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História Política:

Totalidade e Imaginário
Vavy Pacheco Borges

1. Como desde OS anos 1980 estamos nos voltando constantemente para


a memória, quero começar lembrando aqueles que fizeram as primeiras
tentativas de avaliar a Iústoriografia brasileira. Há mais ou menos 30 anos -
quando a Iústoriografia não era ainda trabalhada de maneira significativa nem
mesmo na França, a maior de nossas influências Iústoriogáficas neste século -,
artigos de José Honório Rodrigues e um levantamento da Iústoriografia imperial
feito pelo brasilianista Stanley Stein introduziam entre nós o hábito da reflexão
sobre nossa produção histórica. Nos anos 1960 ainda, trabalhos de Erru1ia Viotti
da Costa - sobre a independência e sobre as origens da República - iniciaram
entre nós uma metodologia (acompanhamento de um tema desde sua origem,
com análise dos trabalhos sobre ele realizados) que hoje, em suas linhas gerais,
se encontra incorporada pela maioria dos Iústoriadores.
Há aproximadamente 20 anos começavam a se afumar no país os cursos
de pós-graduação, assin) como os primeiros cursos ditos de 'lústoriograHa.
Lembro-me de que, na pue-sp, ministrei em 1977 o primeiro desses cursos na
graduação; nele utilizei artigos de José Roberto Amaral Uipa que inovavam com

Nota: Este ICX1.o foi lIpresenrado na meS:H"edonda "Pcr.;pectivas metodológicas da produçao de p6s-grd­
duaçào em I,islória polítiC'd" do XVIII Simpósio Nacional da ANPUH, realizado em julho de 1995 em Recife.

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balanços e diagnósticos, delineando tendências e perspectivas da história do


Brasil; creio que seria interessante se voltássemos a essas observações, compa­
rando-as com a situação atual. Em 1983, marcou-me bastante um artigo de
Francisco Iglésias que apontava para o fato de os historiadores estarem usando
a sociologia, ao invés de "auxílio", como "instrumento diretor de trabalho".
Em 1985, uma iniciativa da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo
promoveu um saudável debate, infelizmente nunca publicado em seu conjunto,
intitulado "Como escrever a história de São Paulo". Para esse encontro, Maria
1
de Lourdes janotti fez um levantamento da produção uspiana Chamou minha
atenção no encontro a constatação de que "história regional" e "história de São
paulo" apareciam praticamente como excludentes. Mais recentemente, Maria de
Lourdes janotti e Márcia O'A1essio fizeram reflexões sobre a produção da
?
pós-graduação da PUC-SP.-
Nesses 15 anos da Revista Brasileim de História, alguns artigos têm
procurado mostrar certos lances e momentos de nosso percurso historiográfico.
Fernando A. Novais - a quem devemos análise sobre Caio Prado jr. - cobrou
de público na imprensa paulista, em 1995, a urgência de trabalhos como os que
aqui desenvolvemos. A avaliação pioneira estimulada pela ANPUH deve se
inscrever nessa certa tradição; vou assim procurar acrescentar minhas reflexões
nessa senda.

2. O levantamento feito por Maria de Lourdesjanotti e Márcia O'A1essio,


tendo como preocupação principal a história política, abrangeu mais do que
aqueles trabalhos que tradicionalmente seriam classificados como de história
política. Em 1991, a equipe do projeto de avaliação da ANPUH (então sendo
concebido e iniciado) encarregou-me de fazer um levantamento dos trabalhos
que pudessem estar contidos sob O rótulo "Política e ideologia", a partir de uma
simples listagem de dissertações e teses; apresentei depois algumas reflexões
no simpósio nacional daquele ano no Rio de janeiro.
Tive urna grAnde dificuldade inicial: para esse primeiro levantamento
foram esquematizados diver.sos eixos nos quais se classificaria a produção
acadêmica. Percebi logo que muitos trabalhos poderiam ser considerados, além
de trabalhos sobre política e ideologia, trabalhos também sobre história urbana,
escravidão, gênero, mentalidades, arte, ou seja, tratavam de um objeto que
poderia ser colocado sob mais de urna rubrica. Isso a meu ver deixava clara
tanto uma dificuldade de compartimentação da história em diferentes níveis,
áreas etc., quanto a importãncja da esfera do politico. Evidenciavam-se assin),
através de nossa produção, OS laços .com o político existentes nos ir1úmeros
campos de atividades e nas relações humanas.

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Surpreendeu-me, também, o grande número de trabalhos numa área


que para mim já se defInia como "história política" (e não "política e ideologia");
era algo muitíssimo maior do que se esperava, pois a "história política" estava
então bastante desacreditada, desvalorizada entre nós, Na análise aqui em
questão, a seleção feita destacou como significativos para a esfera do político
aproxima damente 66,46% da produção geral. As autoras do levantamento não
tinham, como eu tive, o temor de invadir searas alheias, pois desta vez não se
preparavam levantamentos paralelos, Porém, não por esse motivo, mas sim
devido às mesmas evidências do primeiro levantamento, selecionaram um
enorme número de trabalhos que lhes pareceram de história política, Assim os
defmem: "textos pertencentes ao universo do político, visto como o lugar onde
se expressa o jogo de poder que permeia as relações humanas", Agruparam os
tr.!balhos em quatro conjuntos, com diversos exempliftcando-os de
forma bastante clara e diversiftcada em relação ao conjunto da produção
'lacional,
Esse levantamento, a meu ver, COnfilmou que a discussão conceitual
d,o que se entende por história política ou história do político está longe de estar
3
feita e é bastante necessária, pois leva a uma discussão mais ampla', No
momento historiográftco que vivemos, há uma grande aceitação da história
como wn conhecimento construído, como um discurso criador do passado;
vivemos presentemente, como tem sido apontado de sobejo, uma crise dos
paradigmas, um momento de rupturas historiográficas; a história é apresentada
como que "em migalhas", Mas será que é possivel deixar de haver uma referência
à totalidade? E aí, qual seria o espaço do político?
Nossa produção, como é ponto paciftco, está marcada tanto pelos
movimentos da sociedade ocidental e brasileira quanto pela evolução da história
como forma de conhecimento; isso acabou levando, na prática, tanto à análise
da política em seu sentido mais tradicional quanto ao exame dos micropoderes,
Parecia-me que parte signiftcativa de nossa produção já estaria demonstrando,
na prática da pesquisa, influência dessas preocupações teóricas mais recentes,
procurando-se verifIcar empiricamente como o político alargou suas fronteiras,
seja a partir do enorme papel que o Estado tomou nas sociedades contempo­
ráneas, seja à medida que passamos a nos preocupar com o poder presente em
toda e 'Qualquer relação humana, É preciso investigar qual é a presença de
trabalhos presos a uma visào tradicional mais estreita, que me parece hoje
superada; atenção, não digo que estão superados OS objetos ou temas da história
política tradicional - partidos, grandes fIguras, instituições etc, -, mas que a
forma de trabalhá-los pode ser enriquecida a partir das discussões e alguns
trabalhos mais recentes,

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Depois dessas evidências iniciais, quero insistir nessa pergunta que me


parece mais abrangente e que pode talvez organizar nossa reflex,'io nesse campo
teórico: sem que pode haver inteligibilidade na história sem referência ao
universo político? François Furet e Pierre Rosanvallon, marcados pela ftlosofia
política, afirmam que não e dão-nos pistas para procurar encontrar o lugar do
político nas explicações totalizantes. Para esses dois historiadores franceses, o
maior papel da história política deve-se ao fato de que esta traz uma interpre­
tação global da transfom13çào: uma história política que veríamos como mais
atual vai buscar a racionalidade de uma época e de um espaço detem1inados
na problemática própria do objeto em questão - seja este um país, uma cidade,
uma instituição; vai procurar retomar os "comos" e os "porquês" das tentativas
de respostas dos homens a seus próprios problemas, em diversos espaçoS e
tempos; vai retomar sua cultura política própria, os conceitos que centraram
seus debates; vai retomar, enftm, todas as suas idéias e atitudes políticas, isto é,
aquelas que surgem ao tentarem os homens influenciar decisões sobre seu
destino, em qualquer tipo de situação.

3- O grande passo adiante do levantamento feito por Maria de Lourdes


Janotti e Márcia D'A1essio é que, como foram feitos pelas equipes da ANPUH
resumos dos trabalhos, apoiadas na leitura destes as autoras puderam levantar
hiPóteses, indo além das perplexidades iniciais ou do meramente quantitativo
do meu primeiro levantamento. Foram possíveis especulações que colocaram
a análise em outros pata013res. As dissertações e teses apresentam, como era
óbvio se esperar, diferenças de posturas metodológicas, de conceitual, de tipo
de fontes. Mas na verdade surpreenderam-me mais as semelhanças apontadas
pelas autoras do que as divergências naturais e significativas .
. Quase que necessariamente, a produção é constituída por trabalhos com
objetos referentes ao Brasil - 10% somente trabalham com outro tipo de objeto.
Isso é natural, pois cabe aos brasileiros escrever sua própria história. Porém, é
mais complicado do que só isso; é preciso pensannos um pouco no significado
da "história nacional". Como todos sabemos, desde a f011Ilaçã O dos Estados
nacionais, procurou-se criar um· sentimento de fidelidade dos habitantes em

relação a seu Estado; a visão da história de cada país tem nisso papel fundamental.
Nossa história, como a história francesa que tanto nos marcou e as outras histórias
européias, é uma história nacional, escrita sob a perspectiva da nação. Esta parece
ser a referência que propicià Wl13 idéia de totalidade para ltm "processo histórico"
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da nação Segundo mostram as autoras, existe uma história nacional como
perspectiva de fundo nos trabalhos levantados; mesmo naqueles trabalhos que
podem ser vistos como de história regional ou local - isto é, que tratam de um

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estado. cidade. ou mesmo de uma instituição -. a referencia a uma história


nacional parce estar sempre presente como referência final.
Além dessa perspectiva. os trabalhos, segundo as autoras, mostr"dJ11 um
referencial de permanentes lutas de classe, com pem13nentes derrotas que
provocam permanentes atitudes de defesa e de resistência. Há sempre referência
- explícita ou nào - a wn projeto bem organizado contra o Brasil ou contra o
povo brasileiro. exemplificado e detalhado pelas autoras desde os tempos
coloniais até o Império e deste à República. Na procura de saídas para esses
problen13s só teriam resultado impasses e derrotas... Assim, como a opressão é
peIllJanente, a resistência também o é; muda quem oprime, não muda a opressão.
Sabemos que a história respondeu. constantemente e de un13 n13neira
ampla, às den13ndas sociais. Entre nÓs a história nacional se fortificou no século
passado, e têm sido lembradas suas ligações desde então com o poder, no que
cha.Jl13mos de história oficial; esta procura, explícita ou implicitamente, fornecer
um "sentido verdadeiro" à his!ória do país, o qual interessa ao Estado nacional
divulgar entre seus cidadãos.' A concepção de história nacional subjacente à
produção brasileira é vista pelas autoras como un13 contestação deliberada a
essa "historiografia oficial ainda pouco definida e e�tudada", "a maior interlo­
cutora do discurso universitário". Parece-me que muitos de nossos pesquisado­
res quiseram recusar a pecha de "intelectuais orgânicos do Estado" ou da
"burguesia" brasileiros e se colocaram de fOIlBa simplista num pólo de crítica
radicalmente oposto, esquecendo mediações, n13tizações, como por exemplo
o pensamento inteligente e crítico existente mesmo na direita conservadora ou
liberal (e do qual as autoras listam bons exemplos). NUn13 atitude psicológica
meio adolescente e marcados por um marxismo igualmente ingênuo, parecem
adotar Wl13 forma de ver o mundo simplificadora, em que as coisas são ou
pretas ou brancas, e esquecem-se dos cinzas. Assim esquematiza-se, sinlplifica­
se, ou seja, acaba-se por falsificar, homogeneizando a história na ação de Un13
classe dominante onipotentemente n13quiavélica; em sun13, des-historicizando
a dominaçào que existiu e existe, obviamente, na história do Brasil. É aceitável
que isso se dê dessa forma somente no debate político-intelectual que ocorre
de uma fom13 ampla na sociedade, onde a utilização de uma visào de processo
de longa duração, mesmo com bases na realidade, iguala tempos e espaços e
anula a historicidade necessária a un13 visào histórica n13is elaborada.
Nossa visão da história do Brasil é, como a das histórias européias, a
de uma "biografia nacional", que trata de Un13 nação personalizada (em no
nosso caso há unl herói n13sculino, diverso da França, por exemplo, onde há
Un13 heroína-mulher). Parece-me estar por trás dessa visão descrita pelas autoras
a personificação de wn herói, seja este o Brasil ou seu "povo brasileiro". Déa
Fenelon, no início dos anos 1980, apresentou os resultados de uma pesquisa

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feita nos vestibulares de história, dos quais se delineava uma história cheia de
estereótipos, mitos e preconceitos, ligada a visões contraditórias e matrizes
diversas. Nessa história o político aparecia como o aspecto mais importante,
numa sucessão linear de grandes vultos. Era uma história muito tradicional,
próxima a uma visão oficial - estilo educação moral e cívica - em que havia
uma perspectiva maniqueísta de luta entre heróis e vilões, e na qual, durante o
período colonial, Portugal era o grande responsável por todas as maldades
contra OS intrépidos filhos do solo brasileiro, sempre decididos a tornar o Brasil
dono de seu destino. A colonização era por oulro lado valorizada por ter
incorporado elementos negros e índios, do que resultara uma democracia racial
e um grande ideal de hamlOnia. Percebia-se na visão de história um naciona­
lismo ufanista, lutando sucessivamente contra nossos dois grandes males,
primeiro o colonialismo e depois o imperiaJ.i!;mo. Nosso passado, sem conflitos
e 'incruento, mostrava O mal como vindo somente de fora; o Brasil estaria como
que desarticulado do resto do mundo, que só desejava seu atraso. O Brasil-povo
era visto como uma vítima, mas destinado sempre a um futuro glorioso.
Para algumas visões atuais que se crêem renovadoras, uma perspectiva
totalizante e em especial a partir da nação é algo descartado. A própria realielade
da construção dos Estados nacionais evidenciou o comprometimento destes
com formas de poder de diferentes regiões, de segmentos de classes, de grupos.
Além desse tipo de dificuldades, que poderíamos situar mais no campo teórico,
há també m uma séria dificuldade prática: uma quase que impossibilidade de se
tratar de algo tão amplo e tão vago como a história de toda uma nação, no
sentido em que muitos entendem a história hoje; pois é dificil para um só
historiador ficar atualizado com toda a vasta produção aqui em questão. Isso
tudo dificulta a constituição de um "perftl nacional" e para muitos impossibilita
uma história nacional. Um ensaio sobre a história nacional exige uma calegoria
de historiador e um fôlego cada vez mais ·raros entre nós.
Porém, para um público significativo que quer entender a situação de
impasse atual do Brasil, sua história enquanto naç-Jo é muito importante. A
função histórica ela relação passado-presente é inlportante para a construção da
cielaelania e de um futuro melhor. Assim, proporul0 que os historiadores
preocupados com a história política enfrentem em primeiro lugar essas dificul-
dades relacionaelas a uma "história nacional".

4. Quero propor, também, para as análises futuras, que se procure


aproximar essa visão de história que agora se delineia elas teorias explicd
' tivas
que tiveram maior circulação entre nós. Tivemos alguns momentos em que o
repensar do Brasil enquanto nação foi mais intenso: nos anos 1920 e 30, por
exemplo, a explicação de nossa realielade se tornou o interesse maior do debate

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político-intelectuaJ brasileiro; uma grande influência tanto do marxismo como


da sociologia começou a se fazer sentir e chegou até nossos dias. Na chamada
"reclemocratização" e sobretudo a partir dos anos 1950, muitos projetos e
propostas surgiram e se difundiram na sociedade em geral e na acadenua em
particular. Analisavam o que era visto como o desenvolvimento do capitalismo
nQ Brasil, a pobreZa nacional e suas raízes, a industrialização. As ciências sociais
em geral procuraram assim constantemente responder a essa demanda social
necessária: entender e explicar o que é visto, há muitas décadas, como "atraso",
"feudalismo", usubdesenvolvimento", ''terceiro-nlundismo'', "periferia", "depen­
dência", "dependência estrutural" etc.
São de sobejo apontadas em nossa historiografia as duas influências do
marxismo e da sociologia, em diferentes vertentes. Um ma.rxismo - simplificado
e empobrecido - e sua interpretação da lutas de classes como motor da história
está explicitado como lYdse de muitos trabalhos em inúmeros dos resumos feitos
pelas equipes da ANPUH, sendo marcante a presença da interpretação do
Estado-comitê da burguesia. Por nossa vivência, podemos supor também
influências de teorias sociológicas do conflito, com seu peso explicativo;
possíveis leitores e seguidores de John Stuart Mill, RaJf Dahrendorf e Alain
Touraine analisam o conflito ligando-o às mudanças. O funcionalismo e sua
explicação do conflito como uma disfunção devem ainda estar presentes num
plano de fundo teórico-explicativo.
Destacam-se em nossa produção trabalhos que hoje percebemos como
marcadamente políticos (em que pese a contribuição empírica que trouxera.m):
num primeiro momento, podemos classificar aqueles da história r'nilitante
marxista (cujo exemplo clássico é a obra de Nelson Werneck Sodré). Depois,
na expressão cunhada por Adalberto Marson, encontra-se uma' história "neo­
militante", a qual faz suas tentativas de ler a história do Brasil não a partir do
eixo do Estado (motor, Deus ex machina, sujeito único de nossa história), mas
a partir das chamadas "classes dominadas"?

5. Mas gostaria de propor ainda mais um outro nível para nossas


reflexões sobre o levantamento da produção histórica. A apontada concepção
de história do Brasil parece fazer parte integrante do imaginário político de
nosso grupo de historiadores; a exposição feita me deu a imagem de um magma
no qual estaríamos imersos a maioria de nós, pesquisadores, orientadores e
orientandos, por vezes mesmo sem ter disso consciência.
É lógico que é um imaginário baseado em uma exclusão real existente,
como concluem as autoras; cito a' última frase do texto: "a consciência da
exclusão brota da realidade brasileira, é por demais poderosa e imperativa, e é
por isso que a historiografia tem nela a maior referência". Em um país que foi

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o último a eliminar a escravidão e que atualmente tem uma das piores divisões
de renda do planeta, é totalmente explicável essa permanente referênda. É
também fundamental lembrar o fato de que muitos de nós sonhamos com a
utopia, o desejo de "entr'drmos no primeiro mundo" não somente do consumo
mas sobretudo da democrada, dos direito� de cidadania, o que significa uma
qualidade de vida mais satisfatória para a maioria da população. Parece-me
importa)1te lembrar aqui essas duas bases, digamos, mais reais, mais objetivas.
Não temos um imaginário paranóico.
Precisamos tentar explorar um pouco desse imaginário, sobretudo
investigar os sentimentos que esses constantes impasses nos provocar'dm e
provocam. É preciso pensar o imaginário nào como mistificador, isolado do real,
não como quimérico ou ilusório, mas com sua parte de razão e de não-raz.,10,
seus mitos e preconceitos, seus séntimentos positivos e negativos. Não há no
imaginário um sistema rígido, OS elementos são fluidos, se desdobram, não se
pode vê-los cartesianamemente; é preciso pensá-lo em uma longa duração.
Porque, creio, sem referências a esse imaginário será difícil entender esse magma
apontado. Estamos claramente no campo da cultura política, "com suas crenças,
ideais, normas e tradições, que dào um peculiar colorido e significado à vida
a
política, aspeaos menos tangíveis mas nem por isso menos interessantes"
Assim, lembrando especialmente as crenças, percebe-se como é difícil, somente
através da razão, consegUir apreender nosso próprio imaginário político, um
campo até agora quase que não explorado por nós.
Ne.sse imaginário, os mitos têm função explicadora, fornecendo um
certo número de chaves para a compreensão. do presente; têm também um
papel mobilizador. Um dos mitos que se aponta no imaginário político europeu
nos ultimos séculos é o da conspir'dç'dO ou do complô (dos judeus, dos jesuítas,
da Revoltição Francesa). Na visào aqui analisada, parece existir um complô,
IJ.IU" conspiração 'maléfica que precisa ser denunciada: é o complô de classe da
�urguesia, maquiavélica e onipotente. É o fantasma dessa burguesia que nas
Ce
f cadas
parte a partir do gostoso e tão utilizado manual de secundário História da
riqueza do homem, do marxista Léo Hubellllan. A eSsa imagem simplificada de
burguesia deve-se opor uma imagem mais requintada e historicamente mais
verdadeira: a bur esia enquanto um "fantasma de mil faces", como a definiu

Norberto Bobbio.
Raoul Girardet mostra o papel das manipulaçôes que estão a serviço
do complô e da conspiração: a c�rrupçào, o aviltamento dos costumes, a
desagregação sitemática das tradiçôes sociais e dos valores morais, ou seja,
lO
manipulaçôes que atingem "às fontes mais profundas da vida". Creio que é
interessante lembr'armo-nos dessas observaçôes, que estão sempre presentes

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Hist6ria Política: Totalidade e Imaginário

nos debates políticos mais acirrados e devem estar presentes também em nosso
lfllagmano.
. . � .

paraJacques Le Goff, foi nos anos 1960 que O popular se tornou moda,
defirtido como o que nào é savanl, scientiftque, rationnel, noble... Outros
apontam na França a preocu pação com a cultura popular como o novo caminho
n
encontrando nos anos 1970 por muitos "soixanle-huifardS, Além do evidente
comprometimento político com uma democracia cuja base sempre deve ser o
demos, parece haver entre nós um mito do "Povo" com maiúscula: um
sentimento, um desejo no imaginário, pelo qual se acredita no povo enquanto
sujeito histórico, se espera dele a salvação da sociedade como um todo. Algo
parecido com a análise feita por A1ain Pessin sobre o inconsciente rornàntico do
século XIX na França: o povo como o sujeito de uma "rêverie populiste', que o
autor examina em diferentes versões e vertentes (por exemplo em Victor Hugo,
Michelet, Eugene Sue, George Sand, Blanqui entre outros). Não é um povo
fonnado por pobres e/ou proletários, é um povo nútico, presente sobretudo nos
inconscientes dos autores. 12 Concluindo: para examinar mais detidamente a
especificidade de nossa visão da história nacional, devemos levar em conta suas
relações com o real, com as ciências humanas e com a lústoriografia em particular,
com a cultura politica brasileira, com seus mitos, crenças e tradições. Tudo isso
está inextricavelmente ligado, e é aqui lembrado a título introdutório e de
provocação, podendo ser aprofundado se quisennos dar wn passo adiante em
nossas avaliações da produção de história política no Brasil.

No t a s

J. Ver Maria de Lourdes M. Janotli, Regional da ANPUH em Campinas. em


"Historiografia, uma questão regional? 1994.
São Paulo no período republicano. um
exemplo", em Marcos Silva, A República 3. Um artigo meu recente pretel1de
em migalhas - flislón'a regional e loca/, provocar entre nós, da área, U11I
São Paulo, Marco Zero/CNPq, 1990. estimulante aprofundamento dessa
José R. A. Uipa e eu fomos os discussão. Ver Revista Brasileira de
comenmdores do texto. Hislória, vai. 1 I, n's 23-24 (Política e
culrura), seI. 91/ago. 92.
2. Na mesma senda, ver o trabalho das
professoras do Departamento de 4, Ver Geoffrey Barraclough, "Ui quête
História da USP Maria Helena Capelato, du sens dans )'histoire: histoire
Rachei Glezer e Vera A. Ferlini sobre a nationale, histoire comparée,
produção de pós-graduação do próprio méta-histoire", em Tendances actuelles
departamento, apresentado no Encontro de {'bislolre, Paris, Flammarion, 1980.

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5. Exemplo disso para a França se vê representações e práticas, São Paulo,


em Suzanne Citron, Le mythe de ANPUH/Marco Zero/FAPESP, 1992.
,'bis/oire natiOllLl/e: {'bistoire de la
8. Ver Norberto Bobbio, Dicionário de
Fra nce en questton, Paris, Les Editions
política, Brasilia, Ed. da UnB, 1986.
Ouvriêres/EDI, 1987.
9. Ver verbete "burguesia" em Bobbio,
6. Ver Déa R. Fenelon, Projeto-His/óna, op.cir.
São Paulo, PUC, n' 2, 1982. A pesquisa
analisa a concepção de história que
10. Ver Raoul Girardet, Mitos e
então passávamos para nossos
mitologias políticas, São Paulo,
Companhia das Letras, 1988.
alunos-professores e estes, por sua vez,
repassavam para seus alunos de 1° e 2° 11. Entre nós realizou-se. em 1977, um
graus. No caso dessa pesquisa a análise "Seminário de Cultura do Povo" na

fica mais complicada pelos problemas rUC-São Paulo.

12. Ver Alain Pessin, I..e my/be du pellple


de ensino-aprendizagem, como a
desarticulaçào de idéias e o factual
et la socieléjrançaise du XIXême siecle,
anedótico do "samba do crioulo doido"
Paris, rUF, 1992.
que todos conhecemos.

7. Ver Adalberto Marson, "Lugar e


identidade na historiografia de
movimertos sociais" em Maria Stella M. (Recebido para publicação em
Bresciani, Jogos da política: imagens, julbo de 19%)

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