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UNIVERSIDAD: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

NUCLEO DISCIPLINARIO/COMITÉ ACADEMICO/OTROS TEMAS: História y Fronteiras.


“Fronteras e relaciones internacionales: Pasado y presente”
TITULO DEL TRABAJO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ECONOMIA CAPITALISTA DE
MERCADO E SOCIEDADE EM KARL POLANYI
AUTOR(ES): Cristina Dallanora
dallanora.cristina@gmail.com
PALABRAS CLAVES: história, economía, costumes.
historia, economía, costumbres.

1
Este ensaio discute as idéias de Karl Polanyi 1 em “A Grande Transformação” em
paralelo com o capítulo “A economia moral da multidão inglesa no século XVIII” de E. P.
Thompson e “Características essenciais do Kula” de Malinowisy 2. Inicialmente será
abordado qual o pressuposto de Polanyi e sobre qual base ele constrói sua crítica
econômica ao capitalismo. Em seguida será feito um paralelo com a forma como Thompson
aborda os motins da fome ocorridos na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX. Por fim,
utilizamos a descrição do circuito Kula elaborada por Malinowski para compreender a idéia
do porque é pouco satisfatório olhar para economias “primitivas” para entendermos a
economia atual. Ao contrário, entender as “economias primitivas” para depois olharmos para
a atual pode trazer iluminar diferentes questões.
Considerada sua obra prima A Grande Transformação trata da formação da
economia capitalista de mercado, destrinchando os processos através dos quais o mercado
separou-se das demais instituições sociais, até se tornar uma esfera autônoma e auto-
regulável. Em outras palavras, Polanyi procurou dar conta da falência da economia de
mercado e sua contrapartida, o liberalismo. Para ele, a economia de mercado exigiu
condições para funcionar ainda não existentes, que tiveram que ser criadas, e por isso foi
“artificialmente implantada” e gerou efeitos catastróficos na vida das pessoas do século XIX.
Nesta obra, a Revolução Industrial no século XVIII é caracterizada como o progresso
nos instrumentos de produção que geraram a desarticulação nas vidas das pessoas
comuns. Na tentativa de explicar os fatores que determinaram as formas dessa
desarticulação, o autor lançou a questão crucial sobre a qual se estruturam os argumentos
da segunda parte do livro:

Que ‘moinho satânico’ foi esse que triturou os homens transformando-os em


massa? Quanto pode se atribuir, como causa, às novas condições físicas? E
quanto se pode atribuir às dependências econômicas, que funcionam sob as
novas condições? Qual foi o mecanismo por cujo intermédio foi destruído o

1
Karl Polanyi nasceu em Viena em 1886. Estudou nas universidades de Budapeste e Viena e formou-se em
filosofia e em direito. Participou ativamente na Primeira Guerra Mundial, que resultou com a sua prisão no fronte
russo. Somente em 1940, durante um ciclo de palestras nos Estados Unidos que Polanyi entrou oficialmente na
vida acadêmica, aceitando a proposta oferecida pelo Bennington College. A partir de então, dedicou-se à sua
obra prima, A Grande Transformação, publicada pela primeira vez em 1944. Com a repercussão de seu trabalho,
foi convidado para lecionar na Universidade de Columbia em 1947, assumindo a disciplina de História
Econômica Geral. Durante o resto de sua carreira, Polanyi passou viajando entre Toronto e Nova Iorque, dando
continuidade ao seu trabalho junto à Columbia. Em 1957, publicou Trade and Markets in the Early Empires, sua
segunda obra prima. Polanyi viveu quase sempre na condição de exilado e nunca conseguiu se estabelecer na
vida acadêmica.
2
POLANYI, Karl. A Grande transformação: as origens da nossa época. [Trad. Fanny Wrobel] 2ª ed. Rio de
Janeiro: Campus, 2000; MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dosnativos nos arquipélagos da Nova Guiné. Melanésia. [Trad. Anton P. Carr e
Lígia Aparecida Mendonça] 3ª ed. São Paulo: Abril Cultura, 1984; THOMPSON, P. Edward. “A economia moral
da plebe inglesa no século XVIII”. In Costumes em comum. [Trad. Rosaura Eichemberg], São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.

2
antigo tecido social e tentada, sem sucesso, uma nova integração homem
natureza?3

A resposta de Polanyi é sugerida cautelosamente ao longo do texto, em


contraposição à filosofia liberal que ao interpretar mal a Revolução Industrial, julgou os
acontecimentos sociais decorrentes dela a partir de um ponto de vista estritamente
4
econômico. Para a análise desta questão, o autor recorreu aos cercamentos do período
Tudor na Inglaterra, quando os campos e as áreas comuns foram cercados pelos senhores
e condados inteiros foram ameaçados pelo despovoamento. A partir daí, Polanyi procurou
estabelecer um paralelo existente entre as devastações causadas pelos cercamentos e,
posteriormente pela Revolução Industrial, com as alternativas enfrentadas por uma
comunidade vivendo no paradoxismo do progresso econômico não-regulado. Relação que
teve seus efeitos compensadores, porém, se entendidos dentro de uma economia de
mercado. Na falta dessa economia, capaz de absorver o que estava sendo produzido,
exemplifica o autor, a ocupação lucrativa de criar carneiros e vender sua lã, poderia arruinar
o país. 5
A expulsão dos camponeses de suas terras e os futuros empregos que os
esperavam nos centros produtores de lã, foram vistos por alguns de seus contemporâneos
como atendendo às necessidades de ambos os lados, habitação para os pobres e
progresso para os nobres. Essa visão, segundo o autor, alimentava-se da desarticulação
social, lançando os homens sem que eles pudessem ter onde cair ou ao menos algo que
viesse amenizar sua queda. Para Polanyi,

O tecido social estava sendo destruído; aldeias abandonadas e ruínas de


moradias humanas testemunhavam a ferocidade da revolução, ameaçando
as defesas do país depredando suas cidades, dizimando sua população,
transformando seu solo sobrecarregado em poeira, atormentando seu povo e
transformando-o de homens e mulheres decentes numa malta de mendigos e
ladrões.6
Essa realidade, alertou o autor, não era comum a toda a Inglaterra. Assim como do
século XV ao XVIII houve políticas de contenção dos cercamentos por parte de alguns
nobres das Dinastias Tudor e Stuarts, em contraposição ao Parlamento, que era favorável a
tal política. Entretanto, a legislação anticercamento não impediu o curso dos cercamentos e
da exploração dos camponeses. Polanyi observou que este fato não caracterizou esse
processo como inalterável ou que o rumo dessa mudança pudesse ser encarado como
prova da ineficácia das atitudes tomadas para a contenção do ritmo do seu progresso. Para
Polanyi, o ritmo da mudança “muitas vezes não é menos importante que a direção da
3
POLANYI, op. cit., p. 51.
4
Ibidem, p. 52.
5
Idem, p. 52.
6
Idem, p. 53.

3
própria mudança; mas enquanto essa última freqüentemente não depende da nossa
vontade, é justamente o ritmo no qual permitimos que a mudança ocorra que pode depender
7
de nós”. Nesse sentido, o ritmo dependia da possibilidade de se ajustar às condições
modificadas sem que fossem danificadas as condições morais de existência, entendendo
que o ritmo da mudança e do ajustamento ainda não estava apoiado nas leis de mercado.
Em outras palavras, Polanyi fez uma crítica à leitura equivocada da história e de como são
entendidas as mudanças. Ainda que a direção da mudança sugira a que perpetuou, não se
pode deixar de considerar o ritmo, aquilo que se perdeu, os caminhos que “não vingaram”.
Isso tudo, na visão de Polanyi ajuda a compreender de que forma ocorre a mudança.
A maneira de pensar a sociedade como um apêndice da economia foi descartada por
Polanyi como forma de entender as mudanças na história. A partir dessa abordagem
podemos fazer um paralelo com “A economia moral da multidão inglesa no século XVII” de
E. P. Thompson.
Thompson se propôs a entender boa parte da história social do século XVIII, através
de uma série de confrontos entre uma economia de mercado inovadora e a economia moral
da plebe, baseada no costume. Estes confrontos, para Thompson, tornam possível elucidar
o processo das formações de classe, bem como da consciência de classe. Para Thompson,
as emoções que são percebidas em momentos de escassez e as maneiras como as
pessoas reivindicam seus direitos podem passar despercebidas se olharmos para essas
situações com ares de condescendência, como fizeram as análises economicistas. Se os
economistas clássicos partiam do pressuposto da racionalidade do mercado, logo se
instaurava uma irracionalidade de quem é contrária a evolução “natural” desse mercado.
Através do termo “motim”, especialmente ao que se refere aos motins da fome na Inglaterra
do século XVIII, Thompson observou uma visão legitimadora por trás da ação popular. E
esta noção de legitimação muitas vezes baseava-se no modelo paternalista, conforme pode-
se perceber na citação a seguir:

Assim, o modelo paternalista tinha uma existência ideal e, igualmente uma


existência real fragmentária. Nos anos de boas colheitas e preços
moderados, as autoridades caíam no esquecimento. Mas os preços subiam e
os pobres se tornavam turbulentos, o modelo era ressuscitado, pelo menos
para produzir o efeito simbólico.8

Percebe-se que o modelo paternalista era reivindicado ou abandonado quando lhes


conviessem. O mesmo acontecia com muitos fidalgos que se indignavam com o sujeito que
intermediava a venda de cereais ou do próprio pão, que para eles era um mercador não
autorizado. Portanto, esta legitimação na qual homens e mulheres da multidão estavam
7
POLANYI, op. cit., p. 55.
8
THOMPSON, op. cit., p. 160.

4
imbuídos da crença de que estavam defendendo direitos ou costumes tradicionais,
demonstra que a preocupação não estava apenas em preencher o vazio do estômago.
Thompson observou que

[...] se quisermos questionar a visão espasmódica e unilinear dos motins da


fome, basta apontar esse motivo contínuo da intimidação popular, quando
homens e mulheres, quase a ponto de morrer de fome, ainda assim não
atacavam os moinhos e os celeiros para roubar alimentos, mas para punir os
proprietários. Reiteradas vezes, os cereais ou a farinha eram espalhados ao
longo das estradas e das sebes, despejadas no rio, as máquinas do moinho
eram danificada, e as suas represas escoadas.9

Como num “arranjo de lentes”, Thompson propôs um outro enfoque no qual se


percebe a racionalidade nas ações dos motins, em outras palavras, das manifestações que
visavam recolocar a ordem no mundo novamente. Para o autor, o motim da fome na
Inglaterra do século XVIII era uma forma complexa de ação popular direta, disciplinada e
com objetivos claros. Para as pessoas que não pensavam sobre, mas viviam a economia, a
luta em defesa de âncoras morais fazia-se legítima. Justamente o contrário do que
propunham os economistas clássicos que se baseavam na idéia de que quando se está livre
para competir, não se faz necessário e nem se depende de moral alguma para que se
estabeleça um equilíbrio. Considerando os motins e tantos outros acontecimentos da vida
dos camponeses, principalmente a falta de condições para comprar o pão, percebe-se
valores muito diferentes, que em Thompson recebem especial importância. Através do texto
de Thompson, o termo “motim” torna-se um padrão sofisticado de comportamento, conforme
apontamos acima, que não se deixa levar apenas pela fome.
Pode-se dizer que a forma como Thompson analisou a questão dos motins, olhando
para o movimento em detrimento da direção que tomou, atentando para os desvios no lugar
do que perpetuou, sugere uma forma sofisticada de entender a direção que a história toma.
Parece que é deste prisma que Polanyi procurou entender a “avalanche de
10
desarticulação social” que atingiu a Inglaterra num movimento de progresso econômico e
o credo materialista que acreditava que os problemas humanos pudessem ser resolvidos
com bens materiais. Não basta olhar apenas o desenvolvimento econômico conseqüente da
evolução técnica. A lei dos salários e a exploração freqüentemente eram utilizadas pelos
seus contemporâneos para explicar a pobreza e a riqueza. Todavia, para Polanyi, a
exploração é um ponto importante, mas não é explicativo. A expansão dos comércios locais,
o clima propício e a invenção das máquinas, sem dúvida constituem os fatores que
impulsionaram a revolução. Assim como o aparecimento das cidades fabris, a emergência
de favelas, os baixos salários e o aumento populacional são as suas características. No
9
Ibidem, op. cit., p. 182.
10
POLANYI, op. cit., p.58.

5
entanto, esses elementos são incidentais para Polanyi ao atentar para o estabelecimento de
11
uma economia de mercado. É preciso saber quais são as forças sociais que impulsionam
essas motivações. Ao sintetizar aquilo que veio a ser a sociedade de mercado, Polanyi
afirmou:

A transformação implica uma mudança na motivação da ação por parte dos


membros da sociedade: a motivação do lucro passa a substituir a motivação
da subsistência. Todas as transações se transformam em transações
monetárias e estas, por sua vez, exigem que seja introduzido um meio de
intercâmbio em cada articulação da vida industrial. Todas as rendas devem
derivar da venda de alguma coisa e, qualquer que seja a verdadeira fonte de
renda de uma pessoa, ela deve ser vista como resultante de uma venda. É
isto que significa o simples termo ‘sistema de mercado’ pelo qual designamos
o padrão institucional descrito. 12

A partir de então, a produção das máquinas numa sociedade comercial transforma a


natureza humana em mercadoria. Ao contrário do que pensavam os economistas clássicos,
Polanyi procurou entender qual é a sociedade que coloca essa tecnologia como essencial
em detrimento daquela fabricada pelo artesão na sua casa. Nesse sentido, pode-se dizer
que os economistas clássicos partiram da novidade – o mercado auto-regulado – e não do
que propriamente o originou. Neste caso o paralelo da obra de Polanyi com os textos de
Thompson e Maliniwski sugere que os três autores preocuparam-se em olhar para a
economia de uma sociedade não através do que já estava dado, mas preocuparam-se com
os movimentos que atuaram na direção que assumia a história dessas pessoas.

No capítulo intitulado “Sociedades e sistemas econômicos”, antes de discutir as leis


que governam a economia de mercado, Polanyi investiu nos pressupostos subjacentes a
esse sistema. A economia de mercado auto-regulada pelos próprios preços de mercado
pode ser considerada um sistema sem precedentes na história humana, afirmou Polanyi. No
entanto, não pode ditar os padrões para compreensão da economia de todas as sociedades
em todos os tempos. Toda sociedade implica alguma forma de economia e, certamente, não
há sociedade que sobreviva sem tais relações. Porém, a economia de mercado é
especificidade dos tempos modernos, alertou o autor.
Se num primeiro momento as relações de permuta, barganha e de troca, eram
comuns a quase todas as sociedades, Polanyi procurou entender o que fez com que a idéia
de mercado passasse a dominar as relações sociais, em contraposição ao argumento da
teoria econômica liberal clássica que tentou basear a lei do mercado na alegada propensão

11
Nesse caso, o impacto da máquina numa sociedade comercial tem a sua importância, mas não pode ser
considerado a causa da mudança, Polanyi ao menos não o considera.
12
POLANYI, op. cit., p. 60.

6
do homem no seu estado natural, abandonando qualquer interesse na cultura do homem
13
“não-civilizado” como irrelevante para se compreender os problemas da nossa era.
Historicamente, todas as sociedades tiveram um mercado de trocas e permutas, mas nem
sempre com a conotação capitalista, isto é, sem a finalidade de produzir preço, lucro ou
concorrência. Através dos povos primitivos, Polanyi retomou esse argumento “esquecido”
pela economia, entrelaçando a história econômica à antropologia social, para então tentar
entender como o fenômeno da economia é tratado em sociedades que não são de mercado.
Segundo Polanyi,

A descoberta mais importante nas recentes pesquisas históricas e


antropológicas é que a economia do homem, como regra, está submersa em
suas relações sociais. Ele não age desta forma para salvaguardar seu
interesse individual na posse de bens materiais, ele age assim para
salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu patrimônio
social. Ele valoriza os bens materiais na medida em que eles servem a seus
propósitos. Nem o processo de produção, nem o de distribuição está ligado a
interesses econômicos específicos relativos à posse de bens. 14

Ao utilizar o termo “submersa”, Polanyi apresentou uma noção de interesse diferente


daquela proposta pelos economistas clássicos. Segundo o autor, tomando como exemplo a
sociedade tribal das Ilhas Trobriand na Melanésia Ocidental, o interesse econômico
individual não é predominante, e mesmo assim há uma lógica que garante a ordem na
produção e na distribuição. Portanto, as sociedades não modernas garantiam meios
materiais para a satisfação das necessidades através de duas formas econômicas básicas:
reciprocidade e redistribuição. A primeira deles é articulada em função dos membros da
família ajudando a salvaguardar sua produção e subsistência. A segunda forma consiste na
entrega de parte da produção de toda a ilha ao chefe da aldeia, para armazenamento.
Segundo Polanyi, os dois princípios são capazes de assegurar o funcionamento de um
sistema econômico sem a ajuda de registros escritos e de uma complexa administração
porque a organização dessas propriedades articula-se em torno de dois padrões: a simetria
social (sociedade igualitária), que facilita o comportamento da reciprocidade e, a
centralidade (sociedade com um Estado), que por sua vez fornece uma direção para a
coleta, armazenagem e redistribuição dos bens. Tanto a simetria como a centralidade vão
de encontro às necessidades da reciprocidade e da redistribuição, fazendo com que o
sistema econômico seja mera função da organização social.15

13
POLANYI, op. cit. p. 64.
14
Ibidem, p. 65. Essa relação estabelecida pelo autor, apresenta influências dos trabalhos de Malinowski e
Thurnwald, ambos antropólogos do século XIX.
15
POLANYI, op. cit., p. 73.

7
Nesse sentido, as trocas são colocadas em serviço da sociedade e não o contrário.
O terceiro princípio, chamado por Polanyi de domesticidade, consiste na produção para uso
próprio. No entanto, a necessidade de produzir para si, não tem relação com os
comportamentos de auto-interesse, uma vez que o princípio continua o mesmo, isto é, o de
produzir e armazenar para a satisfação dos membros do grupo. Argumento que o autor
apoiou na Política de Aristóteles, que há mais de dois mil anos já insistia na produção para
16
uso em contraposição à produção visando o lucro, como essência da domesticidade.
Segundo Polanyi, “entre essas motivações, o lucro não ocupava lugar proeminente. Os
costumes e a lei, a magia e a religião cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as
regras de comportamento, as quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no
17
sistema econômico”. Estes princípios sócio-econômicos - reciprocidade, redistribuição e
18
domesticidade - não se restringem a pequenas comunidades e grupos primitivos e de
forma alguma deve-se concluir que uma economia não regulada pelo mercado seja
necessariamente simples. Ao contrário, ao analisar o circuito Kula, Polanyi sugeriu que:

O circuito Kula, na Melanésia ocidental, baseado no princípio de


reciprocidade, é uma das mais complexas transações comerciais já
conhecidas pelo homem; e a redistribuição esteve presente, em escala
gigantesca, na civilização das pirâmides.19

Com um padrão de comportamento distinto daquele percebido por Thompson nos


motins da fome da Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, Malinowsky descreveu o circuito Kula.
Através dele é possível perceber que o seu papel não remete num primeiro momento à
funcionalidade da economia, ao contrário, atende antes à sociedade. Veremos o que é o
circuito Kula.
O kula é uma forma de troca e tem caráter intertribal bastante amplo; é praticado por
comunidades localizadas num extenso circuito de ilhas que formam um circuito fechado20.
Entre uma ilha e outra são trocados dois tipos de colares que viajam em direção oposta. Em
cada ilha e em cada aldeia um número restrito de homens participam do Kula, que recebem
os artigos, guardando-os por algum tempo consigo, para depois passar adiante. Estas
transações são reguladas por uma série de regras e convenções tradicionais. Paralelamente
à troca ritual do Kula, realizam-se comércio comum negociando de uma ilha para outra,
bens que são indispensáveis à sua economia e que não são fabricados pelo distrito que o
importa.

16
Idem, p. 74.
17
Idem, p. 75.
18
Idem, p. 68.
19
Idem, p. 69.
20
MALINOWSKY, op. cit., p. 71.

8
Ao apresentar um mapa do circuito Kula, Malinowsky observou que o nativo não tem
a visão do circuito como um todo. Estão cientes dos seus motivos, conhecem os objetivos e
as ações individuais e as regras que as coordenam, estão a par da instituição coletiva do
seu grupo. O nativo faz parte do todo, mas não consegue vê-lo de fora, como um
observador. A análise e integração destes detalhes observados e a síntese sociológica dos
indícios são tarefas para o etnólogo e para o etnógrafo. Conforme afirmou Malinowsky, o
que é constante e relevante, o que é acidental, as leis e regras das transações, a
constituição do quadro dessa grande transação, são tarefas da etnografia e da etnologia.21
Segundo Malinowski, tanto na ciência econômica como na moderna etnografia o
termo comércio tem inúmeras acepções e muitas vezes são carregadas de idéias pré-
concebidas. O Kula contradiz, em quase todos os aspectos, a definição de “comércio
primitivo” (troca de artigos indispensáveis sob a pressão de carência e de necessidade). Na
análise de Malinowsky, o kula mostra o comércio primitivo sob um ângulo totalmente
diferente, enraizado em mitos, sustentado por leis da tradição.
A comparação da análise de Malinowsky para compreender Polanyi mostra-se
bastante sugestiva. Polanyi destrinchou a história do mercado para compreender a sua
origem e a mudança para um tipo inteiramente novo da economia no século XIX, no qual o
sistema econômico passa a ser ditado pela lógica do mercado, ou seja, “em vez de a
economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutias
22
no sistema econômico”. A transformação dos mercados isolados numa economia de
mercado e os mercados reguláveis em um mercado auto-regulável são explicações não
aceitas pelo autor como um desenvolvimento natural da difusão de mercados. Um dos
maiores problemas considerados por Polanyi, é que os próprios contemporâneos não
entendiam o que estava acontecendo. A degradação moral do trabalhado não poderia ser
resolvida somente através de leis de proteção.
Ao contrário do que pensavam os liberais, o mercado de trabalho não é antigo, como
o laissez-faire nunca foi o regime natural de organização social. São efeitos da ação
deliberada de uma classe que se auto denominou como universal, efeitos implantados
artificialmente pelo Estado, através de leis e instituições. O desenvolvimento do mercado
exigiu a transformação da terra, do trabalho e do dinheiro em mercadoria, levando a
civilização do século XIX ao seu próprio aniquilamento. O duplo movimento de ampliação do
mercado com relação às mercadorias verdadeiras e a restrição com relação às fictícias
(medidas protecionistas), na tentativa de conciliar o que é incompatível, fez com que a
civilização do século XIX ruísse. A partir do século XIX, os efeitos destrutivos do mercado de

21
Ibidem, p. 72.
22
Idem, p. 77.

9
trabalho, são limitados pela introdução de mecanismos de proteção dos trabalhadores, em
boa medida impulsionados pela ação dos movimentos operários e políticos de esquerda.
A cada colapso do capitalismo, como aconteceu em 1929, há quem acuse as
políticas sociais de regulação dos mercados como as responsáveis. Pode-se dizer que uma
das finalidades de Polanyi foi argumentar que nenhuma sociedade foi e seria capaz de
sobreviver sem medidas de proteção em relação aos mercados auto-regulados. Para
Polanyi o desdobramento das formas de produção é insuficiente e não permite enxergar a
origem dos mercados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MALINOWSKY, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do


empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné. Melanésia.
[Trad. Anton P. Carr e Lígia Aparecida Mendonça] 3ª ed. São Paulo: Abril Cultura, 1984.
POLANYI, Karl. A Grande transformação: as origens da nossa época. [Trad. Fanny Wrobel]
2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
THOMPSON, P. Edward. “A economia moral da plebe inglesa no século XVIII”. In Costumes
em comum. [Trad. Rosaura Eichemberg], São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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