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A carta de Clemente aos Coríntios: Evidência do

primado do bispo de Roma?

Argumento católico:

Pelos anos 90 do primeiro século da nossa era, quando ainda


vivia o apóstolo João, surgiu um problema interno de não
pequena importância na igreja de Corinto. É de supor que o
lógico teria sido que uma vez que ainda viva um dos
apóstolos, coubesse a este impor a sua autoridade para
solucionar a questão. Mas não foi assim. Quem se encarregou
de acabar com o desaguisado foi nem mais nem menos que o
bispo de Roma.

Se com isto se pretende insinuar que um bispo, por mais "sucessor


de Pedro" que se o queira considerar, podia ter uma autoridade
superior à dos próprios Apóstolos, o mesmíssimo Clemente se
encarrega de contradizer tal coisa:

Os Apóstolos nos pregaram o Evangelho da parte do Senhor Jesus


Cristo; Jesus Cristo foi enviado de Deus. Em resumo, Cristo da parte
de Deus, e os Apóstolos da parte de Cristo: uma e outra coisa, por
isso, sucederam ordenadamente por vontade de Deus. Assim, pois,
tendo os Apóstolos recebido os mandatos e plenamente assegurados
pela ressurreição do Senhor Jesus Cristo e confirmados na fé pela
palavra de Deus, saíram, cheios da certeza que lhes infundiu o
Espírito Santo, a dar a alegre notícia de que o reino de Deus estava
para chegar. E assim, segundo apregoavam por lugares e cidades a
boa nova e baptizavam os que obedeciam ao desígnio de Deus, iam
estabelecendo os que eram primícias deles – depois de prová-los pelo
espírito - por inspectores (episkopous) e ministros (diakonous) dos
que haviam de crer. E isto não era novidade, pois já desde há muito
tempo se havia escrito acerca de tais inspectores e ministros. A
Escritura, com efeito, diz assim em algum lugar: Estabelecerei os
inspectores deles na justiça e os seus ministros na fé (Isaías 60:17).

Carta Primeira de São Clemente, 42:1-4


Em Daniel Ruiz Bueno, Padres Apostólicos. Edição bilingue completa,
4ª Ed. Madrid: BAC, 1979

Tendo sido estabelecidos eles mesmos pelos próprios Apóstolos, é


impossível que a sua autoridade estivesse acima da de quem lha
havia concedido em primeiro lugar. Além disso, cabe sublinhar que
Clemente em nenhuma parte ensina ou insinua a existência de um
episcopado monárquico (como o faz algo mais tarde, ao invés, Inácio
de Antioquia [1]). Pelo contrário, na carta aos coríntios:

Mencionam-se presbíteros várias vezes, mas não são distinguidos dos


bispos. Não há absolutamente menção de um bispo em Corinto, e as
autoridades eclesiásticas são sempre nomeadas no plural.

John Chapman, Pope St. Clement I . Em The Catholic Encyclopedia,


vol. IV (1908).

Clemente alonga-se mais à frente quanto à forma de eleição e às


condições das autoridades da Igreja:

Também os nossos Apóstolos tiveram conhecimento, por inspiração


de nosso Senhor Jesus Cristo, que haveria contenda sobre este nome
e dignidade do episcopado. Por esse motivo, pois, ..., estabeleceram
os supracitados e juntamente impuseram dali em diante a norma de
que, morrendo estes, outros que fossem varões aprovados lhes
sucedessem no ministério. Agora pois, a varões estabelecidos pelos
Apóstolos, ou posteriormente por outros exímios varões com
consentimento de toda a Igreja; homens que serviram
irrepreensivelmente o rebanho de Cristo com espírito de
humildade, pacífica e desinteressadamente; testificados, além disso,
durante muito tempo por todos; a tais homens, vos dizemos, não
cremos que se os possa expulsar justamente do seu ministério. E é
assim que cometeremos um pecado nada pequeno se depomos do
seu posto de bispos aqueles que irrepreensível e religiosamente
ofereceram os dons. Felizes os anciãos que nos precederam na
viagem para a eternidade, os quais tiveram um fim frutuoso e
perfeito, pois já não têm que temer que alguém os afaste do lugar
que ocupam. Dizemos isto porque vemos que vós removestes do seu
ministério alguns que o honraram com conduta santa e
irrepreensível.

Carta Primeira de São Clemente, 44:1-6


Em Daniel Ruiz Bueno, Padres Apostólicos. Edição bilingue completa,
4ª Ed. Madrid: BAC, 1979 (negrito acrescentado)

Ou seja, a conduta santa e irrepreensível era para Clemente o


requisito mais importante para os bispos e ministros. [2]

Por que foi então Roma a corrigir os coríntios e não o apóstolo João?
Teríamos que perguntar a João. Entretanto, há que notar que um
facto inexplicado e se se quiser intrigante dificilmente serve como
evidência de alguma coisa. Neste caso particular foi a Igreja de Roma
a que se encarregou da correcção. Demonstra isto que era superior a
Corinto? No meu entender, não mais do que a carta que Ireneu
dirigiu a Vítor demonstra que o bispo das Gálias era superior ao de
Roma. Ao não existir uma estrutura acima das igrejas locais, nada
impedia que uma Igreja se dirigisse a outra, ou um bispo
repreendesse outro. O que demonstra isto? Simplesmente que é pura
fantasia ou wishful thinking imaginar-se que a hierarquia que Roma
estabeleceu, para o ocidente, na Idade Média, existisse em séculos
anteriores.

Argumento católico:

Apesar de alguns protestantes e ortodoxos tenderem a


minimizar a autoridade de Clemente, o certo é que do texto da
sua carta se depreende com grande clareza a consciência que
o próprio bispo de Roma tinha sobre a sua autoridade à frente
da Igreja. Senão vejamos:

"Mas se alguns desobedecerem às admoestações que por


nosso meio vos dirigiu Ele mesmo, saibam que se farão réus
de não pequeno pecado e se expõem a grave perigo" 1
Clemente aos Coríntios (LIX 1)

Ou seja, o bispo de Roma intervém directamente nos assuntos


internos de outra igreja para impor a sua autoridade que,
como se encarrega de reconhecer, lhe vem da parte de Deus.

Algumas observações aqui:

1. A suposta consciência que Clemente tinha acerca da sua própria


autoridade somente pode aparecer com "grande clareza" a quem
anacronicamente sustente um poder que Roma reclamou para si mais
tarde e que jamais foi reconhecido pelas Igrejas orientais.

A este respeito, há que observar que na carta não há o mínimo apelo


à autoridade do bispo de Roma como tal.

2. Embora não haja dúvida razoável de que Clemente foi o seu autor,
há que notar que isto o sabemos por evidência externa, a saber, o
testemunho unânime da tradição. De facto, o nome de Clemente
não aparece na carta. Isto, desde logo, apresenta um notável
contraste com as epístolas de Paulo e de Pedro. A longa epístola é
dirigida de "A Igreja de Deus que habita como forasteira em Roma, à
Igreja de Deus que habita como forasteira em Corinto: Aos chamados
e santificados na vontade de Deus por nosso Senhor Jesus Cristo".
Contra o que costumam afirmar os católicos, o cabeçalho não é o de
um superior para um subordinado, mas de uma irmã para outra.
Isto o reconhecem até aqueles que sustentam tenazmente a doutrina
do primado romano, como Johannes Quasten, que escreveu:

É inegável que não contém uma afirmação categórica do primado da


Sé Romana. O escritor não diz expressamente em nenhuma parte
que a sua intervenção ligue e obrigue juridicamente a comunidade
cristã de Corinto.

Patrología (edição preparada por Ignacio Oñatibia). Madrid: BAC,


1978; 1:56.

De igual modo, Daniel Ruiz Bueno (o.c., p. 118), que como católico
também considera a epístola como evidência do suposto primado,
afirma categoricamente:

E adianto-me a dizer que, por muito que possa investigar-se nela


sobre o direito e constituição da Igreja, afirmar que esta carta é uma
decisão jurídica em vez de uma homilia, parece-me uma imperdoável
falta de penetração no seu espírito, nascida de um excessivo afã
apologético.

3. A declaração tão cara aos apologistas católicos, "Mas se alguns


desobedecerem às admoestações que por nosso meio vos dirigiu Ele
mesmo [Deus], saibam que se farão réus de não pequeno pecado e
se expõem a grave perigo", deve ser entendida no seu contexto. O
autor não fez nenhum apelo à sua autoridade pessoal; em vez disso,
expôs as Escrituras como fontes da sua autoridade e mostrou onde
está o erro dos sediciosos de Corinto. E é sobre esta base, e não a de
algum primado imaginário, que pode afirmar e com toda a razão, que
aqueles que desconhecessem semelhante admoestação,
perfeitamente fundamentada, se expunham a grave perigo: não por
desobedecer ao "papa", mas por desobedecer a Deus. Clemente fala
aqui, em nome da Igreja de Roma, com autoridade profética. Isto fica
claro do que se segue à frase citada, que com frequência (como neste
caso) se omite transcrever: "Mas nós seremos inocentes deste
pecado". Parece que o autor está a pensar nos termos do dito por
Deus ao profeta Ezequiel:

Quando o justo se desviar da sua justiça para cometer injustiça, eu


porei um obstáculo diante dele e morrerá; por não o teres advertido
tu, morrerá ele pelo seu pecado e não se lembrará a justiça que tinha
praticado, mas do seu sangue eu te pedirei contas. Se pelo contrário
advertires o justo para que não peque, e ele não pecar, viverá ele
por ter sido advertido, e tu salvarás a tua vida.

Ezequiel 3:20-22; cf. 33:1-9


Argumento católico:

Bom, alguém poderá dizer que uma coisa é que o bispo de


Roma pretendesse ter tal autoridade e outra que os coríntios a
reconhecessem e aceitassem. Pois temos o testemunho
indiscutível de alguém que foi bispo de Corinto várias décadas
mais tarde. O seu nome é Dionísio, e escreveu o seguinte a
Sotero, que por então era também, bispo de Roma.
Na sua carta a Sotero, por volta de 170 Dc, Dionísio lhe diz:

"Hoje celebrámos o santo dia do Senhor no qual lemos a vossa


carta (a do Papa Sotero) [3] a qual para nossa correcção
continuaremos a ler sempre ASSIM COMO A QUE
ANTERIORMENTE NOS FOI ESCRITA POR CLEMENTE" (A
citação aparece em Eusébio de Cesareia História IV, 23, 11)

Ou seja, resulta que na igreja de Corinto, no dia do Senhor,


continuava-se a ler a carta do bispo de Roma Clemente quase
um século depois de ser escrita, e além disso, lia-se a carta do
por então bispo de Roma, Sotero, com a intenção de ser
corrigidos por ele.

Veja-se que não estamos a falar do papado nos tempos de


Constantino, ou do século X ou do XV. Não, estamos a ver qual
era a realidade sobre a primazia da sé romana nos séculos I e
II da era cristã.

O testemunho de Dionísio mostra o efeito benéfico que a epístola


teve sobre a Igreja de Corinto, e também o valor do documento, que
até onde sei ninguém questionou. Em outras palavras, a epístola foi
recebida, lida e conservada pelo seu valor intrínseco, não porque
proviesse de um bispo de Roma.

Embora segundo Eusébio a carta de Dionísio tenha sido dirigida a


Sotero, por então bispo de Roma, leva segundo o mesmo autor o
título Aos Romanos (pros Rômaious) e se dirige à comunidade no
plural, nomeando o bispo na terceira pessoa (História Eclesiástica IV,
23, 9-10). O responsável da edição da BAC da obra de Eusébio, diz
numa nota de rodapé:

A carta de Dionísio é, pois, resposta à que tinha recebido dos


romanos, escrita sem dúvida «por ministério» de Sotero, como «a
primeira» o fora «por ministério de Clemente». O mais provável é
que Dionísio diga «primeira», não por relação a uma «segunda de
Clemente», mas em relação com a «segunda da Igreja de Roma»,
isto é, a mesma de que está a falar, escrita «por ministério» de
Sotero.
Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica. Texto, versão espanhola,
introdução e notas por Argimiro Velasco Delgado, O.P. Madrid: BAC,
1978, 1:249, nota 198.

Velasco Delgado diz "por ministério de" porque, à diferença da


tradução oferecida acima, "como a que anteriormente nos foi escrita
por Clemente", traduz mais correctamente "como a primeira que nos
foi escrita por meio de Clemente" (hôs kai tên proteran êmin dia
Klêmentos grafeisan).

Da forma como o argumento católico é exposto poderia inferir-se que


somente a Igreja de Roma – ou os seus bispos - escreviam a outras
comunidades para exortá-las, alentá-las ou admoestá-las. Mas tal
inferência seria completamente errónea.

Por exemplo, precisamente do mesmo bispo de Corinto, Dionísio, cujo


testemunho se invoca aqui, diz Eusébio:

... de suas actividades divinas fazia participantes abundantemente


não apenas os que estavam sujeitos a ele, mas também os de outros
países, fazendo-se utilíssimo a todos com as suas cartas católicas
que compunha para as igrejas.

Eusébio, o.c., IV, 23, 1 (depois menciona muitas delas, incluída a


dirigida aos romanos)

Igualmente temos as epístolas escritas por Inácio de Antioquia a


caminho do seu martírio. E, claro, existe também a carta de Policarpo
aos Filipenses, da qual diz Quasten (o.c., 1:89), "É uma exortação
moral comparável à Primeira Epístola aos Coríntios de São Clemente".

Em outras palavras, que muitos bispos ou comunidades se vissem


impulsionadas a escrever a outros não era nada estranho nem
requeria nenhuma autoridade extraordinária para lá da que dava o
bom testemunho e o conhecimento das Escrituras. [4]

Um autor católico observa a este respeito:

Mesmo quando o bispo tem na sua igreja o seu próprio campo de


acção, isso, no entanto, não o dispensa de toda a responsabilidade
em relação à Igreja universal. Não é somente o sentimento de uma
mera solidariedade com os fiéis de outras comunidades o que
impulsiona bispos como Inácio e Policarpo a dirigir-lhes as suas
palavras de alento ou admoestação, mas obram assim porque
movidos de um dever claramente sentido. No entanto, não pode
citar-se nenhum bispo da época pós-apostólica que intervenha
na situação de outras igrejas com a mesma autoridade que na
sua própria ou dê instruções à Igreja universal. O próprio
Clemente Romano passa muito para segundo plano atrás da Igreja
de Roma como tal, para que, com base na sua carta à igreja de
Corinto, se lhe possa atribuir um direito consciente de correcção,
sustentado por autoridade especial, no sentido, por exemplo, da ideia
do primado.

Karl Baus, De la Iglesia primitiva a los comienzos de la gran Iglesia.


Em Hubert Jedin (Dir.), Manual de historia de la Iglesia. Versão de D.
Ruiz Bueno. Barcelona: Herder, 1980; 1:240-241 (negrito
acrescentado).

Com base nos factos, reafirmo pois o que já disse em "Supremacia


papal nos escritos ante-nicenos?":

Pode-se ler a carta de cima abaixo, detalhadamente, e não se


achará vestígios de nenhuma consciência de supremacia;
simplesmente, o desejo fervoroso de um santo bispo de que se
restabelecesse a paz na turbulenta igreja coríntia. Clemente
ensina, admoesta, exorta; o que nunca faz é ordenar nem
apelar à sua investidura como argumento.

Notas

[1] O episcopado monárquico não aparece em nenhum lado nos 65


capítulos de 1 Clemente, um facto indiscutível e cuidadosamente
notado pelos eruditos católicos. Quando esta realidade se confronta
com os ensinos de Inácio (m. 107) que supõem um episcopado
monárquico, parece o mais razoável concluir que existia
heterogeneidade na organização eclesiástica da Igreja
primitiva. Com o tempo (já na segunda metade do século II)
prevaleceu a organização reflectida nas cartas de Inácio e não a
pressuposta em I Clemente. Esta conclusão, desde logo, não fortalece
a hipótese de um primado de autoridade jurisdicional e doutrinal da
Igreja de Roma no século I.

[2] A Igreja de Roma ensina que o papa não perde a sua autoridade
por ser simoníaco, nepotista ou moralmente dissoluto. Nisto se vê
que não "obedecem" a Clemente.

[3] Quando fala da "vossa carta" indica, a dos Romanos, escrita por
meio do seu bispo Sotero. É um agradecimento à comunidade de
Roma no seu conjunto, não ao seu bispo em particular.
[4] Por que interveio então a Igreja de Roma e não a de Éfeso ou a
de Tessalónica ou qualquer das igrejas muito mais próximas de
Corinto que Roma?

Ao carecer a Igreja primitiva da organização hierárquica que mais


tarde se impôs (para não falar da hierarquia romana medieval), não
estavam delimitadas as jurisdições, de modo que de uma maneira sã
e evangélica, uma igreja podia exortar outra sem violar a inexistente
lei canónica. Não havia nada que o impedisse.

Além disso, se o bispo de Roma tivesse tido numa época tão primitiva
pretensões de papa universal, não resultaria fácil explicar por que
razão, sendo as seitas gnósticas iniciadas na mesmíssima Roma por
Valentim e por Cerdão (antecessor de Marcião) não foram postos no
seu lugar pelos próprios bispos locais (Higino, Pio e Aniceto) mas por
outros como Ireneu, bispo de Lyon, e Justino, que não era bispo
(Eusébio, História Eclesiástica IV, 11).

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