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A EVOLUÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Gustavo Paschoal Teixeira de Castro Oliveira*


Silvia Kellen da Silva Theodoro**

RESUMO

O objetivo do presente estudo é a análise histórica da propriedade e sua função social no Brasil e
dos dispositivos a ela concernentes inseridos na Constituição Federal e no atual Código Civil.

Palavras-chave: propriedade, função social, Constituição Federal, Código Civil.

ABSTRACT

The objective of the present study is the historical analysis of the property and its social function
in Brazil and of the inserted concernments devices of it in the Federal Constitution and the
current Civil Code.
Keywords: property, social function, Federal Constitution, Civil Code.

RÉSUMÉ

L'objectif de la présente étude est l'analyse historique de la propriété et de sa fonction


sociale au Brésil, et des dispositifs qui concertnent a lui insérés dans la constitution fédérale et le
code civil courant.
Mot-clefs: propriété, fonction sociale, constitution fédérale, code civil.

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Desde o “descobrimento do Brasil” a questão agrária encontra-se inserida na sociedade,


sendo manifestada, hodiernamente, através de reivindicações de reforma agrária, figurando as
populações campesinas de um lado e, do outro, grandes proprietários de terras.
O cumprimento da função social da propriedade rural tem por finalidade o fomento da
produção, da integração da sociedade rural no processo de desenvolvimento nacional e de uma
melhor distribuição de terras, pautada tanto pela justiça quanto pela moral.
A questão da função social da propriedade rural encontra-se abarcada por alguns ramos
do Direito, sendo que encontra profundo vínculo no Direito Agrário, que, de acordo com
Borges1, “é o conjunto sistemático de normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra,
tendo em vista o progresso social e econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade”.
Gischkow2 leciona que:

O direito agrário é o sistema normativo com caráter publicístico, fundado na


função social da propriedade, que disciplina as relações jurídicas que têm por

*
Advogado em Ribeirão Preto, SP. Mestrando em Direito.
**
Advogada em Ribeirão Preto, SP. Mestrando em Direito.
1
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 17. Apud
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 1.
2
GISCHKOW, Emílio Alberto Maya. Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma agrária. São
Paulo: Saraiva, 1988. p. 21.
2

base a atividade agrária, regulando a redistribuição de terra (regime fundiário) e


a atuação dos sujeitos agrários sobre os objetos agrários – propriedade, posse e
ocupação de terra, assim como os vínculos obrigacionais entre os que a
possuem e cultivam.

O vocábulo “agrário” vem do latim ager, agri, ou seja, campo, idéia de campo como
suscetível de produção. Difere seu significado do vocábulo “rural”, pois este se origina de rus,
palavra de origem latina que também significa campo, mas com a idéia daquilo que é oposto à
cidade (urbs), com o sentido de localização, apenas.
Não se trata a questão agrária de uma simples e mera problemática. Vai mais além, pois,
para que se possa discutir construtivamente a respeito do assunto, deve-se ter em mente a questão
da justiça social. Para isso é necessário o estudo de certos dispositivos legais vinculados à questão
da função social da propriedade rural e ao direito de propriedade, bem como da evolução histórica
da propriedade, como se verá adiante.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PROPRIEDADE E DA QUESTÃO AGRÁRIA

1.1. Grécia Antiga

Desde a Grécia Antiga já se discutia a problemática das terras, bem como já se processavam
movimentos agrários (luta da plebe contra os patrícios e a nobreza). Há de se dizer também de
Atenas e Esparta, que disputavam a liderança política e econômica do mundo antigo. A princípio,
tanto os conquistadores dóricos da Lacônia (espartanos), quanto os jônicos da Ática (atenienses),
tinham por base uma organização comunitária, mas com o desenvolvimento da agricultura e
da pecuária, com a expansão da propriedade privada e das cidades, tal organização se modificou.
Tais fatos deram ensejo ao desenvolvimento do comércio e da navegação e,
conseqüentemente, ao surgimento das guerras, trazendo novas riquezas e novos hábitos. Licurgo,
figura legendária da história, surge em Esparta. Naquela época, reinava em Esparta grande
desigualdade social, em que a maioria esmagadora de cidadãos padecia na miséria, enquanto uma
ínfima minoria desfrutava da riqueza. Com a finalidade de suprimir todos os males decorren-
tes dessa desigualdade, Licurgo persuadiu os proprietários de terras à que entregassem
seus bens à coletividade, para que todos pudessem viver em pé de igualdade.
De acordo com Ferreira3, a região da Lacônia foi repartida em “30 mil partes entre seus
habitantes, e as terras que circundavam Esparta, em 9 mil partes”. Ao contrário da legislação
comunista de Esparta, em Atenas reinava a nobreza. No ano de 621 a.C., coube a Drácon
codificar as leis escritas. Penas bastante severas eram aplicadas, especialmente no que tocava o
direito de propriedade. Como conseqüência de tamanha severidade as “Leis de Drácon”
tornaram-se sinônimo de grande brutalidade.
Posteriormente, tais leis foram substituídas pela legislação do líder Sólon, considerada
mais humanas com o escopo de evitar uma revolução da plebe. Entretanto tais leis não
agradaram nem à plebe nem à nobreza.
Clístenes, em 509 a.C., estabeleceu a democracia na Grécia. Atenas tornou-se a maior
cidade do mundo, com cerca de 300 mil habitantes, tornando-se pólo de arte, filosofia, ciência,
literatura, indústria, navegação e comércio. Atenas deixou de ser um Estado agrícola para se
tornar uma potência marítima.
Tal desenvolvimento trouxe grande preocupação aos trabalhadores livres (proprietários
de imóveis rurais com extensão de 6 a 50 hectares), pois tiveram que lutar contra o capitalismo e
contra a concorrência do trabalho escravo, situação que denunciava a falta da verdadeira
democracia, pois o que imperava na Grécia Antiga era uma democracia escravista.

3
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 38.
3

Platão (429-347 a.C.), em sua obra A República, deu um passo importante na definição de
propriedade. Descreveu o Estado ideal, segundo suas próprias concepções, concluindo que a
melhor forma para se alcançar a Justiça é a construção de um Estado (diga-se aqui cidade-Estado,
a polis).
De acordo com Silva4:

Segundo a concepção da época, a cidade é o homem escrito em letras grandes e


a cidade ideal dessa forma, corresponde ao homem ideal. A construção da
cidade platônica corresponde a uma relação entre as quatro virtudes da alma
(Sabedoria, Temperança, Coragem e Justiça) e as três da alma (o apetite, a
impetuosidade e a racionalidade). Assim, a cidade ideal também deveria ter três
classes: os artesãos, que correspondem ao apetite, os guerreiros, correspondentes
à impetuosidade e os guardiães à racionalidade.

Na concepção platônica de Estado, é imposta à classe governante (governo e exército)


uma renúncia natural à propriedade, pois os “guardiães” e os “guerreiros” devem viver da forma
que melhor realizem seu trabalho, não podendo sofrer interferências do apetite e do aspecto
econômico.
Em situação oposta, encontram-se os “artesãos”, cabendo a eles o sustento do Estado e a
é-lhes conferida a liberdade do acúmulo de propriedades, não podendo, apenas, serem ricos ou
pobres demais. Em outras palavras já existia a noção de propriedade condicionada à produção.

1.2. Roma Antiga

Originariamente, Roma formou-se pela população nativa, denominada patrícios, do latim


pater, “o chefe da família, que detinha enormes poderes, tendo inclusive o poder de escravizar ou de manter os
membros de sua família”.5
A princípio, toda terra era pertencente à comunidade, tendo a família de patrícios um
pequeno lote. Aqueles moradores que não se incluíam entre os patrícios eram conhecidos como
plebeus. Eram livres, mas não detinham o direito de cidadãos (patrícios), muito menos o direito
de cultivar a terra da comunidade. Fazem parte da história de Roma lutas dos plebeus pela posse
da terra.
Ferreira6 leciona que, “com o desenvolvimento do Império Romano, a pequena cidade de Roma e o seu
Estado agrícola se transformam numa potência mundial”. Posteriormente, a riqueza começou a se
concentrar nas mãos de poucos. Entretanto, em 134 a.C., os irmãos Tibério e Caio Graco
procuraram fortalecer a plebe romana. Tibério propôs a restrição de quantidade de terras públicas
que cada cidadão poderia ocupar. Todavia, tal projeto de lei foi vetado e Tibério Graco sofreu
graves acusações, até mesmo de aspirar à coroa real, sendo assassinado.
A noção de propriedade, na Roma antiga, estava vinculada fortemente aos direitos
personalíssimos, e qualquer tentativa de reforma agrária era considerada como algo impensável.

1.3. Da Idade Média ao início do Século XX

Pode-se dizer que a Idade Média foi um período marcado por conflitos que envolveram a
nobreza e os campesinos, sendo estes severamente reprimidos. Era o momento em que as
manufaturas se desenvolviam e os campos eram convertidos em pastagens para ovelhas, criando-se,

4
SILVA, Rafael Egídio Leal. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo.,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 255.
5
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 44.
6
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 45.
4

assim, uma massa de excluídos sem chances de progresso, cabendo-lhes apenas a mendicância ou
a ladroagem.
Começaram a surgir nesta época algumas obras com a intenção de tratar de problemas
sociais, incluindo a questão da propriedade. Dentre elas, encontra-se a obra Utopia (1516), de
Thomas More, onde o autor discorre sobre um novo sistema de justiça, em que o que realmente
importa é o valor moral de cada indivíduo, e não as posses acumuladas. Qualquer noção de
propriedade deveria ser destruída para a garantia da justiça e da paz social.
Para John Locke, o Estado é fundado através do Contrato Social e considera que o fim
maior e principal para os homens se unirem em sociedades políticas e se submeterem a um
governo é a conservação de sua propriedade. Locke defende a idéia de que a propriedade privada
decorre diretamente da liberdade e da racionalidade do indivíduo.
Sobre a Revolução Francesa, leciona Borges7:

Aparentemente movimento popular contra privilégios, em verdade substituição


dos privilégios da realeza, da nobreza e do clero, pelo privilégio dos burgueses,
comerciantes e industriais, os novos ricos, a Revolução Francesa deu vigor
novo ao direito de propriedade, tornando-o quiçá mais sólido que entre os
próprios romanos.

Dita o Código Napoleônico que propriedade é o direito de gozar e de dispor das coisas
de maneira absoluta, desde que seu uso não viole leis ou regulamentos. Já a Constituição dizia que
era devida a indenização no caso de desapropriação. Pode-se dizer, então, que o direito de
desapropriar consolidou o direito de propriedade.Importante salientar a crítica de Marx à ideologia
liberal. Marx defende a idéia de que a terra não constitui capital, mas somente mercadoria. Sobre
as idéias de Marx, Silva8 discorre:

O capital é o trabalho acumulado pelo capitalista, sob a forma e meios de


produção, produzidos pelo trabalho. A terra não é produto do trabalho
humano, pois tem sua origem no envelhecimento da crosta terrestre. É um bem
finito que não pode ser reproduzido. O trabalho na terra tem objetivo de
produzir frutos e não mais terra. Segundo a teoria marxista, o capital gera lucro,
o trabalho assalariado produz salário e a terra produz renda. No entanto, é
tendência do capital apropriar-se de tudo, inclusive da terra que passou a ser
designada erroneamente também como capital.

Em 1848, Marx e Engels começaram a questionar o caráter absoluto da terra, defendendo


a idéia de nocividade se ela não for utilizada de modo produtivo. O Código Civil alemão já não
trata mais a propriedade como modo absoluto.
Importante deixar registrado o papel da Igreja. Sem dúvida a presença eclesial na
discussão sobre o uso da terra não parou com Tomás de Aquino (que vê na propriedade um
direito natural que deve ser exercido com vistas ao bem comum).
Surge pelas mãos do Sumo Pontífice Leão XIII a encíclica Rerum Novarum, de 15 de maio
de 1891, seguida, quarenta anos depois, pela encíclica Quadragésimo Anno (Pio XII – 1931) e, em
1962, a encíclica Mater et Magistra (João XXIII – 1962). Todas asseveram, em algum momento,
a importância da inclusão social via trabalho e distribuição das riquezas.
Segundo Araújo9, “para a Igreja, a propriedade não é uma função social a serviço do Estado, pois
assenta sobre um direito pessoal que o próprio Estado deve respeitar e proteger. Mas tem uma função social
subordinada ao bem comum. É um direito que comporta obrigações sociais”.

7
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.
8
SILVA, Rafael Egídio Leal. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo.,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 257.
5

A Constituição de Weimar, de 1919, adotou a função da propriedade como condicionada


ao bem da sociedade. O artigo 153 do referido diploma legal estabeleceu, em apenas três palavras,
um princípio que se tornou intensamente difundido: A propriedade obriga. E acrescenta: Seu uso
constitui, conseqüentemente, um serviço para o bem comum. Já era evidente que o cultivo e a exploração
da terra representam um dever para com a comunidade.
De acordo com Rocha10, foi nessa época que ocorreram reformas agrárias: na Alemanha, Áustria,
Checoslováquia, Estônia, Iugoslávia e Polônia, em 1919; na Hungria, Grécia e Letônia, em 1920; na Bulgária,
em 1921 e na Finlândia e Lituânia, em 1922, além de outros países.

2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL

Ditava o inciso XXII do artigo 179 da Constituição Imperial: É garantido o Direito de


Propriedade em toda a sua plenitude. Seguindo tal idéia, ditava o artigo 72, §17 da Constituição
Republicana de 1891: O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude...As minas pertencem aos
proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de
indústria.
A Constituição de 1934, em seus artigos 113, n. 17 e 118, passou a considerar as minas e
demais riquezas do solo, bem como as quedas-d’água, como propriedade distinta da do solo para
efeito de exploração ou aproveitamento industrial, e que o direito à propriedade não poderia ser
exercido contra o interesse social ou coletivo. Tais princípios foram mantidos nas Constituições
de 1937 e de 1942.
A Constituição de 1946 foi mais objetiva, exigindo que o uso da propriedade estivesse
condicionado ao bem-estar social, preconizando, em seus artigos 141, §16, e 147, que se
promovesse a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Em 1962, dezesseis anos após a promulgação da Constituição de 1946, foi editada a Lei
nº 4.132, que passou a regular a desapropriação por interesse social, embora de forma insuficiente
no que diz respeito aos imóveis rurais para fins agrários.
A Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional nº. 1 dotaram a propriedade de
uma função social. Entretanto, de acordo com Araújo11:

O nosso Direito Agrário positivo acolheu a noção de função social a partir da


Lei 4.504, de 30.11.64 – o Estatuto da Terra, a qual foi a primeira dentre todas
legislações latino-americanas sobre reforma agrária, se não a definir a função
social da propriedade, aquela que, ao menos, estabeleceu os seus requisitos
essenciais.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 trata da propriedade como direito fundamental
do indivíduo, uma vez que o caput do artigo 5º garante o direito da propriedade como algo inviolável.
Todavia, o inciso XXIII do referido artigo dita: a propriedade atenderá a sua função social.
Importante salientar que tanto a propriedade rural como a urbana devem cumprir sua
função social. Contudo, na presente pesquisa, o enfoque será dado apenas à função social da
propriedade rural.

3. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL

3.1 A importância dos direitos e garantias fundamentais

9
ARAÚJO, Telga de. "A propriedade e sua função social". p.159. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
10
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992. p. 72.
11
ARAÚJO, Telga de. "A propriedade e sua função social". p.163. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
6

A Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, tem


por escopo a prevalência do interesse social. Tal fato é muito bem evidenciado no Título II: “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais”, onde se percebe que o legislador procurou ressaltar
como finalidade o bem da coletividade.
Importante discorrer sobre o artigo 3º da Carta Magna:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação;

Segundo Silva12, a ordem social que a Lei Maior instituiu tem por base a construção desses objetos e o
intérprete da lei deve pautar-se por eles. Ou seja, os Direitos e Garantias Fundamentais (dando-se
ênfase ao rol do artigo 5º, assegurado pelo artigo 3º da Constituição Federal de 1988) são
considerados como a coluna vertebral de todo o ordenamento jurídico, pois é através de seu
cumprimento que se dará ensejo para o desenvolvimento social, político e jurídico do país.
De acordo com o que foi dito, o sistema dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrado é concebido como um complexo normativo hierárquico no conjunto do sistema
jurídico em geral, dele derivando conseqüências jurídicas, pois se encontra posicionado no mais
alto degrau das fontes dos direitos: as normas constitucionais.
Os direitos fundamentais estão inseridos nos princípios constitucionais fundamentais.
Sem eles, a Constituição não seria mais que uma reunião de normas que somente teria em
comum o fato de estarem incluídas num mesmo texto legal. Importante salientar que os direitos e
garantias fundamentais não são frutos da elaboração de uma Constituição, mas elementos que
servem de sustentação e edificação da mesma.
Já dizia Bobbio13: Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou
seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez. As Constituições apenas os certificam, declaram e
garantem. E acrescenta: O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições
democráticas modernas.
Sobre o tema, Moraes14 enfatiza:

O estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de


declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de
limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do
homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e
garantia à disponibilidade do legislador ordinário.

Assim considerados, sob a luz do entendimento da cooperação e da solidariedade entre os


homens, os direitos fundamentais designam, portanto, direitos que se erguem constantemente
diante do poder estatal, limitando a ação do Estado.
No que tange ao direito pátrio, a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os
direitos e garantias fundamentais, garantindo ao povo brasileiro prerrogativas em face ao Estado. Em
regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de

12
SILVA, Rafael Egídio Leal e. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 259.
13
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.
14
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 57.
7

eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese,


determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata (parágrafo primeiro do artigo 5º da CF/88).

3.2 A questão da função social da propriedade na Constituição Federal de 1988

3.2.1 Noções introdutórias

Para que se dê início à análise da legislação pátria no tocante à propriedade privada, mister
se faz a citação do caput do artigo 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá sua função social.

Juntamente com tais incisos, deve-se levar em conta o disposto no § 1º do referido artigo,
que diz: as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Já de princípio nota-se que a todos é assegurado o direito de propriedade (direito
individual). Todavia tal direito é acompanhado da seguinte cláusula imperativa: “a propriedade
atenderá sua função social”. Portanto, a função social possui caráter de dever coletivo, estando o
direito à propriedade garantido se sua função social for cumprida.
Segundo Abinagem15 a propriedade agrária caracteriza-se pelo fato de constituir bens que não se
destinam ao consumo, mas aptos a produzir bens para o consumo. E acrescenta: A terra é uma máquina
natural de produção. Percebe-se, logo, a importância do cumprimento da função social da
propriedade rural.
O papel da função social da propriedade privada é fazer submeter o interesse individual
ao interesse coletivo (bem-estar geral). O verdadeiro significado da função social da propriedade
não é de diminuição do direito de propriedade, mas de poder-dever do proprietário, devendo este
dar à propriedade destino determinado. Completando o pensamento, Araújo16 afirma que:

A propriedade rural, mais que a urbana, deve cumprir a sua função social para
que, explorada eficientemente, possa contribuir para o bem-estar não apenas de
seu titular, mas, por meio de níveis satisfatórios de produtividade e sobretudo
justas relações de trabalho, assegurar a justiça social a toda a comunidade rural.

Complementando, Rocha17 discorre que a propriedade não pode atender tão-só ao interesse do
indivíduo, egoisticamente considerado, mas também ao interesse comum, da coletividade da qual o titular do
domínio faz parte integrante.
Sobre o assunto, Varella18 ensina que como conseqüência da evolução social, pode-se observar o
crescimento das ideologias sociais-democratas que têm como característica comum a limitação do direito de
propriedade, vinculando-a ao cumprimento de sua função social.
Outro fator que merece ser mencionado em relação à função social da propriedade é que

15
ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 161.
16
ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. p.161. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
17
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992. p. 71.
18
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997. p. 216.
8

esta encontra-se inserida no rol das cláusulas pétreas:

Art. 60 [...]
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
IV – os direitos e garantias individuais.

Tal norma confere estabilidade à função social da propriedade, ou seja, enquanto vigorar
a Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade não poderá ser alterada.

3.2.2 A função social da propriedade e a Ordem Econômica

Há que se dizer também sobre a importância da propriedade privada e de sua função


social no âmbito da esfera econômica. Dita o artigo 170 da Constituição Federal de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade.

Tal artigo encontra-se inserido no Capítulo I “Dos princípios Gerais da Atividade


Econômica”, do Título VII “Da Ordem Econômica e Financeira”. Logo, tanto a propriedade
privada quanto sua função social são consideradas como princípios gerais, constituindo uma base
para o sistema.
A terra é um bem de produção por excelência, fonte de riquezas. Além disso, trata-se de
parte do meio ambiente onde vive o ser humano, ou seja, a terra é o local das relações entre os
homens e entre esses e o meio ambiente.
Não se pode esquecer que a terra é bem finito e sua conservação e manuseio exigem
racionalidade e bom senso. A manutenção da natureza, animais e plantas é questão primordial
para a sobrevivência da raça humana no planeta. Contudo, o progresso e as necessidades da vida
não permitem que a natureza seja considerada tal como um santuário.
Percebe-se que, com o passar dos tempos, tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário
asseguraram a manutenção de um modelo de crescimento econômico agressivo, caracterizado
por uma total ausência de maior zelo com o meio ambiente.
Até certo tempo atrás, o indivíduo era encorajado a usar sua propriedade de forma
irresponsável, independentemente dos custos ambientais que tal atividade pudesse desencadear,
desde que trouxesse desenvolvimento econômico para sua região.
Entretanto, nos dias atuais, esses mesmos Poderes lutam juntamente com a coletividade
para garantir o bem-estar geral, até das futuras gerações, através de um desenvolvimento sustentável
(compatibilização entre crescimento econômico e proteção do meio ambiente).
O fato é que o homem possui necessidades ilimitadas, enquanto os recursos naturais são
limitados, residindo aí o grande problema que atinge a civilização humana. Todavia, com as
modernas técnicas e equipamentos sofisticados disponíveis, não mais se justifica a degradação
ambiental além dos limites necessários ao funcionamento de certa atividade ou empreendimento.
Portanto, o desenvolvimento sustentável integrado à função social da propriedade é de suma
importância no desenvolvimento econômico e financeiro do país. A não observância de tal
princípio (função social da propriedade rural) produzirá reflexos negativos na ordem econômica,
restando a propriedade passível de desapropriação.
9

3.2.3 Análise do artigo 186 da Constituição Federal de 1988

O artigo 186 da Carta Magna é considerado como um marco teórico, pois


constitucionalizou a função social da propriedade rural, bem como seus requisitos. Reza tal
dispositivo:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

O primeiro requisito do artigo 186 diz respeito ao aspecto econômico, pois se refere à
produtividade do imóvel rural. De acordo com Silva19, aproveitar racionalmente a terra significa
procurar sempre utilizar a melhor técnica agrícola no trabalho do solo (...). É utilizar na terra o tratamento técnico
e científico adequado.
O segundo requisito é a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente.
A expressão “meio ambiente” (milieu ambient), de acordo com Milaré20, foi utilizada pela
primeira vez pelo naturalista francês Geoffroy de Saint-Hilaire na obra Études progressives d’un
naturaliste, de 1835.
A palavra ambiente significa recinto, sítio, lugar, local, tudo aquilo que envolve os seres
vivos e as coisas. O vocábulo meio indica o espaço onde se desenvolve a vida e a atividade dos
seres vivos, o lugar em que se vive.
Constata-se, portanto, a redundância da expressão meio ambiente. Contudo, trata-se de uma
expressão consagrada e solidificada na língua portuguesa, utilizada tanto pela doutrina, lei e
jurisprudência pátria. Tal fato é facilmente constatado no Direito positivo nacional, dado pela Lei
6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 3º. Para fins previstos nesta Lei, entende-se por:


I – Meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas.

Percebe-se que a conceituação legal é ampla, abrigando não somente a relação do


ambiente ao homem, mas também a todas as formas de vida e a tudo aquilo que a permite, que a
abriga e rege.
Pode-se dizer que tal conceito legal foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988,
como se pode observar ao analisar o caput de seu artigo 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

19
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 263.
20
MILARÉ, E. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 52.
10

Trata-se de um dispositivo complexo, multifacetário. A primeira parte aponta como


direito de todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, traz à tona a
característica do bem difuso, onde brasileiros e estrangeiros residentes no país podem reclamar a
titularidade de tal direito, valorizando assim, a importância do ser humano e respeitando o inciso
III do artigo 1º.
Com a promulgação da Constituição Federal em 12 de outubro de 1988, o meio ambiente
passou a contar com a proteção de um dos textos mais avançados do mundo. A Carta Magna
concedeu ao meio ambiente um espaço próprio em seu texto. Trata-se do Capítulo IV – “Do
Meio Ambiente”, inserido no Título VIII – “Da Ordem Social”. Fora o que se encontra
condensado no artigo 225, encontram-se espalhados pela Constituição Federal diversos
dispositivos que tratam o meio ambiente de maneira direta ou indireta.
O terceiro e quarto requisitos dizem respeito ao aspecto social da função da terra. Tem-se
nesses requisitos a obrigação (obrigações trabalhistas: salário, férias, aviso prévio etc.) do
proprietário das terras para com os empregados.
Tais requisitos devem existir simultaneamente na propriedade rural para que sua função
social esteja caracterizada. Sobre o disposto, leciona Silva21:

A propriedade que produza e gere empregos, mas que não preserve o meio
ambiente, não cumpre a função social e, portanto, está passível de
desapropriação para a reforma agrária. Dessa forma, se ela preservar o meio
ambiente e produzir, mas não respeitar as leis trabalhistas, nem gerar empregos,
ela não cumpre sua função social. É o que se depreende diretamente do art.
186.

Importante mencionar o artigo 9º da Lei 8.629, de 25.02.1993, que tem por escopo
detalhar os preceitos constitucionais referentes à função social da propriedade:

Art. 9º. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende


simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes
requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio-ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
§ 1º – Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos parágrafos 1º
a 7º, do art. 6º desta Lei.
§ 2º – Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis
quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a
manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3º – Considera-se preservação do meio-ambiente a manutenção das
características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais,
na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da
saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.
§ 4º – A observância das disposições que regulam as relações de trabalho
implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho,
como as disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria
rurais.

21
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 265.
11

§ 5º – A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores


rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que
trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca
conflitos e tensões sociais do imóvel.

Infelizmente o que se constata na prática é o oposto da teoria. Tal artigo da Carta Magna
soa, na maioria das vezes, como algo utópico, devido o Brasil rural conservar ranços no que tange
aos requisitos da função social: o econômico, o social e o ambiental.
Pelo exposto, deve-se entender que a função social é um limite encontrado pelo legislador
para delinear a propriedade, em obediência ao princípio da prevalência do interesse público sobre
o particular, pois aquele representa a vontade da coletividade. Se a função social da propriedade
não for cumprida, fica sujeito o proprietário ao conteúdo do artigo 184 da Constituição Federal
de 1988:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula
de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei.

Varella22 diz que a União tem o dever de desapropriar os imóveis que não cumprirem sua função
social, visando à concretização da igualdade do acesso à terra e da melhoria do bem-estar da sociedade como um
todo.
Portanto, acerca da desapropriação por interesse social, cumpre destacar que esta é de
competência exclusiva da União, limitando-se à propriedade rural, sendo o descumprimento da
função social o requisito essencial autorizador da desapropriação, objetivando-se, contudo, a
redistribuição de imóveis rurais que não cumprem sua função social. Observe-se ainda que esta
modalidade de desapropriação se dá com o pagamento da justa e prévia indenização em títulos da
dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos.

3.2.4 A problemática do inciso II do artigo 185 da Constituição Federal

De acordo com o disposto em seu artigo 184, a Constituição Federal exige a


desapropriação das terras que não cumpram sua função social. Entretanto, há que se discorrer a
respeito da discrepância entre os artigos 185 e 186, pois o que se entende é que a propriedade
produtiva não pode ser desapropriada. Mas e se essa propriedade produtiva não estiver
cumprindo sua função social (simultaneidade dos incisos do artigo 186)?
Ditam os artigos 185 e 186 da Constituição Federal de 1988:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:


I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
22
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997. p. 245.
12

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos


trabalhadores.

Quanto ao primeiro inciso do artigo 185 não se encontram problemas. A fonte de


controvérsia é o inciso II, pois se entende que tal dispositivo constitui mecanismo jurídico para
evitar a desapropriação de qualquer propriedade produtiva, seja ela cumpridora ou não da função
social exigida pelo artigo 186.
Sobre o assunto, Silva23 diz que isto nos leva à situação de se ver impossibilitada para reforma
agrária uma área cuja produtividade se baseie no trabalho escravo, ou na derrubada indiscriminada da mata.
Pela análise dos dois artigos, percebe-se que o artigo 186 possui apenas um inciso que
corresponde ao inciso II do artigo 185. Trata-se do inciso I (aproveitamento racional e
adequado), sendo que os demais incisos não se encontram vinculados com o que dispõe o artigo
185.
Logo, usando as palavras de Varella24, é perfeitamente possível a existência de uma propriedade
produtiva que não cumpra sua função social. Assim, não seria importante a análise dos outros quesitos
do artigo 186 (incisos II, III e IV). Constata-se, em um primeiro momento, antinomia entre o
inciso II do artigo 185 e os incisos II, III e IV do artigo subseqüente.
Sobre o assunto, é entendimento da corrente doutrinária majoritária, com base em
profundos estudos de hermenêutica jurídica, entender a expressão “propriedade produtiva” do
inciso II do artigo 185 como propriedade produtiva, que atende ao meio ambiente, possui boas relações
de trabalho e promove o bem-estar social produtiva , de acordo com o que leciona Varella25. Ou seja,
subentende-se que todos os incisos do artigo 186 estejam contidos no inciso II do artigo 186 da
Constituição Federal.
Inconcebível a interpretação em que o conteúdo do inciso II do artigo 185 anule o artigo
186, ou seja, que basta a produtividade da terra para que a propriedade rural não seja passível de
desapropriação, pois se iria indo contra a Constituição Federal, contra o meio ambiente,
contra o bem-estar social da sociedade e contra o direito de igualdade ao acesso do progresso
humano.

4. A PROPRIEDADE E O ATUAL CÓDIGO CIVIL

Com o advento da Constituição de 1988, que além de trazer dispositivos expressos sobre
a função ambiental da propriedade, fundamenta a legislação ambiental infraconstitucional,
passando a configurar um direito-dever, dando a legislação ambiental instrumentos suficientes
para o começo de política no sentido da proteção do meio ambiente.
O desconhecimento das normas ambientais e também constitucionais é notável quando
há conflito entre o interesse público e o interesse do proprietário. Muitos advogados e até juízes
abraçavam o artigo 524 do antigo Código Civil como se esse fosse o único a dispor sobre o
regime jurídico da propriedade. Havia um limitado entendimento por parte dos executores do
direito acerca das normas constitucionais e ambientais.
Porém o artigo 524 do Código de 1916 não definia o direito de propriedade, apenas
descrevia o conteúdo do direito, apresentando elementos para a sua definição A lei assegura ao
proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os
possua.
Beviláqua reconheceu impróprio atribuir ao domínio ou direito de propriedade os caracteres
de absoluto e ilimitado, embora seja a reunião mais completa de poderes de uma pessoa sobre uma coisa,
23
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 267.
24
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997. p. 250.
25
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997.p. 256.
13

mas sempre segundo os preceitos regulamentares da lei. Nesse sentido diz, é que devemos entender hoje a
proposição romana – plena in re potestas. O autor do projeto do Código Civil Brasileiro invoca os
dispositivos das Constituições de 1934 e 1937 para corroborar a afirmação de ser a propriedade
direito absoluto e ilimitado. É exclusiva, porque afasta do bem, que lhe é objeto, a ação de qualquer outra
pessoa, salvo disposição de lei ou contrato. O caráter de perpetuidade deve ser interpretado, segundo o
citado autor, no sentido de que a propriedade subsiste, independentemente de exercício, enquanto não sobrevêm
uma causa legal extinta.26
O caráter absoluto da propriedade não mais pode ser considerado frente às novas
concepções do direito civil, pois cada vez mais a sociedade como um todo impõe uma série de
limitações ao seu exercício. Usar, gozar e dispor não são direitos autônomos, mas faculdades
inseridas na situação jurídica subjetiva complexa chamada de propriedade. Porém, por envolver
coisa que economicamente tem valor de moeda – a terra, havia uma grande dificuldade em
entender que o direito de propriedade é apenas a possibilidade de um exercício de poder sobre
uma coisa, com base na vontade do proprietário, respeitando as leis e os direitos de terceiros,
bem como seu fim econômico e social (como a função ambiental).
Em relação especificamente à função social/ambiental da propriedade como requisito
para garantia do direito de propriedade e como função atribuída ao Estado e ao particular, o que
se alegava para justificar a não aplicação da norma constitucional era que não existia
regulamentação que desse o conceito de função ambiental da propriedade, mesmo frente ao art.
186 da CF. Ora, este artigo é claro quanto aos requisitos a serem atendidos pela propriedade rural
e a legislação ambiental é especifica quanto às obrigações do proprietário em relação aos
elementos naturais e à forma como devem ser protegidos.
Com a chegada do novo Código Civil, soluciona-se a questão, inserindo em seu art. 1228 § 1º
a função social e a função ambiental:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.

Percebe-se então que o novo código atualizou-se e menciona questões não abordadas no
Código de 1916. Ao exigir a consonância entre a propriedade e a sua finalidade econômica e social,
o legislador dá respaldo aos executores do direito de reconhecerem ou não o direito de
propriedade de alguém.
Por força de princípios constitucionais (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 186,
inciso II e 225 caput da CF) ficou a cargo do proprietário rural o cumprimento da função social
de sua propriedade, entre outras providências, através da preservação do meio ambiente. Deve
ainda preservar o meio ambiente não só para as presentes, mas também para as futuras gerações.
A aquisição do domínio e posse do imóvel rural, quando já não havia parte da cobertura vegetal
na propriedade, não afasta a responsabilidade do adquirente.27
Trata-se de uma responsabilidade objetiva e solidária consubstanciada na obrigação real –
propter rem. Obrigação essa que se prende ao titular do direito real.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

26
Apud MORAM, Maria Regina Pagetti. Função social e legitimidade à atribuição do direito de
propriedade. Franca: Revista de Estudos Jurídicos UNESP. 1998. p. 71.
27
PACCAGNELLA, Luiz Henrique. Função sócioambiental da propriedade rural e áreas de preservação
permanente e reserva florestal legal. São Paulo: RT Direito Ambiental. Vol 8. 1997. p.11-12.
14

Constatou-se pelo presente estudo que, hodiernamente, a propriedade é garantida,


constitucionalmente, como direito fundamental do indivíduo, uma vez que o caput do artigo 5º da
Constituição Federal garante o direito à propriedade como algo inviolável, portanto, como
garantia fundamental. Contudo, para tanto, a propriedade deve cumprir sua função social.
A função social do campo é tratada como realidade nacional. Optou-se, portanto, em
centralizar a questão da terra nas mãos da União. A função social da propriedade é considerada
como fundamento básico, em que o interesse individual deve ser submetido ao interesse geral.
Importante salientar, como ficou comprovado na presente pesquisa, o efeito
importantíssimo da função social da propriedade definida como Direito Fundamental, e também
de constar no rol das cláusulas pétreas do artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988. Ou
seja, enquanto viger a Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade e seu
conteúdo não poderão ser alterados.
Outro fator de grande relevância sobre a função social da propriedade é sua conexão com o
princípio da ordem econômica, pois a propriedade privada e a sua função social são tratadas pelo
artigo 170 da Constituição, inserido no Capítulo dos “Princípios Gerais da Atividade
Econômica”. Constatou-se que, a função social da propriedade rural, como princípio da atividade
econômica, significa que o proprietário deve agir de acordo com os requisitos da função social,
sob a sanção da desapropriação por parte do Estado.
Outro aspecto analisado no que tange à função social da propriedade rural é o que dispõe
o artigo 186 da Constituição Federal de 1988. O imóvel rural deve ser aproveitado de forma
racionalmente adequada, ou seja, através da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis
e da preservação do meio ambiente, em que se deve levar em conta que a terra é um bem de todos,
devendo ser preservada para que as presentes e futuras gerações possam dela desfrutar. Não se
deve esquecer o que o artigo 186 discorre a respeito das relações de trabalho e sobre a
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Tais requisitos devem ser cumpridos de forma simultânea. Se assim não for, a
propriedade não estará cumprindo sua função social e será passível de ser desapropriada para fins
de reforma agrária.
Outro tópico tratado no trabalho diz respeito ao inciso II do artigo 185 da Constituição
Federal, que considera a propriedade produtiva como insuscetível de desapropriação para fins de
reforma agrária. Isso leva à situação de se ver impossibilitada para reforma agrária uma área cuja
produtividade se baseie no trabalho escravo, ou na derrubada indiscriminada da mata, ou mesmo
que a produtividade tenha sido irrelevante ou inadequada. Entende-se que não importa como,
mas se a propriedade é produtiva, não será suscetível de desapropriação.
Finalizando, há de se dizer que o presente trabalho buscou discorrer sobre a função social
da propriedade rural, entretanto sem o propósito de esgotar o assunto, por tratar-se de tema
bastante abrangente e com certo grau de complexidade.
Concluiu-se tratar a propriedade de direito fundamental, mas para que isso ocorra, ela
deve cumprir sua função social (aproveitamento racional da propriedade, utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis, preservação do meio ambiente, relações de trabalho e exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores) para que não seja
desapropriada para fins de reforma agrária.

BIBLIOGRAFIA

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ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. p.159. In: Direito agrário brasileiro /
Raymundo Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
1998.
15

FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
GISCHKOW, Emílio Alberto Maya. Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma
agrária. São Paulo: Saraiva, 1988.
MILARÉ, E. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
MORAM, Maria Regina Pagetti. Função social e legitimidade à atribuição do direito de
propriedade. Franca: Revista de Estudos Jurídicos UNESP. 1998.
PACCAGNELLA, Luiz Henrique. Função sócioambiental da propriedade rural e áreas de
preservação permanente e reserva florestal legal. São Paulo: RT Direito Ambiental. Vol 8. 1997.
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992.
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e
sociológicos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9,
out./dez. 2001.
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos
conflitos sociais. Leme: Editora de Direito, 1997.

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