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SÉRGIO FERRO, FLORESTAN FERNANDES E O DILEMA DE

COMPREENSÃO DA REALIDADE BRASILEIRA

José Rodolfo Pacheco Thiesen - zthiesen@gmail.com


Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo
Sérgio Ferro Pereira (1938), pintor, arquiteto e professor aposentado, é um nome
pouco conhecido entre os estudiosos do pensamento social brasileiro. O objetivo deste
estudo é justamente demonstrar sua contribuição diante do dilema em que se encontrava
a sociologia brasileira nas décadas de 1960 e 1970, embora todo o seu trabalho teórico
esteja voltado de fato para a arquitetura. O período em questão é de profunda crise para
todas as áreas do pensamento social brasileiro, inclusive a arquitetura. Neste campo, a
formulação teórica mais concisa era aquela que gravitava em torno da política do PCB,
partido do qual faziam parte os maiores nomes da arquitetura brasileira de então, como
Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas. Já é praticamente consenso entre os historiadores
que a política do PCB deste período esteve marcada por uma profunda defasagem
teórica, tanto de estudo do marxismo quanto de sua aplicação ao estudo da realidade
brasileira. Esta defasagem acarretava a transposição mecânica de análises formuladas
para outras realidades, tendo conseqüências sobre a formulação do partido e de seus
membros. No campo da arquitetura, por exemplo, havia crença no potencial progressista
da burguesia nacional no sentido de impulsionar um processo de industrialização da
construção civil. Sérgio Ferro irá desconstruir esta idéia através de uma análise bastante
aprofundada das condições de desenvolvimento do capitalismo no mundo e,
principalmente, no Brasil. Suas afirmações com relação ao bloco de poder dominante no
Brasil, sua formação e sua atuação, irá se assemelhar bastante às que Florestan
Fernandes iria publicar somente na década seguinte (os estudos de Sérgio Ferro são de
1969). É portanto, notável sua contribuição em um momento de crise em que mesmo os
sociólogos não conseguiram encontrar respostas concretas para o dilema da revolução
burguesa no Brasil.
Palavras-chave: arquitetura, realidade brasileira, capitalismo dependente.

Introdução

Sérgio Ferro Pereira (1938) é um nome pouco conhecido entre os estudiosos do


pensamento social brasileiro. Não por menos, seu ramo é outro: formado em arquitetura
e urbanismo em 1961 pela FAU/USP, torna-se professor na condição de assistente na
mesma faculdade no ano seguinte. Leciona no Brasil até ser preso pelo regime militar,
em dezembro de 1970. Em 1972 muda-se para a França e passa a lecionar na Escola de
Arquitetura de Grenoble. Em 2003 aposenta-se, estando hoje dedicado exclusivamente à
pintura, ofício que sempre andou em paralelo com sua dedicação à arquitetura.
2

Pretendemos com este artigo justamente evidenciar sua contribuição em um


campo que não era “oficialmente” o seu. Contribuição esta que se deu quase que “por
tabela” – como se diz popularmente –, pois foi condição sine qua non para a sua
formulação crítica em arquitetura. Ou seja, partindo da reflexão crítica em arquitetura,
teve que ir a fundo na reflexão social para poder preencher as lacunas do pensamento
crítico brasileiro sobre a produção do arquiteto.

Podemos dizer que esta passagem ocorre fundamentalmente entre 1959 (ano do
ingresso de Sérgio Ferro no Partido Comunista Brasileiro, adiante elucidaremos melhor
a importância deste fato) e 1975 (ano da publicação de sua principal obra intitulada “O
canteiro e o desenho”). Este período é marcado por uma profunda crise para o
pensamento a respeito da função social do arquiteto no Brasil – em que o grupo
Arquitetura Nova, integrado por Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, foi
protagonista no sentido de buscar respostas. Não bastasse a crise dos arquitetos, este
período também foi conturbadíssimo para o pensamento social brasileiro como um todo.
A crise dos arquitetos, na verdade, decorria diretamente da ausência de uma
clarividência sobre a situação brasileira em sua plenitude. De maneira grosseira
podemos dizer que, no movimento de buscar sanar a crise da arquitetura, Sérgio Ferro
depara-se com a crise do pensamento social e, portanto, com o desafio encontrar saídas
para ambos. Daí, portanto, a sua contribuição ímpar que buscaremos começar a
desvendar – por ser um tema deveras complexo e abrangente, mereceria um estudo bem
mais extenso – neste texto.

Para facilitar a base de análise, optamos por comparar o pensamento de Sérgio


Ferro a respeito da realidade brasileira com o de Florestan Fernandes, pois este último é
tido como o pensador social brasileiro que mais se aproximou de resolver o dilema
colocado para a nossa sociologia entre as décadas de 1960 e 1970.

Mas antes de estabelecer este nexo, teremos de conhecer minimamente as duas


crises:

A crise do pensamento social em arquitetura brasileiro

A arquitetura brasileira é famosa em todo o mundo, principalmente por sua


originalidade. Lúcio Costa, Oscar Niemeyer (o mais famoso deles), Eduardo Reidy,
Vilanova Artigas, entre muitos outros, são expoentes desta originalidade. Sérgio Ferro,
3

inclusive, explicita esta questão de maneira bastante interessante em seu texto “Brasília,
Lucio Costa e Oscar Niemeyer”, de 2003:

“Com a primeira grande guerra, a crise de 1929 que se arrasta até a


segunda, as grandes potências se esqueceram um pouco de nós,
deixaram um pouquinho mais de liberdade para cuidarmos de nós.
Surgem então projetos de desenvolvimento nacional, de formação do
país. Surgem estudos sobre o que poderíamos contar como nosso – na
economia, na antropologia, na sociologia – mas também nas artes, na
música, literatura, pintura, etc. E na arquitetura, com o Lúcio [Costa].”
(FERRO, 2006, p.306-307)

Outro fator importante para compreender um pouco do pensamento brasileiro


em arquitetura é o de que, assim como nas demais áreas, surge também uma
diferenciação entre “escola paulista” e “escola carioca”1, na qual podemos situar como
principais expoentes Lúcio e Oscar na escola carioca e Artigas na escola paulista.
Vilanova Artigas (1915-1985) possui aqui fundamental importância por sua profunda
contribuição, não só prática, mas também teórica no campo da arquitetura brasileira. O
grupo Arquitetura Nova não é uma dissidência da escola paulista, ou do pensamento de
Artigas, mas mais propriamente um aprofundamento, uma radicalização ao extremo
deste pensamento, principalmente no campo prático:

“Tenho a impressão de que o Artigas deu origem a dois movimentos


bem diferentes, apesar de formalmente parecidos. (...) Uma corrente
seguiu o Artigas no lado formal, na organização de plantas, no espaço,
no uso do concreto, e foi refinando. (...) E o nosso grupo seguiu o
Artigas na crítica política e ética que ele fazia da arquitetura anterior.
Deste modo, empregamos os mesmos elementos formais, mas os
desenvolvemos em outra direção.” (FERRO, 2006, p.261)

No entanto, no campo teórico, a radicalização do pensamento de Artigas levou o


grupo Arquitetura Nova a deparar-se com pontos em que se fez necessário negar
algumas afirmações do mestre. Antes de chegar a esta discussão precisamos acrescentar
ainda mais uma questão importante: a orientação política e a base teórica de ambos.

1
Para elucidar um pouco o tema com o ponto de vista de Sérgio Ferro (entrevista à Marlene Milan
Acayaba, em 1986): “A origem do movimento em São Paulo está relacionada com a briga de Artigas
contra a via formalista de Niemeyer. Embora respeitasse muito a Niemeyer como profissional, o Artigas
pensava arquitetura de outro modo e marcou todo esse grupo paulista. (...) Naquela época, o manifesto
de Brasília era incompreensível para nós, especialmente pela dicotomia introduzida pelo Niemeyer
quando dizia que “durante o dia no meu escritório sou arquiteto e a minha militância faço depois que
saio do escritório”. A militância na arquitetura, para Artigas e para aqueles que criou, era constante.
Qualquer risco, qualquer traço tinham uma implicação social e crítica enorme”. (FERRO, 2006, p.258)
4

A importância da entrada de Sérgio Ferro no PCB em 1959 está justamente aí.


Em todo este período Artigas – e também Niemeyer – eram militantes do PCB e era a
militância que alimentava a inquietude e a busca por uma atuação, enquanto arquitetos
ou não, comprometida socialmente. Além disso, a entrada no PCB marca também, sem
dúvida, a aproximação de Sérgio Ferro com o marxismo, muito embora haja aí uma
grande contradição à qual não poderemos nos furtar.

A trajetória do PCB foi, desde a sua criação, bastante deficitária no que tange a
um aprofundamento do estudo da realidade a ser transformada, tanto em geral (com o
estudo do marxismo), como em específico (com o estudo da realidade brasileira através
do marxismo). Anita Leocádia Prestes nos esclarece bem esta questão:

“Desde a sua fundação, o PCB estaria marcado pelas condições


históricas do país, dentre as quais merece destaque o seu atraso
econômico, social, político e cultural. O débil conhecimento do
marxismo, assim como da realidade brasileira, que o partido se
propunha a transformar, teria que conduzir seus dirigentes à cópia de
modelos e esquemas elaborados em outros países e para situações
diferentes. Era o início de toda uma tradição de acentuado
dogmatismo na elaboração da política do PCB.” (PRESTES, 1980,
p.3-4)

Artigas defendia, de acordo com a orientação política do PCB de então, a


necessidade de atuar em dois sentidos em sua arquitetura: o de reeducar a burguesia ao
projetar a casa burguesa2 (antes do golpe de 1964) e o de fazer avançar as forças
produtivas ao projetar a arquitetura com abrangência de massa 3 (posição que ganha
força após 1964).

Esta visão estava repleta do dogmatismo do PCB, que via o desenvolvimento das
forças produtivas como sempre positivo e analisava o Brasil como um país com
“relações de produção semifeudais na agricultura”4. Mais que isso, entendia que “nas
condições de nosso país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do

2
Pedro Fiori Arantes (2002) assim sintetiza este pensamento: “Artigas reinventa a casa burguesa com o
objetivo de reeducar seus moradores. Destrói os palacetes do café e restitui em seu lugar espaços de uma
„moral severa‟, que o esforço de industrialização nacional exige.”. p. 23.
3
Arantes assim sintetiza este segundo momento: “Apesar da dúvida que paira por um momento (...)
Artigas retoma a crença cega no desenvolvimento das forças produtivas, posição que defenderá nos anos
difíceis da ditadura”. p.43.
4
Extraído de um trecho da „Declaração sobre a Política do Partido Comunista Brasileiro de Março de
1958‟, citado por Anita Leocádia Prestes (1980). p. 24.
5

proletariado e de todo o povo. A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda


socialista, mas antiimperialista e antifeudal, nacional e democrática” 5. Durante todo este
período, que vai desde a criação do PCB até o momento que estamos estudando, o
partido fez diversas autocríticas com relação às suas táticas, mas nenhuma autocrítica
profunda com relação à estratégia6. Por isso Artigas, embora tenha também variado nas
táticas com relação à atuação em arquitetura, manteve-se sob o chapéu da mesma
estratégia.

Já a trajetória de Sérgio Ferro dentro do PCB foi diferente. Ferro participou da


segunda geração do famoso Seminário Marx7, que reuniu diversos intelectuais,
professores e alunos da USP, na década de 1960, para o estudo d‟O Capital. Não só por
ter sido um espaço de discussão aprofundada do marxismo, mas também pelo fato de
Sérgio Ferro ter participado justamente da segunda geração, considerada por muitos
como a mais radical e mais influenciada pelas transformações que vinha passando o
movimento comunista e de esquerda em todo o mundo – como aqueles decorrentes da
análise da revolução cultural chinesa, do triunfo da revolução cubana, etc. (na sua
maioria eram militantes dos mais diversos grupos políticos) – faz deste episódio um
fator determinante para que o grupo Arquitetura Nova pudesse chegar ao nível de
contestação crítica a que chegou.

Em 1967 Sérgio Ferro deixa o PCB junto com Carlos Marighella para entrar no
grupo de guerrilha urbana ALN (Ação Libertadora Nacional). Este grupo não chega a
elaborar uma outra estratégia para a revolução brasileira, de maneira que o
questionamento que faz da estratégia do PCB não fica muito explicitado. O grupo
centra-se mais na divergência tática perante aquela conjuntura, e isso fica bastante
evidente no lema da organização: “A ação faz a vanguarda”.

5
Idem. Grifo nosso.
6
Sobre a diferenciação entre estratégia e tática, ver: HARNECKER, Martha. Estratégia e Tática. São
Paulo: Expressão Popular, 2004.
7
Sobre a participação de Sérgio Ferro no Seminário Marx, de maneira mais detalhada, ver: ARANTES,
Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos
mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002. p.110-112.
6

Neste mesmo ano, em seu texto “Arquitetura Nova”8, Sérgio Ferro elabora
aquilo que compreende como sendo a crise a que chegaram as formulações sobre a
atuação do arquiteto (aqui exposto de maneira bastante resumida):

“Há momentos, entretanto, como no Brasil entre 1940 e 1960, em que


os sintomas de um provável desenvolvimento social, falsos ou não,
mas que foram considerados verdadeiros, estimularam uma otimista
atividade antecipadora. (...) As propostas, supostamente passíveis de
aproveitamento quase imediato, procuraram colar-se às
disponibilidades concretas do nosso meio e às carências do nosso
subdesenvolvimento. (...) Brasília marcou o apogeu e a interrupção
destas esperanças: logo freamos nossos tímidos e ilusórios avanços
sociais e atendemos ao toque militar de recolher.”

E prossegue:

Os arquitetos novos, preparados nesta tradição cuja preocupação


fundamental eram as grandes necessidades coletivas, já desde 1960
aproximadamente, no início da atual crise, sentiam o afastamento
crescente entre sua formação e expectativas e a estreiteza das tarefas
profissionais. Seus trabalhos dirigiam-se ainda para as mesmas
finalidades. Entretanto, as oportunidades de realização diminuíam,
fechavam-se as perspectivas.

Para chegar ao ponto chave da questão: “(...) aquelas propostas, apesar de não se
terem concretizado no nível em que foram pensadas, serviam, porém, para finalidades
distintas, e até opostas. (...) o impasse a que chegaram arquitetos e a prática da
profissão: sua afirmação só é possível dentro de um projeto que os compromete.”

O texto possui uma breve conclusão em que o autor deixa claro que o que lhe
move ainda são as dúvidas e que “só um trabalho coletivo de síntese, exame e
proposição, só com a colaboração dos mais variados pontos de vista é possível uma
orientação segura”9. Era evidente que este trabalho já estava em andamento e o grupo
Arquitetura Nova era o mais empenhado nesta busca.

Os estudos aprofundados do marxismo e d‟O Capital levam Sérgio Ferro até o


Livro III da principal obra de Karl Marx. De lá é que ele vai extrair os argumentos que
evidenciam a impossibilidade de avanço das forças produtivas, principalmente em um
setor como o da construção civil e ainda mais em um país satélite do capitalismo

8
FERRO, 2006. p. 47-58.
9
Ferro, 2006. p. 36.
7

mundial como o Brasil. Aparecem, portanto, as armas teóricas que irão contribuir para a
superação do dogmatismo do pensamento que até então guiou a atuação transformadora
dos arquitetos brasileiros.

É em um texto de 1969, intitulado “A produção da casa no Brasil”, esboço de “O


canteiro e o desenho”, que Sérgio Ferro vai situar todas estas questões. Seu raciocínio é
bastante preciso:

1) Descreve a casa popular autoconstruída dos bairros operários de São Paulo e


suas relações de produção. Em seguida, descreve a mansão estilo Morumbi,
a situa como mercadoria, seu uso conspícuo e sua função “tesouro”. A
descrição da mansão é bastante interessante por já situar de certa forma o
perfil do burguês brasileiro, sem nenhuma esperança no seu potencial
progressista, ao contrário do que pensava Artigas.

2) A partir da descrição dos dois extremos, Sérgio Ferro parte para a análise do
mercado de massa da habitação no Brasil. O fato de o autor situar a produção
da habitação como mercadoria, embora isso possa parecer óbvio, é central. A
partir daí ele parte para uma análise da construção civil baseada nos
capítulos XII e XIII de O Capital10, em que situa a produção da construção
civil como uma manufatura, incapaz historicamente que foi de industrializar-
se.

3) Analisa a força de trabalho e, baseado em dados do DIEESE e cálculos seus,


mostra o tamanho das taxas de exploração do trabalho (taxa de lucro e taxa
de mais-valia) de uma obra média em São Paulo.

4) As exorbitantes taxas de exploração do trabalho, que estão associadas ao fato


de a produção se dar de modo manufatureiro, levam à explicação da
compensação das taxas de lucro e da formação de uma taxa geral de lucro,
explicação contida no livro III de O Capital11.

10
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abil Cultural, col. Os Economistas, 1983, v.I, t.1. e MARX, Karl.
O Capital. Nova Cultural: São Paulo, col. Os Economistas, 1996, v.I, t.2.
11
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abil Cultural, col. Os Economistas, 1983, v.III, t.1.
8

5) A análise da queda tendencial da taxa de lucro, que resulta do crescimento


do capital constante sobre o capital variável com o desenvolvimento das
forças produtivas, evidencia a necessidade estrutural do próprio sistema de
fazer a compensação acima descrita, sendo que uma das saídas para esta
contradição é a manutenção de setores da produção em relativo “atraso”
tecnológico, garantindo assim uma baixa composição orgânica do capital, de
onde se pode extrair uma grande quantidade de mais-valia. Ou seja, mostra
que é desta sociedade a existência de setores atrasados como a construção
civil, e que isso é atualíssimo.

6) Podemos inferir que é justamente aqui, no sexto ponto deste raciocínio, que
Sérgio Ferro irá deparar-se frontalmente com a crise do pensamento social
brasileiro e dar uma saída para ele. O mecanismo de compensação da queda
tendencial da taxa de lucro está intimamente associada ao imperialismo.
Portanto, a posição brasileira dentro da economia mundial é fundamental
para se compreender este mecanismo. Diz Sérgio Ferro: “O capitalista, que
bem conhece esta tendência assustadoramente decrescente [da taxa de lucro],
manobra de vários modos para freá-la. Entre as escapatórias achadas, três são
bem conhecidas nossas: monopólios, imperialismo e manutenção de áreas
retrógradas da produção.”12. Em seguida, cita André Gunder Frank,
economista alemão que foi precursor na análise – no que se aproxima
bastante das teses de desenvolvimento desigual e combinado de Lênin e
Trotski – do subdesenvolvimento da América Latina como parte
indissociável do desenvolvimento do capitalismo mundial.13

12
Ferro, 2006. p.98.
13
Cabe aqui adiantar uma convergência fundamental com as conclusões a que chegaria Florestan
Fernandes em 1975 – as quais veremos mais detalhadamente a seguir – inclusive para compreender
melhor este mecanismo: “(...)como ocorreu com o capitalismo competitivo, o capitalismo monopolista
terá de adaptar-se para coexistir com uma variedade de formas econômicas persistentes, algumas
capitalistas, outras extra-capitalistas. Não poderá eliminá-las por completo, pela simples razão de que
elas são funcionais para o êxito do padrão capitalista-monopolista de desenvolvimento econômico na
periferia. Em outras palavras, para se aninhar e crescer nas economias capitalistas periféricas, este
padrão de desenvolvimento capitalista tem de satelitizar formas econômicas variavelmente “modernas”,
“antigas” e “arcaicas”, que persistiram ao desenvolvimento anterior da economia competitiva, do
mercado capitalista da fase neo-colonial e da economia colonial. Tais formas econômicas operam, em
relação ao desenvolvimento capitalista-monopolista, como fontes de acumulação originária de capital.
Delas são extraídos, portanto, parte do excedente econômico que financia a modernização econômica
tecnológica e institucional requerida pela irrupção do capitalismo monopolista, e outros recursos
9

Antes de chegar a este nexo, precisaremos saber em que situação se encontrava o


pensamento social brasileiro de então.

A crise do pensamento social brasileiro

Se a crise da função social do arquiteto durante o período que vai de 1959 à


1975 é profunda, a do pensamento social brasileiro como um todo é ainda mais. Esta
crise é, na verdade, uma crise política do país, que faz com que se torne necessário
buscar explicações, também políticas. Estas explicações surgem tanto à direita
(buscando saídas que garantam a manutenção da ordem vigente) quanto à esquerda
(buscando transformações que podem se dar dentro da ordem ou contra ela) no campo
político.

A busca por explicações científicas para os movimentos da sociedade implica na


formulação de teorias. Por isso mesmo a história do pensamento social brasileiro nunca
esteve desligada de sua história política. Assim como os arquitetos Artigas, Niemeyer,
Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre, etc., também os pensadores sociais Sérgio Buarque de
Holanda, Florestan Fernandes, Caio Prado Jr., Guerreiro Ramos, e tantos outros,
tiveram militância política antes, depois, ou em paralelo às suas principais formulações
teóricas.

Voltando com mais atenção à citação de Anita Leocádia Prestes que fizemos
anteriormente (“Desde a sua fundação, o PCB estaria marcado pelas condições
históricas do país, dentre as quais merece destaque o seu atraso econômico, social,
político e cultural”), percebemos que o dogmatismo e a cópia de modelos prontos
vindos de fora e pensados para outra realidade não era um caso isolado do PCB, era
algo associado às condições históricas do país. Para se ter uma idéia, as primeiras
reflexões sobre urbanismo no Brasil chegaram aqui e começaram mesmo a ser
desenvolvidas como continuidade daquelas formuladas na Europa antes mesmo de o
país se urbanizar14(!). Assim foi em diversas áreas do pensamento no Brasil, inclusive
na sociologia.

materiais ou humanos, sem os quais essa modernização seria inconcebível”. FERNANDES, 1975. p.269-
270
14
Esta questão é bem destrinchada por Maria Elaine Kohlsdorf: “Aqui também a industrialização,
embora retardada, impulsionou a urbanização, como fórmula de organização do território indispensável
10

Na sociologia, entretanto, o processo tem bastantes semelhanças com o que se


passou em arquitetura. Os primeiro ensaístas críticos que se propuseram a buscar um
retrato do Brasil a partir da miscigenação do povo, ou seja, como algo que não é nem
europeu, nem índio, nem africano, mas sim uma fusão de diferentes culturas, são
inclusive contemporâneos dos primeiros arquitetos a buscar um desenho propriamente
brasileiro, como Lucio Costa. As experiências ensaístas de Gilberto Freyre e Sérgio
Buarque de Holanda são inegáveis contribuições neste sentido, apesar de que hoje
podemos analisá-las de maneira mais crítica, percebendo como ainda não rompiam a
barreira de enxergar o país como fechado em si mesmo. Mais tarde, a sociologia ganha
novo impulso com o desenvolvimento de pesquisas mais científicas a respeito da
realidade brasileira. Estes estudos – que se iniciam no campo das comunidades
indígenas e da condição do negro, processo no qual Florestan Fernandes participa
ativamente – já começam a problematizar as conclusões de Gilberto Freyre, enxergando
o país não mais como uma democracia racial, ou social.

Todo este florescimento, que passa por outros nomes, como Manoel Bomfim,
Guerreiro Ramos, Caio Prado Jr., etc. ainda faz parte daquele período de 1940 (e mesmo
antes) a 1960 que Sérgio Ferro havia situado. O Brasil construía de fato um acúmulo
teórico a respeito de sua própria realidade. No entanto, não havia ainda aparecido por
aqui uma teoria capaz de situar o país dentro do contexto mundial, qual o seu papel
neste jogo e quais as forças internas e externas que poderiam disputar de fato uma
transformação estrutural da sociedade. Em países com realidades próximas à nossa a

à realização das relações de produção capitalista; coerentemente, existe toda uma preocupação das
sociedades urbanas quanto às características daquele processo, com a finalidade de se perpetuarem e se
consolidarem. Investigar sobre a questão urbana e, mais tarde, defini-la em sua problemática significa
tomar consciência de pontos frágeis nesta estrutura de relações, e isto com a função de procurar
soluções que restabeleçam o equilíbrio (ainda que o seja de contradições) reprodutor das relações
sociais, culturais e de produção. A definição deste quadro teórico no caso brasileiro possui, como
primeira especificidade, a própria dependência acadêmica; esta faz com que as diversas tendências no
pensamento urbanístico, e depois no planejamento urbano, vinculem-se como efeito quase sempre
retardado do que se propunha na Europa e nos EUA. Outra especificidade é que, no Brasil, o urbanismo
antecede ao processo de urbanização como forma irreversível devido à natureza dos vínculos que ligam
o país à constelação mundial. (...) Por detrás de tais expressões, existe a mesma ideologia que interpreta
a cidade industrial de forma idealista, considerando-a como a única maneira de promover o
desenvolvimento e, em última instância, fazendo-se a apologia da técnica. Igualmente, o urbanismo
brasileiro não é crítico, é especializado e não questiona a cidade como um processo social; limita-se
quase que somente a uma prática sobre princípios e técnicas de projeto à escala urbana, desenvolvidos
nos países industrializados.” KOHLSDORF, Maria Elaine. Breve histórico do espaço urbano como
campo disciplinar. In: FARRET, Ricardo L. O espaço da cidade. São Paulo: Projeto, 1985.
11

coisa já ia mais avançada, como no Peru, onde no final da década de 20 (do século XX)
Mariátegui15 já problematizava profundamente as análises sobre a realidade latino-
americana transpostas mecanicamente de outras realidades.

Neste período, a conjuntura internacional mudava com rapidez, a revolução


cubana despertou a mais profunda ira do imperialismo norte-americano com relação aos
processos revolucionários em gestação na América Latina. Quando a história provoca
uma reviravolta e, em 1964, fica clara (mas não para todos) a fusão de interesses
externos e internos para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil sem qualquer
participação popular, o pensamento social brasileiro não terá uma resposta.

Prova disso é a imensa confusão que aparece na formulação de um dos


principais teóricos brasileiros logo após o golpe. Caio Prado Jr., que tanto contribuiu
para a análise concreta da realidade brasileira, realizando os primeiros estudos históricos
críticos e fundados no marxismo (embora um marxismo discutível, por muitos
considerado deveras aquém do método materialista histórico dialético) de nossa história,
irá declarar, no fechamento de seu texto “A revolução brasileira”16, de 1966, que:
“Trata-se, pois, em primeiro lugar, nesta nova fase em que nos encontramos, de
reconsiderar atentamente, e sem convicções e atitudes preconcebidas, as circunstâncias
em que se processa a evolução histórica, social e econômica de nosso país” 17, e adiante:
“devemos antes começar pela apreciação crítica das concepções teóricas até hoje
consagradas e que, de maneira tão lamentavelmente errada, vêm inspirando as forças
políticas renovadoras de nosso país”18. Ou seja, não há resposta, há apenas a certeza de
que até então se havia errado nas análises. Ao longo do texto, Caio Prado relativiza tudo
quanto era certeza que até então havia surgido, numa busca desenfreada por encontrar
os erros. O trecho a seguir talvez seja um dos mais dramáticos: “Referimo-nos em
particular, e sobretudo, à indagação acerca da „natureza‟ ou „tipo‟ de revolução que se
trata de realizar. Será „socialista‟ ou „democrático-burguesa‟, ou outra qualquer?

15
José Carlos Mariátegui La Chira (1894 - 1930), foi um escritor, sociólogo e político socialista peruano.
Sua obra mais conhecida é “7 ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana”
16
PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. In: PRADO JR., Caio e FERNANDES, Florestan.
Clássicos sobre a revolução brasileira. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p.25-53.
17
Idem, p.53.
18
Idem.
12

Indagação como esta situa desde logo mal a questão e de maneira insolúvel na prática,
pois a resposta somente se poderá inspirar – uma vez que lhe falta outra premissa mais
objetiva e concreta – em convicções predeterminadas e de ordem puramente doutrinária
e apriorística”19.

Só o que poderia explicar o golpe, assim como diversos outros episódios da


história brasileira, seria encontrar os nexos entre os interesses políticos e econômicos
internos e externos que possuíam peso sobre as decisões determinantes para o rumo do
país. Até então, enxergava-se o problema brasileiro – numa análise bastante simplista –
como decorrente das ações do imperialismo, ou de sua classe dominante pré-capitalista,
retrógrada e anti-democrática. Como se pudesse haver outra burguesia, genuinamente
brasileira, capaz de destituir o poder de ambos e levar o desenvolvimento do capitalismo
por uma via mais democrática.

Como o golpe foi de fato um “toque militar de recolher”, a tarefa de buscar estes
nexos teve de ser efetuada fora do país. Assim como “O canteiro e o desenho”, de
Sérgio Ferro, foi concluído em 1975 na França, foi também no exílio e no mesmo ano
que Florestan Fernandes conclui seu estudo “A revolução burguesa no Brasil”. Esta é,
sem dúvida e até hoje, a obra mais capaz de compreender como se deu o processo
brasileiro de passagem ao capitalismo e quais as suas decorrências. Em suma, cabe dizer
que se forma no Brasil uma autocracia burguesa, forma de estado destinada a manter a
estabilidade para assegurar o desenvolvimento de um capitalismo dependente e satélite.
Este poder, que no processo de sua formação precisa lidar com as contradições de sua
heterogeneidade interna (pois é uma burguesia nascida também das oligarquias
agrárias), não pode admitir qualquer pressão vinda dos “de baixo”, mantendo sua forma
autoritária.

O nexo entre Sérgio Ferro e Florestan Fernandes

Em 1984, já de volta ao Brasil, Florestan Fernandes publica um artigo na Folha


de São Paulo para tratar dos quinze anos da morte de Carlos Marighella 20. Marighella e
Sérgio Ferro, como já vimos, foram bastante próximos, saíram juntos do PCB para

19
Idem, p.31.
20
FERNANDES, Florestan. A chama que não se apaga. In: FERNANDES, Florestan. Que tipo de
República? 2ª ed. São Paulo: Globo, 2007.
13

empenhar-se na luta armada contra a ditadura e pela revolução socialista. Neste artigo
Florestan situa a importância do guerrilheiro para a contestação do pensamento
dogmático na nossa esquerda: “O que qualifica e distingue as posições assumidas por
Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o
Partido Comunista do pólo proletário da luta de classes, convertendo-o em „cauda‟
permanente e em esquerda da burguesia”. E em seguida:

O seu marxismo-leninismo ficou muito mais próximo da intenção que


da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não o impediu de
encontrar, através da prioridade política e da acumulação de uma vasta
experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades
do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só
descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar.
(FERNANDES, 2007, p. 277)

Vimos que o marxismo de Sérgio Ferro o levou, sem dúvida, a uma elaboração
teórica e prática conseqüente. Por isso Sérgio Ferro vai para além de Marighella e
consegue transpor a barreira teórica que o marxismo acadêmico só iria (se é que iria)
transpor “tarde demais”.

Embora Florestan e Ferro não sejam o que se pode chamar de contemporâneos


(um, nascido em 1920, entra para a USP apenas três anos depois do nascimento do
outro), os dois chegaram a lecionar na mesma universidade concomitantemente. Na
obra de Sérgio Ferro, Florestan Fernandes não aparece em nenhuma citação, tampouco
ocorre o inverso. E, muito embora aquilo que Sérgio Ferro esboçou a respeito das
características da burguesia brasileira esteja muito aquém do que formulou Florestan
(nem era esse seu objetivo), é realmente admirável a capacidade do primeiro de dar
resposta ao dilema do pensamento social brasileiro como poucos pensadores da área
conseguiram no mesmo período.

A contribuição da teoria do desenvolvimento desigual e combinado, ou do


pensamento de André Gunder Frank sobre o “desenvolvimento do
subdesenvolvimento”, é uma base fundamental para os estudos tanto de Sérgio Ferro
quanto de Florestan Fernandes. Mas mesmo esta base era insuficiente, era preciso
formular a partir dela algo capaz de desnudar o processo de formação do bloco de poder
dominante no Brasil.
14

As evidências de que Sérgio Ferro foi capaz de dar este salto em alguma medida
aparecem em sua própria obra. No já referido texto “A produção da casa no Brasil”, de
1969, Sérgio Ferro conclui dizendo que: “Seguramente, a forma de produção arcaica
será contestada por capitalistas cuja fome próxima de mais-valia afasta a cautela a longo
termo. Os prognósticos, no caso, são bastante difíceis. O que é seguro é que haverá
atrito entre os capitalistas isolados e seus representantes no poder, que tem os olhos
postos na classe e menos no seu componente particular. Mas não ultrapassará,
seguramente, a região das disputas cordiais. Afinal, eles se entendem.”21 Algo que
conflui bastante com a defesa de Florestan Fernandes a respeito dos “conflitos internos”
da burguesia brasileira:

(...) estamos diante de uma burguesia dotada de moderado espírito


modernizador e que, além do mais, tendia a circunscrever a
modernização ao âmbito empresarial e às condições imediatas da
atividade econômica ou do crescimento econômico.(...) É nele, nesse
entrechoque de conflitos de interesses da mesma natureza ou
convergentes e de sucessivas acomodações, que repousa o que se
poderia chamar de consolidação conservadora da dominação
burguesa no Brasil. (FERNANDES, 1975, p.209)

Mais recentemente, em seu texto também já referido, de 2003, Sérgio Ferro


analisa um período da história brasileira da seguinte forma:

No começo, o tal desenvolvimento nacional é quase que só projeto,


apesar do “petróleo é nosso” e das leis trabalhistas. Mas o projeto
parece viável, há crença nele. Principalmente porque a estratégia para
chegar lá (primeiro construir usinas, depois a distribuição de renda,
quando ficarmos ricos) não era das mais ousadas. (...) Mas como não
há como pensar, dentro do capitalismo, numa tal promoção nacional
sem um grande acúmulo de capitais – ou seja, de exploração – começa
a ficar claro que o desenvolvimento será o de alguns e que a dita
distribuição ficará para bem depois. E o projeto nacional passa a ser o
projeto do poder e dos grupos dominantes – com o que tem que contar
mais e mais com o autoritarismo. (FERRO, 2006, p.307)

Enquanto que a defesa de Florestan Fernandes a respeito desse processo em


1975 era de que:

A convergência de interesses burgueses internos e externos fazia da


dominação burguesa uma fonte de estabilidade econômica e política,
sendo esta vista como um componente essencial para o tipo de
crescimento econômico, que ambos pretendiam, e para o estilo de vida
política posto em prática pelas elites (e que servia de suporte ao

21
FERRO, 2006. p. 101. Grifo nosso.
15

padrão vigente de estabilidade econômica e política). Portanto, a


dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos,
herdados do passado ou improvisados no presente (...).
(FERNANDES, 1975, p.207)

Enfim, poderíamos seguir dando exemplos, e não são poucos, mas acreditamos
que para um estudo inicial já é o suficiente para esclarecer a proximidade. Muito mais
do que semelhanças pontuais, o que nos interessa é analisar que sem ter compreendido o
processo de revolução burguesa ocorrido no Brasil, Sérgio Ferro não teria conseguido
formular sua teoria, que tanto contribuiu e segue contribuindo para o pensamento
marxista em arquitetura.

Considerações finais

Se Sérgio Ferro não tinha, na segunda metade dos anos 1960, uma análise
concreta da realidade brasileira com profundidade suficiente para que se pudesse de lá
extrair o elemento capaz de preencher a lacuna da crise da função social do arquiteto
brasileiro, isso não o impediu de buscar ele mesmo, direto na realidade, construir uma
análise aproximativa (e hoje podemos analisar o quanto). A relação dialética que se
estabelece entre uma análise geral e uma análise específica está justamente aí. Não se
trata de, a partir de uma verdade absoluta e universal, aplicar um conhecimento infalível
como explicação. “A operação é marcadamente mágica: se a realidade é confusa,
transbordante, no lugar do esforço de compreensão, surge a tendência confortável da
deformação simplificadora por ato interno da vontade, altera-se a visão sem alterar a
coisa vista”22, dizia Sérgio Ferro em 1967. Trata-se fundamentalmente de, a partir de
uma realidade material, enxergar as relações e a história, não isolar o objeto, mas situá-
lo. Uma análise específica pode dar respostas à compreensão do geral, e não se faz uma
análise específica sem se ter uma compreensão mais ampla, do processo como um todo.
“Partamos do concreto ao abstrato ou façamos o caminho inverso, estamos sempre no
centro dos dramas coletivos e procuramos entender os rumos sociológicos da
história”23, era o que dizia Florestan em 1972. O que tudo isso exige é, de fato, um

22
FERRO, 2006. p. 55.
23
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1981. p. 9.
16

incansável esforço de compreensão: eis a principal característica comum a Sérgio Ferro


e Florestan Fernandes.

Pois que siga sendo incansável este esforço enquanto os dramas coletivos
continuarem a nos perturbar. Se hoje tudo parece calmaria, não nos esqueçamos das
ilusões que outras aparentes calmarias já nos trouxeram. O que Sérgio Ferro e Florestan
Fernandes conseguiram compreender foi que os dilemas brasileiros mais fundamentais
– como a concentração de terras, o atraso tecnológico da construção civil, as
interferências imperialistas, a atuação dos grandes monopólios – não serão superados
enquanto não houver uma mudança estrutural em nossa sociedade. Toda promessa de
desenvolvimento capitalista desembocará, para nós, em mais dependência. Não nos
prestaremos e separar nosso caminho até a liberdade em etapas. Não esperaremos
crescer o bolo no forno da vilania, será melhor dividir logo para que, dialeticamente,
todos o façamos juntos.

Referências Bibliográficas:

ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo
Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002.

ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

FERNANDES, Florestan. A chama que não se apaga. In: FERNANDES, Florestan. Que tipo
de República? 2ª ed. São Paulo: Globo, 2007. p. 274-278.

_______. A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica. Rio de


Janeiro: Zahar, 1975.

_______. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981.

FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

PRADO JR., Caio e FERNANDES, Florestan. Clássicos sobre a revolução brasileira. São
Paulo: Expressão Popular, 2007.

PRESTES, Anita. A que herança os comunistas devem renunciar? Revista Oitenta,


Porto Alegre, 1980.

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