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Este ensaio discute as idéias de Karl Polanyi 1 em “A Grande Transformação” em
paralelo com o capítulo “A economia moral da multidão inglesa no século XVIII” de E. P.
Thompson e “Características essenciais do Kula” de Malinowisy 2. Inicialmente será
abordado qual o pressuposto de Polanyi e sobre qual base ele constrói sua crítica
econômica ao capitalismo. Em seguida será feito um paralelo com a forma como Thompson
aborda os motins da fome ocorridos na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX. Por fim,
utilizamos a descrição do circuito Kula elaborada por Malinowski para compreender a idéia
do porque é pouco satisfatório olhar para economias “primitivas” para entendermos a
economia atual. Ao contrário, entender as “economias primitivas” para depois olharmos para
a atual pode trazer iluminar diferentes questões.
Considerada sua obra prima A Grande Transformação trata da formação da
economia capitalista de mercado, destrinchando os processos através dos quais o mercado
separou-se das demais instituições sociais, até se tornar uma esfera autônoma e auto-
regulável. Em outras palavras, Polanyi procurou dar conta da falência da economia de
mercado e sua contrapartida, o liberalismo. Para ele, a economia de mercado exigiu
condições para funcionar ainda não existentes, que tiveram que ser criadas, e por isso foi
“artificialmente implantada” e gerou efeitos catastróficos na vida das pessoas do século XIX.
Nesta obra, a Revolução Industrial no século XVIII é caracterizada como o progresso
nos instrumentos de produção que geraram a desarticulação nas vidas das pessoas
comuns. Na tentativa de explicar os fatores que determinaram as formas dessa
desarticulação, o autor lançou a questão crucial sobre a qual se estruturam os argumentos
da segunda parte do livro:
1
Karl Polanyi nasceu em Viena em 1886. Estudou nas universidades de Budapeste e Viena e formou-se em
filosofia e em direito. Participou ativamente na Primeira Guerra Mundial, que resultou com a sua prisão no fronte
russo. Somente em 1940, durante um ciclo de palestras nos Estados Unidos que Polanyi entrou oficialmente na
vida acadêmica, aceitando a proposta oferecida pelo Bennington College. A partir de então, dedicou-se à sua
obra prima, A Grande Transformação, publicada pela primeira vez em 1944. Com a repercussão de seu trabalho,
foi convidado para lecionar na Universidade de Columbia em 1947, assumindo a disciplina de História
Econômica Geral. Durante o resto de sua carreira, Polanyi passou viajando entre Toronto e Nova Iorque, dando
continuidade ao seu trabalho junto à Columbia. Em 1957, publicou Trade and Markets in the Early Empires, sua
segunda obra prima. Polanyi viveu quase sempre na condição de exilado e nunca conseguiu se estabelecer na
vida acadêmica.
2
POLANYI, Karl. A Grande transformação: as origens da nossa época. [Trad. Fanny Wrobel] 2ª ed. Rio de
Janeiro: Campus, 2000; MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dosnativos nos arquipélagos da Nova Guiné. Melanésia. [Trad. Anton P. Carr e
Lígia Aparecida Mendonça] 3ª ed. São Paulo: Abril Cultura, 1984; THOMPSON, P. Edward. “A economia moral
da plebe inglesa no século XVIII”. In Costumes em comum. [Trad. Rosaura Eichemberg], São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.
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antigo tecido social e tentada, sem sucesso, uma nova integração homem
natureza?3
3
própria mudança; mas enquanto essa última freqüentemente não depende da nossa
vontade, é justamente o ritmo no qual permitimos que a mudança ocorra que pode depender
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de nós”. Nesse sentido, o ritmo dependia da possibilidade de se ajustar às condições
modificadas sem que fossem danificadas as condições morais de existência, entendendo
que o ritmo da mudança e do ajustamento ainda não estava apoiado nas leis de mercado.
Em outras palavras, Polanyi fez uma crítica à leitura equivocada da história e de como são
entendidas as mudanças. Ainda que a direção da mudança sugira a que perpetuou, não se
pode deixar de considerar o ritmo, aquilo que se perdeu, os caminhos que “não vingaram”.
Isso tudo, na visão de Polanyi ajuda a compreender de que forma ocorre a mudança.
A maneira de pensar a sociedade como um apêndice da economia foi descartada por
Polanyi como forma de entender as mudanças na história. A partir dessa abordagem
podemos fazer um paralelo com “A economia moral da multidão inglesa no século XVII” de
E. P. Thompson.
Thompson se propôs a entender boa parte da história social do século XVIII, através
de uma série de confrontos entre uma economia de mercado inovadora e a economia moral
da plebe, baseada no costume. Estes confrontos, para Thompson, tornam possível elucidar
o processo das formações de classe, bem como da consciência de classe. Para Thompson,
as emoções que são percebidas em momentos de escassez e as maneiras como as
pessoas reivindicam seus direitos podem passar despercebidas se olharmos para essas
situações com ares de condescendência, como fizeram as análises economicistas. Se os
economistas clássicos partiam do pressuposto da racionalidade do mercado, logo se
instaurava uma irracionalidade de quem é contrária a evolução “natural” desse mercado.
Através do termo “motim”, especialmente ao que se refere aos motins da fome na Inglaterra
do século XVIII, Thompson observou uma visão legitimadora por trás da ação popular. E
esta noção de legitimação muitas vezes baseava-se no modelo paternalista, conforme pode-
se perceber na citação a seguir:
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imbuídos da crença de que estavam defendendo direitos ou costumes tradicionais,
demonstra que a preocupação não estava apenas em preencher o vazio do estômago.
Thompson observou que
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entanto, esses elementos são incidentais para Polanyi ao atentar para o estabelecimento de
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uma economia de mercado. É preciso saber quais são as forças sociais que impulsionam
essas motivações. Ao sintetizar aquilo que veio a ser a sociedade de mercado, Polanyi
afirmou:
11
Nesse caso, o impacto da máquina numa sociedade comercial tem a sua importância, mas não pode ser
considerado a causa da mudança, Polanyi ao menos não o considera.
12
POLANYI, op. cit., p. 60.
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do homem no seu estado natural, abandonando qualquer interesse na cultura do homem
13
“não-civilizado” como irrelevante para se compreender os problemas da nossa era.
Historicamente, todas as sociedades tiveram um mercado de trocas e permutas, mas nem
sempre com a conotação capitalista, isto é, sem a finalidade de produzir preço, lucro ou
concorrência. Através dos povos primitivos, Polanyi retomou esse argumento “esquecido”
pela economia, entrelaçando a história econômica à antropologia social, para então tentar
entender como o fenômeno da economia é tratado em sociedades que não são de mercado.
Segundo Polanyi,
13
POLANYI, op. cit. p. 64.
14
Ibidem, p. 65. Essa relação estabelecida pelo autor, apresenta influências dos trabalhos de Malinowski e
Thurnwald, ambos antropólogos do século XIX.
15
POLANYI, op. cit., p. 73.
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Nesse sentido, as trocas são colocadas em serviço da sociedade e não o contrário.
O terceiro princípio, chamado por Polanyi de domesticidade, consiste na produção para uso
próprio. No entanto, a necessidade de produzir para si, não tem relação com os
comportamentos de auto-interesse, uma vez que o princípio continua o mesmo, isto é, o de
produzir e armazenar para a satisfação dos membros do grupo. Argumento que o autor
apoiou na Política de Aristóteles, que há mais de dois mil anos já insistia na produção para
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uso em contraposição à produção visando o lucro, como essência da domesticidade.
Segundo Polanyi, “entre essas motivações, o lucro não ocupava lugar proeminente. Os
costumes e a lei, a magia e a religião cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as
regras de comportamento, as quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no
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sistema econômico”. Estes princípios sócio-econômicos - reciprocidade, redistribuição e
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domesticidade - não se restringem a pequenas comunidades e grupos primitivos e de
forma alguma deve-se concluir que uma economia não regulada pelo mercado seja
necessariamente simples. Ao contrário, ao analisar o circuito Kula, Polanyi sugeriu que:
16
Idem, p. 74.
17
Idem, p. 75.
18
Idem, p. 68.
19
Idem, p. 69.
20
MALINOWSKY, op. cit., p. 71.
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Ao apresentar um mapa do circuito Kula, Malinowsky observou que o nativo não tem
a visão do circuito como um todo. Estão cientes dos seus motivos, conhecem os objetivos e
as ações individuais e as regras que as coordenam, estão a par da instituição coletiva do
seu grupo. O nativo faz parte do todo, mas não consegue vê-lo de fora, como um
observador. A análise e integração destes detalhes observados e a síntese sociológica dos
indícios são tarefas para o etnólogo e para o etnógrafo. Conforme afirmou Malinowsky, o
que é constante e relevante, o que é acidental, as leis e regras das transações, a
constituição do quadro dessa grande transação, são tarefas da etnografia e da etnologia.21
Segundo Malinowski, tanto na ciência econômica como na moderna etnografia o
termo comércio tem inúmeras acepções e muitas vezes são carregadas de idéias pré-
concebidas. O Kula contradiz, em quase todos os aspectos, a definição de “comércio
primitivo” (troca de artigos indispensáveis sob a pressão de carência e de necessidade). Na
análise de Malinowsky, o kula mostra o comércio primitivo sob um ângulo totalmente
diferente, enraizado em mitos, sustentado por leis da tradição.
A comparação da análise de Malinowsky para compreender Polanyi mostra-se
bastante sugestiva. Polanyi destrinchou a história do mercado para compreender a sua
origem e a mudança para um tipo inteiramente novo da economia no século XIX, no qual o
sistema econômico passa a ser ditado pela lógica do mercado, ou seja, “em vez de a
economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutias
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no sistema econômico”. A transformação dos mercados isolados numa economia de
mercado e os mercados reguláveis em um mercado auto-regulável são explicações não
aceitas pelo autor como um desenvolvimento natural da difusão de mercados. Um dos
maiores problemas considerados por Polanyi, é que os próprios contemporâneos não
entendiam o que estava acontecendo. A degradação moral do trabalhado não poderia ser
resolvida somente através de leis de proteção.
Ao contrário do que pensavam os liberais, o mercado de trabalho não é antigo, como
o laissez-faire nunca foi o regime natural de organização social. São efeitos da ação
deliberada de uma classe que se auto denominou como universal, efeitos implantados
artificialmente pelo Estado, através de leis e instituições. O desenvolvimento do mercado
exigiu a transformação da terra, do trabalho e do dinheiro em mercadoria, levando a
civilização do século XIX ao seu próprio aniquilamento. O duplo movimento de ampliação do
mercado com relação às mercadorias verdadeiras e a restrição com relação às fictícias
(medidas protecionistas), na tentativa de conciliar o que é incompatível, fez com que a
civilização do século XIX ruísse. A partir do século XIX, os efeitos destrutivos do mercado de
21
Ibidem, p. 72.
22
Idem, p. 77.
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trabalho, são limitados pela introdução de mecanismos de proteção dos trabalhadores, em
boa medida impulsionados pela ação dos movimentos operários e políticos de esquerda.
A cada colapso do capitalismo, como aconteceu em 1929, há quem acuse as
políticas sociais de regulação dos mercados como as responsáveis. Pode-se dizer que uma
das finalidades de Polanyi foi argumentar que nenhuma sociedade foi e seria capaz de
sobreviver sem medidas de proteção em relação aos mercados auto-regulados. Para
Polanyi o desdobramento das formas de produção é insuficiente e não permite enxergar a
origem dos mercados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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