Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
RESUMO
O objetivo do presente estudo é a análise histórica da propriedade e sua função social no Brasil e
dos dispositivos a ela concernentes inseridos na Constituição Federal e no atual Código Civil.
ABSTRACT
The objective of the present study is the historical analysis of the property and its social function
in Brazil and of the inserted concernments devices of it in the Federal Constitution and the
current Civil Code.
Keywords: property, social function, Federal Constitution, Civil Code.
RÉSUMÉ
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
*
Advogado em Ribeirão Preto, SP. Mestrando em Direito.
**
Advogada em Ribeirão Preto, SP. Mestrando em Direito.
1
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 17. Apud
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 1.
2
GISCHKOW, Emílio Alberto Maya. Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma agrária. São
Paulo: Saraiva, 1988. p. 21.
2
O vocábulo “agrário” vem do latim ager, agri, ou seja, campo, idéia de campo como
suscetível de produção. Difere seu significado do vocábulo “rural”, pois este se origina de rus,
palavra de origem latina que também significa campo, mas com a idéia daquilo que é oposto à
cidade (urbs), com o sentido de localização, apenas.
Não se trata a questão agrária de uma simples e mera problemática. Vai mais além, pois,
para que se possa discutir construtivamente a respeito do assunto, deve-se ter em mente a questão
da justiça social. Para isso é necessário o estudo de certos dispositivos legais vinculados à questão
da função social da propriedade rural e ao direito de propriedade, bem como da evolução histórica
da propriedade, como se verá adiante.
Desde a Grécia Antiga já se discutia a problemática das terras, bem como já se processavam
movimentos agrários (luta da plebe contra os patrícios e a nobreza). Há de se dizer também de
Atenas e Esparta, que disputavam a liderança política e econômica do mundo antigo. A princípio,
tanto os conquistadores dóricos da Lacônia (espartanos), quanto os jônicos da Ática (atenienses),
tinham por base uma organização comunitária, mas com o desenvolvimento da agricultura e
da pecuária, com a expansão da propriedade privada e das cidades, tal organização se modificou.
Tais fatos deram ensejo ao desenvolvimento do comércio e da navegação e,
conseqüentemente, ao surgimento das guerras, trazendo novas riquezas e novos hábitos. Licurgo,
figura legendária da história, surge em Esparta. Naquela época, reinava em Esparta grande
desigualdade social, em que a maioria esmagadora de cidadãos padecia na miséria, enquanto uma
ínfima minoria desfrutava da riqueza. Com a finalidade de suprimir todos os males decorren-
tes dessa desigualdade, Licurgo persuadiu os proprietários de terras à que entregassem
seus bens à coletividade, para que todos pudessem viver em pé de igualdade.
De acordo com Ferreira3, a região da Lacônia foi repartida em “30 mil partes entre seus
habitantes, e as terras que circundavam Esparta, em 9 mil partes”. Ao contrário da legislação
comunista de Esparta, em Atenas reinava a nobreza. No ano de 621 a.C., coube a Drácon
codificar as leis escritas. Penas bastante severas eram aplicadas, especialmente no que tocava o
direito de propriedade. Como conseqüência de tamanha severidade as “Leis de Drácon”
tornaram-se sinônimo de grande brutalidade.
Posteriormente, tais leis foram substituídas pela legislação do líder Sólon, considerada
mais humanas com o escopo de evitar uma revolução da plebe. Entretanto tais leis não
agradaram nem à plebe nem à nobreza.
Clístenes, em 509 a.C., estabeleceu a democracia na Grécia. Atenas tornou-se a maior
cidade do mundo, com cerca de 300 mil habitantes, tornando-se pólo de arte, filosofia, ciência,
literatura, indústria, navegação e comércio. Atenas deixou de ser um Estado agrícola para se
tornar uma potência marítima.
Tal desenvolvimento trouxe grande preocupação aos trabalhadores livres (proprietários
de imóveis rurais com extensão de 6 a 50 hectares), pois tiveram que lutar contra o capitalismo e
contra a concorrência do trabalho escravo, situação que denunciava a falta da verdadeira
democracia, pois o que imperava na Grécia Antiga era uma democracia escravista.
3
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 38.
3
Platão (429-347 a.C.), em sua obra A República, deu um passo importante na definição de
propriedade. Descreveu o Estado ideal, segundo suas próprias concepções, concluindo que a
melhor forma para se alcançar a Justiça é a construção de um Estado (diga-se aqui cidade-Estado,
a polis).
De acordo com Silva4:
Pode-se dizer que a Idade Média foi um período marcado por conflitos que envolveram a
nobreza e os campesinos, sendo estes severamente reprimidos. Era o momento em que as
manufaturas se desenvolviam e os campos eram convertidos em pastagens para ovelhas, criando-se,
4
SILVA, Rafael Egídio Leal. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo.,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 255.
5
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 44.
6
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 45.
4
assim, uma massa de excluídos sem chances de progresso, cabendo-lhes apenas a mendicância ou
a ladroagem.
Começaram a surgir nesta época algumas obras com a intenção de tratar de problemas
sociais, incluindo a questão da propriedade. Dentre elas, encontra-se a obra Utopia (1516), de
Thomas More, onde o autor discorre sobre um novo sistema de justiça, em que o que realmente
importa é o valor moral de cada indivíduo, e não as posses acumuladas. Qualquer noção de
propriedade deveria ser destruída para a garantia da justiça e da paz social.
Para John Locke, o Estado é fundado através do Contrato Social e considera que o fim
maior e principal para os homens se unirem em sociedades políticas e se submeterem a um
governo é a conservação de sua propriedade. Locke defende a idéia de que a propriedade privada
decorre diretamente da liberdade e da racionalidade do indivíduo.
Sobre a Revolução Francesa, leciona Borges7:
Dita o Código Napoleônico que propriedade é o direito de gozar e de dispor das coisas
de maneira absoluta, desde que seu uso não viole leis ou regulamentos. Já a Constituição dizia que
era devida a indenização no caso de desapropriação. Pode-se dizer, então, que o direito de
desapropriar consolidou o direito de propriedade.Importante salientar a crítica de Marx à ideologia
liberal. Marx defende a idéia de que a terra não constitui capital, mas somente mercadoria. Sobre
as idéias de Marx, Silva8 discorre:
7
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.
8
SILVA, Rafael Egídio Leal. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo.,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 257.
5
Por fim, a Constituição Federal de 1988 trata da propriedade como direito fundamental
do indivíduo, uma vez que o caput do artigo 5º garante o direito da propriedade como algo inviolável.
Todavia, o inciso XXIII do referido artigo dita: a propriedade atenderá a sua função social.
Importante salientar que tanto a propriedade rural como a urbana devem cumprir sua
função social. Contudo, na presente pesquisa, o enfoque será dado apenas à função social da
propriedade rural.
9
ARAÚJO, Telga de. "A propriedade e sua função social". p.159. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
10
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992. p. 72.
11
ARAÚJO, Telga de. "A propriedade e sua função social". p.163. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
6
Segundo Silva12, a ordem social que a Lei Maior instituiu tem por base a construção desses objetos e o
intérprete da lei deve pautar-se por eles. Ou seja, os Direitos e Garantias Fundamentais (dando-se
ênfase ao rol do artigo 5º, assegurado pelo artigo 3º da Constituição Federal de 1988) são
considerados como a coluna vertebral de todo o ordenamento jurídico, pois é através de seu
cumprimento que se dará ensejo para o desenvolvimento social, político e jurídico do país.
De acordo com o que foi dito, o sistema dos direitos fundamentais constitucionalmente
consagrado é concebido como um complexo normativo hierárquico no conjunto do sistema
jurídico em geral, dele derivando conseqüências jurídicas, pois se encontra posicionado no mais
alto degrau das fontes dos direitos: as normas constitucionais.
Os direitos fundamentais estão inseridos nos princípios constitucionais fundamentais.
Sem eles, a Constituição não seria mais que uma reunião de normas que somente teria em
comum o fato de estarem incluídas num mesmo texto legal. Importante salientar que os direitos e
garantias fundamentais não são frutos da elaboração de uma Constituição, mas elementos que
servem de sustentação e edificação da mesma.
Já dizia Bobbio13: Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou
seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez. As Constituições apenas os certificam, declaram e
garantem. E acrescenta: O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições
democráticas modernas.
Sobre o tema, Moraes14 enfatiza:
12
SILVA, Rafael Egídio Leal e. "Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos".
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 259.
13
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.
14
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 57.
7
Para que se dê início à análise da legislação pátria no tocante à propriedade privada, mister
se faz a citação do caput do artigo 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá sua função social.
Juntamente com tais incisos, deve-se levar em conta o disposto no § 1º do referido artigo,
que diz: as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Já de princípio nota-se que a todos é assegurado o direito de propriedade (direito
individual). Todavia tal direito é acompanhado da seguinte cláusula imperativa: “a propriedade
atenderá sua função social”. Portanto, a função social possui caráter de dever coletivo, estando o
direito à propriedade garantido se sua função social for cumprida.
Segundo Abinagem15 a propriedade agrária caracteriza-se pelo fato de constituir bens que não se
destinam ao consumo, mas aptos a produzir bens para o consumo. E acrescenta: A terra é uma máquina
natural de produção. Percebe-se, logo, a importância do cumprimento da função social da
propriedade rural.
O papel da função social da propriedade privada é fazer submeter o interesse individual
ao interesse coletivo (bem-estar geral). O verdadeiro significado da função social da propriedade
não é de diminuição do direito de propriedade, mas de poder-dever do proprietário, devendo este
dar à propriedade destino determinado. Completando o pensamento, Araújo16 afirma que:
A propriedade rural, mais que a urbana, deve cumprir a sua função social para
que, explorada eficientemente, possa contribuir para o bem-estar não apenas de
seu titular, mas, por meio de níveis satisfatórios de produtividade e sobretudo
justas relações de trabalho, assegurar a justiça social a toda a comunidade rural.
Complementando, Rocha17 discorre que a propriedade não pode atender tão-só ao interesse do
indivíduo, egoisticamente considerado, mas também ao interesse comum, da coletividade da qual o titular do
domínio faz parte integrante.
Sobre o assunto, Varella18 ensina que como conseqüência da evolução social, pode-se observar o
crescimento das ideologias sociais-democratas que têm como característica comum a limitação do direito de
propriedade, vinculando-a ao cumprimento de sua função social.
Outro fator que merece ser mencionado em relação à função social da propriedade é que
15
ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 161.
16
ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. p.161. In: Direito agrário brasileiro / Raymundo
Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
17
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992. p. 71.
18
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997. p. 216.
8
Art. 60 [...]
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
IV – os direitos e garantias individuais.
Tal norma confere estabilidade à função social da propriedade, ou seja, enquanto vigorar
a Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade não poderá ser alterada.
O primeiro requisito do artigo 186 diz respeito ao aspecto econômico, pois se refere à
produtividade do imóvel rural. De acordo com Silva19, aproveitar racionalmente a terra significa
procurar sempre utilizar a melhor técnica agrícola no trabalho do solo (...). É utilizar na terra o tratamento técnico
e científico adequado.
O segundo requisito é a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente.
A expressão “meio ambiente” (milieu ambient), de acordo com Milaré20, foi utilizada pela
primeira vez pelo naturalista francês Geoffroy de Saint-Hilaire na obra Études progressives d’un
naturaliste, de 1835.
A palavra ambiente significa recinto, sítio, lugar, local, tudo aquilo que envolve os seres
vivos e as coisas. O vocábulo meio indica o espaço onde se desenvolve a vida e a atividade dos
seres vivos, o lugar em que se vive.
Constata-se, portanto, a redundância da expressão meio ambiente. Contudo, trata-se de uma
expressão consagrada e solidificada na língua portuguesa, utilizada tanto pela doutrina, lei e
jurisprudência pátria. Tal fato é facilmente constatado no Direito positivo nacional, dado pela Lei
6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
19
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 263.
20
MILARÉ, E. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 52.
10
A propriedade que produza e gere empregos, mas que não preserve o meio
ambiente, não cumpre a função social e, portanto, está passível de
desapropriação para a reforma agrária. Dessa forma, se ela preservar o meio
ambiente e produzir, mas não respeitar as leis trabalhistas, nem gerar empregos,
ela não cumpre sua função social. É o que se depreende diretamente do art.
186.
Importante mencionar o artigo 9º da Lei 8.629, de 25.02.1993, que tem por escopo
detalhar os preceitos constitucionais referentes à função social da propriedade:
21
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 265.
11
Infelizmente o que se constata na prática é o oposto da teoria. Tal artigo da Carta Magna
soa, na maioria das vezes, como algo utópico, devido o Brasil rural conservar ranços no que tange
aos requisitos da função social: o econômico, o social e o ambiental.
Pelo exposto, deve-se entender que a função social é um limite encontrado pelo legislador
para delinear a propriedade, em obediência ao princípio da prevalência do interesse público sobre
o particular, pois aquele representa a vontade da coletividade. Se a função social da propriedade
não for cumprida, fica sujeito o proprietário ao conteúdo do artigo 184 da Constituição Federal
de 1988:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária, com cláusula
de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei.
Varella22 diz que a União tem o dever de desapropriar os imóveis que não cumprirem sua função
social, visando à concretização da igualdade do acesso à terra e da melhoria do bem-estar da sociedade como um
todo.
Portanto, acerca da desapropriação por interesse social, cumpre destacar que esta é de
competência exclusiva da União, limitando-se à propriedade rural, sendo o descumprimento da
função social o requisito essencial autorizador da desapropriação, objetivando-se, contudo, a
redistribuição de imóveis rurais que não cumprem sua função social. Observe-se ainda que esta
modalidade de desapropriação se dá com o pagamento da justa e prévia indenização em títulos da
dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos.
Com o advento da Constituição de 1988, que além de trazer dispositivos expressos sobre
a função ambiental da propriedade, fundamenta a legislação ambiental infraconstitucional,
passando a configurar um direito-dever, dando a legislação ambiental instrumentos suficientes
para o começo de política no sentido da proteção do meio ambiente.
O desconhecimento das normas ambientais e também constitucionais é notável quando
há conflito entre o interesse público e o interesse do proprietário. Muitos advogados e até juízes
abraçavam o artigo 524 do antigo Código Civil como se esse fosse o único a dispor sobre o
regime jurídico da propriedade. Havia um limitado entendimento por parte dos executores do
direito acerca das normas constitucionais e ambientais.
Porém o artigo 524 do Código de 1916 não definia o direito de propriedade, apenas
descrevia o conteúdo do direito, apresentando elementos para a sua definição A lei assegura ao
proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os
possua.
Beviláqua reconheceu impróprio atribuir ao domínio ou direito de propriedade os caracteres
de absoluto e ilimitado, embora seja a reunião mais completa de poderes de uma pessoa sobre uma coisa,
23
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e sociológicos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9, out./dez. 2001. p. 267.
24
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997. p. 250.
25
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos
sociais. Leme: Editora de Direito, 1997.p. 256.
13
mas sempre segundo os preceitos regulamentares da lei. Nesse sentido diz, é que devemos entender hoje a
proposição romana – plena in re potestas. O autor do projeto do Código Civil Brasileiro invoca os
dispositivos das Constituições de 1934 e 1937 para corroborar a afirmação de ser a propriedade
direito absoluto e ilimitado. É exclusiva, porque afasta do bem, que lhe é objeto, a ação de qualquer outra
pessoa, salvo disposição de lei ou contrato. O caráter de perpetuidade deve ser interpretado, segundo o
citado autor, no sentido de que a propriedade subsiste, independentemente de exercício, enquanto não sobrevêm
uma causa legal extinta.26
O caráter absoluto da propriedade não mais pode ser considerado frente às novas
concepções do direito civil, pois cada vez mais a sociedade como um todo impõe uma série de
limitações ao seu exercício. Usar, gozar e dispor não são direitos autônomos, mas faculdades
inseridas na situação jurídica subjetiva complexa chamada de propriedade. Porém, por envolver
coisa que economicamente tem valor de moeda – a terra, havia uma grande dificuldade em
entender que o direito de propriedade é apenas a possibilidade de um exercício de poder sobre
uma coisa, com base na vontade do proprietário, respeitando as leis e os direitos de terceiros,
bem como seu fim econômico e social (como a função ambiental).
Em relação especificamente à função social/ambiental da propriedade como requisito
para garantia do direito de propriedade e como função atribuída ao Estado e ao particular, o que
se alegava para justificar a não aplicação da norma constitucional era que não existia
regulamentação que desse o conceito de função ambiental da propriedade, mesmo frente ao art.
186 da CF. Ora, este artigo é claro quanto aos requisitos a serem atendidos pela propriedade rural
e a legislação ambiental é especifica quanto às obrigações do proprietário em relação aos
elementos naturais e à forma como devem ser protegidos.
Com a chegada do novo Código Civil, soluciona-se a questão, inserindo em seu art. 1228 § 1º
a função social e a função ambiental:
Percebe-se então que o novo código atualizou-se e menciona questões não abordadas no
Código de 1916. Ao exigir a consonância entre a propriedade e a sua finalidade econômica e social,
o legislador dá respaldo aos executores do direito de reconhecerem ou não o direito de
propriedade de alguém.
Por força de princípios constitucionais (art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 186,
inciso II e 225 caput da CF) ficou a cargo do proprietário rural o cumprimento da função social
de sua propriedade, entre outras providências, através da preservação do meio ambiente. Deve
ainda preservar o meio ambiente não só para as presentes, mas também para as futuras gerações.
A aquisição do domínio e posse do imóvel rural, quando já não havia parte da cobertura vegetal
na propriedade, não afasta a responsabilidade do adquirente.27
Trata-se de uma responsabilidade objetiva e solidária consubstanciada na obrigação real –
propter rem. Obrigação essa que se prende ao titular do direito real.
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
26
Apud MORAM, Maria Regina Pagetti. Função social e legitimidade à atribuição do direito de
propriedade. Franca: Revista de Estudos Jurídicos UNESP. 1998. p. 71.
27
PACCAGNELLA, Luiz Henrique. Função sócioambiental da propriedade rural e áreas de preservação
permanente e reserva florestal legal. São Paulo: RT Direito Ambiental. Vol 8. 1997. p.11-12.
14
BIBLIOGRAFIA
ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 161.
ARAÚJO, Telga de. A propriedade e sua função social. p.159. In: Direito agrário brasileiro /
Raymundo Laranjeira – coordenador. – São Paulo: LTr, 1999. Vários autores.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
1998.
15
FERREIRA, Pinto. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
GISCHKOW, Emílio Alberto Maya. Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma
agrária. São Paulo: Saraiva, 1988.
MILARÉ, E. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
MORAM, Maria Regina Pagetti. Função social e legitimidade à atribuição do direito de
propriedade. Franca: Revista de Estudos Jurídicos UNESP. 1998.
PACCAGNELLA, Luiz Henrique. Função sócioambiental da propriedade rural e áreas de
preservação permanente e reserva florestal legal. São Paulo: RT Direito Ambiental. Vol 8. 1997.
ROCHA, Olavo Acyr de Lima. A desapropriação no direito agrário. São Paulo: Atlas, 1992.
SILVA, Rafael Egídio Leal e. Função social da propriedade rural: aspectos constitucionais e
sociológicos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo,v. 37, ano 9,
out./dez. 2001.
VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos
conflitos sociais. Leme: Editora de Direito, 1997.