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Rio de Janeiro
31 de Outubro de 2007
À Deus princípio e fim de toda vida,
1- Introdução
3- .Legislaçào Brasileira
5- Conclusão
6- Bibliografia
1- Introdução
1
Cf. THOMAS, D. et al. Intravenous infusion of bone marrow in patients receiving radiation and
chemotherapy. New England Journal of Medicine, v. 257, p. 491-6, 12 set. 1957.
2
Efeito parácrino é aquele devido a ação de mediadores celulares com atuação restrita à
vizinhança do local de sua produção.
2- Células-tronco: O que são e por que estão gerando tanta
discussão?
3
Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de medicina em 1906, demonstrou que neurônios podem
voltar a crescer se postos no ambiente adequado. Rita Levi-Montalcini, prêmio Nobel de medicina
de 1986, repetiu e confirmou os estudo de Cajal na década de oitenta. Angelo Vescovi demonstrou
a plasticidade das células-tronco neuronais, mostrando podem dar origem a tipos celulares
derivados do mesoderma in VESCOVI, A.; GALLI, R.; GRITTI, A. The Neural Stem cell and
their transdifferetiation capacity. Biomedicine and Pharmacotherapy, v. 55, n. 4, p.201-5, 7 mai.
2001.
líquido aminiótico, polpa dentária, criptas intestinais, gordura visceral e músculo
esquelético entre outros.
Estas células são utilizadas, desde a década de cinqüenta, para o
tratamento de neoplasias hematológicas, com segurança estabelecida em seu uso.
Isto permitiu o desenvolvimento de uma série de estudos clínicos, com estes tipos
celulares, para o tratamento de várias doenças crônico-degenerativas. A maioria
dos estudos em humanos, publicados até o momento, tem referido o uso de sangue
de medula óssea na sua fração mononuclear ou mesenquimal.
Os primeiro estudos, principlamente em cardiologia, foram bastante
animadores, sugerindo a capacidade destas células em recuperar função
miocárdica após o infarto agudo do miocárdio4. No entanto, apesar de
demonstrarem uma melhora clínica e funcional nestes pacientes, os estudo foram
incapazes de demonstrar a transformação das células tronco adultas em miócitos5.
Esta observação repetiu-se nos estudos com doentes neurológicos e
hepatopatas o que fez os pesquisadores acreditaram que estas células atuem
através de efeitos parácrinos, estimulando a angiogênese no sítio em que são
injetadas, diminuindo a isquemia e inflamação nestes locais.
Esta avaliação, porém, tem feito muitos cientistas creditarem os resultados
não totalmente satisfatórios de seus experimentos à não ocorrência de
transdiferenciação das células, levando-os a buscar um novo tipo celular para seus
trabalhos.
Foram obtidas, pela primeira vez, em 1998 por James Thompson6, nos
Estados Unidos. Elas foram extraídas da massa celular interna de embriões
fertilizados in vitro e não implantados. Estas células são semeadas e amplificadas
em cultura para serem utilizadas posteriormente para terapia. Estudos têm tentado
utilizar diferentes estímulos para diferenciar estas células em células
especializadas como neurônios, cardiomiócitos, hepatócitos, células beta da ilhota
pancreática.
4
Cf. SCHÄCHINGER, V. et al. Intracoronary Bone Marrow-Derived progenitor Cells in Acute
Myocardial Infarction. New England Journal of Medicine, v. 355, n. 12, p.1210-21, 21 set. 2006.
5
Células do músculo cardíaco.
6
Cf. THOMPSON, J. et al. Embryonic stem cell lines derived from human blastocysts. Science, v.
282, n. 5391, p. 1145-7, 6 nov. 1998.
Os estudos em animais têm apresentado resultados promissores quanto à
capacidade de diferenciação destas células em tipos celulares especializados,
diferentemente das células-tronco adultas, o que tem gerado uma enorme pressão
dos cientistas para liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias em
todo o mundo. Isto se confronta com a necessidade de destruir os embriões para
obtê-las, gerando um questionamento ético sobre este procedimento.
Além das questões éticas que serão analisadas, problemas técnicos ainda
precisam ser superados para que estas células possam ser utilizadas em pesquisas
clínicas, tais como: condições de cultura, imunogenicidade, tumorigênese,
diferenciação.
As primeiras linhagens humanas de células-tronco foram expandidas em
cultura sobre fibroblastos de ratos, o que torna estas células inadequadas para
experimentos em humanos, já que a contaminação da cultura pode desencadear
reações alérgicas e transmitir doenças ao homem. Foram desenvolvidos novos
meios de cultura que prometem dispensar o emprego de outras células animais ou
humanas na cultura, o que resolveria este impasse.
Embora alguns experimentos com transplante alogênico de certas
linhagens celulares em murinos tenham demonstrado ausência de reação contra o
enxerto, não pode-se afirmar que o mesmo venha a acontecer em seres humanos.
Sendo assim, a imunossupressão torna-se obrigatória para os transplantes de
células-tronco embrionárias, o que tem sérias conseguências, podendo causar
doenças mais graves que a própria doença de base do paciente. A única forma de
evitar este problema seria a clonagem terapêutica, mas isto traz mais
questionamentos éticos que o próprio uso das células-tronco embrionárias e é
proibido pela própria lei de biossegurança.
Todos os autores concordam que é necessário o desenvolvimento de
técnicas que garantam a qualidade das células-tronco embrionário transplantadas,
pois, uma vez em cultura, elas podem apresentar instabilidade de seu DNA,
sofrendo uma série de mutações que podem ser tumorigênicas. O grande problema
é que qualquer método de verificação irá basear-se em técnicas de amostragem,
principalmente quando fala-se de transplantes da ordem de 100.000.000 células.
Contudo, basta um clone neoplásico para iniciar um tumor.
As técnicas para induzir a diferenciação destas células ainda estão sendo
pesquisadas. Até o momento, encontra-se na literatura relato de diferenciação
destas células em neurônios, músculo, células beta pancreáticas e hepatócitos.
Porém, não basta apenas adquirir o fenótipo de uma célula especializada, precisa-
se saber se estas células são funcionais, se elas sobrevivem no hospedeiro,
integram-se ao seu tecido e se são funcionais in vivo. Os estudos em modelos
animais estão, no momento, procurando chegar a conclusões sobre estas questões.
A tabela a seguir apresenta as principais diferenças entre as células tronco
embrionárias e as células tronco adultas.
3- Legislação Brasileira
7
BRASIL. Lei 11.105. Distrito Federal, 2005.
8
BRASIL. Decreto 5.591. Distrito Federal, 2005
regulamentar as técnicas necessárias para o uso clínico das células-tronco
embrionárias, além de fazer um cadastro de todos os embriões disponíveis para
fins de pesquisa9. Estas normas estão sendo desenvolvidas e serão submetidas a
consulta pública antes de entrar em vigor.
9
CF. MINISTÉRIO DA SAÚDE, BRASIL. Portaria 2.526 de 21 de dezembro de 2005.
10
FONTELLES, C.L.; SOUZA, A.S.B.S. Ação direta de inconstitucionalidade nº 3510- 0/600.
Distrito Federal, 14 nov. 2005.
11
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...” BRASIL. Constituição da
Republica Federativa do Brasil. Art. 5º., caput. Distrito Federal: [n.d.], 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em:
29/10/2007.
disponíveis para pesquisa, segundo a legislação atual, mostrem resultados, elas
não serão suficientes e as melhores a serem utilizadas.
O número de embriões disponíveis também é exíguo, segundo
levantamento da ANVISA, apresentado no II Simpósio internacinal de terapias
avançadas e células-tronco. De acordo com o levantamento, existem 10.000
embriões congelados há mais de três anos ou inviáveis, no Brasil, número muito
aquém dos 300.000 estimados antes da aprovação da lei. Estudos internacionais
mostram que o rendimento de embriões congelados para cultura celular é da
ordem de 0,06% o que daria apenas 600 culturas disponíveis de todos os embriões
congelados no país12.
Como mencionado anteriormente, a Lei de Biossegurança proíbe a
clonagem, seja ela reprodutiva ou terapêutica. Sendo assim, caso o transplante de
células-tronco embrionárias mostre-se imunogênico este deverá ser abandonado,
por não ser possível fazer uso da clonagem terapêutica de acordo com a lei
brasileira.
Somente a título de comparação, pode-se observar a posição de outros
países com relação ao uso de células tronco embrionárias:
Países que permitem a derivação de linhagens de células-tronco
embrionárias e a transferência de núcleo (clonagem terapêutica)
Reino Unido Japão
Bélgica Coréia do Sul
China Singapura
Israel
12
VALLE, S. Progress in stem cell research and its interface with the brazilian legislation. In:
INTERNACIONAL SYMPOSIUM IN ADVANCED THERAPIES AND STEM CELLS, II,
2007, Rio de Janeiro. Conferência.
Países que proibiram a derivação de linhagens de células-tronco
embrionárias e não permitem a transferência de núcleo (clonagem
terapêutica)
Alemanha Irlanda
Austria
13
Cf. LEONE, S. As raízes antigas de um debate recente. In: CORREA, J. SGRECCIA, E.
Identidade e Estatuto do Embrião Humano: Atas da Terceira Assembléia da Pontifícia Academia
para Vida. São Paulo: EDUSC, 2007, p. 57.
Hoje sabe-se que todo este processo ocorre em um período de cerca 30
horas, após o qual o zigoto completa sua primeira divisão celular. Daniel Serrão
propõe que durante este período chame-se este novo ser vivo de embrião
nascente14. A grande maioria dos biólogos concorda que o início do embrião dá-se
ao final da singamia, com a formação do zigoto unicelular. Porém, é certo que ao
final deste processo tem-se um indivíduo único que, se nada interferir no seu
desenvolvimento, irá nascer em 38 semanas.
O processo de divisão celular por mitose segue ininterruptamente e, pelo
menos até a fase de oito células, cada uma delas é capaz de se desenvolver em um
ser humano completo. São as células-tronco totipotentes.
Dentro de três ou quatro dias as células do embrião assumem um formato
esférico, sendo assim chamado de mórula. Após quatro ou cinco dias, forma-se
uma cavidade no interior da mórula e, então, o embrião passa a se chamar
blastocisto. As células internas do blastocisto, que formam a massa celular
interna, vão originar as centenas de tecidos que compõem o corpo humano, ou
seja, são pluripotentes. As células-tronco embrionárias humanas são obtidas
justamente da massa celular interna de embriões obtidos por fertilização in vitro.
A massa celular externa, por sua vez, dará origem à placenta e aos anexos
embrionários.
Depois da implantação no útero, inicia-se a formação da placenta, que
serve como interface entre o sistema circulatório da mãe e do embrião. A placenta
traz oxigênio e nutrientes ao embrião, promovendo a troca entre os nutrientes e
detritos, mantendo também a homeostasia do sistema circulatório sem que o
sangue do feto se misture com o da mãe. Também produz hormônios e mantem a
temperatura levemente maior que a da mãe. A comunicação entre a placenta e o
embrião é feita através dos vasos do cordão umbilical.
Dentro de uma semana, as células da massa interna formam duas camadas
chamadas de hipoblasto (que dá origem ao saco vitelino) e epiblasto (que origina a
membrana amniótica).
Depois de aproximadamente duas semanas e meia, o epiblasto terá
formado três tecidos especializados, ectoderma, endoderma e mesoderma. O
ectoderma dará origem ao cérebro, coluna vertebral, nervos, pele, unhas e cabelo.
14
Cf. SERRÃO, D. Livro Branco: uso de embriões humanos em investigação científica. Portugal:
Ministério da Ciência e Ensino Superior, 2003, p 17-18.
O endoderma dará origem ao sistema respiratório, tubo digestivo e órgãos como o
fígado e pâncreas. O mesoderma formará, principalmente, coração, rins, ossos,
cartilagens, músculos e células sanguíneas.
Dentro de três semanas, o cérebro estará se dividindo em três, chamados
cérebro anterior, médio e mesencéfalo. Nesta fase se desenvolvem os sistemas
respiratório e digestivo.
À medida que as primeiras células sanguíneas aparecem no saco vitelino,
vasos sanguíneos se formam por todo o embrião e aparece o coração tubular. Este,
rapidamente, começa a crescer, dobra-se sobre si mesmo, na medida que as
câmaras começam a se desenvolver.
O coração começa bater três semanas e um dia após a fertilização. O
sistema circulatório é o primeiro do corpo que atinge o estado funcional. Em
quatro semanas aparecem os brotos dos membros. A pele é transparente, tendo a
espessura de uma célula. À medida que vai se espessando, perde a sua
transparência, só se podendo observar o crescimento dos órgãos internos por
aproximadamente mais um mês.
Entre quatro e cinco semanas o cérebro continua seu rápido crescimento e
se divide em cinco partes distintas. A cabeça compreende cerca de um terço do
tamanho do embrião. Os hemisférios cerebrais aparecem, tornando-se
gradativamente a maior parte do cérebro.
Os rins permanentes surgem em cinco semanas. O saco vitelino contém as
primeiras células reprodutivas, chamadas germinativas, que migram dentro de
cinco semanas para os órgãos reprodutivos.Também em cinco semanas o embrião
desenvolve a placa das mãos e a formação da cartilagem inicia-se. Em seis
semanas, os hemisférios cerebrais estão crescendo desproporcionalmente mais
rápido que outras partes. O embrião começa a fazer movimentos espontâneos e
reflexos. Neste mesmo período ocorrem as formações de células sanguíneas no
fígado, onde estão os linfócitos (importante no desenvolvimento do sistema
imunológico).
Dentro de seis semanas e meia pode-se distinguir os cotovelos, os dedos
começam a se separar e podem-se observar movimentos das mãos. A formação
dos ossos, a ossificação, inicia-se nos ossos da clavícula e dos maxilares. Nesta
fase, já se observam soluços e podem ser vistos movimentos das pernas e resposta
a susto.
O coração com quatro câmaras, em geral está completo, batendo em média
168 batimentos por minutos, mantendo o padrão de ondas semelhantes aos
adultos. Os ovários são identificáveis em sete semanas e as mãos e os pés podem
se unir.Ao completar oito semanas, o cérebro é altamente complexo e constitui
quase metade do tamanho do embrião. O crescimento continua numa taxa
extraordinária, já tendo dominância da mão direita (75%) ou esquerda (25%).
O embrião torna-se mais ativo, ocorrendo rotação da cabeça, extensão do
pescoço, contato da mão com o rosto. Iniciam-se os movimentos respiratórios.Os
rins produzem urina que é liberada no líquido amniótico.
Oito semanas marcam o final do período embrionário. Durante esse
período, o embrião humano cresce de uma única célula a quase um bilhão de
células. Agora possui mais de 90% das estruturas encontradas em adultos15.
Durante suas oito primeiras semanas, o ser humano que se desenvolve é
chamado de embrião, que significa o que cresce internamente. Esta fase é
chamada de período embrionário e é nesta que se desenvolvem os principais
sistemas do corpo.
Com o advento da fecundação in vitro, buscou-se um termo para designar
o embrião antes de sua implantação na cavidade uterina, tendo-se originado o
termo ‘embrião pré-implantação’ ou ‘embrião na fase de pré-implantação’. Em
1979, foi ainda introduzido o termo ‘pré-embrião’ por GROBSTEIN16.
A partir da oitava semana, o embrião passa a ser chamado de feto, que
significa filho não nascido, e é neste período fetal que o corpo cresce e os órgãos
iniciam o seu funcionamento.17 Veja no ANEXO 1 o quadro completo sobre o
desenvolvimento emrbionário humano.
15
STILLWELL, B.J. The biology of prenatal development. [SI]: National Geographic, 2006.
Disponível em: <http://www.ehd.org/resources_bpd_documentation.php?language=72#chapter3>.
Acesso em 28/10/2007.
16
Cf. GROBSTEIN, C. External Human Fertilization. Scientific American, v. 240, n. 6, p. 33-43,
jun. 1979. Este termo, ‘pré embrião’, tem sido duramente criticado por tentar negar ao embrião a
sua natureza individual nos primeiros dias de seu desenvolvimento antes da implantação.
LEJUNE, geneticista mundialmente conhecido, afirma: “Pré-embrião, esta palavra não existe. Não
há necessidade de uma subclasse de embrião a ser chamada de pré embrião, porque nada existe
antes do embrião; antes do embriào existe apenas o óvulo e o esperma...” LEJUNE, J. Apud.
MESTIERE, J. Embriões. Consulex, n. 32, p.42-3. Apud DINIZ, M.H. O estado atual do
biodireito. Ed 3. São Paulo: Saraiva, 2006.
17
Op cit.
4.2- O que diz a filosofia e a antropologia
Quando começa a vida humana? Esta questão tem sido levantada por
diversos pensadores e cientistas ao longo de milênios. Esta questão tomou ordem
prática desde a Grécia antiga, nas discussões acerca do aborto, pois já naquela
época discutia-se se esta prática era lícita As discussões acerca do aborto
permanecem até os dias atuais, porém, o questionamento acerca de quando
começa a vida humana vem ganhando cada vez mais destaque com o avanço da
biotecnologia e a posssibilidade de se gerar embriões in vitro, congelá-los para
posteriormente implantá-los, selecionar seu sexo e caracteres físicos.Será
analisado, a seguir, como evoluiu o conceito filosófico acerca do início da vida
humana e o estatuto antropológico do embrião humano, em diversos períodos da
história da humanidade.
Ou seja, ele defende o início da vida com a concepção, o que não foi
amplamente aceito em sua época.
Santo Agostinho, por sua vez, furta-se a definir quando começa a vida
humana, considerando-a um mistério até para o mais douto dos homens. O mesmo
não acontece no Oriente, onde São Basílio não faz distinção entre o ser formado e
não-formado, como Aristóteles e muitos Padres ocidentais. Ele irá condenar o
aborto em qualquer momento da gravidez20.
18
TERTULIIAN, Apologeticum, IX, 87. Apud LEONE, S. As Raízes de um antigo debate. In:
CORREA, J. SGRECCIA, E. Identidade e Estatuto do Embrião Humano: Atas da Terceira
Assembléia da Pontifícia Academia para Vida. São Paulo: EDUSC, 2007, p. 47.
19
Ibid.
20
Cf. LEONE, S. As Raízes de um antigo debate. In: CORREA, J. SGRECCIA, E. Identidade e
Estatuto do Embrião Humano: Atas da Terceira Assembléia da Pontifícia Academia para Vida.
São Paulo: EDUSC, 2007, p. 49.
São Gregório de Nissa esclarece ainda mais, utilizando de um princípio
único e comum de existência para afirmar que corpo e alma iniciam sua existência
ao mesmo tempo, contrariando Aristóteles21.
São Tomás de Aquino, ao contrário destes seus antecessores, continua a
afirmar a doutrina das três almas de Aristóteles. Para ele, a alma espiritual é
infundida junto com a alma racional. Disto decorre que matar o embrião em
qualquer fase é um pecado grave, porém, só poderia ser considerado crime após o
surgimento da alma racional22.
Neste momento da história, a preocupação da Igreja encontrava-se em
punir o pecado do aborto. A preocupação em definir o estatudo do embrião só
surgirá mais tarde.
4.2.5- Iluminismo
As idéias de Aristóteles irão perdurar por todo o período medieval e
renascimento. Somente no século XVII, com a evolução da biologia, o debate
acerca do estatuto do embrião passará a ser conduzido pelas ciências naturais.
Com a descoberta dos gametas masculino e feminino, irão surgir novas
idéias pré-formacionistas que irão defender que o embrião encontra-se
completamente formado dentro dos gametas. Uma vez que o embrião já estaria
completamente formado no gameta, a terioa das três almas seria completamente
infundada. A única divergência entre os cientistas deste período seria acerca de
que gameta carreava os embriões: o ovócito ou o espermatozóide. Entre os
defensores destas teses encontramos Giusepe Gegli Aromatari (1568-1660),
Nicolò Stenone (1638-1686), Reinier de Graaf (1641-1673) e Anton van
Leeuwenhoek (1632-1723).
23
Cf. EJIK, J. The criteria of overall individuality and the bioanthropological status of the embryo
before implantation. In: XII General Assembly International Congress "The Human Embryo
Before Implantation". Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2006. Disponível em:
<http://www.academiavita.org/template.jsp?sez=Pubblicazioni&pag=testo/embr_preimp/eijk/eijk
&lang=english>. Acesso em: 28/06/2007.
ponto de vista molecular, o embriào interage com sua mãe desde o
momento da fecundação.
- Decisão de dar a vida ao embrião: este critério foi criado após o advento
da fertilização “in vitro”. Ele postula que a vida do novo embrião depende
do desejo de seus pais de o implantarem. Caso não haja esta decisão, ele
não poderá continuar a se desenvolver, não podendo ser considerado uma
pessoa humana.
- Natureza biológica humana: o embrião seria uma pessoa apenas por ser
humano em termos biológicos.
24
Cf. NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Tradução: Márcio Pugliese. São Paulo: Hemus, 1976, seção
125.
25
FRANKL, V. Logoterapia e analisi esistenziale. p. 51-56. Apud. GALANTINO, N. Dizer
homem hoje: novos caminhos da antropologia filosófica. Tradução Roque Fangiotti. São Paulo:
Paulus, 2003.
A seguir,serão apresentadas as posições morais das principais religiões
presentes no Brasil, acerca da pesquisa com células tronco embrionárias.
4.3.1- Catolicismo
Desde o século XIX, a Igreja católica tem defendido que o início da vida
humana ocorre a partir da concepção. Este é o fundamento de suas críticas a todos
os experimentos ou práticas que possam trazer algum prejuízo a este ser humano.
Com relação às células tronco, o Magistério da Igreja Católica tem
afirmado e reafirmado, insistentemente, sua posição favorável à pesquisa com
células tronco adultas, uma vez que estas respeitam a vida humana em todas as
suas fases26. O contrário acontece com pesquisa com células embrionárias
humanas, uma vez que levam à destruição do embrião, sendo proibidas, conforme
aponta o Papa Bento XVI (2006):
Perante a eliminação directa do ser humano não pode haver sujeições
nem subterfúgios; não se pode pensar que uma sociedade possa
combater eficazmente o crime, quando ela própria legaliza o delito no
âmbito da vida nascente. Por ocasião de recentes Congressos da
Pontifícia Academia para a Vida tive a ocasião de reafirmar o
ensinamento da Igreja, dirigido a todos os homens de boa vontade,
sobre o valor humano do recém-concebido, mesmo quando é
considerado antes da sua implantação no útero.27
26
Cf. BENTO XVI. Discurso ao senhor Ji-Young Francisco Kim, novo embaixador da República
da Coréia junto da Santa Sé por ocasião da apresentação das cartas credenciais. Vaticano: [s.n.],
2007. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/october/
documents/hf_ben-xvi_spe_20071011_ambassador-korea_po.html>. Acesso em: 29 out. 07.
27
BENTO XVI. Discurso durante o encontro com os participantes no congresso promovido pela
Pontifícia Academia para Vida. Vaticano: [s.n.], 2006. Disponível em: <http://www.vatican.va
/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/september/documents/hf_ben-vi_spe_20060916_pav_po.
html> Acesso em: 29 out. 07.
pessoa humana e apontam a destruição dos embriões como uma afronta aos seres
humanos mais indefesos que existem.28
Já os autores favoráveis à pesquisa com células-tronco embrionárias
afirmam que estas podem ser realizadas, quando não existe nenhum outro meio
possível para obter os mesmos resultados e que, preferencialmente, devem ser
utilizados embriões que foram descartados para o processo reprodutivo. O ponto
fundamental atrás destas reflexões é o bem maior que a terapia com células-tronco
poderá trazer para outros indivíduos.
28
Cf. MEILAENDER, G. Algumas reflexões protestantes. In: HOLLAND, S.; LEBACQZ, K.;
ZOLOTH, L. (Org.). As células tronco embrionárias humanas em debate. Tradução: Adail Sobral
e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2006, p. 150-1.
29
CÂMARA deve votar lei que permite pesquisas com células tronco. [S.I.]: Agência Brasil, mar.
2005. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI480900-EI1434,00.html>.
Acesso em: 29 out. 07.
30
RIBEIRO, P. Discurso. In: FÓRUM DE AÇÃO POLÍTICA DA IGREJA EVANGÉLICA
ASSEMBLÉIA DE DEUS, 2, 2005, Brasília. Disponível em: <http://www.biotecnologia.com.br/
biocongresso/discursos.asp?id=384>. Acesso em: 29 out. 07.
4.3.4- Judaísmo
De acordo com o Talmude Babilônico, até os primeiros 40 dias da
gestação o ser humano em formação é “algo semelhante a água” 31. Este escrito é
utilizado por alguns rabinos para permitir o aborto dentro deste período. O mesmo
escrito tem sido evocado na discussão acerca da pesquisa com células-tronco
embrionárias humanas. Outros escritos acerca do aborto ainda afirmam que o
embrião é parte do corpo da mãe, assim como sua coxa, podendo ser retirado em
caso de doença grave. Ou seja, ele não tem estatuto de um ser humano pleno32.
Baseado nestes dois pontos, a moral judaica permite a pesquisa com
células-tronco embrionárias, pois considera que os embriões produzidos in vitro
não podem ser considerados propriamente indivíduos humanos, por terem menos
de 40 dias e por terem sido gerados extra-útero, não fazendo parte do corpo da
mãe e nào sendo capazes de gerar novos seres humanos a não ser que sejam
implantados no útero.
4.3.5- Kardecismo
Segundo Allan Kardec, “A União começa na concepção, mas ela não se
completa senão no momento do nascimento.”33, ou seja, o novo ser humano só
passa a apresentar uma alma com o nascimento. Caso o corpo escolhido morra
antes do nascimento, o espírito pode escolher um novo corpo para reencarnar.34
O Livro dos Espíritos afirma, ainda, que existem alguns natimortos que
nunca tiveram espírito, pois não havia nada a fazer pelos seus corpos35. Em “A
Gênese”, KARDEC explora mais o tema, introduzindo o conceito de que o
perispírito se liga ao óvulo fecundado desde a concepção e vai se ligando
molécula a molécula ao corpo de acordo com o desenvolvimento do feto,
culminando no nascimento, quando a ligação é completa e irreversível.36
Apoiadas nos conceitos apresentados acima, encontraremos duas correntes
dentro do espiritismo. A primeira é contrária à pesquisa com células-tronco
31
Cf. DORFF, E.N. A pesquisa com células tronco: uma perspectiva judaica. In: HOLLAND, S.;
LEBACQZ, K.; ZOLOTH, L. (Org.). As células tronco embrionárias humanas em debate.
Tradução: Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2006, p. 99.
32
Cf. Ibid. P. 98.
33
KARDEC, A. Livro dos Epíritos. Questão 344. São Paulo: Petit, 1998.
34
Cf. Ibid questão 346.
35
Cf. Ibid questão 356.
36
Cf. KARDEC, A. A gênese: os milagres e as previsões segundo o espiritismo. São Paulo: Lake,
2005.
embrionárias, pois defende que só Deus é quem pode retirar a vida de uma pessoa,
mesmo que tenha sido gerada a partir de uma fecundação in vitro37.
A outra corrente apoia a pesquisa, apontando que alguns embriões nunca
chegam a ter alma, gerando os natimortos. Para eles, os embriões utilizados em
pesquisa seguiriam um destino semelhante, não vindo a ter alma ou, caso
tivessem, com a sua destruição o espírito buscaria outro corpo38.
5- Conclusão
37
Cf. MORAIS, A.F. Células Tronco. Centro Espírita Ismael. Disponível em: <http://www.
ceismael.com.br/tema/tema062.htm>. Acesso em: 29 out. 07.
38
Cf. RÉGIS, M.C. O dilema das células tronco embrionárias. [S.I.]: Jornal Abertura, 2001.
Disponível em: <http://www.espiritnet.com.br/Abertura/Ano2001/dilema.htm>. Acesso em: 29
out. 07.
Os embriões excedentes dos processos de fecundação in vitro também não
podem ser considerados menos embriões do que aqueles implantados, pois foram
produzidos com o mesmo propósito, ou seja, gerar um novo indivíduo. Portanto,
não se deve tentar roubar a dignidade destes pequenos indivíduos e nem tirar-lhes
o direito de serem reconhecidos como seres humanos e, portanto, com direito
inviolável a vida, apenas para justificar, de uma forma mais fácil, os nossos
anseios científicos.
Isto leva ao segundo questionamento apresentado acima, pois muitos
cientistas, embora considerem o embrião humano antes da implantação como uma
pessoa dotada de dignidade, acreditam que seu sacrifício seria válido desde que o
objetivo seja nobre. Porém, antes de adotar-se tal procedimento, deve-se pensar
em longo e não em curto prazo.
Atualmente, discute-se o uso de embriões excedentes para as pesquisas,
porém, se a sociedade for incapaz de definir limites para a biomedicina, estar-se-á
discutindo, no futuro, a produção de embriões para terapia com células-tronco e a
clonagem terapêutica, pois, como foi apresentado anteriormente, o número de
células disponíveis para pesquisa é pequeno e estas podem apresentar problemas
de incompatibilidade que só seriam solucionáveis através da clonagem
terapêutica.
Portanto, antes de defender e aplaudir os possíveis resultados das
pesquisas com células tronco embrionárias humanas, deve-se pensar nas
consequências que o seu uso pode trazer para o nosso próprio conceito de homem.
6- Bibliografia