japoneses, fazendo com que as maiores

empresas americanas reduzissem suas produções para evitar maiores prejuízos.

Contudo, as maiores perdas ocorreram no sistema de ensino norte-

americano. Criou-se uma mentalidade mais interessada na área financeiro-

especulativa do que no desenvolvimento de novas tecnologias e passaram a formar

muito mais administradores de empresa, corretores e advogados, deixando de lado

as carreiras técnico-industriais, de engenharia e também aquelas ligadas à

capacitação de pessoas para o setor produtivo.

Outro ponto que influenciou a decadência do ensino foi a informatização do

ensino, que teve um efeito de imbecilização dos estudantes, pois retirou deles a

“necessidade de pensar”, operações elementares de matemática passaram a ser

resolvidas com um simples apertar de botões e os livros de várias matérias foram

substituídos por documentários televisivos.

Allan Bloom, professor da Universidade de Chicago, diz que a preocupação

excessiva com a especialização e o liberalismo excessivo fizeram com que os

estudantes deixassem de se preocupar com a vida em sociedade, deixando de ter

interesse em questões políticas e tendendo aceitar tudo que lhes fossem imposto de

forma passiva e sem criticas.

Apesar de todos esses fatos apresentados, os anos 1980 foram muito

importantes para a arte em geral nos Estados Unidos. Acompanhemos agora alguns

nomes importantes para a literatura da época.


John Updike, hoje com 75 anos, é um dos grandes escritores da década de

1980. Suas obras abordam a vida burguesa oprimida por um lado pelas próprias

mesquinharias e impelida, por outro, a refletir no cotidiano alguns hábitos da política

do país, sempre com um pouco de melancolia, compaixão pelos personagens e

humor, que entrelaça as histórias individuais das personagens com movimentos

amplos, solidificando dessa forma o enredo. Entre suas obras, temos a tetralogia da

personagem Coelho, que começa retratando os primeiros momentos de seu

casamento, a estabilização do matrimônio, a vida com o filho adolescente e, por fim,

o filho ambicioso assumindo os negócios da família. Um mês só de domingos (1975)

e o mais recente, Terrorista (2006) são outras obras de Updike.

Outro nome de sucesso na época, e até hoje, é Philip Roth, de 74 anos, que

usa o moralismo ianque em suas obras, observando a força que a hipocrisia tem em

uma sociedade com valores de competição e violência simbólica, que as vezes se

torna física. Aborda também a degradação de suas personagens e da sociedade

que descreve, utilizando a perseguição política e sofrimentos físicos por doenças

consideradas tabu, como o câncer. Entre suas principais obras encontramos A

marca humana (2000), O animal agonizante (2001) e O professor de desejo (1977).

Gore Vidal pode ser considerado o escritor mais versátil da década de 1980,

pois seu trabalho trafega por diversos gêneros, como o romance, o teatro, o cinema,

a televisão, os ensaios e as memórias. Vidal utiliza-se de objetividade literária para

sua escrita, pois recusa-se à verdade da ciência, freqüentemente, para isso, vale-se

de técnicas narrativas que ressaltam a importância do recalcado e das motivações

não-conscientes. Kalki (1978), Duluth (1983), Império (1987), A era dourada (2000),

Williwaw (1946) estão entre suas obras de sucesso.


Podemos citar também autores como Paul Auster, E. L. Doctorow, Norman

Mailer, T. Pynchon como nomes da década de 1980, entre vários outros.

Outra forma de arte que repercutiu muito nos anos 1980 foi a música. Houve

renovação com o punk, que apareceu mais acelerado e intenso – como no hardcore;

o hard rock também sofreu alterações e dividiu-se em trash metal, speed metal,

black metal, dentre outros. Foi criada a MTV, o primeiro canal de televisão voltado à

música; surgiu o hip hop, as primeiras raves e a musica eletrônica ganha espaço nas

pistas de dança.

Entre os grandes artistas do período temos Michael Jackson, com o álbum

Thriller (1982), o mais vendido da história. Entre as mulheres que se destacaram

temos Madonna e Cyndi Lauper, que foram os principais ícones da década e Tina

Turner, que lançou um novo álbum que a consagrou como rainha do rock. Outros

cantores de sucesso foram Janet Jackson, Lionel Richie, David Bowie, Whitney

Houston, Bruce Springsteen, entre outros.

Os pontos positivos da década de 1980 também chegaram às tecnologias.

Nesse período foram desenvolvidos o IBM PC, o Apple Macintosh, as primeiras

interfaces gráficas (XFree 86, Windows e Maços), o CD e, além disso, houve grande

popularização dos computadores pessoais, walkmans e videocassetes e também o

inicio do Software Livre (Projeto GNU, Free Software Foundation).

Por outro lado, foi também na década de 1980 que os Países Baixos

liberaram a venda e o consumo da maconha em estabelecimentos específicos. O

ecstasy ganhou as ruas com seu uso recreativo, mas foi logo proibido nos EUA,

classificado como um dos psicotrópicos mais perigosos. O consumo da cocaína

também foi disseminado, já que o preço do quilo da droga caiu pela metade.
Estes foram alguns dos fatos que tiveram maior destaque na década de 1980.

No próximo capítulo, trataremos do romance O Talismã e de seus autores.


CAPÍTULO 2

O TALISMÃ

2.1 Sobre O Talismã

Jack Sawyer, 12 anos, e sua mãe, Lily Cavanaugh, que está doente, chegam

ao hotel Alhambra em New Hampshire, após vários dias fugindo de Morgan Sloat,

sócio do falecido pai de Jack, que quer se apoderar de todos os bens da família.

De frente ao hotel, existe um parque de diversões que só abre nas

temporadas de férias, e lá Jack conhece Speedy Parker, um senhor que

normalmente o chama de “Jack Viajante” e que conta a Jack que ele pode salvar

sua mãe, bastando para isso encontrar um talismã. Speedy também dá ao menino

uma bebida que o leva direto para os “Territórios”, um mundo de estilo medieval

paralelo ao nosso e onde Jack deverá ingressar para sua jornada em busca do

Talismã.

Jack, apesar de muito preocupado, deixa sua mãe no hotel Alhambra e

segue em direção à costa da Califórnia. Em sua primeira passagem mais longa

pelos territórios, o menino descobre que a rainha Laura DeLossian também esta

doente e leva um choque ao perceber que ela é “uma gêmea”, ou seja, o duplo de

sua mãe que vive em outro mundo.

Durante a jornada, Jack conhece vários lugares, tanto na terra como nos

Territórios, faz novos amigos e reencontra outros e, também, passa por várias

situações perigosas que, depois, serão lembradas com carinho por ele, mas nunca

esquecendo o objetivo real de sua viagem: salvar sua mãe.

Apesar do romance ter sido lançado no ano de 1984, a idéia surgiu mais ou

menos dois anos antes, quando Stephen King e Peter Straub se encontraram em

Crouch End na Inglaterra. Durante muito tempo conversaram sobre a história. Os


acontecimentos e a noção básica que tinham, tudo foi tirado de um sonho de King.

Por último, juntos criaram os “Territórios” para, depois, começarem um esboço.

Sobre a forma como o romance foi escrito, os dois primeiros e os dois

últimos capítulos foram escritos em conjunto. Os outros eram remetidos de um para

outro através de correspondências, a não ser que um pudesse dar um toque

especial a determinada ação ou criar uma ação melhor para o do outro.

Cada autor tem seu estilo próprio de escrever, mas mesmo assim, poucas

pessoas durante a leitura de O Talismã conseguem definir o que cada um escreveu.

Uma revista da época, quando comentou trechos típicos de King e de Straub, optou

por não transcrever esses trechos, o que nos leva a crer que não tinham tanta

certeza do que mencionavam.

Os próprios autores dizem ficar confusos em relação a que parte cada um

escreveu, comentando ainda que existem várias artimanhas feitas propositalmente

para enganar o leitor, levando-o a crer que foi tal autor que as escreveu. Ambos são

reconhecidos por suas obras de terror e suspense, mas O Talismã não se encaixa

nesses termos.

Não se trata exatamente de um romance de terror, é uma fantasia. Em


alguns pontos ele é apavorante, noutros é denso. Mas no todo possui um
tom de leve delírio, de nonsense, e considero-o muito divertido! (KING,
1990, p. 213)

King e Straub comentaram, também, que o trabalho em parceria acabou

afetando um pouco a personalidade de cada um: Straub disse ter melhorado sua

inspiração para contar histórias e King diz que aprendeu muito em relação ao seu

próprio estilo e que isso fez com que se tornasse mais consciente de seu trabalho.

Pode-se perceber que os autores trabalharam bastante ao escrever O

Talismã, procurando mantê-lo em um estilo aventuresco. A parceria foi de tanto

sucesso que rendeu uma seqüência chamada A Casa Negra, que foi lançada em
2001. Segundo informações no site oficial de King, ele e Straub estão planejando

uma terceira aventura nos Territórios.

Após conhecermos um pouco do romance e do processo pelo qual foi criado,

abordamos, agora, seus autores.

2.2 Resumo Biobibliográfico

2.2.1 Stephen King

Em 21 de setembro de 1947 nascia em Portland, no Maine, Stephen Edwin

King, que alguns anos mais tarde viria a ser conhecido apenas como Stephen King.

King e seu irmão mais velho foram criados apenas pela mãe, passando

parte de sua infância em Fort Wayne, na Indiana, e em Stratford, Connecticut, mas

depois de um tempo acabaram voltando para Durham no estado do Maine.

King sempre foi leitor assíduo de quadrinhos, principalmente “Tales from the

Crypt” (Contos da Cripta), o que provavelmente estimulou seu gosto pelo terror. Ele

começou a escrever quando ainda era criança. Assistia a filmes de terror e depois

escrevia histórias com a ajuda de David, seu irmão. Ele fazia cópias que vendia para

os colegas de sala, até que seus professores o forçaram a parar com isso.

No ano de 1963, publicou com a ajuda de Chris Chesley – seu amigo –

uma coleção de 18 contos sobrenaturais – People, Places and Things e, no ano

seguinte, publicou The Star Invaders, de forma amadora. Seu primeiro trabalho

publicado em revista foi o conto “I was a teenage Grave Robber”, na Comics Review,

e a primeira história vendida foi “The Glass floor” para a Startling Mystery Stories.

Entre 1966 e 1971, estudou Inglês na Universidade do Maine em Orono e lá

foi se aprofundando na arte da escrita. Era responsável pela coluna semanal “King‟s

Garbage Truck” no jornal da universidade, The Maine Campus. Nesse mesmo


período, ele foi membro ativo da política estudantil e do senado estudantil. Também

participou do movimento anti-guerra no campus de Orono, contra a guerra do Vietnã.

King conheceu Tabitha Spruce na universidade e casaram-se em 1971. Nos

primeiros anos de casamento, moravam em um trailer e ele lecionava Inglês em uma

escola pública em Hampden, no Maine, escrevendo à noite e nos finais de semana,

usando uma velha máquina de escrever e vendendo suas histórias para revistas

masculinas.

A primeira grande publicação de King veio em 1974 e, por incrível que

pareça, Carrie: a estranha foi uma história que Tabitha retirou da lixeira, forçando o

marido a dar seqüência na história da garota que tinha poderes psíquicos.

King e sua família moraram menos de um ano em Boulder, Colorado, onde

escreveu O Iluminado e também começou a escrever The Stand, que tem a cidade

como cenário principal. Passaram três meses na Inglaterra e voltaram para o Maine,

primeiro para Center Lovell e depois para o norte de Orrington, para que King

pudesse lecionar na Universidade do Maine em Orono.

O autor assumiu que teve na sua vida um período de vícios, mas que estes

foram superados graças à ajuda de sua esposa e amigos. Atualmente, King e

Tabitha proporcionam bolsas de estudo para estudantes locais de Ensino Médio,

além de contribuírem com muitas outras instituições de caridade, locais e nacionais.

Quando questionado sobre a razão de haver se tornado escritor e onde

consegue as idéias, King disse:

A resposta é simples: não fui feito para outra coisa. Fui feito para escrever
histórias e amo escrevê-las, essa é a razão de fazê-lo. Eu realmente não
consigo me imaginar não fazendo o que eu faço. Eu tenho idéias em
qualquer lugar. Mas tudo o que tenho de idéias talvez se resuma a uma
única coisa, mas em muitos casos é ver duas coisas e ter elas juntas em
um novo e interessante ponto de vista e depois adicioná-las a uma questão
“E se?” “E se” é sempre a questão.(Disponívl em
<http://www.stephenking.com>. Acesso em 12 de setembro de 2008.
Tradução nossa)
Uma curiosidade sobre King é que ele publicou vários livros com o

pseudônimo de Richard Bachman, e estes fizeram tanto sucesso quanto os

assinados como Stephen King.

Considerando sua produção literária, podemos realmente dizer que King é

um “mestre”, pois escreveu textos em forma de contos, novelas, textos para TV e

cinema, além de contribuir nos roteiros de muitos filmes baseados em suas obras e

também atuar em alguns deles.

Em um artigo publicado na Revista Set, Eduardo Torelli comenta que o

melhor nas obras de King não são os monstros, mas sim as pessoas e a forma como

suas características psicológicas são retratadas nos livros, e é justamente nesse

ponto que os roteiristas e cineastas falham ao adaptarem suas obras para o cinema,

já que, nos filmes, dificilmente conseguem retratar a psicologia das personagens,

isto é, como eles realmente o são.(2008, p.45)

Entre suas maiores obras temos:

 Carrie – adaptado para o cinema com o nome de “Carrie – a estranha”;

 A hora do vampiro – adaptado para o cinema com o nome de “A

mansão Marsten”;

 O Iluminado - adaptado para o cinema com o mesmo nome;

 Sombras da Noite (contos) – “Colheita Maldita”;

O Túnel do Terror (do conto “As Crianças do Milharal”);

”Night Shift Collection” (dos contos “A Mulher no Quarto e “O

Fantasma”); Comboio do Terror (do conto “Caminhões”);

A Criatura do Cemitério (do conto “Turno do Cemitério”);

As Vezes Eles Voltam (do conto “As Vezes Eles Voltam”);


O Passageiro do Futuro (do conto “O Homem do Cortador de Grama”);

Mangler - O Grito do Terror (do conto “A Máquina de Passar Roupa”);

 Zona Morta – adaptado para o cinema com o nome de A Hora da Zona

Morta;

 A Incendiária – adaptado para o cinema com o nome de Chamas da

Vingança;

 Creepshow – adaptado para o cinema com o mesmo nome;

 O Cemitério – adaptado para o cinema com o nome de O Cemitério

Maldito;

 Um Sonho de Liberdade (conto) – adaptado para o cinema com o

mesmo nome;

 A Espera de um milagre – adaptado para o cinema com o mesmo

nome;

 O Apanhador de Sonhos – adaptado para o cinema com o mesmo

nome;

 1408 (conto) – adaptado para o cinema com o mesmo nome;

 O Nevoeiro (conto) – adaptado para o cinema com o mesmo nome;

 Christine – adaptado para o cinema com o nome Christine – O Carro

Assassino;

 Desepero – adaptado para o cinema com o mesmo nome;

Essas são algumas das obras de King adaptadas para o cinema, entretanto,

muitas outras também foram adaptadas para a televisão.


2.2.2 Peter Straub

Nascido em Milwaukee, Wisconsin em 2 de março de 1943, Peter Straub é o

mais velho de três irmãos. Seus pais, um vendedor e uma enfermeira, queriam que

ele fosse um atleta, um médico ou um ministro luterano, mas o que o garoto queria

era somente aprender a ler.

Quando começou no jardim de infância, o pequeno Straub ficou muito

decepcionado, pois tudo que fazia era recortar formas em papéis coloridos, então,

por conta própria, passou a memorizar seus quadrinhos e, depois, a contar para as

outras crianças da vizinhança, até que ele pôde reconhecer todas as palavras.

Entretanto, ao chegar ao primeiro ano sua decepção não diminuiu, e enquanto

outras crianças liam aventuras mais leves, ele revirava a biblioteca em busca de

piratas, soldados, detetives, espiões, criminosos e outros personagens fantásticos,

ganhando assim grande fama como contador de histórias e sendo convidado para

acampamentos e encontros de verão para contar suas histórias.

Aos sete anos de idade, Straub foi atropelado por um carro e quase morreu.

Quebrou muitos ossos, sendo necessário passar por várias cirurgias, o que o deixou

mais ou menos um ano longe da escola e também em uma cadeira de rodas e com

alguns tiques emocionais. Apesar disso, ele continuou uma criança sociável

mantendo o seu hábito de contar histórias.

Sua vida continuou como se seguindo um roteiro. Formou-se na Milwaukee

Country Day School e era o aluno mais querido pelos professores de inglês. Foi

nesse período que Straub conheceu o jazz, que o influenciou muito, principalmente o

saxofonista Paul Desmond.

Straub foi para a Universidade de Wisconsin e lá, após conhecer vários bons

trabalhos de pessoas como Henry James, William Carlos Williams e o músico de


blues Steve Miller, que morava próximo a sua casa, ele formou-se no ano de 1965,

com poucas mudanças do que era antes de entrar na universidade. Um ano depois,

conseguiu um MA na Columbia e, influenciado por uma amiga, a poeta Ann

Lauterbach, começou a dedicar-se à poesia.

Quando ainda contava histórias nas rodas para crianças, Straub pensou que

poderia torná-las mais emocionantes, então passou a colocar no papel alguns de

seus pesadelos. Muitas pessoas questionam a razão de histórias serem tão

chocantes, uns dizem que é uma forma de manter o pânico, a incerteza e os

traumas do acidente ao alcance das mãos, outros, que essa é uma forma de manter-

se longe da impiedade.

Straub casou-se com Susan e conseguiu um emprego na sua antiga escola,

agora chamada University Schooll of Milwaukee, tendo grande liberdade dentro da

escola e muita afeição por seus alunos.

Começou a dedicar-se à poesia e, algum tempo depois, foi para Dublin, na

Irlanda, fazer PhD e escrever seriamente. Foi em Dublin que ele publicou dois

pequenos livros de poesia com a ajuda de Thomas Tessier, seu amigo, e escreveu

uma novela, que apesar de não ter sido muito boa foi aceita pelo primeiro editor a

quem ele a ofereceu.

Foi então para Londres e, no ano de 1974, usou profissionalmente seus

medos para criar uma ficção. Com a ajuda de seus amigos Thomas Tessier e Ann

Lauterbach melhorou significativamente sua escrita. Retornou à América no ano de

1979, mantendo contato com seus velhos amigos escritores e também com grandes

músicos de jazz. Apesar de dizer que não possui hobbies, Straub dedica bastante

tempo ao jazz, óperas e outras formas de música clássica.


Entre suas obras podemos encontrar: Marriages (1973), Julia (1976), If You

Could See Me Now (1977), Ghost Story (1979), entre outros.

Concluindo, o que vimos neste capítulo foi como a obra surgiu e as biografias

de King e Straub, autores de O Talismã.

No próximo capítulo trataremos da topoanálise em suas linhas gerais e

práticas dentro de O Talismã.


CAPÍTULO 3

A TOPOANÁLISE
Em uma obra literária, todos os itens utilizados pelo autor são de grande

importância, mas existem aqueles que recebem maior atenção dos estudiosos,

como os personagens e o tempo, no entanto o espaço tem ganhado grande

importância na teoria literária nos últimos anos.

O professor Ozíris Borges Filho, da Universidade Federal do Triangulo

Mineiro, escreveu recentemente um livro tratando da análise do espaço em obras

literárias e é este livro que usaremos no nosso trabalho.

A análise do espaço literário pode ser considerada interdisciplinar, e os

termos usados podem receber definições variadas. Apesar disso, a teoria literária

não tem por obrigação repetir esses conceitos, podendo criar novos de acordo com

seus objetivos, fins de análise e entendimento da realidade.

Antes de começarmos com a topoanálise, nosso tópico de estudo,

abordaremos alguns conceitos importantes para o entendimento do trabalho.

3.1 Conceituando

O espaço possui várias definições. A que mais nos interessa está no

dicionário MIchaelis: Fís. Extensão tridimensional ilimitada ou infinitamente grande,

que contém todos os seres e coisas e é campo de todos os eventos.

Abbagnano (1998) nos diz que a concepção de espaço sofreu três tipos de

abordagem:
 Sobre a natureza do espaço, em que pode ser:

a) Como posição de objetos materiais no mundo: equivalendo à

concepção de lugar, portanto, só haverá espaço onde houver objeto material. A

principal tese é, então, a inexistência do vazio e durou aproximadamente até a idade

média;

b) Como continente desses mesmos objetos: essa idéia nasceu do

atomismo antigo e uma de suas postulações básicas é a de que existe o espaço

vazio e sua infinidade;

c) Como campo: Einstein é o teórico por excelência e retoma a

concepção de espaço com três dimensões (largura, altura e profundidade),

acrescentando o tempo como quarta variável.

 Sobre a realidade do espaço:

a) A realidade física ou teológica do espaço: a idéia de espaço é como

lugar, posição ou recipiente e ele é uma condição do mundo ou atributo de Deus.

b) A subjetividade do espaço: o espaço é a imagem da coisa feita pelo

sujeito imaginante, ou seja, a realidade depende de quem a interpreta. O espaço é,

assim, a base para a manifestação dos fenômenos e não determinação deles. Em

outras palavras: é condição de possibilidade dos objetos externos.

c) O espaço é indiferente ao problema da realidade ou irrealidade: aqui o

espaço não é real nem irreal. Essa idéia foi desenvolvida com o aparecimento da

geometria não-euclidiana, vindo daí a impossibilidade de se afirmar categoricamente

que essa geometria estava incluída na estrutura física do mundo.

 Sobre a estrutura métrica do espaço:


É explicada pela geometria e as diversas respostas dadas constituem

diferentes geometrias. Cruzando essas abordagens (natureza e realidade) podemos

perceber que quando falamos de espaço, referimo-nos tanto aos objetos e suas

relações como ao recipiente (localização dos mesmos). Não podemos nos esquecer

do observador a partir da qual as relações são construídas na literatura. Na

topoanálise, continente, conteúdo e observador são partes integrantes, pois são eles

que formam o que se entende por espaço. Assim, a noção de espaço é dada pela

inter-relação entre entidade situada, entidade de referência e um

observador.(BORGES FILHO, 2007, p. 16, 17)

O lugar tem, pela filosofia, duas definições básicas. A primeira afirma que

lugar é o limite que contorna qualquer corpo. A segunda, mais moderna, acredita

que o lugar é a relação de um corpo com outros corpos.

A partir dessas definições podemos perceber, então, que espaço e lugar são

tomados como sinônimos e se definem como tamanho, forma e relação de um corpo

com o outro.

Percebemos, ainda, que há diferenças e também contradições entre as

definições de lugar apresentadas pela filosofia, geografia e antropologia, o que é

natural, pois cada ciência precisa de termos próprios.

Por outro lado, Milton Santos (2004) diz que lugar é a existência que se

manifesta em um cotidiano compartilhado entre as mais diversas pessoas, firmas,

instituições-cooperação e conflitos são a base da vida em comum. Esse conceito

define que nossa relação com o mundo acontece em nível local-global. Santos
acredita também que noções de ação, técnica e tempo são ligados ao conceito de

tempo.

Para Relph, um outro autor, lugar compreende necessidades de localização,

posição, mobilidade, interação com objetos e pessoas, implicando uma noção de

corpo, de estar no mundo, de existir e coexistir.

Na topoanálise a oposição entre espaço e lugar não é funcional e nada

acrescenta à teoria. O espaço é, então, composto por cenário, natureza e ambiente,

e a idéia de experiência, vivência, etc., ligados ao conceito de lugar é analisada a

partir da identificação desses três espaços sem a necessidade de usar o termo

lugar.

A paisagem é um termo com diferentes concepções. Apesar disso, todas elas

têm por base os limites do olhar como limites de paisagem.

Alguns autores dizem que a paisagem está ligada à forma; outros, como

Sanderville (2000), explicam o termo como elaboração cultural, pois sua definição

varia ao longo da história. A paisagem depende da percepção de realidades

geográficas, históricas, artísticas e também da carga simbólica que lhe atribuem os

diferentes contextos culturais.

Ao seu conceito associam-se duas idéias:

- A idéia de extensão espacial abarcada pela visão;

- À idéia de forma associa-se a de relação, ou seja, vivência do homem no

espaço físico.
Dessa forma, podemos dizer que a paisagem é o resultado da forma e mais

os valores que são atribuídos a essa forma.

A palavra território veio do latim territorium e apareceu na Língua Portuguesa

no século XVI com o sentido de “grande área ou extensão de terra delimitada, parte

da terra ou de uma terra jurisdição”. É o espaço dominado por algum tipo de poder,

enfocado do ponto de vista político ou da relação de dominação-apropriação.

Esta flexibilização do conceito permite tratar de territorialidades como

expressão da coexistência de grupos, por vezes num mesmo espaço físico em

tempos diferentes.

O cenário ou a natureza podem ser classificados como território, isso

acontecerá se o espaço estiver em relação de dominação ou apropriação com as

personagens. E essa questão, dominação-apropriação, é definida através do poder,

isto é, da vontade de um sobre o outro, podendo ser exercido pela coerção – uso de

penalidade, punição para que a vontade de alguém seja colocada em prática, ou

pela sedução, maneira sutil de levar alguém a agir de determinada maneira, por

palavras, carisma, exemplos, gestos, recompensas, entre outros.

3.2 Introdução à Topoanálise

Topoanálise é o estudo do espaço na obra literária ou, segundo Bachelard, o

estudo psicológico e sistemático dos locais de nossa vida íntima (1989, p. 28).

Ela inclui todas as abordagens sobre o espaço, e as inferências sociológicas,

filosóficas, estruturais etc. farão parte da interpretação do espaço na obra literária.


Ela também não se restringirá à análise da vida íntima, mas abrangerá a vida social

e todas as relações do espaço com a personagem seja no âmbito cultural ou natural.

3.2.1 Funções do espaço

A armação do espaço na obra literária é importante para as ações da

personagem e desempenha inúmeras funções dentro da narrativa. Sua criação

dentro do texto literário serve a variados propósitos, entre essas funções do espaço

destacaremos:

 Caracterizar as personagens, situando-as no contexto sócioeconômico

e psicológico em que vivem: muitas vezes, antes de qualquer ação, é

possível prever quais serão as atitudes da personagem, pois essas já

foram indicadas no espaço em que ela ocupa. Esses espaços são fixos

da personagem. São espaços em que elas moram ou freqüentam com

grande assiduidade, como um quarto ou uma casa e suas

características são refletidas na escolha dos objetos e na maneira de

dispô-los. O espaço é a projeção psicológica da personagem, podendo

ser de uma característica intrínseca da personagem ou de um estado

momentâneo.

 Influenciar as personagens e também sofrer suas ações: o espaço

muitas vezes influencia a personagem a agir de determinada maneira,

porém, em outras, ocorre o contrário: a personagem transforma o

espaço em que vive, transmitindo-lhe suas características ou não.

 Propiciar a ação: Outra função do espaço é propiciar a ação que será

desenvolvida pela personagem. Nesse caso, não há influência alguma

do espaço sobre a ação. Outros fatores pressionam a personagem a


agir de tal maneira, entretanto, essas ações só acontecerão se o

espaço for favorável a elas.

 Situar a personagem geograficamente: O espaço pode, às vezes,

assumir função denotativa, sendo nesses momentos meramente

factual, pobre, por assim dizer, na medida em que não possibilita uma

imbricação simbólica com as personagens. Não há nenhuma relação

de pressuposição entre personagem, espaço e ação, servindo apenas

para mostrar a localização da personagem quando aconteceu

determinado fato. De qualquer forma, são, porém, importantes na

arquitetura geral da obra

 Representar os sentimentos vividos pelas personagens: são espaços

transitórios, muitas vezes, casuais. Observamos que existe uma

analogia entre o espaço que a personagem ocupa e o seu sentimento.

Damos a esse espaço o nome de homólogo.

 Estabelecer contraste com as personagens: não há nenhuma relação

entre o sentimento da personagem e espaço, este mostra-se

indiferente, estabelecendo uma relação de contraste e sendo chamado

de espaço heterólogo.

 Antecipar a narrativa: Através de índices impregnados no espaço, o

leitor atento percebe os caminhos seguintes da narrativa. Muitas vezes,

o próprio tempo é usado como função espacial. Osman Lins (1976) diz

que temos de estar atentos pois alguma alusão ao tempo pode ser na

verdade uma função espacial.(BORGES FILHO, 2007, p. 35-42)


3.2.2 Espaço e Enredo

Enredo é a totalidade dos fatos e das ações que ocorrem dentro da narrativa

e é composto de quatro etapas. Ao encadeamento dos espaços que formam a

narrativa chamamos percurso espacial e é dentro dele que encontram-se as quatro

etapas.

Na primeira parte temos a exposição ou apresentação, que é a parte

introdutória da narrativa. Nela, apresenta-se o espaço inicial. Devemos identificá-lo e

perceber suas características, estando atentos no seu papel no desenrolar da

narrativa.

Em seguida temos a complicação ou desenvolvimento, que é quando algo

interfere e quebra aquela situação inicial, impulsionando a história. Como pode

haver mais de uma complicação dentro de uma narrativa, pode-se também ter mais

de um espaço vinculado a ela.

O desenvolvimento da narrativa atinge um ponto em que não há mais

possibilidade de continuidade, que é o ponto de maior tensão da narrativa; é

chamado clímax: este será o ponto mais próximo do desfecho. Deve-se, nesse

momento, observar a maneira que o narrador organizou aquele espaço e quais os

sentimentos que se podem depreender dele.

O desfecho é a conclusão do texto. Resta-nos, assim, analisar qual é o

espaço em que isso ocorre.


3.2.3 Segmentação do texto

Os deslocamentos introduzem novas formas de espaços e cumpre observar

qual a relação deles com as personagens e ação. Como dito anteriormente,

chamamos essa seqüência de percurso espacial.

Não se deve confundir o segmento com as divisões externas do texto, que

são notadas visualmente, tais como estrofes, na poesia, ou parágrafos, na prosa. Os

segmentos são provenientes de modulações diversas que o tema adquire à medida

que se desenvolve num texto. O tema está continuamente presente, porém, nem

sempre da mesma forma.

Duas ressalvas são muito importantes nessa etapa. Primeiro, às vezes, não é

possível segmentar o texto, pois ele forma um todo indivisível. Por outro lado,

devemos ter cuidado para não dividirmos demasiadamente um texto, caindo num

erro chamado atomização. Devemos verificar se no texto há grandes e/ou pequenas

movimentações vinculadas ao espaço, verificando se o texto pode ser dividido em

macro e microespaços.

Macroespaços: São espaços grandes em que o texto pode ser dividido,

podendo ser polarizados em regiões ou países.

Microespaços: Podem ser especificados primeiramente como cenário e

natureza e, a partir daí, subdividi-los em ambiente, paisagem e território.

Cenários são os espaços criados pelo homem, geralmente, são os espaços

onde o ser humano vive. O homem, por meio de sua cultura, modifica o espaço e o

constrói à sua imagem e semelhança. É imprescindível analisarmos espaços como:


a casa e seus cômodos, a rua, os meios de transporte, escola, a biblioteca, o

labirinto, os cafés, o cinema, o metrô, a igreja, a cabana, o carro, o prédio, o

corredor, as escadas, o barco, a catedral etc.

Natureza é o conjunto das coisas que independem do ser humano, do fazer

do homem. Um ponto interessante da teoria é a possibilidade da existência de

espaços híbridos, isto é, espaços que participam tanto da natureza quanto do

cenário. Nesse caso, encontra-se a presença do jardim, espaço riquíssimo numa

investigação topoanalítica devido a seus inúmeros valores simbólicos.

Ambiente significa o que rodeia ou envolve por todos os lados e constitui o

meio em que se vive. No dia-a-dia, significa um conjunto de relações entre o mundo

natural e o ser vivo. O estudo do ambiente, segundo Gonçalves (1989), implica em

destacar o homem como sujeito que modifica sem, entretanto, negar as tensões

advindas desse processo. No âmbito da literatura, ambiente é o conjunto das

particularidades de um meio social, natural ou histórico em que se situa a ação de

uma narrativa (romance, conto, novela).

Paisagem, como já vimos, está ligada à idéia do olhar, portanto, à idéia de

subjetivização. Uma hipótese, que ainda precisa ser verificada, é a de que o

ambiente está mais ligado ao olhar do narrador, enquanto a paisagem pode ligar-se

tanto ao olhar do narrador quanto à da personagem. O cenário ou a natureza podem

ser classificados como paisagem quando tiverem extensão, vivência ou fruição.


3.3 Perspectivas Espaciais

Como coordenadas espaciais entendemos a espacialidade que se organiza

em torno, basicamente, dos eixos horizontal e vertical. Deve-se verificar no eixo

vertical as coordenadas alto X médio X baixo. Em muitos casos, esse eixo é bipolar,

tendo sua oposição resumida pelos extremos alto X baixo. Na obra, se esse eixo for

tematizado, então devemos verificar quais são os valores que o impregnam.

O eixo horizontal divide-se em horizontal-frontal e horizontal-lateral. No eixo

horizontal-lateral, temos a oposição que forma a lateralidade, ou seja, as idéias de

direito e esquerdo. Verificaremos também os traços do positivo e do negativo que

estão espelhados nesse eixo.

O eixo horizontal-frontal é formado pelos pólos da frontalidade: diante X atrás,

devendo estar atentos aos valores que essas duas coordenadas podem assumir

dentro do texto literário.

Outras coordenadas espaciais importantes são:

- a prospectividade, que é onde verificamos a polaridade perto X longe;

- a centralidade, onde temos a divisão centro X periferia;

- a amplitude representada no texto pode ser figurativizada pelo par vasto X

restrito (em relação à interioridade, analisaremos o contraste entre interior X

exterior).

Como metodologia de adentramento ao texto literário, é prático analisarmos

as coordenadas espaciais que se verificam em torno, basicamente, dos eixos


horizontal e vertical, pois cada um dos pólos das coordenadas espaciais é

figurativizada de maneira peculiar nos textos.

O que se encontra acima e em nossa frente é visível e, portanto avaliável. Por

outro lado, o que está abaixo do solo ou atrás é invisível e, portanto, negativo.

Movimentos para cima e em frente são positivos, para baixo e para trás, negativo.

Essas noções baseiam-se na percepção egocêntrica e internacional, levando-se em

conta as idéias de visibilidade e confrontação. As coordenadas frente-trás e acima-

abaixo são mais salientes que a coordenada simétrica direita-esquerda.

Há também a predominância do lado direito sobre o esquerdo, tanto que na

cultura ocidental o lado direito representa o bem e o esquerdo representa o mal.

Assim, as coordenadas espaciais e os valores são, geralmente, estruturados

de forma bipolar, mas não sempre e podem ser:

1. lateralidade: direito/esquerdo

2. frontalidade: diante/atrás

3. verticalidade: alto/baixo

4. prospectividade: perto/longe

5. centralidade: centro/periferia

6. amplitude: vasto/restrito

7. interioridade: interior/exterior (BORGES FILHO, 2007, p 57-60)


3.4 A Espacialização

É a maneira pela qual o espaço é instalado dentro de uma narrativa. Temos

de desvendar quais são os recursos utilizados, portanto, trata-se de uma questão

que remete à idéia de focalização.

Osman Lins (1976) divide a espacialização em três tipos:

Franca: composta por um narrador independente, pautada pelo

descritivismo, e sua característica diferencial é o efeito de objetividade impressa na

descrição. Depende do narrador e ocorre apenas dentro de narrativas em terceira

pessoa. O narrador pode descrever um espaço do ponto de vista de uma

personagem. Nesses casos, diz-se que há uma atenuação da espacialização franca,

mas ainda estamos no âmbito dessa construção, pois, afinal, é o narrador que

instaura o espaço. Em outro extremo, pode ocorrer que o narrador em terceira

pessoa opine sobre o espaço construído, afirmando que tal coisa é bela, ou pobre,

etc. Nesse caso, saindo da objetividade, o narrador mostra-se explicitamente em seu

discurso, denotando subjetividade.

Reflexa: os espaços são percebidos através da personagem sem intrusão

direta do narrador, exceto se o narrador for também personagem. Distingue-se da

espacialização franca pelo efeito de subjetividade dado a descrição. Aqui, a

personagem pensa ou fala sobre o espaço; ocorre em narrativas de terceira ou de

primeira pessoa e dependendo de uma personagem ativa.

Tanto a espacialização franca como a reflexa produzem dentro do texto

literário uma pausa demarcada pela presença de um espaço. Modernamente os

escritores têm evitado longas descrições. Elas são mais curtas e entremeadas com
reflexões ou ações da personagem, diminuindo sensivelmente a suspensão da

narrativa.

Dissimulada: Na espacialização dissimulada, os atos das personagens

fazem surgir o espaço. Esse recurso de construção da narrativa exige uma

personagem ativa, pois cria-se harmonia entre espaços e ação, em que se

interpenetram seres e coisas, havendo uma fusão de componentes variados

(narração + descrição).

Esses três tipos de espacializações podem se mesclar em uma mesma

unidade temática.

3.4.1 Abundância e Moderação

O espaço pode ser apresentado de forma abundante ou moderada no texto

literário. Uma espacialização será abundante quando o espaço for descrito com

abundância de detalhes. Quando as indicações são mínimas quase ao acaso, temos

a espacialização moderada.

3.4.2 Minúcia e Panorama

A espacialização será minunciosa quando o texto nos mostrar as minúcias, os

detalhes desse espaço, características precisas dos objetos presentes. Ao contrário,

se o texto nos der apenas indicações gerais, sem minúcias, teremos uma

espacialização panorâmica.
A espacialização abundante tende a ser minuciosa, mas não o é

necessariamente. O texto que apenas apresentar os objetos em suas posições terá

uma espacialização abundante e panorâmica.

A espacialização moderada tende a ser panorâmica, mas também pode não o

ser. Um texto pode apresentar poucas indicações das coordenadas espaciais e dos

objetos que povoam determinado espaço, entretanto, pode nos mostrar

detalhadamente poucos objetos. Teremos, então, uma espacialização moderada e

minuciosa.

3.4.3 Objetividade e Subjetividade

A espacialização será mais objetiva quanto menos percebermos os

sentimentos do narrador, ou eu-lírico, em relação ao espaço apresentado. Para

atingir esse efeito de sentido, é comum encontrarmos no texto estruturas com sujeito

indeterminado tipo: via-se, expunha-se, etc.

Quanto mais o narrador, ou eu-lírico demonstrar seu sentimento em relação

ao espaço, mais a espacialização será subjetiva.

3.5 Os Gradientes Sensoriais

Apesar de os sentidos serem os mesmos e, mesmo que os estímulos sejam

os mesmos, cada pessoa percebe a realidade de forma diferente. Assim ocorre

também na obra de ficção devido à existência de variação de proximidade / distância

nos sentidos em relação ao espaço.


Por gradientes sensoriais, entendemos os sentidos humanos: visão, audição,

olfato, tato, paladar. O ser humano se relaciona com o espaço circundante através

de seus sentidos, portanto, os efeitos de sentido são importantes na relação

sensorialidade-espaço. A partir dos sentidos, podemos estabelecer a seguinte

relação entre eles e o espaço, em termos de distância/proximidade.

VISÃO

AUDIÇÃO

OLFATO

TATO
1
PALADAR

Os sentidos da visão e do paladar formam os dois pólos dessa relação de

distância e proximidade. O primeiro estabelece uma relação de máxima distância

entre ser e objeto /espaço; o segundo, a menor distância possível. É interessante

verificar as múltiplas possibilidades de sentidos criados no texto literário, que podem

ser tanto denotativos quanto conotativos.

3.5.1 Os Sentidos

Cada ser percebe diferentemente o mesmo espaço, como vimos. Dois seres

colocados ao mesmo tempo no mesmo espaço terão opiniões diversas sobre ele, e

isso vale igualmente e com mais razão para os grupos sociais. Essas variações

devem-se à formação cultural de cada um que, ao longo dos anos, foi recebendo

padrões de interpretação específicos, mas também a própria constituição física e

1
BORGES FILHO,Ozíris. Espaço & Literatura: Introdução à Topoanálise, p. 70.
genética de cada ser particular. Há limites em nossos sentidos que são comuns por

pertencermos à mesma espécie.

3.5.2 Visão

Entre os cincos sentidos tradicionais, destaca-se a visão que é o primeiro

sentido por meio do qual o ser humano entra em contato com o mundo. Por ela, o

homem capta o espaço em seu distanciamento máximo; por meio dela inúmeras

informações o atingem, mais que pelos outros sentidos. A visão se destaca como

sentido mais importante que o olfato.

Uma das grandes características da visão humana é sua imensa capacidade

de discernir cores. Nossa sensibilidade cromática é tão precisa que dificilmente será

ultrapassada pela tecnologia. Como nossos olhos se localizam na frente, não

vemos, como certos animais, o que ocorre em nossas costas, no entanto temos uma

visão nítida e tridimensional dos corpos a nossa frente.

No texto literário é interessante analisar quais são os estímulos visuais

presentes, começando pelo seu caráter de visibilidade/invisibilidade. Pelo que foi

dito anteriormente, é fácil deduzirmos que um espaço que se mostra pouco

acessível à visão é um espaço que aparece geralmente sob o signo do medo, da

desconfiança.

3.5.2.1 As Cores do Espaço: Símbolos

Todo espaço está relacionado com a luz, seja na sua forma monocromática (o

branco ou o negro) seja na sua forma cromática (azul, amarelo, vermelho, verde,
etc.). Ao colorir qualquer espaço, o narrador, ou eu-lírico, está dotando-o igualmente

de vários efeitos de sentidos, de várias conotações.

O símbolo faz parte da cultura humana desde os primórdios de sua evolução

como nos provam os desenhos das cavernas primitivas. O mesmo acontece com as

cores. Essa relação marcante entre ser humano e cores torna necessário perceber

quais são as simbologias básicas das cores para melhor analisar um texto.

A psicologia, a sociologia e outras ciências, bem como a publicidade, já

exploraram razoavelmente o significado das cores. Da mesma forma que a

preferência por determinados espaços pode revelar sentidos interessantes na

análise de uma obra ou conjunto de obras. A preferência por determinada cor será

igualmente significante.

Uma das principais características do símbolo é sua convencionalidade.

Conseqüentemente, é impossível, num estudo sobre as cores, generalizar seus

significados. Assim, tomaremos por base principalmente a sociedade ocidental. No

entanto, é possível observar simbologias comuns para as cores nas mais diversas e

distantes sociedades do mundo. Alguns estudiosos acreditam que as cores estão

entre os símbolos mais antigos do homem, porque existe uma relação importante

entre elas e os partes do corpo humano. A emissão, produção ou derramamento

desses produtos estariam ligados a um aumento da emoção.

Preto ou negro: tem uma significação positiva quando conota sabedoria,

potencialidade, maternidade, fecundidade, terra fértil, mãe-terra, sofisticação, o

negro subterrâneo representa o lugar de regeneração do mundo diurno, podendo

também representar nuvens carregadas de água vivificadora, águas profundas onde


a vida se manifesta em expectativa. Por outro lado, tem conotação negativa quando

simboliza as idéias de maldade, maldição, violação, morte. Segundo a mitologia, ela

tem ligação com o regime noturno, relacionado ao deus Dionísio e normalmente

relaciona-se ao aspecto frio e negativo, remetendo as trevas primordiais, as regiões

infernais, ao caos, angústias, inconsciente, sendo a cor da condenação.

Branco: pode simbolizar luz, pureza, espiritualidade, intemporalidade, divino,

na simbologia cristã representa transfiguração, graça, a lua, a paz. É ligado ao

regime diurno e ao deus Apolo, os pontos cardeais Leste e Oeste são normalmente

pintados nessa cor, por representarem o nascer e o pôr (morte) do sol, trazendo a

idéia de limite. Também está relacionado a valores de passagem, sendo símbolo de

transição de nível inferior a superior. Entretanto, o branco tem também sentidos

negativos. Em algumas culturas ele simboliza o luto e a morte, pois é a cor da

lividez, a falta de sangue, dos espectros, das aparições.

Ambas as conotações, positiva e negativa, podem ser encontradas em

diversos símbolos de diversas sociedades. Não podemos esquecer que cada texto é

único e, portanto, a simbologia das cores poderá ter nele papel peculiar.

Azul: É quase sempre relacionado com o céu, entretanto essa relação não

tem exercido tanta influência no desenvolvimento dos vocábulos para azul. É a

derradeira das cores primárias a ser nomeada por um termo especial: é uma cor

recuada e sugere, quase sempre, frieza. É antitético do vermelho. Um objeto azul

sugere ter menos peso do que realmente possui e pode simbolizar o céu e o mar,

além de simbolizar o infinito, as alturas iluminadas, a imaterialidade e o divino.


Amarelo: em diversas conotações segue o exemplo do vermelho; é uma cor

predominante, pois está relacionada com a cor da terra e do centro, associada ao

sol, remete as idéias de intensidade, violência, agudeza e amplitude. É considerada

uma cor expansiva e ardente e seu brilho é associado ao ouro e, portanto, à riqueza,

aos deuses, à eternidade. No entanto, o amarelo mais fosco lembra o outono, a

velhice. Em sua conotação negativa está ligada ao adultério, à traição. No teatro

tradicional chinês, os atores se maquilam de amarelo para indicar crueldade,

dissimulação e cinismo, no entanto, nesse mesmo teatro, as vestes dos príncipes

são amarelas, indicando sua casta social. Esse exemplo mostra a ambigüidade do

amarelo que pode ser observada em outras culturas igualmente.

Verde: Sua relação mais evidente é com a natureza e, portanto, grande parte

de sua simbologia derivará disso, tanto que em muitas línguas, como inglês, o termo

para verde está inclusive relacionado com as idéias de crescimento e planta. Daí

vem a ligação da cor verde com a primavera e a vida que germina; é também a cor

da expectativa, da esperança. Situada entre o azul e o amarelo, assume papel de

mediador entre calor e frio, alto e baixo. É uma cor refrescante, humana e, em

conotação negativa, significa a morte, o veneno, a putrefação, o vômito.

Vermelho: Única cor cromática que se aproxima da importância do negro e

do branco e, foi talvez a primeira a adquirir um sentido simbólico, tendo por esse

motivo seu significado compartilhado por diferentes povos e culturas. Estudos

mostram que o vermelho estimula o sistema nervoso, sugerindo tepidez. Um objeto

vermelho sugere ser mais pesado do que é, e também conota o sentido “para baixo”,

quando ligado à extensão. É por isso que, nos elevadores, a seta que indica o

movimento descendente é geralmente vermelha. A simbologia do vermelho está


ligada igualmente à noção de sangue – podendo estar ligado a alegria ou a guerra-,

vida, energia, fogo e poder. Sua tonalidade também tem significados diferentes,

quando é claro designa ação, energia, a bandeira do fervor revolucionário, do fulgor,

da beleza, do impulso, da libido, da saúde, da riqueza. Já a tonalidade escura é mais

reticente, reflexiva, é o sinal de não passar, imagem matricial, uterina, símbolo da

regeneração.

3.5.3 O Tato

Essa característica é quase tão importante quanto o desenvolvimento da

visão tridimensional. É claro que, no reino animal, as mãos humanas são

insuperáveis, pois elas combinam força e precisão de maneira incomparável. Com o

tato, experienciamos a resistência, a pressão dos seres e do espaço. Tal experiência

é fundamental para a percepção de que existe um mundo alem de nossa

imaginação.

Pelo tato, a personagem poderá receber um número enorme de informações

sobre o espaço e os objetos que o ocupam e que também são espaço. Qualidades

espaciais táteis como liso, crespo, fino, grosso são valorizadas de diversas maneiras

em um texto literário.

3.5.4 Audição

A audição humana não é muito sensível, no processo evolutivo. Essa

percepção se mostrou menos útil para os primatas que para os carnívoros que

tinham que rastrear sua presa. Os olhos captam informações do espaço de maneira

mais abundante e precisa que os ouvidos, mas, no entanto, muitas vezes, somos

mais sensibilizados pelo que ouvimos do que pelo que vemos.


Em um texto literário, o narrador usa inúmeros recursos auditivos para criar

efeitos de sentido. A chuva no telhado, o som do trovão, o assovio do vento, o choro

são possibilidades que excitam o ser humano e que estarão presentes no texto

literário, provocando atitudes e sentimentos nas personagens em relação ao espaço.

A dicotomia silêncio X barulho é a principal divisão que podemos estabelecer

nesse gradiente sensorial. A priori, não se pode estabelecer nenhuma conotação

axiológica nessa divisão. O silêncio, por exemplo, tanto pode ter uma conotação

positiva, significando paz, relaxamento, quanto uma conotação negativa,

significando solidão, abandono.

3.5.5 Olfato

É um sentido pouco desenvolvido nos primatas, mas mesmo assim de grande

importância por ser relacionado aos processos de alimentação e acasalamento. A

modernidade, contraditoriamente, tende a negligenciar o sentido do olfato. Para os

modernos, parece que o espaço ideal seria aquele em que houvesse uma ausência

total de cheiros. Tal procedimento é equivocado, pois o olfato humano é bastante

sensível e consegue captar um leque extenso de informações através dele. O odor

pode, mais facilmente que os outros sentidos, evocar lembranças, carregadas

emocionalmente.

3.5.6 Percepção e Totalidade dos Sentidos

Em um texto literário, dificilmente haverá apenas a presença de um sentido.

Geralmente, a personagem percebe o mundo, o espaço, utilizando-se de todos os

sentidos. Na sociedade, o sentido mais exercitado variara de indivíduo e cultura,

apesar de que a sociedade moderna vem se tornando cada vez mais visual.
No texto literário, essa conjunção de sentidos também ocorre. Teoricamente,

o narrador poderá salientar um ou outro sentido ou trabalhar com todos. A partir

disso, os efeitos de sentido são infinitos.

3.5.7 Percepção, atividade, narração

Perceber o mundo significa agir sobre ele, e a questão da percepção

aproxima-se muito da narração na medida em que enredo é ação.

Para que uma personagem se movimente, é preciso espaço e também que

ela perceba esse espaço. Isso ocorrerá pela movimentação, contato e manipulação

dos objetos e da estruturação do espaço.

3.6 Fronteira

Segundo Iuri Lotman (1978), a fronteira divide todo o espaço do texto em dois

subespaços, que não se tornam a dividir mutuamente, ou seja, ela dividirá o espaço

em um corte grandioso, longitudinal.

A fronteira traz também a idéia de impenetrabilidade, sendo assim um

obstáculo ao movimento dos personagens, poucas terão capacidade de atravessa -

lá.

Outra característica da fronteira é preservar a estrutura interna dos

subespaços, pois estes são diferentes. Essas diferenças podem ser social,

psicológica, ideológica, física, econômica, etc.

As barreiras, ou obstáculos, que formam uma fronteira podem ser de natureza

material, física e não psicológica ou social.


Quando o espaço é dividido em dois subespaços, temos uma bitopia. Quando

ele for dividido em vários espaços, pelos quais o personagem se movimenta,

teremos politopia. Podemos encontrar ainda narrativas monotópicas, com um único

espaço.

Podemos considerar a fronteira um espaço paradoxal, pois ao mesmo que é

um espaço de separação é ponto de contato entre dois subespaços. Ela aproxima

e distancia insularidades, é ambígua divisão e passagem, possibilita inversões e

deslocamento, fecha e abre, preserva e destrói a autonomia, protege e ameaça.

Em relação às propriedades físicas, uma fronteira pode ser artificial

(construída artificialmente) ou natural (estabelecida através de características

geográficas).

Já em relação às propriedades experienciais, temos a fronteira tensa (há

tensão entre personagens envolvidas) e distensa (se formou tranqüilamente ou não

oferece divisão por choques).

Outro ponto em que a fronteira deve ser analisada é segundo sua

penetrabilidade ou impenetrabilidade.

As personagens também podem ser classificadas de acordo com as

fronteiras, podendo ser móveis, que transitam livremente pela fronteira, ou imóveis,

que não atravessam fronteiras. No entanto, o conceito de imóvel traz consigo a idéia

de estatística então a topoanálise sugere chamar a personagem que não atravessa

fronteiras de homotópica, e aquela tem capacidade de chegar ao espaço do outro é

a heterotópica.
Para a personagem que não tem fronteira, chamaremos politópica. Existe

ainda a possibilidade da personagem não pertencer a um espaço específico, sendo

chamado de utópica.

3.7 O Espaço lingüístico

O espaço lingüístico são possibilidades morfossintáticas, dos afixos,

preposições, verbos, advérbios, pronomes, substantivos e adjetivos de sentido

espacial e da relação entre espaço da narrativa e da narração.

Para essa análise, levamos em consideração o emissor e o receptor da

mensagem e, também, dois traços semânticos: a direcionalidade e o englobamento.

A interpretação dos termos que expressam a inter-relação espacial do

emissor com os demais objetos é feita a partir da localização do emissor da

mensagem.

Arantes da Silva (1996) divide o estudo do espaço em lingüístico que é a

expressão espacial disponível ao falante da língua, pode ser uma posição fixa ou um

movimento de acordo com determinada referência, e discursivo que é a

manifestação concreta da espacialidade no ato discursivo.

Como trabalhamos com textos literários, o mais interessante é o ato

discursivo do narrador e/ou personagem, que é determinado no momento do

discurso e estabelece as noções do eu-aqui, sendo que aqui indica a posição que o

narrador e/ou personagem ocupa.


3.7.1 Pronomes demonstrativos

Quando indicam espaço, são divididos em:

- este, isto – objeto esta próximo ao emissor;

- esse, isso – objeto esta próximo do receptor;

- aquele, aquela, aquilo, aquele outro – objeto esta igualmente distante do

emissor e do receptor. (BORGES FILHO, 2007, p123)

Esses pronomes se dividem em anafóricos e catafóricos.

Os anafóricos referem-se ao que já foi dito no próprio discurso, este, esse

retomam o que já foi dito e aquele o que foi dito há mais tempo ou em outro contexto

lingüístico.

Os catafóricos referem-se ao que será dito no discurso.

Não podemos esquecer, porém, que no discurso literário essas indicações

gramaticais podem ser quebradas para que o texto torne-se mais interessante.

Sendo assim, “este” pode referir-se a algo distante espacialmente, mas próximo

psicologicamente, e “esse” para algo próximo, porém, com efeito de desinteresse.

3.7.2 Advérbios

Os advérbios de lugar podem ser divididos em três tipos:

- indicam lugar perto de quem emite o discurso (aqui);

- indicam lugar perto do receptor da mensagem (aí);


- indicam lugar distante dessas personagens (ali, lá, acolá).

Assim como os pronomes, os advérbios podem ser anafóricos ou catafóricos

e assumir matizes diversos. Podemos relacionar o uso dos pronomes com os

advérbios, tendo assim a tabela que segue: 2

Demonstrativo Pronome Pessoal Advérbio de lugar


1ª pessoa Este Eu aqui
2ª pessoa Esse você aí
3ª pessoa Aquele Ele Ali, lá

3.7.3 Outros advérbios, locuções e preposições

Com perspectiva horizontal:

1 – frente: adiante (de), diante de, defronte (de), defronte (a), em frente (de),

em frente(a), em face de, em face a, frente a, à frente (de), de frente para, perante,

ante, antes (de).

2 – atrás: atrás (de), detrás (de), de costas para, depois de, após.

Com perspectiva vertical:

1 – alto: sobre, em cima (de), acima (de)

2 – baixo: sob, embaixo (de), abaixo (de)

Essas expressões podem ser divididas pela indicação de contato/não contato

entre objeto e ponto de referência, por exemplo, em cima (de)/debaixo (de), embaixo

(de), e os pares acima (de)/abaixo (de) indicam não contato.

Com perspectiva de englobamento:

2
Tabela retirada da obra Espaço & Literatura: Introdução à Topoanálise, p. 129
1 – Posição interna no espaço englobado: dentro (de), em, no interior (de),

interiormente e internamente, no centro (de), no meio (de), no coração (de)

2 – Espaço englobante: em redor (de), ao redor (de), em volta (de), em torno

(de), em roda (d), ao derredor (de), em derredor (de), fora (de), exteriormente,

externamente.

Com perspectiva de movimento

1 – aproximação: a, para, até, contra (sobre), em direção a, na direção de, ao

encontro de, de encontro a. Dependendo do contexto essas preposições podem

indicar ponto de chegada ou de partida.

2 – afastamento: de, desde, a partir de.

3 – transposição: por, através de, por entre.

4 – dispersão: por e é caracterizada pela expansão espacial para todos os

lados.

3.7.4 Verbos Espaciais

São aqueles que indicam movimento, e são analisados em referência ao

emissor e receptor do discurso. Analisaremos verbos de direcionalidade e

englobamento.
3.7.4.1 Direcionalidade

a) orientação horizontal

Pertencem a essa categoria ir, vir e seus parassinônimos e indicam

afastamento e aproximação tanto no eixo horizontal quando no vertical. Para a

definição do movimento, devemos atentar para a preposição que acompanha o

verbo.

Outros verbos nessa categoria são trazer e levar, que salientam o ponto de

partida ou de chegada, voltar, que se diferencia de ir e vir pelo movimento anterior

que indica. Partir e chegar são diferenciados por enfatizar ponto inicial (partir de,

chegar de) ou final (partir para, chegar até).

b) orientação vertical

O movimento é em direção ao alto ou ao baixo e seus verbos são

subir/descer. Esses verbos são acompanhados das preposições de, a, para, até e

por, indicando orientação, limite e extensão do movimento. Outros verbos de

orientação vertical são elevar/afundar, emergir/imergir, levantar, abaixar entre

outros.
3.7.4.2 Englobamento

No eixo do englobamento temos as noções de extensão ou concentração,

sendo seus principais verbos os pares aumentar/diminuir, ampliar/reduzir.

O movimento direcional em uma relação de englobamento resulta em saída,

se for a expansão, e em entrada, se for direcional em condensação. Para ilustrar

essas relações temos sair/entrar, que indicam transposição espacial.

Podemos também ter a idéia de difusão espacial, que ocorrerá se aplicarmos

movimento de englobamento à relação direcional. Teremos aí dispersão, se for

expansão, ou reunião, se for em condensação, e os verbos são estender/concentrar;

espalhar/reunir e parassinônimos como alargar, transbordar, agrupar, congregar e

juntar-se.

3.7.5 Adjetivos

Os adjetivos expressam o tamanho dos objetos, mas também as dimensões

espaciais como alto e baixo, largo, estreito, comprido, curto, entre outros.

Um ponto interessante dos adjetivos dimensionais é que eles podem ser

usados em outros campos semânticos não-espaciais, como por exemplo em campos

temporais, econômicos, artísticos, etc.


3.7.6 Afixos

Sufixos e prefixos também indicam espacialidade, sendo divididos entre os

que indicam diminuição e aumento.

Para indicar diminuição podemos usar os prefixos “mini”, “micro”, etc; e os

sufixos “inho” (s).

Já para aumento, temos os prefixos “macro”, “arqui”, “super”, “hiper”, “ultra”, e

os sufixos “ão”, “ona”, “aço”, etc.

Lembramos, porém, que eles podem indicar afetividade, positiva ou negativa,

além de tamanho.

3.7.7 Substantivos

Há também substantivos que indicam espacialidade, porém essa classe não é

tão rica quanto as outras classes nesse sentido.

Alguns exemplos de substantivos são topo, cimo, cume, lado, etc.

3.7.8 Advérbios Geográficos

Por advérbios geográficos, entendemos as expressões ao norte, ao sul, ao

leste, a oeste e seus pares eruditos, setentrionalmente, meridionalmente,

orientalmente e ocidentalmente.
3.8 As Figuras de Retórica

Elas foram criadas para possibilitar um entendimento maior dos fenômenos

da língua em seus sentidos conotativos. A princípio, todas as figuras podem de

algum modo expressar espacialidade.

Para se localizar um objeto, usamos coordenadas binárias que são

basicamente: cima-baixo, frente-atrás, dentro-fora, perto-longe, sendo que a primeira

sempre terá sentido positivo e a segunda, negativo. Isso fica claro quando

usamos expressões metafóricas do cotidiano como uma pessoa está “para cima” ou

“para baixo”.

A sinédoque, que é tomar o todo pela parte, se exemplifica quando toma-se

uma casa por um bairro ou por uma rua.

O Assíndeto consiste na omissão de conectivos entre as palavras ou frases.

Por outro lado, uma personagem pode selecionar espaços e omitir outros,

diminuindo o espaço. No entanto, pode ocorrer o oposto e teremos aí uma hipérbole

do espaço, que pode representar um modo de ser da personagem.

3.9 Espaço da narração e espaço da narrativa

Narração e narrativa podem ser polissêmicos, no entanto, usaremos narração

como o ato de narrar e narrativa como aquilo que foi narrado.

A narração é sempre em primeira ou terceira pessoa, por isso teremos um

espaço considerado como ponto zero, que é de onde a espacialidade da narrativa é

criada. Pode ocorrer projeção do espaço de narração para dentro da narrativa;


outras vezes, esse espaço será apenas pressuposto, pois quem narra o faz de

algum lugar.

3.10 Topopatia

É a relação sentimental, experiencial, vivencial, existente entre personagens e

espaço. Esse elo pode assumir várias formações extremamente variáveis. Em

amplitude é intensidade emocional.

Quando a personagem sente-se bem no espaço em que se encontra, ele é

benéfico, construtivo, eufórico, temos a topofilia. Por outro lado, quando é um

espaço maléfico, negativo, disfórico, onde o personagem não se sente bem, temos a

topofobia.

3.11 Toponímia

Consiste no estudo dos nomes, próprios ou não, dos espaços que aparecem

no texto literário e este processo é usado para caracterizar o espaço e, por

extensão, a personagem que nele atua.

O narrador pode usar um topônimo real ou pode inventar um. Ao utilizar o

real, ele deixa o texto mais verossímil e, ao criar um, ele usa um efeito de

generalização, ou seja, aquela ação pode ocorrer em qualquer lugar.

Estes são os itens analisados em uma topoanálise e seus conceitos.

Na próxima parte do trabalho faremos a identificação dos mesmos elementos

no romance O Talismã.
CAPÍTULO 4

A TOPOANÁLISE DE O TALISMÃ
Como mencionado no capítulo dois, Jack Sawyer faz uma grande viagem

atravessando os Estados Unidos de costa a costa. Nessa viagem ele passa por

diversos lugares do país e também pelos Territórios, o mundo paralelo ao nosso.

Neste capítulo, analisaremos a viagem de Jack de acordo com os tópicos

teóricos de topoanálise estudados no capítulo anterior.

4.1 Os Espaços da Obra

Consideramos no romance analisado dois macroespaços: o país Estados

Unidos e o mundo paralelo a ele, denominado Territórios, sendo que em cada um

deles encontramos diversos microespaços muito importantes para a obra e que

serão analisados a partir de agora.

a) Hotel Alhambra: É o lugar onde Jack e sua mãe, Lily, refugiam-se, fugindo

de Morgan Sloat, sócio de seu falecido pai. Apesar de ser um hotel grande, no

período em que as personagens se encontram lá, ele parece mais com um hotel mal

assombrado, pois a temporada de férias já passou e a cidade está quase vazia.

O hotel é importante por ser o refúgio das personagens, mas os apartamentos

em que se hospedam refletem bem o estado psicológico em que se encontram,

principalmente, o quarto de Lily. Ela está doente, sente-se muito cansada, abatida e

depois que Jack parte, deixa de se preocupar em manter uma boa aparência para

não preocupá-lo, deixando de se importar também com a organização dos

apartamentos e, principalmente, do seu quarto, indicando assim sua decadência.


b) Funworld – Parque de diversões: Fica próximo ao hotel Alhambra e é lá

que Jack conhece Speedy Parker e também recebe a notícia de que pode salvar sua

mãe, sendo preciso para isso fazer uma viagem de volta à Califórnia para pegar um

talismã.

O parque propiciou a Jack sua primeira passagem aos Territórios, para tomar

conhecimento de como era o mundo por onde viajaria.

[...]Saíram pelo outro lado do cercado (do carrossel) e desceram um dos


caminhos desertos do parque de diversões. À esquerda ficava o Trem
Fantasma, agora fechado com persianas arriadas. À direita, havia uma série
de galpões, todos fechados: o jogo de argolas, o bar Famous Píer Pizza &
Dough-Boys, o tiro ao alvo (...) Chegaram ao largo caminho central, que era
chamado de Avenida do Cais, numa vaga imitação de Atlantic City (Arcádia
Funworld tinha um píer, não um verdadeiro cais). O pátio estava agora 100
metros à esquerda deles e o arco que marcava a entrada do Arcádia
Funworld cerca de 200 metros à direita. [...] (KING, 2000, p. 44)

c) Territórios: É um mundo paralelo ao nosso, que Jack descobre através de

um suco mágico que Speedy oferece para ele. De certa forma, Jack já conhecia

esse mundo, pois havia ouvido seu pai e Morgan Sloat falarem sobre o assunto, mas

o considerava como sonho de olhos abertos, pois era um lugar muito diferente do

que vivia. Podemos comparar os Territórios com o período medieval do nosso

mundo, os principais meios de transporte eram carroças e cavalos e é governado

por uma rainha, por outro lado, existem muitas coisas diferentes por lá, como lobos

que são pastores e os animais do rebanho não se parecem com os animais que

conhecemos.

[...] O oceano é de um azul mais exuberante, o azul mais autêntico que Jack
já vira. Por um instante, ficou paralisado, a brisa do mar lhe agitando o
cabelo, os olhos fixos na linha do horizonte, onde aquele oceano índigo se
unia ao algodão desbotado do céu. A linha do horizonte mostrava uma
débil, mas inequívoca curvatura. Ele balançou a cabeça, franzindo a testa, e
virou-se para outro lado. Plantas marinhas, altas, selvagens, emaranhadas,
espalhavam-se pelo promontório onde, um minuto antes, erguia-se o
cercado do carrossel. O píer também desaparecera; em seu lugar, uma
série de rochas de granito corriam para o oceano. As ondas atingiam a base
das rochas e penetravam em fendas e grutas circulares com um enorme e
cavernoso estrondo. Espuma branca como claras de ovos batidas erguiam-
se no ar e eram sopradas pelo vento. (...) Um rústico caminho de carro de
bois descia do topo do promontório (do ponto em que, na sua mente insistia
chamar de “mundo real”, se situava um galpão do parque). (...) Parou um
pouco à frente das amoras silvestres para olhar o sol, que parecia um tanto
menor, ainda que mais ardente que no outro mundo, e não tinha uma
aparência ligeiramente alaranjada, como naquelas velhas gravuras
medievais? Jack pensou que sim.[...] (KING, 2000, p. 46)

d) Túnel da Estrada da Moenda: Jack saiu de New Hampshire seguindo a

estrada para oeste, caminhando ou de carona em algum carro. Quando seguia para

a cidade de Oatley pela estrada da Moenda, Jack se deparou com um trecho mais

escuro e úmido, que era um túnel formado por árvores inclinadas na sua abertura e

era cercado por uma esteira de hera. Enquanto atravessava esse trecho, ouviu

barulhos que às vezes pareciam resmungos, outros rosnados de cães e também

passos, mas não conseguiu descobrir se era uma pessoa ou algum animal que

também passava por ali naquele momento.

Podemos dizer que esse túnel funciona como representante do sentimento de

medo que Jack ainda estava sentindo com sua viagem e também a preocupação

com sua mãe, pois além de ele tê-la deixado doente no hotel Alhambra, sempre

ouvia vozes dizendo que ela estava morta. Esse medo também era proveniente da

falta de conhecimento que o menino tinha do que ia encontrar pelo caminho, afinal

de contas, a única coisa que ele sabia era que precisava do talismã e que devia ter

cuidado no caminho.

[...] Frio, úmido, com cheiro de barro, o túnel deu-lhe a sensação de ter se
aberto um pouco mais apenas para o devorar. Pois agora a vegetação
parecia fechar-se ao seu redor (...) De repente alguma coisa roço pelo chão
e Jack parou assustado. Bem, podia ser um rato... Ou quem sabe um
coelho cortando caminho por ali! O problema é que a coisa parecia um tanto
maior que um rato ou em coelho. (...) Parou de novo, ouvindo um som
breve, abafado. Como um cacarejo ligeiramente áspero saltando da
escuridão. E logo sentiu um cheiro familiar, mas de difícil identificação: um
cheiro forte, grosseiro, penetrante, que parecia deslizar pelo interior do
túnel. [...] (KING, 2000, p. 104)
e) Taberna Oatley – A taberna era um lugar freqüentado pelos moradores da

cidade de Oatley, principalmente os trabalhadores das empresas têxteis e de

borracha que lotavam o estabelecimento toda quinta e sexta logo ao fim do

expediente.

Jack trabalhou na taberna ajudando a levar os barris de cerveja do depósito

para o bar, tomando conta da limpeza do lugar e outros serviços pesados para um

adolescente. Em troca, Jack tinha um lugar para dormir, comida e ainda recebia um

pouco de dinheiro e, como ele precisava bastante desse último para poder seguir

viagem, submeteu-se a estes tipos de serviço.

Foram alguns dias trabalhando lá e Jack já estava pensando em fugir, pois

estava cansado daquele tipo de tortura, e algumas coisas estranhas começaram a

acontecer, entre elas, o primeiro encontro de Jack com o mal na forma da “coisa”

Elroy, um lobisomem que trabalhava para Morgan Sloat e tinha como objetivo

capturar o menino ou matá-lo.

[...] A Taberna Oatley parecia escura, sombria, sem vivalma quando Jack
atravessou pela primeira vez o umbral d aporta. Os fios da vitrola
automática, da máquina de fliperama e do jogo dos Invasores do Espaço
estavam fora das tomadas. A única luz que havia no salão vinha do anúncio
da Cerveja Busch sobre o balcão: a marca em néon entre dois picos de
montanha (sob eles havia um relógio digital, parecendo o mais estranho
OVNI jamais imaginado). (...) à meia-noite e meia da madrugada de sábado,
passando um pano de chão no banheiro dos homens, o cabelo suado
caindo nos olhos, Jack achou – isto é, teve certeza – que sem a estúpida
confiança que depositara em si mesmo não teria deixado que o alçapão da
armadilha caísse sobre ele (aquele alçapão que se fechou no momento
exato em que se sentou diante de Smokey Updike). (..) A coisa-Elroy se
aproximava rosnando, um passo oscilante e desajeitado nas patas traseiras,
as roupas escorregando para todos os lugares errados do corpo, a língua
pendendo de uma boca cheia de caninos. [...] (KING, 2000, p. 114, 115,
131)

f) Mercado nos Territórios: Quando fugiu de Elroy, Jack passou para os

territórios, como era noite, descansou um pouco e no outro dia, de manhãzinha, saiu

em busca do Mercado onde pudesse se alimentar e, quem sabe, conhecer um


pouco mais sobre o lugar. Jack passou por barracas que vendiam diferentes

produtos, comidas e também algumas que ofereciam certo tipo de distração para

crianças e adultos. Enquanto estava lá, Jack sentiu-se feliz, mas ao chegar ao fim do

mercado para retomar sua viagem teve uma sensação de melancolia muito grande e

de novo a idéia de ser um estrangeiro naquele lugar caiu sobre ele, deixando-o

desconsolado.

[...] Em toda parte parecia haver cheiro de churrasco. Viu vendedores


girarem lentamente pedaços de carne sobre brasas de carvão; viu meninos
estenderem fatias grossas de carne de porco sobre rodelas de pão caseiro
e passarem os sanduíches abertos para os fregueses.(...) Passou por um
grupo de saltimbancos, mas quase não os viu, embora a grande platéia ali
reunida (formada principalmente de mulheres e crianças) explodisse em
risos e aplausos.[...] (KING, 2000, p. 148,149)

g) O pasto onde Lobo cuidava de seu rebanho: em um momento em que Jack

voltou aos Territórios, fugindo de Sloat, ele caiu no meio de um rebanho que era

conduzido por um jovem muito grande, que, para surpresa de Jack, usava um

macacão com uma espécie de babadouro no peito. O rapaz virou-se para Jack, que

levou um enorme susto ao, se deparar com uma figura parecida com Elroy, mas

que, para seu alívio, era muito amigável. Naquele pasto, Jack sentiu-se muito bem,

pois encontrou em Lobo um amigo e ouviu várias coisas relacionadas a seu pai e,

também, à vida nos Territórios, porém, toda essa paz que os novos amigos

compartilhavam foi quebrada pela chegada de Sloat de forma brusca: ele ia

acabando com tudo que estava ao seu redor. Para escapar de Sloat, os amigos

pularam na água e mantiveram-se ali até que Sloat resolveu atacá-los e Jack voltou

aos Estados Unidos, trazendo consigo o novo amigo Lobo.

[...] Lobo falava de muitas coisas, levantando-se de vez em quando para


afastar o gado da estrada e uma vez para levá-lo até um riacho, cerca de
um quilômetro a oeste. Quando Jack perguntou onde ele morava, Lobo
limitou-se a inclinar vagamente o braço pra o norte. Morava, disse, com a
família. Quando, alguns minutos mais tarde, Jack pediu maiores
esclarecimentos, Lobo explicou que não tinha mulher nem filhos, e que só
entraria no que chamou de “grande cio lunar” daí a um ou dois anos. Mas o
sorriso inocente sensual que se espelhou em seu rosto deixou bem claro
que aguardava com ansiedade pelo “grande cio lunar”.[...] (KING, 2000, p.
187)

[...] O som de algo rasgando continuou aumentando. Lobo estava de joelhos


na margem do riacho, tentando ajudar um segundo animal caído a ficar de
pé. O primeiro flutuava molemente rio abaixo, o corpo arranhado, mutilado.
(...) O trovão deu origem a um completo pânico no rebanho de Lobo. Os
animais tentaram fugir, mas de uma forma absolutamente irracional, uns
avançando, outros recuando.(...) A quina da parede do banheiro despontava
no lado esquerdo daquele ruidoso, ondulante trecho de ar. O capô do que
lembrava um utilitário Chevrolet aparecia à direita, flutuando um metro
acima do campo onde ele e Lobo, há menos de cinco minutos, estavam
sentados, conversando tranqüilamente. E no centro do painel, lembrando
um figurante num filme sobre a conquista co Pólo Sul pelo Almirante Byrd,
lá estava Morgan Sloat, o rosto gordo e vermelho repuxado por uma raiva
homicida. [...] (KING, 2000, p. 190, 191)

h) Depósito de lenha: Nos Estados Unidos, Jack e Lobo passaram por vários

lugares e, no período da lua cheia, época em que os lobinos (como era chamado

grupo dos lobos) passavam por transformação tornando-se agressivos, Lobo pediu

para que Jack ficasse trancado dentro de um depósito de lenha, esperando que o

período passasse, pois, do contrário, poderia ser atacado e morto por ele, e isso era

uma coisa que não poderia acontecer, senão Lobo seria amaldiçoado. Lobo explicou

a Jack que isso estava escrito no Livro da boa lavoura, que era uma espécie de

Bíblia dos Territórios, e que, todo mês, nessa época, o rebanho deveria ser trancado

no celeiro para não ser morto por seu pastor, e agora o rebanho de Lobo era Jack.

No período em que esperava por Lobo, Jack ficou ansioso, pensando no que

poderia acontecer a ele e principalmente a Lobo, que estava em um mundo

totalmente diferente daquele que estava acostumado e se fosse visto por alguém

correria sério risco de ser caçado.

i) Casa do Sol: Jack e Lobo foram pegos pela polícia de Cyuga, Illinois, e

levados até o juiz da cidade, que decretou que eles fossem levados para um lugar

chamado “Casa do Sol”, que abrigava meninos que fugiam de casa e eram pegos

pela policia e, também, alguns que os próprios pais mandavam para lá. Sunlight
Gardener era responsável por essa casa, e ele tinha um duplo, Osmond, nos

Territórios que trabalhava para Sloat. Nessa casa, todos os meninos trabalhavam e

participavam de cultos religiosos, e sempre que alguém fazia alguma coisa errada

era trancado em uma caixa até se arrepender do que havia feito. Jack e Lobo

passaram um bom tempo, a contragosto do último, que enfraquecia lentamente a

cada dia passado lá dentro, sendo ele também a levar castigos e ficar confinado na

caixa até que Jack revelasse o que Gardener queria saber. Foram várias semanas

na Casa do Sol, até que os amigos tentaram uma travessia para os Territórios e

conseguiram, mas o lugar para onde foram era pior do que a casa e eles voltaram,

mas foram pegos e Lobo foi mandado de novo para a caixa. Mas a sua

transformação ocorreu e ele conseguiu escapar, indo atrás de Jack que estava

sendo torturado por Gardener, para revelar que já esteve nos Territórios e tudo que

sabia sobre o assunto. Esta é, talvez, a passagem mais triste da viagem de Jack,

pois enquanto Lobo tenta salvar Jack, o amigo acaba sendo morto por um dos

ajudantes de Gardener.

[...] Lobo arremessou Warwick. Warwick cortou o ar com a maior facilidade e


atingiu Singer nas costas no momento exato em que ele atirava. A bala saiu
ricocheteando pelo gabinete e acabou se alojando num dos gravadores do
estúdio de som. A estridente declamação de Sunlight Gardener cessou. Um
rumor oco e grave de feedback começou a sair dos alto-falantes. Rosnando,
cambaleando, Lobo avançou para Singer. Singer apontou o 45 e puxou o
gatilho. Houve um estalido seco, inofensivo. (...) Lobo torceu o braço de
Singer. Houve um som de algo rasgando, o som de uma coxa de galinha
sendo arrancada do frango assado por uma criança endiabrada.
Subitamente, todo o braço de Singer jazia separado do corpo na grande
pata dianteira de Lobo. Singer oscilou, o sangue brotando aos borbotões de
seu ombro. Jack viu uma branca e úmida saliência de osso. (...) Quando ele
se virou de novo, Lobo se sacudia no meio do matadouro em que o
gabinete de Gardener se transformara. Seus olhos se derretiam num
amarelo pálido, como velas que se apagam. Alguma coisa estava
acontecendo no rosto, nos braços e pernas do amigo – ele estava se
tornando outra vez o velho Lobo, oh, Lobo... E então Jack compreendeu
plenamente o que aquilo significava. As velhas lendas mentiam ao dizer que
apenas balas de prata podiam destruir um lobisomem, mas, ao que parecia,
sobre certas coisas elas não mentiam. A metamorfose de Lobo estava
cessando porque ele ia morrer. [...] (KING, 2000, p. 291, 292)
j) Colégio Thayer: após perder o amigo Lobo, Jack decide ir procurar Richard

Sloat, seu amigo e filho de Morgan Sloat. Richard recebe Jack e escuta sua história

sem dar credibilidade ao ocorrido, e dizendo a Jack que ele está cansado e

provavelmente isso está afetando sua mente, fazendo-o imaginar que passou por

aquelas situações e que ele deve ir pra casa, mas mesmo assim abriga o amigo e

consegue um pouco de comida para ele, deixando Jack sozinho no quarto para ir a

uma aula. Quando volta, diz a Jack que aconteceram coisas estranhas na aula, mas

no fim do dia, coisas piores começam a acontecer: os lobos de Sloat atacam o

colégio atrás de Jack, mandando que Richard o entregue. Os dois ficam escondidos

muito tempo, principalmente porque Richard não quer acreditar que aquilo tudo está

acontecendo, até que eles conseguem atingir um velho depósito do colégio que,

segundo Richard, antes da fundação do colégio, era um posto de fronteira e de lá

atravessam para os Territórios.

[...] O Depósito era o ponto-chave, era o ponto-chave porque fora um dos


três ou quatro maiores entrepostos ferroviários da América; era o ponto-
chave porque Andrew Thayer percebera o potencial do lugar e agora Jack,
Jack Sawyer também percebia esse mesmo potencial. Tudo isso, é claro,
não passava de intuição, mas Jack começava a acreditar que em certos
assuntos delicados, só podia confiar na intuição. (...) Subitamente aquela
sensação de horror e desespero estalou como um ovo choco e seu cérebro
foi inundado de uma claridade e de uma atmosfera suave, doce; um ar tão
puro que se poderia sentir o cheiro do rabanete que um homem tirasse de
seu jardim a um quilometro de distância.(...) Foi assim que, no meio de uma
fuga desesperada pelo pátio em decomposição do Colégio Thayer, entre o
ranger de sinos estridentes, o rosnar dos cães, o uivo dos lobos, Jack
Sawyer atravessou de novo para os Territórios. E dessa vez levava consigo
o filho de Morgan Sloat.[...] (KING, 2000, p. 334)

l) Terras Secas: É uma área que faz parte dos Territórios e que guardam

coisas monstruosas como bolas de fogo que rolam pelas colinas e clareiras áridas,

deixando rastros escuros atrás delas, árvores negras, vales escuros, seres

rastejantes e outros de aparência estranha, como se tivessem sofrido algum tipo de

radiação que os deformou. Os dias que Jack e Richard passaram pelas Terras

Secas foram de grande tensão, preocupação e medo, principalmente para Jack que
tinha de tomar conta do trem em que estavam e de Richard, que dizia estar com

algum tipo de doença grave para não presenciar, ou melhor, para fugir daquela

realidade que ele tinha medo e não queria acreditar que estava acontecendo.

[...] O próprio solo tinha se alterado, tornando-se muito mais arenoso. Duas
vezes os paredões dos vales se fecharam sobre os trilhos, e tudo o que
Jack pôde ver de ambos os lados do trem foram penhascos avermelhados,
cobertos de plantas rastejantes. De vez em quando, via algum animal
correndo para se esconder, mas a luz era demasiado fraca, e o animal
demasiado rápido para poder ser identificado. Jack, porém, teve a estranha
sensação de que se o animal ficasse imóvel no meio da Rodeo Drive ao
meio-dia em ponto, ele ainda era seria incapaz de identificá-lo. (...) O odor
de flores há muito apodrecidas impregnava a terra; e, como no caso de
Osmod, havia sob esse cheiro um odor mais forte e denso.[...] (KING, 2000,
p. 364)

[...] Sob o luar, a região parecera um vasto deserto, embora um deserto


salpicado de algumas árvores. Agora Jack percebia que o “deserto”
absolutamente não existia. O que confundira com uma variedade
avermelhada de areia não passava de solo muito fofo, poeirento. (...) O
terreno estendia-se por quilômetros e quilômetros de ambos os lados da via
férrea, salpicado aqui e ali com um mato amarelado, corroído, brilhante
como urina ou pintura nova. Se não fosse pela hedionda coloração da relva,
aquelas áreas de terreno lembrariam oásis, pois estavam situadas ao lado
de um pequeno lago redondo. A água era escura, com manchas de óleo
flutuando na superfície. E parecia extremamente densa; como tudo o mais,
também fora contaminada.[...] (KING, 2000, p. 367)

m) Hotel Agincourt (Hotel Negro): Ao chegar na Califórnia, Jack tem de

encontrar o Hotel Negro, o lugar onde o talismã é mantido, e Richard é quem dá as

coordenadas para a chegada no hotel, dizendo que ele fica em Point Venuti, pois já

esteve lá perto com o pai e lembra que ele tinha muita fascinação e também medo

do hotel. Era uma construção grande e assustadora, com torreões, cumeeiras,

ameias, cúpulas e torres; cata-ventos de metal de formas estranhas, e era feito de

madeira, mas parecia ter sido feito de pedras negras. Quando entrou no hotel, Jack

teve que passar por vários obstáculos até finalmente chegar ao local onde estava o

talismã. O hotel influencia muito as ações de Jack, recebendo-as de volta e,

também, pela descrição de alguns cômodos do hotel, podemos prever que outra

ação de mesma ou maior intensidade irá ocorrer.


[...] O hotel dominava a paisagem, isto era óbvio. O hotel negro dominava
Point Venuti, a atmosfera, o solo da cidade. Olhando-o de frente, Jack viu
os cata-ventos rodopiando nas mais absurdas direções, os torreões e
ameias elevando-se como grandes verrugas no ar cinzento. O Agincourt
parecia feito de pedra (pedra de mil anos atrás, preta como carvão). Numa
das janelas superiores, uma luz subitamente faiscou. Para Jack foi como se
o hotel estivesse piscando para ele, regozijando-se secretamente de, enfim,
descobri-lo tão perto. Um vulto pareceu deslizar pela janela: um segundo
depois, o reflexo de uma nuvem também resvalou pelo vidro. [...] (KING,
2000, p. 413)

Nosso herói passou por vários outros lugares como o Palácio da Rainha

Laura DeLossian, onde pôde vê-la e constatar a semelhança entre ela e sua mãe; o

Buckeye mall, shopping, onde um garoto local quis brigar com ele e também

encontrou um negro, cego e que o fez lembrar de Speedy e tudo que ele havia

ensinado; uma rodoviária próxima à fronteira de Ohio e Indiana, onde viu Sloat;

enquanto estava com Lobo, antes de irem para a Casa do Sol, os dois estiveram em

um cinema e também em uma lanchonete, onde as pessoas assustaram-se com

Lobo, o Posto da Fronteira em Ellis-Breaks, de onde partiram no trem rumo às

Terras Secas e muitos outros.

4.2 Coordenadas espaciais

Segundo as coordenadas espaciais, podemos dizer que no romance

encontramos a lateralidade, ou seja, direito e esquerdo.

Relacionamos o lado direito com o leste, lado onde o sol nasce, indicando o

dia, e coisas positivas.

Já o lado esquerdo, ou oeste, está relacionado ao pôr-do-sol, que nos remete

à escuridão, perigos e coisas más.

A partir dessa relação podemos concluir que Jack tinha que seguir em direção

ao mal (oeste) para buscar um bem que salvaria sua mãe, o duplo dela, e outras
pessoas, mas para isso seria preciso superar todos os obstáculos e malefícios

encontrados no caminho. Depois de cumprido seu objetivo Jack faria uma viagem e

poderia enfim, ficar junto da mãe.

4.3 Espacialização

A espacialização na narrativa é franca, toda feita pelo narrador, que não

participa da história, mesmo quando este transmite as impressões da personagem

sobre alguma paisagem, ambiente, ou construção.

Podemos também considerá-la como abundante, pois os espaços são

descritos com grande riqueza de informações. Quanto a ser minuciosa ou

panorâmica, concluímos que a narrativa apresenta os dois pontos, variando do local

e da impressão que o narrador quer causar nos leitores.

4.4 Gradientes Sensoriais

Durante a narrativa podemos perceber que o narrador utiliza os vários

sentidos das personagens para transmitir ao leitor as sensações que elas têm sobre

o espaço e sobre tudo ao seu redor. Veremos alguns exemplos utilizados pelo

narrador para cada um dos sentidos.

4.4.1 Visão

A visão é o principal meio que as personagens têm para se situarem no

espaço e perceberem o perigo que as cercam. Neste romance não é diferente: o

narrador começa a narrativa descrevendo a visão de Jack, que está na praia em

frente ao hotel Alhambra. E também um pouco mais à frente, quando Jack encontra-
se com uma gaivota e tem a sensação de que ela está olhando pra ele e analisando-

o.

É interessante também ressaltar que a visão das personagens nos Territórios

e nos Estados Unidos é diferente. Temos como exemplo desse fato a personagem

Lobo, habitante dos Territórios que, ao passar aos Estados Unidos, aparece usando

óculos, e quando é questionado sobre sua visão por Jack diz que realmente está

enxergando melhor do que nos Territórios sem “olhos de vidro”(KING, 2000, P. 195).

4.4.2 Audição

Esse sentido começa também a ser utilizado desde os primeiros capítulos da

narrativa, quando Jack sentado em um banco da praia vê um redemoinho de areia e

começa a ouvir um som saindo de lá, deixando-o assustado.

Assim como a visão, nos Territórios a audição também é mais bem

desenvolvida. Percebemos esse fato nas passagens em que Jack, pela primeira vez

nos Territórios, ouve a diligência de Sloat chegando, e quando ele e Lobo estão no

lago e Sloat o atravessa para pegá-lo. Durante vários momentos Jack também

escuta sua mãe lhe chamando, Speedy falando com ele e, quando chega em Point

Venuti, escuta o talismã chama-lo.

Em seguida transcreveremos o primeiro trecho citado:

[...] Jack ouviu subitamente o barulho de outro veículo se aproximando, um


veículo com muitos cavalos.(...) O barulho que estava ouvindo agora era
radicalmente sinistro, exalando um enorme potencial de maldade. O barulho
de um carro do inferno, sem dúvida! Um carro do inferno trazendo um
demônio! Ficou paralisado no meio da estrada, quase hipnotizado, como um
coelho se deixa hipnotizar por faróis de automóvel. O som ia se tornando
cada vez mais alto: trovão de rodas e cascos, estalos de chicote e de
arreios. Já podia ouvir a voz do condutor (...) [...] (KING, 2000, p. 95)
4.4.3 Olfato

Na narrativa, as fragrâncias vão definir os mundos entre puro e impuro. Todas

as personagens que transitam entre os Territórios e os Estados Unidos percebem

que no primeiro, as fragrâncias são totalmente livres de poluição, sempre revelando

coisas boas e sensações agradáveis, tanto que em uma passagem o narrador cita

que se um rabanete é tirado da terra, a um quilômetro de distância, pode-se sentir o

cheiro dele. Enquanto no segundo, além da poluição, temos também muito cheiro de

coisas ruins acontecendo e as pessoas também cheiram como se estivessem

doentes.

A seguir transcreveremos trechos que mostram os dois lados:

[...] _Seu cheiro se modificou – Lobo respondeu com naturalidade. – Seu


cheiro me disse que ele tinha morrido. Pobre Phil! Que ótimo sujeito. Digo-
lhe isto aqui e agora, Jack! Seu pai era um ótimo sujeito! Oh, Lobo![...]
(KING, 2000, p.182)

[...] Jack sabia que para Lobo os cheiros eram o pior de tudo. Menos de
quatro horas após sua “vinda” dos Territórios, começou a chamar os
Estados Unidos de País do Mau Cheiro. Na primeira noite, vomitou meia
dúzia de vezes, a princípio só a água lamacenta do riacho que existia no
outro universo, depois um vômito seco e escuro. Eram os cheiros, ele
explicou com um ar digno de pena. Não entendia como Jack conseguia
suportá-los, como alguém podia suportá-los.[...] (KING, 2000, p. 196)

4.4.4 Paladar

O paladar é mostrado quando Jack prova o suco mágico que o leva aos

Territórios e também quando ele está lá e prova alimentos nativos, como veremos

nos trechos a seguir:

[...]Ergueu de novo a garrafa e, antes de ter tempo para pensar, bebeu. O


gosto era pior do que qualquer coisa que se pudesse imaginar. Já bebera
vinho antes, já chegara até mesmo a gostar de vinho (principalmente dos
vinhos brancos e secos que a mãe servia com carne ou peixes, como o
linguado ou o espadarte). Aquilo tinha alguma coisa a ver com vinho, mas
ao mesmo tempo era uma piada comparado a todos os vinhos que tomara.
O sabor, apesar de doce, era muito forte, péssimo. Não era um gosto de
uvas frescas, mas de uvas mortas cuja vida não fora nada boa.[...] (KING,
2000, p. 45)

[...] Jack estendeu a mão, pegou um punhado de amoras e atirou-as na


boca. Eram extremamente doces; extremamente gostosas. Sorrindo (seus
lábios tinham adquirido um nítido aspecto azulado), achando bem possível
que estivesse fora de si, pegou outro punhado de amoras... e depois um
terceiro. Nunca provara nada tão bom – embora, ele pensou mais tarde, não
se tratasse apenas das amoras; parte de sua satisfação vinha da incrível
limpidez do ar.[...] (KING, 2000, p. 46)

[...] A carne estava deliciosa. Jack devorou-a juntamente com o pão.


Depois, num ato involuntário, lambeu o molho que caíra na palma da mão.
A carne tinha gosto de carne de porco... E, no entanto, não era. Era algo
mais suculento, de sabor mais forte que o da carne de porco. Fosse lá o
que fosse, encheu o buraco de seu estômago com a absoluta eficácia. Jack
não se incomodaria de levar durante mil anos “sanduíches” daquela carne
para o lanche na escola.[...] (KING, 2000, p. 150)

4.4.5 Tato

Já para o tato, temos a passagem relacionada ao túnel de Oatley, em que

Jack percebe a umidade do mesmo e encontra a parede, procurando o fim do túnel

tateando a parede e, também, um trecho em que Jack já está dentro do hotel negro

e precisa abrir uma porta. veremos a descrição do trecho a seguir:

[...] Clarões vermelhos, como os que vira em muitos outros pontos de Point
Venuti, cintilavam, corriam por entre as partes viscosas. Por um instante os
clarões pareceram assumir estranhas formas geométricas. Jack os
contemplava, quase fascinado, como se assistisse a um espetáculo
pirotécnico. Os clarões pareciam rodopiar pelas maçanetas das portas num
insólito movimento convergente. As maçanetas começaram a brilhar como
vigas de ferro numa forja.(...) Estendeu o braço e agarrou uma das
maçanetas incandescentes. Só que não estava incandescente – tudo não
passara da mais pura ilusão. A maçaneta estava morna, só isso. Quando
Jack a fez rodar, o brilho vermelho desapareceu de todas as maçanetas. E
quando abriu a porta de vidro, o talismã cantou outra vez, fazendo todo o
seu corpo se arrepiar [...] (KING, 2000, p. 434, 435)

Através das sensações descritas, o narrador aproxima o leitor das aventuras

vividas pelas personagens, fazendo com que ele sinta-se no mesmo lugar que a

personagem em que a personagem se encontra, vivenciando todos aqueles fatos.


4.5 Fronteira

No romance podemos ver a existência de fronteiras artificiais que dividem os

Estados Unidos, dificultando a movimentação das personagens por esse espaço.

Por outro lado, nos Territórios, temos apenas fronteiras naturais, ou seja, as

dificuldades encontradas na travessia são de origem natural, da própria natureza.

Podemos considerar ainda que existe uma fronteira entre os Estados Unidos

e os Territórios, que é transposta por poucas personagens, e algumas só podem

fazer essa transposição se estiverem com outra que tem essa capacidade.

4.6 Topopatia

Em relação ao sentimento das personagens com o espaço em que vivem,

podemos perceber que alguns se sentem bem em determinado e mal em outro. Aqui

exemplificaremos algumas dessas relações de acordo com algumas personagens.

a) Jack – em relação aos Estados Unidos, podemos dizer que Jack sente

topofilia, é o lugar onde nasceu e por isso sente-se a vontade ali; aos

Territórios, também, apresentamos topofilia, pois Jack sente-se como se

estivesse em casa, como se também fosse parte daquele mundo; por outro

lado, a relação de topofobia de Jack pode ser encontrada quando ele está na

Taberna Oatley, Casa do Sol, nas Terras Secas e no Hotel Negro.

b) Lobo – topofilia em relação aos Territórios, sua terra natal, e topofobia em

qualquer lugar dos Estados Unidos, o mundo que o faz sentir-se mal só pelo

olfato.

c) Richard Sloat – nos Estados Unidos, topofilia, pois é sua terra natal, não

tendo o que temer ali; nos Territórios, topofobia, pois se recusa a acreditar
que aquilo seja real. Então, ele tem medo de tudo que pode acontecer; em

relação ao Hotel Negro Richard também tem topofobia, pois seu pai sempre

disse que o lugar era ruim.

d) Morgan Sloat – tem relação de topofilia tanto com os Estados Unidos quanto

com os Territórios, com a diferença de que ele quer se apoderar do segundo,

fazendo com que fique do jeito que ele quer e com tecnologias equivalentes

às existentes nos Estados Unidos.

Com essa análise, podemos perceber que todos os espaços encontrados na

narrativa têm sua importância para o desenvolvimento da história, para a

movimentação das personagens e principalmente para suas vidas.

No caso de Jack, Richard Sloat também passou por amadurecimento no

tempo em que passou com Jack, pois teve que encarar seus medos de infância e

também aceitar que seu pai nunca foi a boa pessoa que ele sempre imaginou que

fosse.

E para Jack, nossa personagem principal, notamos seu amadurecimento ao

longo do caminho, chegando ao final de sua jornada com pensamentos e atitudes de

um adulto, sem nenhuma característica do adolescente de 12 anos do início da

narrativa, mas com o mesmo carinho por sua mãe.


CONCLUSÃO

Com este trabalho aprendemos a análise do espaço em textos, identificando

seus itens de maior importância e a influência na vida e ações das personagens da

narrativa, e que essa influência pôde ocorrer, também, em sentido inverso, ou seja,

das personagens para o espaço.

Conhecemos também algumas curiosidades sobre os autores do romance e o

que eles acharam de escrever a narrativa, além de informações sobre como

procederam durante o processo, chegando a conclusão de que ambos acharam a

experiência proveitosa, tanto que alguns anos mais tarde resolveram repeti-la.

A parte mais importante do trabalho, entretanto, foi colocar em prática toda a

teoria aprendida sobre a topoanálise, utilizando-a para conhecer melhor o romance

O Talismã, dando aos leitores, tanto deste trabalho quanto do romance, informações

detalhadas sobre o que cada local representa e influi nas vidas das personagens,

psicologicamente e também em suas ações e tomadas de atitude.

Foi muito interessante perceber o amadurecimento da personagem principal,

Jack Sawyer ao longo da sua jornada e descobrir que ele mesmo foi responsável por

esse amadurecimento, no momento em que decidiu deixar sua mãe e ir atrás do

talismã para curá-la, mesmo sem saber se chegaria sequer na metade do caminho.
BIBLIOGRAFIA

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Unidos. São Paulo: Moderna, 1993.

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Ribeirão Gráfica e Editora, 2007.

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Revista Caderno Entre Livros. Panorama da Literatura Americana. São Paulo:

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SPIGNESI, Stephen J. O essencial Stephen King: uma classificação dos seus mais

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mundo. São Paulo: Madras, 2001.


E-REFERÊNCIAS

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http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1980> acessado em setembro de

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