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"Saibam todos que o inseto conhecido por barbeiro ou chupão, encontrado nas
casas de pau-a-pique dos sertanejos do Brasil, é portador de um parasita que
causa febre, anemia, cardiopatias e aumento dos gânglios”.
Foi desta forma que em abril de 1909 o cientista mineiro Carlos Chagas, então com
30 anos de idade, avisou à também jovem República brasileira sobre o grave risco
que a população rural pobre enfrentava morando em casas erguidas com os
materiais que a própria natureza lhes disponibilizava diretamente: madeira, bambu,
cipó e barro. Só na década de 1960, no entanto, a Doença de Chagas começou a
ser vista como um problema de saúde pública, e a melhoria das moradias rurais
passou a ser levada em conta para sua prevenção.
Sendo assim, alguns poderão se surpreender com o fato de que aquela velha
técnica de construção vem deslumbrando o mundo da alta arquitetura. No século
XXI, falar em pau-a-pique não remete mais às residências rústicas dos séculos
passados, com as paredes tortas e péssimo acabamento -- ainda que grande parte
dos brasileiros continuem a viver nestas habitações precárias; hoje, falar em pau-a-
pique é falar em casas ecológicas, bioconstrução, arquitetura “verde”, ou qualquer
outra palavra ou expressão que dê conta do crescente preocupação de
proprietários, arquitetos e construtores em achar soluções sustentáveis para a
construção civil.
Tudo isto deixa claro que o fato de uma obra ser ambientalmente correta não
significa que ela seja mais econômica do que uma construção comum de alvenaria,
projetada sem maiores cuidados com a natureza. Ao contrário. Os materiais ditos
“ecológicos” podem ser muito mais caros do que os convencionais. E eles já são
tantos, tantos, que acabam se tornando artigos obrigatórios para quem quer levar
ao limite a idéia da bioconstrução.
Foi-se o tempo em que para ser ecologicamente correto bastava utilizar eucalipto
de reflorestamento. Hoje, existe desde cimentos feitos com resíduos de outras
indústrias até luminárias que captam a luz do sul e acendem sozinhas à noite para
gastá-la à vontade, passando por tijolos ecológicos, pastilhas de vidro 100%
reciclado, telhas de fibra de celulose e até martelos feitos com madeira certificada.
Os materiais ecológicos, portanto, ainda são mais para quem pode do que para
quem quer. Isto significa que não basta ser “verde”; é preciso ter bala na agulha
para tornar a si próprio alguém com a consciência ambientalmente tranquila, por
assim dizer.
Por outro lado, o custo de uma bioconstrução pode ser até 30% mais baixo, mas
isto costuma acontecer apenas nos projetos de habitações populares, quando as
casas de terra crua são a melhor opção por serem mais baratas, e não
necessariamente porque agridem menos o planeta.
Nestes casos, importa menos o baixo impacto ambiental e mais o baixo valor das
obras, que muitas vezes são feitas com material produzido no próprio local pelos
futuros moradores. Existe até uma espécie de Bíblia com um nome sugestivo sobre
o uso das “eco-tecnologias alternativas”. É o Manual do Arquiteto Descalço, do
holandês Johan van Lengen. Trata-se de um calhamaço de 736 páginas com
orientações sobre técnicas de bioconstrução baratas e relativamente simples que
visam ajudar o ser humano a “habitar o mundo de forma digna”.
A esta gente pobre, particularmente, o que interessa mesmo é ter um teto para
morar, não importa se coberto com telhas de amianto ou com verdíssimas telhas de
fibra de celulose, cujo processo de produção não libera um grama sequer de gás
carbônico para a atmosfera. Ora, em se tratando de salvar o planeta, nem sempre
o que vale é a intenção.